SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

On-line version ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 n.2 Camaragibe Apr./Jun. 2013

 

 

Transplante dentário: Atualização da literatura e relato de caso

 

Dental Transplantation: Literature Update and Case Report

 

 

Aline Carvalho PeixotoI; Auremir Rocha MeloII; Thiago de Santana SantosIII

I Aluna de mestrado em odontologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
II Aluno de doutorado em odontologia (área de concentração: Cirurgia Buco-maxilo-facial) da Faculdade de odontologia de pernambuco (FOP-UPE)
III Aluno de doutorado em odontologia (área de concentração: Cirurgia Buco-maxilo-facial) da Faculdade de odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apesar dos grandes avanços da odontologia, com consequente diminuição das indicações de exodontia por doença periodontal e cárie, a prática da remoção de dentes que podem ser tratados de forma conservadora ainda é rotineira em locais onde a condição sócio-econômica é desfavorável. As terapêuticas possíveis frente a um dente perdido são geralmente por reabilitação protética, implantes e ortodontia, todavia são tratamentos que geralmente dependem de condição financeira. Desse modo, o transplante dental surge como uma opção de tratamento a todas as camadas sociais, sendo denominado por alguns pesquisadores de "prótese biológica". As principais indicações para a transferência de um dente natural do seu alvéolo para outro sítio estão relacionadas a cáries extensas, reabsorção radicular, doença periodontal, fratura coronorradicular, agenesia e aplasia de dentes, dentes inclusos. A técnica cirúrgica deve ser minimamente traumática para melhor prognóstico do dente a ser transplantado, uma vez que o ligamento periodontal não deve ser manipulado, por ser necessário à reparação dos tecidos periodontais.

Descritores: Transplante; exodontia; Cirurgia oral.


ABSTRACT

Despite major advances in dentistry, with consequent reduction of the indications for extraction for periodontal disease and tooth decay, the practice of removing teeth may be treated conservatively is still routinely used in places where the socio-economic status is unfavorable. The therapeutic potential against a missing tooth are usually for prosthetic rehabilitation, implants and orthodontics, however, are treatments that often depend on financial condition. Thus, the dental transplant comes as a treatment option to all social strata, being called by some researchers "bioprosthetic". The main indications for the transfer of a natural tooth in its socket to another site is related to extensive caries, root resorption, periodontal disease, fractured coronorradicular, agenesis and aplasia of teeth, impacted teeth. The surgical procedure should be minimally traumatic to better prognosis of the tooth to be transplanted, since the periodontal ligament should not be manipulated by the need of periodontal tissue repair.

Keywords: transplantation, extractions, oral surgery.


 

 

INTRODUÇÃO

O transplante dentário é a substituição de um dente perdido ou ausente por um dente transplantado, geralmente um terceiro molar.1 Esse tipo de transplante autógeno foi documentado pela primeira vez por Hale, sendo que, até os dias atuais, os princípios dessa técnica cirúrgica são praticamente os mesmos,2 sendo um procedimento clínico que vem sendo realizado com sucesso, em reabilitação bucal.1

O protocolo do transplante dentário foi introduzido por Apfel3 e Miller,4 sendo que Flemingen mostrou os critérios para seu sucesso, e Costich apresentou os fatores para o sucesso e as falhas na realização de transplantes.5

O sucesso de transplantes de germe dentário depende da integridade da membrana periodontal ou folículo dentário; também é influenciado pela assepsia e técnica cirúrgica atraumática bem como do menor tempo de permanência extra-alveolar do dente a ser transplantado.1,6

As principais indicações gerais para o transplante dentário são:7,9 dentes perdidos por cáries extensas; reabsorção radicular; doença periodontal; fratura coronorradicular; agenesias; aplasias; dente incluso.

Pode-se considerar como principais contraindicações:6,7 possibilidade de tratamento conservador; possibilidade de tracionamento ortodôntico; estágio de rizogênese de Nolla menor que o número 7 (até 1/3 de raiz formada); quando não houver possibilidade de estabilização do dente no leito receptor; presença de infecção na cavidade bucal; quando o dente a ser transplantado não puder ser removido sem odontosecção; falta de espaço adequado na região do leito receptor.

O exame radiográfico é imprescindível na seleção e indicação da cirurgia (indicações e contraindicações locais que não possam ser identificadas durante o exame clínico), principalmente para a mensuração do alvéolo receptor com relação ao tamanho do germe dental.6

A contenção do dente no local deve ser realizada por meio de técnicas semirrígidas, dentre elas: sutura sobre a face oclusal do dente transplantado, braquete ortodôntico, esplintagem com fio de aço e resina ou ainda cimento cirúrgico cobrindo as faces oclusais dos dentes adjacentes e o próprio dente transplantado. Tal fixação deve ser mantida durante 3 a 4 meses.1,5,6

Testes de sensibilidade pulpar são empregados para avaliar a revascularização pulpar, sendo eficazes somente três a quatro meses após o transplante, embora, esse período possa ser mais longo.9 Logo, ausência de sensibilidade nos testes não implica que haja necrose pulpar, devendo-se aguardar até que algum sinal clínico-radiográfico (exemplo: escurecimento coronário, fístula, reabsorção radicular, lesão periapical, entre outros) exija a imediata endodontia do dente transplantado.7

A profundidade de sondagem e presença de recessão gengival devem ser mensuradas em milímetros para um melhor prognóstico.7 A perda de inserção gengival é rara após transplantes de dentes com rizogênese incompleta, pois a cicatrização do ligamento periodontal é evidenciada pela formação da lâmina dura, podendo ser visualizada após cerca de um mês do procedimento cirúrgico.9

Apesar dos grandes avanços da Odontologia, com consequente diminuição das indicações de exodontia por doença periodontal e cárie, a prática da remoção de dentes que podem ser tratados de forma conservadora ainda é rotineira em locais em que a condição sócio-econômica é desfavorável. As terapêuticas possíveis frente a um dente perdido são geralmente por reabilitação protética, implantes e ortodontia, embora sejam, são tratamentos que geralmente dependem de condição financeira.7 Desse modo, o transplante dental surge como uma opção de tratamento a todas as camadas sociais, sendo denominado por alguns pesquisadores de "prótese biológica".8 O objetivo do presente trabalho é apresentar uma revisão de literatura atual acerca do tema, ilustrando com o relato de um caso clínico.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino com 19 anos de idade procurou a clínica com a queixa principal de "dentes estragados". Ao exame clínico, demonstrou não ser portador de qualquer desordem sistêmica, e foi observada a presença de raízes residuais dos dentes 37, 46 e 47. O exame radiográfico panorâmico dos maxilares demonstrou a presença dos quatro terceiros molares com rizogênese completa (Figura 1). Desse modo, foi decidido realizar o transplante dentário autógeno, uma vez que o paciente referiu não possuir condições de reabilitação com próteses dentárias e por estar de acordo com as indicações e contraindicações já mencionadas, a despeito do ápice já completamente formado. Sob anestesia local, procedeu-se à remoção do dente 48, entretanto foi requerida odontosecção, restando apenas os dentes 18 e 28 para serem transplantados. O dente 38 foi mantido para auxiliar o suporte distal ao dente transplantado, uma vez que este era praticamente a barreira distal presente no exame radiográfico. Estes últimos, dentes 18 e 28, foram removidos com mínimo trauma cirúrgico, acondicionados em soro fisiológico a 0,9%, enquanto os dentes 37, 46 e 47 foram removidos e criados os alvéolos cirúrgicos receptores, com alta rotação sob irrigação constante com soro fisiológico. Então, os dentes 18 e 28 foram inseridos cuidadosamente nas regiões dos dentes 46 e 37, respectivamente, e deixados em discreta infraoclusão (para evitar contatos prematuros) (Figura 2). Foram suturados com fio de seda 3-0, permanecendo com essa contenção inicial por um período de 14 dias, sendo substituída, posteriormente, por fio de aço e resina por mais 90 dias. Uma vez que os dentes estavam com raízes completamente formadas, o paciente foi encaminhado para a realização do tratamento endodôntico, embora não tenha conseguido realizá-lo. Durante e após esse período, as avaliações periodontal, oclusal e radiográfica não demonstraram sinais de anormalidade. Testes de sensibilidade pulpar para averiguação da necessidade de endodontia mostraram-se positivos na reavaliação de um ano após a cirurgia. Exames radiográficos de seis meses, um ano (Figuras 3) e dois anos (Figuras 4) não demonstraram sinais de reabsorção dentária, havendo completa reparação óssea ao redor do dente. O paciente encontra-se ainda em proservação, e está planejada a exodontia do dente semi-incluso 38, pois já houve neoformação óssea suficiente para se evitar a perda de estabilidade do dente transplantado na região do 37.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O transplante dental pode ser realizado pela técnica convencional ou imediata em uma única etapa, que consiste em realizar a extração do dente a ser transplantado e o preparo da cavidade óssea alveolar para o qual esse dente será transferido. A outra opção é pela técnica mediata ou tardia, em duas etapas, na qual o alvéolo cirúrgicoé preparado na primeira etapa. Após um período inicial de cicatrização de aproximadamente 14 dias, realiza-se, na segunda etapa, a exodontia e o transplante.5,9 esse período de duas semanas favorece o prognóstico por possibilitar maior nutrição do leito receptor às células remanescentes do cemento e do ligamento periodontal do dente a ser transplantado.

Uma técnica exodôntica atraumática bem como a não realização de odontosecção são exigências para a realização do transplante dental. No caso apresentado, a extração do dente 48 exigiu odontosecção, o que inviabilizou esse elemento como órgão a ser transplantado. Apenas os dentes 18 e 28 puderam ser transplantados.

Um meio de armazenamento fisiológicoé um dos fatores fundamentais para o sucesso do tratamento dos dentes a serem transplantados, de forma semelhante aos dentes avulsionados. Um meio ideal deverá ser úmido, conter glicose, íons Ca e Mg e possuir osmolaridade e pH compatíveis. o meio deverá ser capaz de manter e/ou fornecer metabólitos para as células do ligamento periodontal.7 Dois meios ideais para armazenamento fisiológico são as soluções salinas balanceadas de Hank e ViaSpan. essas soluções são fisiológicas e possuem pH e osmolaridade compatíveis com células do ligamento. Devido a questões econômicas e à sua disponibilidade, o soro fisiológico é o meio de armazenamento mais utilizado nos transplantes dentários.

Conforme relatado no caso em questão, mesmo havendo a formação radicular completa, provavelmente, houve revascularização pulpar, o que possibilitou a manutenção do caso sem necessidade de terapia endodôntica. Marzola6 e Nogueira7 relataram que, em alguns casos, o profissional realiza, de imediato, o tratamento endodôntico do dente que provavelmente não necessitaria.

O tempo de contenção observado na literatura de duas semanas9 para reimplantes em casos de avulsão dentária é diferente para os transplantes dentários, variando de 3 a 4 meses.1,5,6 As contenções visam estabilizar o dente transplantado em seu leito receptor, favorecendo o processo de reparação.6,7 As técnicas semirrígidas ou flexíveis são empregadas com sucesso, uma vez que permitem pequenos movimentos fisiológicos do dente no alvéolo receptor, promovendo uma união fibrosa inicial, ao contrário de uma união óssea do dente ao alvéolo, que diminui a ocorrência de reparo com anquilose (reabsorção dentária por substituição). Nesse caso, foi utilizada contenção inicial com fios de sutura e sua posterior substituição por fio de aço e resina.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura consultada possui trabalhos com resultados satisfatórios e outros com resultados desfavoráveis, em condições semelhantes de pesquisa, dificultando, sobretudo, a obtenção de evidência científica sobre esse procedimento.

Os transplantes dentais autógenos representam uma alternativa importante e viável dentro da prática cirúrgica conservadora e com limitações socioeconômicas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

3. Sebben G, Castilhos MDS, Silva RFC. Transplantes autógenos de terceiros molares inclusos. Rev ADPP UCRS 2004; 5:109-111.         [ Links ]

4. Hale ML. Autogenous transplants. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1956; 9(1):76-83.         [ Links ]

5. Apfel H. Transplantation of the unerupted third molar tooth. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1956; 9(1):96-8.         [ Links ]

6. Miller HM. Transplantation and reimplantation of teeth. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1956; 9(1): 84-95.         [ Links ]

7. P Pagliarin FO, Benato M. Transplante dentário autógeno: apresentação de dois casos. Clin Pesq Odontol 2006; 2(3):231-40.

8. Marzola C. Transplantes e reimplantes. 2 ed. São Paulo: Pancast; 1997. 382p.         [ Links ]

9. Nogueira A. Abordagem contemporânea dos dentes inclusos – Do diagnóstico ao tratamento cirúrgico e ortodôntico. 1 ed. São Paulo: Santos; 2004. 352p.

11. Moraes EJ. Transplantes dentais. Odont Mod 1992; 19(6):25-7.         [ Links ]

14. Andreasen JO, Andreasen FM, Andersson L. Text book and color atlas of traumatic injuries to the teeth. 4 ed. Pennsylvania: Wiley-Blackwell; 2007.912p.         [ Links ]

28. Vasconcelos BCE, Fernandes BC, Aguiar ERB. Reimplante dental. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac 2001; 1(2):45-51.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência:
Auremir Rocha Melo
Av. General Newton Cavalcanti, 1650 Camaragibe – PE
CEP : 54.753-220

e-mail:
auremir@globo.com