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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2013

 

 

Ferimento transfixante em criança- relato de caso clínico

 

Transfixing injury in a child- a case report

 

 

Camila Lins VieiraI

I Mestranda da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Ferimentos penetrantes em região de cabeça e pescoço podem ter morbidade e mortalidade significativos. avaliação rápida e adequadas condições de tratamento iniciais, especialmente no que se refereà estabilidade das vias aéreas e controle vascular, são fundamentais no correto manejo dessas lesões. O presente artigo se constitui em de um relato de caso em criança após acidente transfixante em pescoço e face, buscando trazer uma revisão de literatura sobre o assunto e as diretrizes atuais de tratamento para esse tipo de lesão.

Descritores: Ferimento penetrante; Criança; acidentes domésticos.


ABSTRACT

Penetrating injuries to the neck and head can have significant morbidity and mortality. Rapid assessment and prompt management of life threatening conditions especially airway and vascular control is essential in early management. The following article it is a case report of a child after accident transfixing neck and face, seeking to bring a literature review on the subject and the current guidelines for treating this type of injury.

Keywords: penetrating injury; child; domestic accidents.


 

 

INTRODUÇÃO

A palavra trauma, do ponto de vista semântico, vem do grego, cujo significado é ferida. Pode ser uma lesão física, causada por ações externas lesivas ou violentas ou pela introdução de substância tóxica no organismo, podendo também ser um dano psicológico ou emocional. Independente de sua melhor definição, o fato é que o trauma é um agravo, que pode gerar várias doenças e representa um problema de saúde pública de grande magnitude e transcendência no Brasil. Tem provocado forte impacto na morbidade e na mortalidade da população, com profundas repercussões nas estruturas sociais, econômicas e políticas de nossa sociedade.

Entre as causas externas de trauma, incluem-se os acidentes e a violência, que configuram um conjunto de agravos à saúde. Outras causas de morbimortalidade, dentre elas, queimaduras, quedas, afogamentos, envenenamentos, intoxicações. No Brasil, em 2010, os óbitos por outras causas externas, excluindo os acidentes de transporte terrestre, responderam por 17,9% do total de óbitos (13,43 óbitos/100 mil habitantes) e as quedas por 7,3% (5,46 óbitos /100 mil habitantes).

Os traumatismos, sob todos os aspectos, apresentam grande importância na sociedade atual, estando entre as principais causas de morbi-mortalidade. Dentre as inúmeras lesões ocorridas em centros de traumas urbanos, o traumatismo facial é um dos mais prevalentes1.

Lesões penetrantes no pescoço e na face por projétil (arma de fogo) ou não projétil (facas e outros instrumentos afiados) representam uma fonte significante de admissões agudas de civis nas unidades de trauma no Reino Unido, e essa tendência se reflete em toda a Europa2. Crianças e idosos parecem representar um grupo de risco para tais lesões3.

Na infância, as causas de violência e a sua prevenção vêm sendo objeto de inúmeros trabalhos nos últimos anos por representarem, atualmente, uma importante causa de morbi-mortalidade infantil.

Vários trabalhos nacionais e internacionais apontam os acidentes com corpos estranhos como importante causa de morbidade e mortalidade entre as crianças.

À medida que os índices de morbi-mortalidade em crianças por causas externas vieram se destacando ao longo das décadas, a necessidade de políticas e estratégias para minimizar esse problema de saúde pública mobilizou sociedades e organizações.

Fisiologicamente as crianças respondem a uma lesão muito diferente dos adultos, dependendo da sua idade e maturação e da gravidade da lesão5.

Coletar corretamente a história do acidente, solicitar exames de imagem para investigação, exploração cirúrgica satisfatória e controle constante de infecção são passos muito importantes para se obterem resultados positivos na remoção de corpos estranhos na face6.

 

RELATO DE CASO

Criança T. L. S., 10 anos de idade, do sexo feminino, vítima de queda acidental enquanto brincava em sua residência, próxima a uma área que estava em reforma. Ao brincar sobre os escombros, desequilibrou-se e caiu sobre hastes de ferros de construção que estavam com suas extremidades desprotegidas. O socorro foi aguardado pelo SAMU que providenciou o corte com serras do corpo estranho, sem removê-lo da face da criança, visto que o este encontrava-se travado em posição, havendo o risco eminente de lesão de estruturas vitais e sangramento durante sua remoção. A paciente foi, então, encaminhada ao centro de referência em trauma de sua região, o hospital de urgência e emergência de trauma no município de Campina Grande. Após o atendimento inicial ter sido completado, ela realizou uma tomografia computadorizada de face para afastar qualquer suspeita de fraturas e avaliar a extensão do dano. O procedimento cirúrgico foi realizado sob anestesia geral, para remoção do fragmento de ferro. Após exploração cirúrgica pelas equipes de cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial (CTBMF) e cirurgia vascular, verificou-se que nenhuma estrutura importante foi danificada e posteriormente foi realizado sutura. Foram administradas medicações para controle de infecção (cefalotina) e dor assim como profilaxia antitetânica. A paciente recuperou-se de forma satisfatória, recebendo alta no quarto dia de internação, quando se percebeu um déficit motor nas regiões inervadas pelo nervo facial, embora não tenha sido notado esse dano durante o exame direto na ferida cirúrgica, não significando, entretanto, que ele não tenha ocorrido, podendo ser atribuído esse déficit ao próprio edema pós-operatório.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O presente artigo relata um caso atípico de ferimento transfixante em criança. Alguns autores apontam que os acidentes infantis guardam relação com uma ampla rede de fatores, tais como as condições ambientais, físicas, culturais e sociais da família: o estilo de vida dos pais, as condições de vida e de trabalho, a taxa de urbanização, a marginalidade, o desemprego, a desigualdade social, a miséria, o nível de educação, as condições impróprias de moradia, a vigilância insuficiente, entre outros. Estudos demonstram que a maioria dos acidentes ocorre em casa pelo fato de a residência apresentar grande número de objetos e situações de riscos para a ocorrência desses eventos. Além disso, em muitos casos, pode haver uma supervisão inadequada da criança pelo simples fato de o adulto responsável por seu cuidado desenvolver outras atividades ao mesmo tempo4.

No caso citado em questão, a criança tem 10 anos. Riggle et al. (2010) relatam que a idade média da maioria dos casos de trauma penetrante dentro da faixa etária pediátrica é de 10 a 11 anos. A maioria das lesões nessa faixa etária está relacionada a trauma contuso, com a colisão de veículos, sendo uma das causas mais comuns de colisão grave e de mortalidade em crianças de 1 a 14 anos. Em relação ao trauma penetrante, hospitais urbanos são as principais fontes de dados. A maioria dos casos ocorre devido a tiro e à facada7.

Existem grandes diferenças anatômicas, fisiológicas e psicológicas entre doentes adultos e pediátricos, que desempenham um papel significativo na avaliação e no manejo do paciente trauma pediátrico. Em comparação com os adultos, nas crianças, qualquer força aplicada é mais amplamente distribuída, fazendo com que lesões múltiplas ocorram com maior facilidade8.

O transporte da paciente foi realizado rapidamente, para o serviço de referência mais próximo, dentro dos protocolos previstos. Mackerle e Gal(2009) ressaltam que acidentes penetrantes de cabeça/pescoço em crianças não são muito frequentes, porém de alta gravidade, sendo o transporte rápido para o centro especializado e o tratamento cirúrgico de urgência fundamentais para um bom resultado. O sucesso do tratamento das lesões de empalamento se inicia com um correto atendimento inicial, e qualquer tentativa de remoção do corpo estranho deverá ser realizada em centro cirúrgico9.

O exame de imagem associado ao diagnóstico inicial escolhido foi a tomografia computadorizada de face/crânio, concordando com o que foi preconizado no artigo de Frieze (2012), no qual o autor destaca que a TC deve ser usada em casos com história de corpos estranhos em região de cabeça/pescoço, sendo a ressonância magnética utilizada secundariamente, dependendo da natureza do corpo estranho10. Agrawal et al. (2007) ressaltam, ainda, que a TC deve ser realizada com o objetivo de se avaliar a extensão da lesão, à presença de corpos estranhos retidos e a localização exata destes para a orientação do procedimento cirúrgico6.

Erkutlu et al. (2011) enfatizam, ainda, que precauções médicas, como antibioticoterapia e profilaxia antitetânica, em acidentes com objetos potencialmente contaminados, não deveriam ser negligenciadas11.

A paciente foi avaliada de forma multidisciplinar, considerando o que preconiza Moeng (2002): a gestão de lesões no pescoço torna-se complicada devido à relação de alta densidade anatômica entre estruturas vasculares, vias respiratórias superiores e estruturas digestivas e neurológicas. A avaliação em conjunto auxiliará a tomada de decisão do tratamento adequado para minimizar complicações12.

Núnez et al. (2004) lembram que feridas penetrantes no pescoço são divididas em três zonas anatômicas específicas (Fig.1), utilizadas para diferenciar o local da abordagem durante o tratamento curúrgico.

 

 

 

O acesso cirúrgico para explorar estruturas vasculares é limitado às zonas I e II. No caso da paciente em questão, o acesso cirúrgico exploratório foi realizado pela equipe de cirurgia vascular presente, não sendo encontrada lesão de grandes vasos13.

 

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que lesões penetrantes (empalamentos) são lesões não muito comuns e, na infância, ocorrem, com maior frequência, entre 10 e 11 anos. Seu manejo pré-hospitalar é essencial para o sucesso do tratamento, devendo ser a vítima corretamente transportada e encaminhada para serviço de referência. A presença de equipe multidisciplinar em lesões de cabeça e pescoço se faz necessária devido à complexa anatomia dessas áreas. Além de procedimentos transoperatórios para se evitarem infecções posteriores, é muito importante a utilização de medicações pós-operatórias assim como o controle da dor e a profilaxia antitetânica. É importante lembrar que, em outubro de 1998, a Sociedade Brasileira de Pediatria promoveu a Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes. Mais recentemente, o Ministério da Saúde lançou a política nacional para a redução da Morbi-Mortalidade por acidentes e violências, estabelecendo diretrizes com o objetivo de estimular atitudes preventivas.

 

REFERÊNCIAS

1. CARVALHO, T.B.O.; CANCIAN, L.R.L.; MARQUES, C.G.; PIATTO, V,B.; MANIGLIA, J.V.; MOLINA, F.D. Six years of facial trauma care: an epidemiological analysis of 355 cases. Braz J Otorhinolaryngol, v. 76, n. 5, p. 565-574, 2010.         [ Links ]

2. OFFIAH, C.; HALL, E. Imaging assessment of penetrating injury of the neck and face. Insights Imaging (2012) 3:419–431

3. CLAUDET et al. Corps e´tranger nasal chez l'enfant. Archives de Pe´diatrie 2009;16:1245-1251        [ Links ]

4. Martins CBG, Andrade SM. Acidentes com corpo estranho em menores de 15 anos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24(9):1983-1990, set, 2008.         [ Links ]

5. A AVARELLO & CANTOR. Pediatric major trauma: An approach to evaluation and management. Emerg Med Clin N Am 25 (2007) 803–836

6. A AGRAWAL, A. Transorbital orbitocranial penetrating injury due to bicycle brack handle in a child. Pediatr Neurosurg 2007;43:498–500

7. A Andrew Riggle Penetrating pediatric trauma owing to improper child safety seat use. Journal of Pediatric Surgery (2010) 45, 245–248.

8. ORSZAGH, M.; ZENTNER, J.; POLLAK, S. Transorbital intracranial impalement injuries by wooden foreign bodies: Clinical, radiological and forensic aspect. Forensic Science International 193 (2009) 47–55

9. MACKERLE Z.; GAL P. Unusual penetrating head injury in children: personal experience and review of the literature. Childs Nerv Syst (2009) 25:909–913

10. Friese N.; Sturz auf das Gesicht bei 2-jährigem Kind. HNO 2012 • 60:827–829.

11. E ERKUTLU, I.; Unusual penetration of a construction nail through the orbit to the cranium: a case report Ulus Travma Acil Cerrahi Derg 2011;17 (1):79-82.

12. Moeng, S.; Boffard K.; PENETRATING NECK INJURIES. 3S4candinavian Journal of Surgery 91: 34–40, 2002.

13. Núnez, D. B. et al. Vascular Injuries of the Neck and Thoracic Inlet: Helical CT–Angiographic Correlation. RG 24: 4, July-August 2004.

 

Endereço para correspondência:
Camila Lins Vieira
Av. Gal. Newton Cavalcanti,1.650. Tabatinga, Camaragibe / Pernambuco – Brasil
CEP 54753-220