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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2013

 

 

Abordagem cirúrgica de cisto ósseo simples em côndilo mandibular: relato de caso

 

Surgical approach of simple bone cyst in mandibule condyle: case report

 

 

Carlos Eduardo Mendonça BatistaI; Andre Luis Costa CantanhedeII; Eider Guimarães BastosIII; Maria Carmen Fontoura Nogueira da CruzIV; Walter Leal de MouraV

I Especialista em Cirurgia e Traumatologia BucoMaxiloFacial - UFPI, Teresina, PI, Brasil
II Graduando do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
III Prof. Dr. Adjunto do Departamento de Odontologia II da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
IV Profa. Dra. Adjunta do Departamento de Odontologia II da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
V Prof. Dr. Adjunto do Departamento de CTBMF da Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O cisto ósseo simples é considerado um pseudocisto, e, quando presente nos ossos da face, acomete, com maior frequência, a região de corpo e sínfise mandibular de pacientes na segunda década de vida, sendo raros os casos em côndilo mandibular isolado. É geralmente assintomático, sendo diagnosticado durante exames radiográficos de rotina. Embora a sua etiologia seja controversa, uma possível origem traumática pré-lesional é a mais aceita. As formas de tratamentos variam desde procedimentos como acompanhamento, curetagem até ressecções. A exploração cirúrgica e coleta de material para análise microscópica são recomendadas para confirmação do diagnóstico. Este trabalho relata um raro caso de cisto ósseo simples no côndilo mandibular em paciente do sexo feminino, 53 anos, tratada por meio da técnica de osteotomia vertical do ramo mandibular com condilectomia alta e posterior osteoplastia condilar.

Descritores: Tumores odôntogênicos; Ceratocisto.


ABSTRACT

The simple bone cyst is considered a pseudocyst that, when present in the bones of the face, most commonly affects the mandible body and symphysis region of patients in the second decade of life, being rare the cases in mandibular condyle isolated. It is usually asymptomatic, being diagnosed during routine radiographic exams. Although its etiology remains controversy, a possible traumatic pre-lesional is the most accepted. The forms of treatments ranging from procedures such as monitoring, curettage until resections. Surgical exploration and collection of material for microscopic examination are recommended to confirm the diagnosis. This paper report a rare case of simple bone cyst in the mandibular condyle in female patient, 53 year-old, treated by vertical mandibular ramus osteotomy with high condylectomy and posterior condylar
osteoplasty.

Keywords: bone cyst; pseudocyst; mandibular condyle.


 

 

INTRODUÇÃO

O cisto ósseo simples (COS) se constitui em uma lesão incomum, com ocorrência em ossos longos e gnáticos, embora a maior parte dos estudos não correlacione uma área à outra. A Organização Mundial da Saúde define o COS como uma lesão não neoplásica intraóssea revestida por tecido conjuntivo, sem a presença de envoltório epitelial, o que a classificaria como um pseudocisto1,2. A literatura de longa data refere-se à tal manifestação clínica por uma variedade de sinônimos, a saber: cisto ósseo solitário, cavidade óssea progressiva, cisto ósseo simples, cavidade óssea idiopática, cisto ósseo traumático, sendo esta última a mais relatada na literatura3,4.

Apesar de controversa, sua etiologia mais aceita sugere que o processo seja secundário a uma hemorragia intraóssea pós-traumática, na qual o hematoma produzido se liquefaz, resultando em um defeito ósseo3,5. Outras hipóteses sugerem: incapacidade do fluido intersticial sair do osso devido à drenagem inadequada1; lesão prévia que causaria estase venosa, ocasionando necrose óssea focal e acúmulo de fluido6; enfartamento do osso medular; perda de suprimento sanguíneo de lesão angiomatosa, degeneração cística de tumores; bloqueio e alteração da atividade osteogênica local7,8.

Seu diagnóstico invariavelmente é feito por meio de achado acidental em radiografias de rotina, devido ao seu caráter normalmente assintomático, tendo como característica uma área radiotransparente bem definida, circunscrita por tênue linha radiopaca, variando de 1 a 10 cm de diâmetro2,5. Quando há envolvimento dentário, observam-se projeções que se insinuam, de forma recortada, entre as raízes dentárias, sendo esse um aspecto altamente sugestivo da lesão, mas não patognomônico5. Seu acometimento se dá, principalmente, na segunda década de vida, sendo raros os casos em indivíduos com menos de 5 anos e mais de 35 anos, tendo os ossos gnáticos um acometimento menor que 1%, e a mandíbula na região de corpo e sínfise afetada em 75%5,9,10, sendo bastante raros os casos em côndilo mandibular .

Devido a poucos casos relatados na literatura de ocorrência dessa entidade na região condilar, este trabalho se propõe a analisar as implicações clínicas e demonstrar uma abordagem cirúrgica alternativa por meio de um caso clínico de paciente acometida por COS em côndilo mandibular direito.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 53 anos, sexo feminino, leucoderma queixava-se de dores de cabeça na região temporal do lado direito. Após consulta com um neurologista, este verificou uma entidade radiolúcida no côndilo da mandíbula após visualização em Tomografia Computadorizada (TC) de crânio. A paciente, então, foi referenciada a um serviço de Cirurgia Buco-maxilo-facial. Durante anamnese, não foi relatado pela paciente nenhum episódio de trauma local ou condições sistêmicas dignas de nota. Ao exame clínico, a oclusão e o aspecto facial encontravam-se dentro dos padrões de normalidade, sem limitações funcionais na abertura bucal, excursões laterais ou presença de clicks articulares (Figura 1). Solicitou-se, então, TC de face, radiografia panorâmica e de estudo da ATM, em que foi evidenciada lesão osteolítica no côndilo mandibular direito, medindo aproximadamente 2,0 x 1,5 x 0,7cm de diâmetro (Figura 1 D-E).

 

 

 

O tratamento estabelecido foi o cirúrgico, sob anestesia geral por meio do acesso retromandibular, osteotomia vertical do ramo mandibular (OVRM) e condilectomia alta com posterior ressecção da lesão (Figura 2 A-D). Foi realizada osteoplastia do segmento ósseo proximal, reposição superior e fixação com duas miniplacas de quatro furos (uma em "L" superior e outra reta inferior), ambas do sistema 2.0 (Figura 2 E-F).

 

 

 

O espécime removido foi enviado para exame histopatológico que definiu a lesão como sendo cisto ósseo simples.

No acompanhamento pósoperatório de 45 dias, a paciente apresentava abertura bucal de 45mm, sem alterações funcionais ou oclusais. Não houve necessidade, portanto, de fisioterapia pós operatória (Figura 3).

 

 

 

DISCUSSÃO

O COS é uma rara manifestação clínica, intra-óssea, que corresponde há aproximadamente 1% de todos os cistos encontrados nos maxilares9.

Shimoyama et al.13 descreveram essas lesões como um grupo de pseudocistos de natureza e etiologia diversas, podendo-se observar dois padrões distintos da lesão: um formado por cisto solitário, assintomático e autolimitado, com tendência para cicatrização espontânea e um segundo tipo formado por lesão progressiva, única ou múltiplas, com tendência para reincidiva.

A etiologia do COS é obscura e controversa, sendo a teoria que relaciona o desenvolvimento das lesões a eventos traumáticos pré-lesionais a mais aceita9. A paciente relatada não descreveu episódio de trauma facial, o que reduz indício de uma possível etiologia traumática. Seu acometimento, na maior parte dos casos, se dá, na segunda década de vida, entre 5 e 35 anos5,9,10. A paciente em questão possuía 53 anos no momento do tratamento, fugindo, portanto, dessa faixa etária de prevalência. Quanto à localização, a lesão é mais frequente na mandíbula em relação a outros sítios (75%)9, na região de corpo e sínfise mandibular2,5. Localização no ramo ou côndilo mandibular é bastante rara para essa patologia, não existindo poucos casos descritos na literatura mundial, portanto o COS próximo à Articulação Temporomandibular requer sua distinção de outras patologias como cisto subcondral14.

De fato, o diagnóstico do COS é normalmente feito por meio dos critérios propostos por Rushton3: cavidade óssea única, não envolta por epitélio e sem evidência de processo infeccioso agudo ou crônico. Radiograficamente, a lesão exibe uma área radiolúcida unilocular bem definida, com um fino halo radiopaco, dificilmente excedendo 3,5 cm de diâmetro na região de condilar4, em nosso caso, as dimensões ântero-posterior, altura e largura foram de 2,0 x 1,5 x 0,7cm, respectivamente. Histologicamente, as características, quando presentes, podem exibir membrana de tecido conectivo, com numerosas fibras colágenas e ausência de epitélio; algumas vezes, nova formação de osso trabecular ao redor de inúmeros osteoblastos, cristais de colesterol, capilares congestos e áreas de necrose óssea também são notadas9. Em nosso estudo, o aspecto encontrado foi de parede cística compacta, pétrea e branco-acizentada sem conteúdo interno.

Quanto ao tratamento, diversas modalidades são descritas na literatura para abordagem em regiões de acometimento comum da lesão, como corpo e região anterior mandibular; o tratamento de escolha seria a exploração cirúrgica com curetagem óssea, sendo rara a reincidiva5. Todavia, outros tratamentos têm sido propostos com diversos graus de sucesso. Injeções de corticoides em 3 a 4 aplicações no período de 12 a 20 meses mostraram cura total da lesão em 55% dos casos e 45% de melhora nos quadros1. Thoma15 apresentou casos de tratamento para cisto ósseo simples por meio de preenchimento com esponja absorvível (Geofoam®), com excelentes resultados e reparo ósseo completo cinco meses após aplicação. Outros métodos incluem preenchimento com osso e sangue autógeno1,16.

Em nosso discernimento, apesar dos inúmeros tratamentos conservadores para essa condição, nenhum dos citados seria indicado para a paciente, por trazerem resultados a longo prazo devido ao tempo para neoformação óssea. Além disso, a forma como a lesão afetava o côndilo e a ATM resultou na necessidade de um tratamento que possibilitasse a regressão em curto prazo da sintomatologia, principalmente porque o osso medular do côndilo estava praticamente destruído e as corticais estavam discretamente expandidas, sendo este o possível fator resultante da sintomatologia relatada pela paciente. No presente caso, devido à localização da lesão, fragilidade do côndilo envolvido e complexidade da ATM, optou-se pelo tratamento cirúrgico, corroborando Ogasawara et. al.11, que citam a indicação para o tratamento cirúrgico nesses casos, baseado no risco de fraturas patológicas, além da necessidade de confirmação diagnóstica por meio de exame histopatológico.

Diversas abordagens cirúrgicas foram cogitadas, sendo a maior preocupação a reabilitação funcional pósoperatória. A reabilitação com enxerto costocondral poderia apresentar prognóstico favorável, porém, devido às complicações de um segundo sítio cirúrgico e idade da paciente, essa hipótese não foi cogitada. A prótese articular de ATM não apresentaria tantas complicações como os enxertos autógenos, o que a qualificaria para reconstrução condilar, mas, devido ao custo, burocracia e tempo de aquisição desse tipo de recurso, aliado ao fato de a ressecção no caso ser "alta", optou-se pela escolha da reabilitação com o próprio ramo.

Alternativa mais recente, descrita por Saia et. al.12, incluiria a enucleação da lesão por meio de endoscopia intraoral nos centros que dispõem de tal recurso; os autores, por meio de um caso de paciente de 42 anos, relataram redução gradual da lesão em 27 meses de acompanhamento pós-cirúrgico, com ausência de danos funcionais ao sistema estomatognático, nervo facial ou sintomatologia dolorosa.

Por não dispormos de tal recurso, optamos pela técnica já descrita, o que demonstrou também ser menos complexa e eficaz por utilizar, apenas, um acesso, com tempo cirúrgico reduzido, menor co-morbidade e recuperação mais rápida, além de não trazer nenhuma repercussão negativa no sistema estomatognático, evidenciado pela função pósoperatória preservada de nossa paciente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A localização da lesão, a sintomatologia e o comprometimento funcional imposto são fatores determinantes na escolha do tratamento do COS sendo que a abordagem terapêutica deve ser aquela que mantenha a função normal do sistema estomatognático.

A condilectomia alta associada à osteotomia vertical do ramo com osteoplastia e fixação do segmento proximal demonstrou ser eficaz para casos de acometimento dessa entidade no côndilo mandibular, havendo mínima ou nenhuma morbidade.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Maria Carmen Fontoura Nogueira da Cruz Departamento de Odontologia II - UFMA
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