SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2013

 

 

Síndrome de Sjögren Primária – relato de caso

 

PrimarySjögren'ssyndrome – a reported case

 

 

Lucas Alexandre de Morais SantosI; Jimmy Charles Melo BarbalhoI; Manoela Moura de BortoliII; Michele Xavier AmaralIII; Belmiro Cavalcanti do Egito VasconcelosIV

I Aluno do Programa de Mestrado em CTBMF pela FOP/UPE
II Aluna do Programa de Especialização em CTBMF pela FOP/UPE
III Aluna de Graduação em Odontologia UFPR
IV Livre Docente, Professor Associado, Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em CTBMF da FOP/UPE

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Síndrome de Sjögren(SS) primária é uma desordem autoimune crônica dos tecidos exócrinos, com comprometimento funcional importante das glândulas lacrimais e salivares. Essa doença poliglandular é frequentemente associada a manifestações sistêmicas extraglandulares, como secura ocular e bucal, propiciando alterações fisiológicas locais. O entendimento da fisiopatologia e a evolução da SS primária favorecem o correto diagnóstico e a terapêutica apropriada. Este artigo tem por objetivo descrever os principais sinais e sintomas clínicos da SS primária, os critérios para correto diagnóstico e relatar um caso clínico clássico da doença.

Descritores: Síndrome de Sjogren; Xerostomia; Xeroftalmia.


ABSTRACT

Sjögren's syndrome (SS) is a primary chronic autoimmune disorder of exocrine tissue with significant functional impairment of the salivary and lacrimal glands. This polyglandular disease is often associated with extraglandular systemic manifestations such as dryeyes and mouth providing physiological sites. The understanding of the pathophysiologyand progression of primary SS favor the correct diagnosis and appropriate therapy. This article aim to describe the main clinical signs and symptoms of primary SS, the criteria for correct diagnosis and a case report of classic disease.

Keywords: Sjogren's syndrome, xerostomia, xerophthalmia.


 

 

INTRODUÇÃO

A síndrome de Sjögren (SS) é uma doença sistêmica autoimune, que afeta, principalmente, as glândulas exócrinas. Caracteriza-se clinicamente por olhos secos (ceratoconjuntivite seca) e boca seca (xerostomia), porém manifestações extraglandulares, como vasculite cutânea, fenômeno de Raynaud, artrite, comprometimento pulmonar e envolvimento de nervos periféricos também podem ocorrer.1A SS pode existir como doença primária das glândulas exócrinas (SS primária) ou estar associada a outras doenças autoimunes, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica progressiva, esclerodermia, doença de Graves (SS secundária)2.

Essa doença acomete, principalmente, o sexo feminino, com uma prevalência de 9 mulheres para cada homem e idade de estabelecimento dos sintomas em torno dos 45 a 50 anos, sendo rara em criança e jovens. Sua prevalência real é difícil de ser estabelecida devido à dificuldade de diagnóstico, mas se estima que seja de 1 a 3% da população3. A predominância do sexo feminino e o início tardio da SS dirigiu a atenção para os hormônios sexuais e seu papel potencial na etiologia da SS. Em geral, os hormônios andrógenos têm sido considerados reguladores de doenças autoimunes4,5.

A xeroftalmia é o sintoma mais referido pelos pacientes com SS primária. Denominada ceratoconjuntivite seca, o paciente com os olhos secos pode experimentar sensação de corpo estranho nos olhos, ardência, fotofobia, cansaço ocular, diminuição da acuidade visual e, até mesmo, períodos paradoxais de epífora.5,6

A diminuição da secreção salivar em pacientes com SS tem um grande impacto na saúde oral dada a perda da lubrificação das mucosas (mucosites), diminuição da capacidade antimicrobiana da saliva, com predisposição de infecções oportunistas locais (cáries, periodontites, infecções fúngicas)6,7.

O tratamento da SS primária é puramente baseado na sintomatologia. O uso rotineiro de colírios oftalmológicos e lágrimas artificiais amenizam os sintomas oculares bem como a administração de sialogogos (pilocarpina) e ingestão de água ajudam a reduzir os quadros de xerostomia8,9,10.

 

RELATO DE CASO

Paciente R. C. S., 24 anos, gênero feminino, natural e procedente do Recife/PE procurou o Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital da Restauração referindo aumento de volume em face há +/- 3 meses, associado à sintomatologia dolorosa local. Paciente referia discreta secura em boca e olhos e artralgias em cotovelo esquerdo. Negava doenças de base, uso contínuo de medicações e alergias.

Ao exame físico, foi observado aumento de volume em região parotídeo-massetérica bilateralmente (fig. 01A), sendo maior à esquerda, de consistência firme à palpação, sem sinais flogísticos locais, com discreta limitação de abertura bucal. À inspeção intraoral, foram observadas alterações do padrão de coloração e textura do dorso da língua (atrofias das papilas), compatíveis com quadro clínico de glossite (fig. 01B).

 

 

 

Após coleta dos dados e exame físico detalhado, exames complementares foram solicitados – hematológicos (hemograma, amilase, cálcio sérico, fosfatase alcalina) e de imagem (USG das glândulas parótidas) – para elaboração do diagnóstico, os quais revelaram alterações nos níveis séricos da amilase (300 U/l) e USG com imagens hipoecoicas de aspecto nodular, distribuído pelo parênquima da parótida bilateralmente, com aspecto sugestivo de processo inflamatório.

A paciente evoluiu com sintomatologia dolorosa intensa em parótida esquerda, com drenagem espontânea de secreção purulenta via ducto de Stenon, compatível com quadro de sialoadenite infecciosa, tendo sido prescrito Cefalexina 500mg a cada 6 horas por 14 dias, já que a redução do fluxo salivar predispõe infecções retrógradas da glândula parótida pelo Stafylococcus.

Após regressão do quadro de sialodenite parotídea, foi planejado biópsia de 10 glândulas salivares menores da região do lábio inferior (fig. 02) para investigação da Síndrome de Sjögren, já que os quadros de xeroftalmia e xerostomia não regrediram.

 

 

 

A avaliação histopatológica revelou agregados de 50 linfócitos, células plasmáticas e macrófagos, adjacentes ao ácino glandular, caracterizando uma sialoadenite linfocítica crônica. No entanto, uma biópsia de glândula menor pode ser considerada específica para SS, se apresentar 5 a 10 glândulas com infiltrado focal linfocítico em todas ou quase todas as glândulas do espécime (fig. 03).

 

 

 

O tratamento proposto para paciente foi baseado em sua sintomatologia já que se tratava de SS primária, sem repercussões sistêmicas até o momento. Lágrimas artificiais (FreshTears®) e pilocarpina foram prescritas à paciente para minimizar suas queixas e foram dadas orientações para avaliação com reumatologista na tentativa de investigação de acometimento sistêmico pela doença autoimune.

A paciente evolui de maneira assintomática, em uso das medicações para regressão dos sintomas de xeroftalmia e xerostomia. Até o presente momento não há indícios de SS secundária.

 

DISCUSSÃO

A síndrome de Sjögren primária é geralmente caracterizada por um curso estável e leve de manifestações glandulares e extraglandulares. No entanto, o risco de linfoma é 40 vezes maior do que na população em geral. A qualidade de vida em relação à saúde é menor em mulheres com síndrome de Sjögren primária que em mulheres saudáveis e comparáveis às mulheres com artrite reumatoide, lúpus ou fibromialgia1,2.

A etiologia e muitos aspectos da patogênese da síndrome de SS são ainda evasivos. Vários fatores, como a predisposição genética e causas ambientais, influenciam o desenvolvimento da SS, e, somente após ocorrer lesão irreversível do órgão, tornam-se evidentes os sintomas clínicos6,7. Além disso, o diagnóstico é dificultado pela heterogeneidade das manifestações que conduzem à demora do diagnóstico correto . Até o momento, não existe cura para essa doença, e o tratamento é limitado para o alívio dos sintomas5,6.

Uma manifestação oral bastante comum (relatada em 20% dos pacientes) é o aumento da parótida e/ou outras glândulas salivares maiores, que é assintomática e autolimitada4. A xerostomia pode ser avaliada pela cintilografia, sialografia da glândula parótida, sialometria, sialoendoscopia e biópsia de glândula salivar4,8. A biópsia da glândula salivar menor é normalmente realizada no lábio inferior e é considerado diagnóstico, se a agregação linfocitária é observada nas áreas perivasculares ou periductal em observação histológica8.

O diagnóstico da SS é baseado em critério clínico e na comprovação dos 2 pilares básicos da doença – evidência de déficit e destruição glandulares. O reconhecimento e diagnóstico precoce dessa doença são importantes para adequada intervenção terapêutica e prevenção de complicações, visto que a doença tratada tem curso lento e evolução benigna.

Os critérios mais recentes para diagnóstico da doença foram propostos pelo American-European Consensus Group que consistem em: 1) biópsias de glândulas salivares menores e / ou glândulas lacrimais, 2) exame da cavidade oral consistindo de sialografia ou o teste de Saxon (em que uma esponja é mastigada durante 2 min. pelo paciente e, em seguida, pesada) combinado com a glândula salivar, a cintilografia, exame oftalmológico, que consiste no teste de Schirmer mais o teste de rosa-Bengala ou o teste de fluoresceína,4) ensaios para anticorpos anti-Ro/SSA ou anti-La/SSB.Para um diagnóstico definitivo, pelo menos dois dos quatro critérios devem ser atendidos10.

O tratamento da SS primária é sintomático. A xerostomia pode ser aliviada com o uso de medidas farmacológicas e não farmacológicas. Sendo o primeiro, evitando uso de irritantes como o álcool, café e nicotina, higiene oral rigorosa, substituição de agentes que causam a xerostomia. Os agentes farmacológicos são representados, principalmente, pela mucina9. A utilização de doses de hidroxicloroquina (6-7 mg / kg / dia) mostrou-se efetiva para sintomatologia dolorosa na boca e aumento significativo da taxa do fluxo salivar em 82% dos pacientes, relatando também uma melhora no quadro geral da doença de 62%, e ainda, melhora nas infecções orais (normalmente candidíase oral) em 40% dos pacientes, apresentando poucos efeitos secundários3,9,10.

As infecções fúngicas oportunistas, causadas pela diminuição do fluxo salivar, recebem tratamento tópico com nistatina, clotrimazol e miconazol por semanas ou meses4,7.

Por outro lado, as sialoadenites infecciosas são decorrentes a redução e até da cessação do fluxo salivar, predispondo à disseminação retrógrada via sistema ductal glandular. As principais bactérias envolvidas nesse evento são os Stafilococcus, sensíveis à cefalosporinas6.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Síndrome de Sjögren é uma doença sistêmica, autoimune, de curso crônico, que determina, nos indivíduos acometidos, uma sintomatologia, a qual requer um atendimento multidisciplinar, visto que é variada, sendo desde as mais comuns, como a xeroftalmia e a xerostomia, até sintomas cutâneos, pulmonares e articulares, podendo, também, estar associada a outras doenças. Essas características dificultam o diagnóstico precoce, podendo comprometer o manejo da doença e o trabalho da equipe envolvida.

O tratamento da SS é puramente sintomático, buscando basicamente o alívio dos sintomas, visto que essa doença não apresenta cura.

 

REFERÊNCIAS

1. BOURNIA, Vasiliki-kalliopi; VLACHOYIANNOPOULOS, Panayiotis G. Subgroups of Sjögren syndrome patients according to serological profiles. JournalOfAutoimmunity, Grécia, p. 1-12. 2012.         [ Links ]

2. FELBERG, Sergio et al. Sjögren's syndrome, the old and the new. ArqBrasOftalmol, São Paulo, v. 69, p.959-63, 2006.         [ Links ]

3. LIQUIDATO, Bianca M. et al. Aspectos do diagnóstico na Síndrome de Sjögren. Rev BrasOtorrinolaringol. São Paulo, v.68, p. 1-5. mai-jun. 2002.         [ Links ]

4. DELALEU,N.,JONSSON,M.V., APPEL, S., JONSSON,R. New Concepts in thePathogenesisofSjögren'sSyndromeReviewArticle.Rheumatic Disease Clinics of North America, Norway,v.34, p.833-845,2008        [ Links ]

5. MAVRAGANI, Clio P.; MOUTSOPOULOS, Haralampos M.. ConventionalTherapyofSjogren'sSyndrome.ClinicRevAllergImmunol, p.284-291, 2007.         [ Links ]

6. PERI, Yogevet al. Sjögren's syndrome, the old and the new. Best Practice&ResearchClinicalRheumatology, Israel, v. 26, p.105-117, 2012.         [ Links ]

7. SUTCLIFFE, Nurhan. Sjögren'sSyndrome. Medicine, London, p. 33-35. 2002.         [ Links ]

8. JONSSON, Roland et al. The complexity of Sjögren's syndrome: Novel aspects on pathogenesis. Immunology Letters, Norway, p.1-9, 2011.         [ Links ]

9. DELLAFIORE, C.; VILLA, A.; ZIBERA, F. Sjögren syndrome: A case report. Journal Of Ultrasound, Italy, v. 15, p.108-110, 2012.         [ Links ]

10. FOX, RI, ROBINSON, C, CURD, JC. Sjögren'ssyndrome: proposedcriteria for classification. ArthritisRheum 1986;29:577–585.

 

Endereço para correspondência:
Lucas Alexandre de Morais Santos
Universidade de Pernambuco - UPE
Faculdade de Odontologia de Pernambuco - FOP
Av. Gal. Newton Cavalcanti, 1.650 – Tabatinga Camaragibe - Pernambuco/ Brasil
CEP 54753-220

e-mail:
lucasctbmf@yahoo.com.br