SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2012

 

 

Plasmocitoma solitário em mandíbula: relato de caso

 

Solitary plasmacytoma of the mandible: a case report

 

 

Rafael HilgertI; Luiz Afonso Morgenstern da FonsecaII; Felipe Friedrich RibeiroIII; Leonardo Yoshiura SoaresIII

I Cirurgião Buco-maxilo-facial, Hospital Infantil Jesser Amarante Faria, Joinville, SC.
II Mestre em CTBMF, Coordenador da Residência em CTBMF do Hospital Municipal São José, Joinville, SC.
III Residente, Serviço de CTBMF, Hospital Municipal São José, Joinville, SC.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os plasmócitos representam o estágio final da maturação dos linfócitos B. São células, que normalmente habitam a medula óssea e se especializam na produção de imunoglobulina. Plasmocitoma é caracterizado por uma proliferação neoplásica monoclonal de plasmócitos, e o curso da doença pode ser restrito a uma área medular, plasmocitoma solitário ósseo (PSO), uma área extramedular, plasmocitoma extramedular (PEM) ou pode envolver muitas áreas, mieloma múltiplo. Este artigo relata um caso de plasmocitoma ósseo solitário em mandíbula em paciente de 63 anos, diagnosticado em fase precoce e tratado com 25 sessões de radioterapia, totalizando 45 Gy. Como tal lesão representa uma fase inicial do mieloma múltiplo, em vez de uma patologia clínica distinta, e só raramente o diagnóstico é realizado nas fases iniciais da doença, abordaremos questões relevantes ao diagnóstico precoce bem como o acompanhamento a longo prazo.

Descritores: Plasmocitoma; Mandíbula; Mieloma múltiplo.


ABSTRACT

Plasma cells represent the final maturation stage of B lymphoid cells. They normally originate in the bone marrow and specialize in producing immunoglobulin. Plasmacytoma is characterized by a monoclonal neoplastic proliferation of plasma cells and the course of the disease may be confined to one medullary area of the bone - solitary osseous plasmacytoma (SOP), to one extramedullary area - extramedullary plasmacytoma (EMP), or may, in the case of multiple myeloma, involve many areas. This article describes a case of solitary osseous plasmacytoma of the jaw diagnosed at an early stage in a 63-year-old patient and treated with 25 sessions of radiotherapy totaling 45 Gy. As such a lesion represents an early stage of multiple myeloma, rather than a distinct clinical condition, and the diagnosis is rarely performed in the early stages of the disease, important issues relevant to early diagnosis and the long-term follow-up are addressed.

Keywords: Plasmacytoma, mandible, multiple myeloma.


 

 

INTRODUÇÃO

Os plasmócitos representam o estágio final da maturação dos linfócitos B. são células que normalmente habitam a medula óssea e se especializam na produção de imunoglobulina. Plasmocitoma é uma proliferação neoplásica monoclonal de plasmócitos, e o curso da doença pode ser restrito a uma área medular, plasmocitoma solitário ósseo (PSO), uma área extramedular, plasmocitoma extramedular (PEM) ou pode envolver muitas áreas1,2. O mieloma múltiplo é uma doença sistêmica que envolve muitos ossos e está associada com um prognóstico pobre. Os sintomas incluem dor óssea, fratura patológica, insuficiência renal, hipercalcemia, emagrecimento, anemia, trombocitopenia e neutropenia. A incidência é baixa, com 1% de todas as neoplasias malignas e 10% de todas as neoplasias hematológicas. Vértebras, costelas, crânio, pélvis, fêmur, clavícula e escápula são os ossos mais comumente envolvidos. A lesão única (PSO) pode ser vista duas vezes mais que o tipo extramedular, e sua transformação em mieloma múltiplo é significativamente maior3. Os achados clínicos estão relacionados com a localização única sobre o osso danificado4. Constitui cerca de 3-7% de todos os tumores de plasmócitos e é mais prevalente no sexo masculino, com relação de 2:1. Os locais mais comuns são ossos longos e vértebras, raramente envolvendo maxilares1,5. O PEM é raro, compreendendo cerca de 3% das neoplasias de plasmócitos, sendo que a maioria (80 a 90%) ocorre na região de cabeça e pescoço, mais frequentemente na nasofaringe e nos seios paranasais5,6,7. Este artigo relata um caso de plasmocitoma ósseo solitário em mandíbula, em paciente de 63 anos, diagnosticado em fase precoce e tratado com 25 sessões de radioterapia. Além disso, abordaremos questões relevantes ao diagnóstico precoce bem como o acompanhamento a longo prazo.

 

RELATO DE CASO

Paciente 63 anos de idade, gênero masculino, encaminhado ao ambulatório de CTBMF ao ser detectada uma lesão em exame radiográfico de rotina realizado por seu dentista. O raio-x panorâmico de mandíbula mostrava uma lesão unilocular de margens mal definidas, estendendo-se da região de corpo mandibular esquerdo, a partir de molares, englobando todo o ramo até a incisura da mandíbula (Figura 1). Ao exame intraoral, notava-se um pequeno aumento de volume em gengiva vestibular adjacente ao terceiro molar inferior esquerdo, demais tecidos e estruturas de coloração e aspecto normais. O paciente não relatou qualquer queixa álgica, e sua condição médica era normal. Foi realizada a remoção do terceiro molar inferior esquerdo e biópsia incisional por meio de curetagem via alvéolo. O anatomopatológico revelou fragmentos de tecido ósseo lamelar e compacto alterado pela proliferação de pequenas células arredondadas, morfologicamente caracterizadas como plasmócitos bem diferenciados em arranjo difuso, permeados por depósitos de material eosinofílico amorfo, de aspecto proteico (Figura 3). A imuno-histoquímica identificou plasmócitos normais e neoplásicos bem como proliferação celular em 20% das células (Figura 4). A tomografia computadorizada mostrou uma lesão expansiva, acometendo o arco mandibular esquerdo, medindo 22,8 x 37,46 mm, sem aparente comprometimento de partes moles adjacentes. O exame radiográfico do esqueleto não apontou nenhuma lesão óssea, além daquela encontrada na mandíbula. Cintilografia óssea corporal total apresentou um aumento focal da concentração do radiofármaco na mandíbula esquerda, sem alterações significativas no restante do esqueleto (Figura 6). Os achados laboratoriais encontravam-se dentro dos níveis de normalidade com 7080 leucócitos/mm3, hemácias 5,1 milhões/mm3, hemoglobina 14,8 g/dL, contagem de plaquetas 225 000/mm3. As dosagens de creatinina e cálcio identificaram, respectivamente, 0,9 mg/dL e 4,8 mg/dL. Biópsia de medula óssea apresentou morfologia tecidual normal com ausência de infiltração neoplásica (Figura 5) assim como a punção de medula óssea na qual foi encontrado 0,1% de plasmócitos. A imunofixação das proteínas do soro e da urina demonstrou ausência de proteínas monoclonais. Diante de todos os dados coletados, o diagnóstico da desordem foi de plasmocitoma solitário em mandíbula. O paciente foi encaminhado ao setor de oncologia do hospital, e o tratamento envolveu a radioterapia em um acelerador linear de 9 MV em 25 sessões de 1,8 Gy durante 5 semanas, totalizando 45 Gy, sem a inclusão das cadeias linfáticas cervicais. Apresentou desconforto em cavidade oral, ao longo do tratamento, em decorrência de mucosite de grau I, tratada com bochechos alcalinos e corticoides tópicos. Segue em acompanhamento, em nosso ambulatório, com 6 meses pós-radioterapia, com neoformação óssea quase completa (Figura 2) e sem demais intercorrências.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Plasmocitoma solitário ósseo raramente envolve maxilares e, quando é visto, apenas 4,4% ocorrem na mandíbula, mais comumente nas áreas da medula óssea rica do corpo, no ângulo e ramo da mandíbula1. Nosso caso descreve a mesma localização acima citada. É diagnosticado mediante a confirmação da lesão em um único sítio ósseo, proteína monoclonal sérica e/ou urinária ausente ou de baixa concentração: IgG sérica < 3g/dL; IgA sérica < 2g/dL: kappa ou lambda urinária < 1g/24h, plasmócitos < 10% em medula óssea ou ausentes e nenhum dano orgânico relacionado ao mieloma múltiplo8,9. Achados laboratoriais podem ser semelhantes ao mieloma múltiplo (componente M, disfunção renal, alterações de cálcio no sangue). No entanto, não podem estar presentes simultaneamente como complicações clínicas (insuficiência renal, doenças imunológicas, distúrbios neurológicos, hematológicos, amiloidose)1,2,4. Não foi detectada a presença de proteína monoclonal, e os achados laboratoriais estavam normais bem como os níveis séricos de cálcio e função renal. Proteína Bence Jones não estava presente na urina do paciente, e a punção de medula óssea mostrou 0,1% de plasmócitos. Lise e/ou fraturas ósseas são responsáveis por dor localizada de pacientes acometidos por plasmocitoma solitário. Dor óssea, na verdade, é o sintoma mais comum de pacientes acometidos por tumores de plasmócitos4. Outros sintomas comuns incluem parestesia, anestesia, mobilidade e migração dos dentes, hemorragias, inchaço nos tecidos duros e moles1,2,3,6. Não foi relatada nenhuma sintomatologia dolorosa por parte do paciente, bem como nenhuma característica acima descrita foi evidenciada por nós. As lesões ósseas são induzidas pelos plasmócitos neoplásicos, que liberam fator ativador de osteoclastos. Além disso, lise óssea, mesmo que localizada, pode resultar na mobilização de cálcio dos ossos, por vezes levando à hipercalcemia, a qual é rara em casos de plasmocitoma solitário, embora seja frequente no mieloma múltiplo. Anemia não está presente, porque a doença (PSO) ocorre predominantemente em um osso isolado e não envolve a medula óssea plenamente, assim a hematopoiese não é afetada. Tendências hemorrágicas podem ser observadas, se M-componente ligar-se a fatores de coagulação I, II, V, VII e VIII ou fator de Von Willenbrand. Insuficiência renal, doenças infecciosas e sepse, distúrbios neurológicos, amiloidose são complicações sistêmicas não vistas e relacionadas ao mieloma múltiplo4. O exame histopatológico nos permite chegar ao diagnóstico de tumor de plasmócitos, mas não existem achados patognomônicos que diferenciem plasmocitoma solitário e mieloma múltiplo5. Na descrição do comportamento displásico de plasmocitoma por Sukpaninchnant et al. 10, a graduação histológica foi considerada significativa na avaliação de sobrevida em mieloma múltiplo. Descobriram que os casos com acentuada displasia tinham uma diferença significativa na sobrevida mediana dos casos com displasia mínima ou moderada. Nosso paciente apresentou displasia mínima. Têm-se buscado fatores prognósticos da transformação em mieloma múltiplo, sem se chegar a resultados conclusivos. Níveis de proteína de Bence-Jones na urina superiores a 1 mg/cc são indicadores significativos. Outros fatores que podem influenciar, mas são inconclusivos, são a presença de linfoadenopatia, destruição óssea especialmente em indivíduos jovens e recidiva local5,11. Estudos relatam que o controle local e a sobrevida livre de mieloma foram mais prováveis de serem alcançados em pacientes com plasmocitomas menores que 5 cm12,13. Outro estudo concluiu que a persistência da proteína M por mais de um ano após a radioterapia indica a presença de mieloma múltiplo assintomático e que tais pacientes devem ser monitorados frequentemente14. Sobrevida média de um plasmocitoma solitário é maior do que em pacientes com mieloma múltiplo por causa da ausência de alterações de medula óssea difusa e de envolvimento reduzido de danos nos rins e no metabolismo do cálcio. No entanto, a remissão clínica completa é incomum4. Mais de 50% dos casos, já depois de um e numa média de 8 anos, sofre uma progressão da doença para mieloma múltiplo e a sobrevivência em 10 anos é de 16%. A sobrevida média é de 90 meses1,2,6. A radioterapia é o tratamento de escolha para o plasmocitoma solitário. Recomenda-se uma dose de 45 Gy em 20 frações durante 4 semanas. Tratamento adjuvante com quimioterapia na prevenção de progressão para mieloma múltiplo é controverso11,15. Nosso paciente foi tratado com 25 sessões de radioterapia de 1,8 Gy durante 5 semanas, totalizando 45 Gy, sem a inclusão das cadeias linfáticas cervicais e apresentou pequeno desconforto em cavidade oral em virtude de mucosite grau I. A mucosite é o efeito agudo de maior frequência e o maior fator dose-limitante para radioterapia na região de cabeça e pescoço. Sua intensidade, cronologia e duração estão relacionadas a fatores do tratamento, como volume de tecido irradiado, doses diária e total, localização da lesão, tipo de radiação16. Nosso paciente encontra-se com 6 meses de acompanhamento sem novas intercorrências, neoformação óssea e ciente do longo prazo de cuidados. Em conclusão, o plasmocitoma ósseo solitário representa uma fase inicial do mieloma múltiplo, em vez de uma patologia clínica distinta. Infelizmente, o diagn&oacut e;stico só muito raramente é realizado nas fases iniciais da doença, por isso se impõe um acompanhamento prolongado do paciente.

 

REFERÊNCIAS

1 - Canger EM, Çelenk P, Alkan A, Günhan Ö. Mandibular involvement of solitary plasmocytoma: A case report. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2007;12:7-9.         [ Links ]

2 - Muzio LL, Pannone G, Bucci P. Early clinical diagnosis of solitary plasmocytoma of the jaws: a case report with a six year follow-up. Int J Oral Maxillofac Surg 2001;30:558-60.

3 - Ozdemir R, Kayiran O, Oruç M, Karaaslan O, Kocer U, Ogün D. Plasmacytoma of the hard palate. J Craniofac Surg 2005;16:164-9.

4 – Di Micco P, Di Micco B. Up-date on solitary plasmacytoma and its main differences with multiple myeloma. Exp Oncol 2005;1:7-12.

5 - Pérez AJF, Mestre MS, Albert JRG, Sánchez JT. Plasmocitoma solitário de cabeza y cuello. Presentación de tres casos y revision de la literatura. Acta Otorrinolaringol Esp 2001; 52: 715-720

6 - Pisano JJ, Coupland R, Chen SY, Miller AS. Plasmacytoma of the oral cavity and jaws. A clinopathological study of 13 cases. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1997;83:265-7.

7 - Michalaki VJ, Hall J, Henk JM, Nutting CM, Harrington KJ. Definitive radiotherapy for extramedullary plasmacytomas of the head and neck. Br J Radiol. 2003;76:738-41.

8 - Owotade F, Ugboko V, Ajike S, Salawu L, Amusa Y, Omole M. Head and neck manifestations of myeloma in Nigerians. Int J Oral Maxillofac Surg 2005; 34:761-765.

9 – Durie BGM, Kyle RA, Belch A, et al. Myeloma management guidelines: a consensus report from the Scientific Advisors of the International Myeloma Foundation. The Hematology Journal 2003;4:379-398.

10 - Sukpaninchnant S, Cousar JB, Leelasiri A, Graber SE, Greer JP, Collins RD. Diagnostic criteria and histological grading in multiple mye¬loma: histologic and immunohistologic analysis of 176 cases with clinical correlation. Hum Pathol 1994;25:308-18.

11 - Jyothirmayi R, Gangadharan VP, Nair MK, Rajan B. Radiotherapy in the treatment of solitary plasmacytoma. Br J Radiol 1997; 70: 511-516.

12. Holland J, Trenkner DA, Wasserman TH, Fineberg B. Plasmacytoma. Treatment results and conversion to myeloma. Cancer. 1992;69:1513–1517.

13 - Tsang RW, Gospodarowicz MK, Pintilie M, et al. Solitary plasmacytoma treated with radiotherapy: Impact of tumor size on outcome. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2001;50:113–120.

14 – Wilder RB, Ha CS, Cox JD, Weber D, Delasalle K, Alexanian R. Persistence of myeloma protein for more than one year after radiotherapy is an adverse prognostic factor in solitary plasmacytoma of bone. Cancer 2002;94:1532–7.

15 - Mayr NA, Wen BC, Hussey DH, et al. The role of radiation therapy in the treatment of solitary plasmacytomas. Radiother Oncol. 1990;17:293–303.

16 - Köstler WJ, Hejna M, Wenzel C, Zielinski CC. Oral mucositis complicating chemotherapy and/or radiotherapy: options for prevention and treatment. CA Cancer J Clin. 2001;51:290-315.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Araranguá, 554 - América-Joinville/SC,
CEP: 89204-310

e-mail:
rafaelhilgert82@gmail.com