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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2013

 

 

Piercing labial como corpo estranho

 

Lip piercing as a foreign body

 

 

Auremir Rocha MeloI; Taciana Cavalcanti de AbreuI; Lívia Mirelle BarbosaII; Gabriela Madeira AraújoII; |Belmiro Cavalcanti do egito VasconcelosIII

I DDS, MsC. Postgraduate student, Department of oral and Maxillofacial Surgery, University of Pernambuco, Recife, Brazil
II Graduate student, University of Pernambuco, Recife, Brazil
III DDS, MsC, Phd. Senior lecturer, Department of oral and Maxillofacial Surgery and Director of Master´s and PhD Programs in oral and Maxillo-facial Surgery, University of Pernambuco, Recife, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O uso do piercing oral se tornou muito comum na última década. o uso disseminado desse adereço pode trazer consequências na região bucal, relacionadas à instalação e permanência deste. A presença de piercings como corpoestranho inserido nos tecidos orais é pouco relatada pela literatura. este artigo tem como objetivo realizar uma revisão da literatura sobre piercing bucal e relatar um caso adicional de piercing lábio como corpoestranho.

Descritores: Piercing Corporal; Reação a Corpo estranho.


ABSTRACT

Oral piercing has become very common over the last ten years. The widespread use of piercing may have consequences in the oral region related to installation and maintenance. The presence of foreign body piercings inserted into the oral tissues is rarely reported in the literature. This article sets out to review the literature on oral piercing and report an additional case of lip piercing as a foreign body.

Keywords: Body Piercing; Foreign-Body Reaction.


 

 

INTRODUÇÃO

O uso de piercings orais se tornou muito comum na última década. Dentre as várias localizações na cavidade bucal, destacam-se: nos freios lingual e labial, nos lábios e na língua, sendo esta última uma das mais prevalentes. Juntamente com o uso disseminado, surgiram as complicações relacionadas à sua instalação e permanência em contato com os tecidos orais. As complicações mais comuns são dor, edema, sangramento e infecção. A presença de piercings como corpoestranho inserido nos tecidos orais é pouco relatada pela literatura. este artigo tem como objetivo realizar uma revisão da literatura sobre piercing bucal e relatar um caso adicional de piercing lábio como corpo-estranho.

 

RELATO DE CASO

Uma mulher de 21 anos de idade compareceu ao Ambulatório de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Universidade de Pernambuco. A paciente havia instalado um piercing no lábio inferior, lado esquerdo há 3 meses e tentou removê-lo 4 dias antes de procurar o serviço. Nessa tentativa, uma das esferas do piercing penetrou na perfuração que transfixava o lábio inferior e permaneceu lá sem que a paciente conseguisse removê-la.

Ao exame extrabucal, foi observada uma pequena cicatriz puntiforme no lábio inferior, próximo à comissura labial do lado esquerdo. Ao exame intrabucal, foi observada uma pequena úlcera em cicatrização na mucosa labial inferior. A região apresentou discreto aumento de volume imóvel e duro à palpação (Figura 1A).

Uma radiografia do tecido mole do lábio inferior foi realizada, utilizando um filme periapical. Foi obtida uma imagem radiopaca de um objeto esférico medindo aproximadamente 3 mm de diâmetro (Figura 2A).

Após anestesia local, foi realizada uma incisão diretamente sobre a região onde se encontrava o aumento de volume. Após divulsão romba dos tecidos superficiais, um objeto metálico e esférico foi localizado e facilmente removido com uma pinça (Figura 2B). A ferida operatória foi suturada com nylon 4.0, e a cicatrização ocorreu sem complicações (Figura 1 – B, C e D).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Piercing oral tem adquirido popularidade entre adolescentes e adultos jovens, por representar individualidade, como decoração, para identificar membros de um mesmo grupo ou para melhorar a aparência sexual1. Um estudo publicado em 2007 encontrou que 50% da população de estudantes universitários usavam algum tipo de piercing. A maior parte (78%) dos usuários foi do sexo feminino, e aproximadamente 60% dos usuários de piercings não tinham ciência das possíveis complicações relacionadas a esses adereços2.

A detecção de um corpo estranho geralmente é feita mediante exame físico e exames de imagem3,4. Os materiais mais comumente encontrados em região oral são materiais de sutura, materiais restauradores, dentes, agulhas odontológicas. Alguns materiais, a exemplo do piercing oral, são encontrados com uma frequência muito baixa, o que pode tornar o diagnóstico tardio. Piercings orais e periorais produzem áreas radiopacas e, portanto, não devem ser usados durante exames radiográficos. Qualquer objeto de metal localizado acima do pescoço deve ser removido durante exames de imagem da face. No caso apresentado, o diagnóstico foi facilitado pela história clínica relatada pela paciente, associada ao exame de imagem.

Estão disponíveis, na literatura atual, diversos artigos sobre diagnóstico e manejo de corpos estranhos na região maxilo-facial.3,4 Nesses artigos, diversos tipos de corpos estranhos foram relatados, dentre eles projéteis de arma de fogo, fragmentos de madeira, anzol de pesca etc. Nenhum dos casos apresentados teve como diagnóstico a presença de piercing bucal como objeto estranho, o que evidencia a raridade desse tipo de ocorrência.

López-Jornet et al. (2005)5 publicaram um caso em que a esfera superior de um piercing ficou totalmente submersa no tecido lingual, o que exigiu a sua remoção cirúrgica. A instalação do piercing oral é considerada um procedimento cirúrgico devendo, portanto, ser assegurada por profissionais qualificados que obedeçam aos princípios de esterilização e assepsia.6 A instalação de piercings realizada por profissionais não qualificados expõe os indivíduos a riscos e complicações adicionais.

Inchigolo et al. (2011)6 realizaram estudo com objetivo de verificar os riscos aos quais o paciente poderia estar exposto e as complicações que podem ocorrer depois que o profissional instala um piercing oral. Os resultados encontrados mostraram que 15% dos 108 pacientes usavam piercing nos lábios e 9 desenvolveram complicações, como edema perilesional, atrofia de mucosa, abrasão no esmalte do dente, fratura de esmalte, recessão gengival e hipersensibilidade dentinária. Relatou que todos os pacientes reportaram a presença de uma complicação local e para aqueles com piercing em lábio foi frequentemente encontrado recessão gengival, fratura de esmalte e abrasão dental. Nenhuma dessas complicações foi observada no caso apresentado.

De uma perspectiva da saúde, o uso de joias no corpo não pode ser considerado de forma inofensiva, uma vez que pode produzir efeitos indesejados locais e gerais. Complicações locais, que podem se manifestar após piercing oral, incluem hemorragia, infecção, edema, sensibilidade ou dor, aumento do fluxo salivar, hipersensibilidade ao metal e trauma para os dentes, resultando em fraturas. Sistemicamente, piercing oral também tem sido identificado como um vetor possível para a transmissão de vírus pelo sangue, tais como o vírus da imunodeficiência humana, hepatite, herpes simples, e o vírus Epstein-Barr. Além disso, piercing oral pode levar a doenças bacterianas, como endocardite induzida por Neisseria, endocardite por Streptococccus viridans e angina de Ludwig1,5.

Sardella et al. (2002)7 publicaram três casos em que o exame clínico e a história do paciente revelaram a relação entre a presença de piercing no lábio inferior e a ocorrência de recessão gengival nos incisivos inferiores. Kapferer et al. (2007)8 observaram que, em um grupo de 50 pacientes que utilizavam piercing labial, 68% apresentavam recessão gengival.

O medo de perder o dente é comum entre os pacientes que possuem recessão gengival7-9. Chambrone et al. (2003)9 descrevem, em seu artigo, o caso de um paciente que possuía um piercing em lábio inferior, e este foi o causador de recessão gengival nos incisivos inferiores, desenvolvida em apenas 6 meses do uso do piercing. O tratamento foi realizado por meio da remoção do agente causador, instrução de higiene, raspagem e alisamento radicular, além de enxerto de tecido conjuntivo subepitelial. O autor indica a que o dentista deve estar preparado para interceptar as principais complicações que o uso de piercing oral pode vir a trazer9.

O aumento da popularidade do uso do piercing tem feito com que casos sejam publicados a respeito das complicações, entretanto casos com números significativos e que descrevam a potencialidade dos fatores de risco são raros. No entanto, o cirurgião-dentista deve estar consciente do papel fundamental tanto na informação dos pacientes sobre os riscos do uso de piercings orais quanto no tratamento de tais complicações.

 

REFERÊNCIAS

1. Oberholzer TG, George R. Awareness of complications of oral piercing in a group of adolescents and young South African adults. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2010 Dec;110(6):744-7.         [ Links ]

2. Armstrong ML, Koch JR, Saunders JC, Roberts AE, Owen DC. The hole picture: risks, decision making, purpose, regulations, and the future of body piercing. Clin Dermatol. 2007 Jul-Aug;25(4):398-406.         [ Links ]

3. Santos Tde S, Melo AR, de Moraes HH, Avelar RL, Becker OE , Haas OL Jr, de Oliveira RB. Impacted foreign bodies in the maxillofacial region-diagnosis and treatment. J Craniofac Surg. 2011 Jul;22(4):1404-8.

4. de Santana Santos T, Avelar RL, Melo AR, de Moraes HH, Dourado E. Current approach in the management of patients with foreign bodies in the maxillofacial region. J Oral Maxillofac Surg. 2011 Sep;69(9):2376-82.

5. López-Jornet P, Camacho-Alonso F, Pons-Fuster JM. A complication of lingual piercing: A case report. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2005 Feb;99(2):E18-9.         [ Links ]

6. Inchingolo F, Tatullo M, Abenavoli FM, Marrelli M, Inchingolo AD, Palladino A, Inchingolo AM, Dipalma G. Oral piercing and oral diseases: a short time retrospective study. Int J Med Sci. 2011;8(8):649-52.         [ Links ]

7. Sardella A, Pedrinazzi M, Bez C, Lodi G, Carrassi A. Labial piercing resulting in gingival recession. A case series. J Clin Periodontol. 2002 Oct;29(10):961-3.         [ Links ]

8. Kapferer I, Benesch T, Gregoric N, Ulm C, Hienz SA. Lip piercing: prevalence of associated gingival recession and contributing factors. A cross-sectional study. J Periodontal Res. 2007 Apr;42(2):177-83.         [ Links ]

9. Chambrone L, Chambrone LA. Gingival recessions caused by lip piercing: case report. J Can Dent Assoc. 2003 Sep;69(8):505-8.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Auremir Rocha Melo
Faculdade de Odontologia de Pernambuco Universidade de Pernambuco.
Av. General Newton Cavalcanti, 1650
Camaragibe - PE
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