Serviços Personalizados
Artigo
Links relacionados
Compartilhar
Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2013
Cisto dentígero em seio maxilar: relato de dois casos
Dentígerous cyst in a maxillary sinus: a report of two cases
João Frank Carvalho DantasI; Vanessa Siqueira AraújoII; João Nunes Nogueira NetoIII; Taíse Menezes SantosIV; Elis Cristina Sousa SerraV; Viviane Almeida SarmentoVI
I Doutor em Estomatologia, Universidade Federal da Paraíba, UFPB, João Pessoa - PB, Brasil
II Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC Campinas, Campinas - SP, Brasil
III Cirurgião dentista, União Metropolitana de Educação e Cultura, UNIME, Lauro de Freitas - Ba, Brasil
IV Mestranda em Odontologia e Saúde, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal da Bahia, UFBa, Salvador - Ba, Brasil
V Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, UNESP, araraquara - SP, Brasil
VI Professora doutora do departamento de Propedêutica e Clínica Integrada, UFBa, Salvador - Ba, Brasil
RESUMO
O cisto dentígero é uma lesão ósseo-destrutiva, classificada como cisto odontogênico de desenvolvimento. Caracteriza-se pelo acúmulo de fluido entre a coroa e o epitélio reduzido do órgão do esmalte, causando aumento do folículo que envolve a coroa de um dente não irrompido. Tais lesões podem alcançar grandes proporções e assimetria facial, e seu tratamento é cirúrgico. Este trabalho relata dois casos de cisto dentígero, provocando grande deslocamento dentário para o interior do seio maxilar.
Descritores: Cisto dentígero. Seio Maxilar. Cirurgia Bucal.
ABSTRACT
The dentigerous cyst is a destructive bone lesion classified as a developmental odontogenic cyst. It is characterized by the accumulation of fluid between the crown and the reduced epithelium of the enamel organ, causing an enlarged follicle surrounding the crown of an unerupted tooth. Such lesions can attain large proportions, causing facial asymmetry, and their treatment is surgical. This paper reports two cases of a dentigerous cyst causing a major tooth displacement into the maxillary sinus.
Keywords: Dentigerous Cyst; Maxillary Sinus; Surgery.
INTRODUÇÃO
Cistos odontogênicos são lesões ósseo-destrutivas de ocorrência comum nos ossos maxilares. Essas enfermidades compreendem dois grupos principais, os de desenvolvimento e os cistos inflamatórios, considerando-se que todos surgem de resíduos epiteliais, oriundos da formação do órgão dentário. Entre os cistos odontogênicos, destaca-se o cisto dentígero como um dos mais estudados, em virtude da sua relativa frequência, de suas características clínicas e radiográficas peculiares e de sua intrigante etiopatogenia1.
O cisto dentígero é definido como um cisto odontogênico de desenvolvimento, que se origina a partir da separação do folículo, que envolve a coroa de um dente incluso, apresentando o termo "dentígero" o significado de "contendo um dente"2.
O intuito deste trabalho é relatar dois casos de cistos dentígeros únicos, unilaterais no interior do seio maxilar, causando deslocamentos consideráveis das unidades dentárias associadas.
RELATO DE CASOS
Relato de Caso 1
Paciente do gênero masculino, 20 anos de idade compareceu para atendimento, encaminhado por um cirurgião-dentista, após ter sido diagnosticado retenção atípica da unidade dentário 1.8, projetada para o interior do seio maxilar. Ao exame clínico, o paciente não apresentava histórico de doenças sistêmicas e queixava-se de episódios frequentes de sinusite e rinite. O exame intrabucal revelava coloração e textura normal na região de molares superiores à direita. À palpação, notava-se discreto abaulamento no rebordo alveolar com textura compressível. Durante a manobra de palpação, discreta quantidade de líquido purulento foi drenado pela região do sulco gengival do dente 1.7.
Na radiografia panorâmica, observa-se uma área radiolúcida contornando a coroa do dente 1.8, que se encontrava deslocado em direção cefálica, distando 25 mm do ápice da unidade dentária 1.7. A radiografia de Water's demonstrava adicionalmente alteração da transparência habitual dos seios maxilares, bilateralmente. Tomografia computadorizada em cortes coronais e axiais foi solicitada, a qual evidenciava o grande deslocamento da unidade dentária 1.8 para o interior do seio maxilar direito. Observou-se, também, a presença de espessamento da membrana sinusal do lado esquerdo, com obstrução do complexo óstio-meatal.
Foi realizada punção-aspirativa que evidenciou presença de líquido acastanhado, de consistência pastosa apresentando traços de material purulento. As hipóteses de diagnóstico foram de cisto dentígero e tumor odontogênico ceratocístico, além de sinusite maxilar no seio maxilar esquerdo.
Sob anestesia geral, por meio de acesso em fórnice de vestíbulo do lado direito, a lesão foi enucleada e curetada, e a unidade dentária 1.8 foi também removida. Foi realizada, ainda, contra-abertura nasal no seio maxilar direito. A mucosa do seio maxilar esquerdo foi curetada por meio de acesso de Caldwell-Luc, e realizado contra-abertura nasal no seio esquerdo. O tecido patológico obtido do seio maxilar direito e o tecido obtido com a curetagem do seio maxilar esquerdo foram enviados para a avaliação histopatológica.
O diagnóstico histopatológico foi de cisto dentígero apresentando processo inflamatório inespecífico na lesão do seio maxilar direito e mucosa sinusal apresentando edema e processo inflamatório inespecífico, condizente com sinusite maxilar crônica com surto agudo recidivante.
No pós-operatório de um ano, o paciente evoluía bem, sem sinal de recidiva da lesão cística e ausência de episódios de sinusite após o procedimento cirúrgico.
Relato de Caso 2
Paciente do gênero masculino, 20 anos compareceu para atendimento, encaminhado pelo ortodontista. Ao exame clínico, o paciente não apresentava abaulamento ósseo na região posterior da maxila à esquerda; não havia deslocamentos dentários, e todos os dentes da região apresentavam vitalidade pulpar. O paciente negava histórico de dor, porém relatava odor desagradável e episódios esporádicos de sensação de pressão no lado esquerdo da face.
No exame radiográfico, solicitado para avaliação ortodôntica, observava-se inclusão da unidade dentária 2.8, além de extensa área radiolúcida sugestiva de cisto, estendendo-se por toda a região posterior da maxila e seio maxilar esquerdo, deslocando o terceiro molar incluso. Foi solicitada Tomografia Computadorizada de seios da face para melhor definição da extensão da lesão, a qual evidenciou a presença de uma lesão relativamente hiperdensa, localizada em seio maxilar esquerdo com bordas bem definidas, compatível com lesão cística, associada à unidade dentária 2.8 que se apresentava deslocada pela lesão, localizando-se no interior do seio maxilar, adjacente ao cone posterior da órbita.
A partir dos achados clínicos e imaginológicos, a suspeita de cisto dentígero foi estabelecida. Sob anestesia geral, realizou-se cirurgia para enucleação da lesão e exodontia do elemento dentário 2.8 por meio de acesso de Caldwell-luc. Após a realização da ostectomia em região de fossa canina, foi detectada secreção purulenta em seio maxilar esquerdo e a presença da cápsula cística. A lesão foi removida por curetagem e a unidade dentária 2.8, extraída. Contra-abertura nasal e irrigação copiosa do seio maxilar com soro fisiológico foram realizadas após a curetagem da lesão.
A peça cirúrgica foi enviada ao laboratório para análise histopatológica, e foi confirmado o diagnoóstico de cisto dentígero.
Em pós-operatório de 2 anos, paciente apresenta-se com boa cicatrização da área da cirurgia, ausência de comunicação buco-sinusal, presença de vitalidade pulpar nas unidadede dentárias póstero-superiores esquerdas, sem déficits sensoriais do nervo infraorbitário esquerdo e não apresentava sinais ou sintomas clínicos e radiográficos de recidivas da lesão.
DISCUSSÃO
Essas lesões ocorrem mais frequentemente em terceiros molares inferiores, seguidos dos caninos superiores e terceiros molares superiores, pois são esses dentes que mais comumente se apresentam inclusos. Raramente envolvem dentes decíduos. São mais incidentes em pacientes jovens, com a idade entre 10 e 30 anos. Os homens são duas vezes mais acometidos do que as mulheres, e não há predileção por raça. A mandíbula é acometida em 75% dos casos, podendo, muitas vezes, acometer todo seu ramo e corpo1,3,4.
O cisto dentígero comumente está associado a um terceiro molar incluso, localizado, preferencialmente, em região posterior de mandíbula. Cisto dentígero ocupando quase a totalidade do seio maxilar, associado a terceiro molar superior incluso, é raro. Os cistos dentígeros descritos apresentavam, na ocasião do tratamento cirúrgico, invasão para o seio maxilar, reduzindo, significativamente, a sua luz1,5,6.
O cisto dentígero geralmente é indolor, podendo, algumas vezes desenvolver discreta sintomatologia dolorosa. Essa lesão pode causar edema facial e atraso na erupção do dente envolvido3,5,6. Quando cistos dentígeros grandes se localizam no interior do seio maxilar, podem causar sintomas de sinusite7. Nos dois casos, não havia histórico de sintomatologia dolorosa, sendo que, no segundo caso, o paciente apresentava discreta sintomatologia dolorosa eventual, compatível com sinusite, devido à obstrução do óstio sinusal devido ao tamanho da lesão.
Apesar de cistos dentígeros grandes não serem comuns, alguns podem induzir à expansão óssea, acarretando a assimetria facial subsequente, grande deslocamento de dentes, intensa reabsorção radicular dos dentes subjacentes e dor1,7. Nos dois casos relatados, apesar do tamanho considerável dos cistos, o abaulamento ósseo no primeiro caso era discreto e, no segundo, ausente devido à possibilidade de essas lesões expandirem para o interior do seio maxilar, sem causar abaulamento ou destruição óssea da maxila.
O cisto dentígero apresenta-se radiograficamente como uma lesão radiolúcida unilocular, circundando simetricamente a coroa de um dente incluso, ligando-se a ela lateralmente ou envolvendo o dente, como se ele estivesse irrompido para o seu interior1,4,5,8. A coroa do dente impactado pode estar simetricamente circundada por essa área radiolúcida, sendo necessário cuidado para não confundir um espaço pericoronário normal, ou espaço folicular, com um verdadeiro cisto. Em outros casos, a área radiolúcida parece projetar-se lateralmente à coroa dentária, particularmente quando o cisto é grande ou se houve deslocamento do dente. O termo "cisto dentígero lateral" é comumente aplicado para essas situações1. A radiografia panorâmica e a tomografia computadorizada foram fundamentais para o diagnóstico e a decisão do plano de tratamento nos dois casos analisados.
Apesar de o cisto dentígero não se apresentar como uma lesão altamente recidivante1,4, as possibilidades para o seu tratamento precisam ser analisadas cuidadosamente, antes de o paciente sofrer intervenção cirúrgica9. É indispensável a análise rigorosa das vantagens e desvantagens de cada técnica.
A exodontia do dente associado e a enucleação do componente de tecido mole é o tratamento definitivo na maioria dos casos. Em casos nos quais os cistos adquirem tamanho considerável, uma abordagem terapêutica mais conservadora torna-se mais aceitável, sendo a marsupialização da lesão indicada, reduzindo, desse modo, os riscos inerentes e a extensão da cirurgia a ser executada em um único tempo cirúrgico2,8,9.
A aplicação clínica das duas modalidades apresentadas para o tratamento dos cistos dentígeros tem sua indicação baseada nos aspectos anatômicos, na condição física e mental que interfere na cooperação pós-cirúrgica do paciente5,8,9.
Geralmente, para casos de cistos dentígeros, opta-se por enucleação deste juntamente com a estrutura dentária ao qual está relacionado. No entanto, quando a lesão envolve dentes não irrompidos necessários ao arco dental, a marsupialização pode permitir a erupção continuada do dente envolvido para a cavidade bucal, evitando os transtornos causados pela ausência deste8,9. A maior desvantagem da marsupialização é que o tecido patológico é deixado "in situ", sem um exame histológico completo. Embora o tecido removido junto com a janela possa ser submetidoao exame histopatológico, existe a possibilidade de haver focos de lesão mais agressiva no tecido residual4. Por isso, quando se opta por essa técnica, um acompanhamento deve ser realizado por meio de tomadas radiográficas periódicas10.
Nos dois casos, a enucleação foi vantajosa quando comparada à marsupialização, pois foi realizada em um único tempo cirúrgico e permitiu o exame histopatológico das lesões por inteiro. Apesar de os cistos tratados serem de tamanho considerável, a enucleação foi o método de tratamento escolhido, pois os cistos estavam localizados no seio maxilar, podendo ser removidos em sua totalidade com relativa facilidade, sem danos a estruturas anatômicas nobres. E também porque as unidades dentais envolvidas nas lesões não eram essenciais funcionalmente para os indivíduos, podendo estas ser removidas.
A exérese da lesão e a análise histopatológica da peça cirúrgica são importantes na definição do diagnóstico de cisto dentígero devido à similaridade clínica e radiográfica com outras lesões, como: ceratocisto odontogênico, ameloblastoma, tumor odontogênico adenomatoide1,5. O fibroma ameloblástico deve ser considerado como uma possibilidade no diagnóstico diferencial de cisto dentígero, quando esse ocorre em região posterior das maxilas de pacientes jovens4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cisto dentígero é uma patologia associada às retenções dentárias e pode ocasionar perdas ósseas significativas. O tamanho da lesão, sua relação com acidentes anatômicos importantes, a possibilidade de aproveitamento no arco dentário dos dentes envolvidos, a manutenção da vitalidade dos dentes adjacentes são os principais fatores a serem considerados na escolha da modalidade cirúrgica para o tratamento dessa entidade patológica.
REFERÊNCIAS
1. Neville BW, Damm DD , Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral e Maxilofacial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004. [ Links ]
2. Mabrie DC, Francis HW, Zinreich SJ, Sciubba J, Yoo GH. Imaging quiz case 4. Dentigerous cyst. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2000 Oct;126(10):1269, 1272-3. [ Links ]
3. Boyczuk MP, Berger JR, Lazow SK. Identifying a deciduous dentigerous cyst. J Am Dent Assoc. 1995 May;126(5):643-4. [ Links ]
4. Regezi J, Sciubba JJ. Patologia bucal: correlações clinicopatológicas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. [ Links ]
5. Bento PM, Souza LB, Pinto LP. Estudo epidemiológico dos cistos odontogênicos: análise de 446 casos. Rev Odontociência. 1996 ;22(2):125-42. [ Links ]
6. Kaya O, Bocutoğlu O. A misdiagnosed giant dentigerous cyst involving the maxillary antrum and affecting the orbit. Case report. Aust Dent J. 1994 Jun;39(3):165-7. [ Links ]
7. Di Pasquale P, Shermetaro C. Endoscopic removal of a dentigerous cyst producing unilateral maxillary sinus opacification on computed tomography. Ear Nose Throat J. 2006 Nov;85(11):747-8. [ Links ]
8. Martínez-Pérez D, Varela-Morales M. Conservative treatment of dentigerous cysts in children: a report of 4 cases. J Oral Maxillofac Surg. 2001 Mar;59(3):331-3. [ Links ]
9. Peterson JP, Ellis III E, Hupp JR, Tucker MR, editors. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. [ Links ]
10. Kühn A. Cistos dentígeros na mandíbula: técnicas de tratamento. Rev Médica HSVP. 2001; 13(29):30-3. [ Links ]
Endereço para correspondência:
João Frank Carvalho Dantas
Alameda dos Antúrios, Edifício Veneza-Candeal
Salvador – BA
CEP 40296-530
e-mail: joãofrankdantas@yahoo.com.br