SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2013

 

 

Tratamento cirúrgico de assimetria facial associada ao alongamento hemimandibular: relato de caso

 

Surgical treatment of facial asymmetry associated with hemimandibular elongation: case report.

 

 

Jimmy Charles Melo BarbalhoI; Tasiana Guedes de Sousa DiasII; Antônio Capistrano Ferreira Nobre NetoIII; Lucas Alexandre de Morais SantosIV; Hécio Henrique Araújo de MoraisV

I Professor da disciplina de cirurgia odontológica da Universidade do Estado do Rio grande do Norte/uern e aluno do programa de mestrado em ctbmf pela fop/ upe.
II Professora da disciplina de clínicas integradas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – uern
III Especialista em ctbmf e capitão-dentista da polícia militar do Rio Grande do Norte
IV Aluno do programa de mestrado em ctbmf pela fop/upe
V Professor e coordenador da disciplina de cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – uern.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A hiperplasia condilar (HC) ou hiperatividade condilar é uma má condição patológica de supercrescimento no processo condilar, o que leva a uma assimetria facial anormal variável. A AH é um fenótipo da HC, caracterizada por um alongamento horizontal da hemimandíbula afetada e pode acometer o processo condilar da mandíbula, o ramo e o corpo mandibular. Métodos radiográficos e de cintilografia são comumente utilizados para o diagnóstico e o monitoramento de seus aspectos macroscópicos. Os pacientes apresentam baixa autoestima, e o desenvolvimento social é indesejável. Assim, as deformidades podem causar uma diminuição na qualidade de vida e o consequente surgimento de depressão. Diferentes tratamentos cirúrgicos são propostos na literatura, desde a simples baixa ou alta condilectomia até procedimentos mais complexos, combinando osteotomias em diferentes locais da mandíbula. O relato de caso descreve uma paciente do sexo feminino de 27 anos de idade, com alongamento hemimandibular no lado direito com a atividade do crescimento condilar. Inicialmente foi tratada com expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente (ERMAC) e posteriormente submetida à condilectomia com plicatura do disco articular e cirurgia ortognática bimaxilar.

Descritores: Mandíbula/anormalidades; Assimetria facial; Côndilo mandibular; Cirurgia ortognática.


ABSTRACT

Condylar hyperplasia or condylar hyperactivity is a pathological overgrowth condition at the condylar process, which leads to variable abnormal facial asymmetry. HE is a phenotype of the HC characterized by a horizontal elongation of the affected hemimandible and may affect the condylar neck, the mandibular ramus and corpus. Radiological and scintigraphic methods are commonly used for diagnosis and monitoring of its macroscopic aspects. The patients present low self-esteem and social development is undesirable. Thus deformities can cause a decrease in quality of life and the consequent emergence of depression. Different surgical treatments are proposed in the literature, from simple low or high condylectomy to more complex procedures combining osteotomies in different sites of the mandible. The case report describes a 27-year-old woman patient with hemimandibular hyperplasia on the right side with activity of condylar growth, initially treated with rapid maxillary expansion surgically assisted (SARME) and subsequently submitted condylectomy with plication of the articular disc and bimaxillary orthognathic surgery.

Descriptors: mandible/abnormalities, facial asymmetry, mandibular condyle, orthognathic surgery


 

 

INTRODUÇÃO

A hiperplasia condilar (HC) é uma condição patológica uni ou bilateral, caracterizada pelo superdesenvolvimento da cabeça do côndilo, processo condilar, ramo e corpo mandibular, que culmina com o surgimento de assimetria facial e alterações oclusais, podendo estar associada à dor e disfunção.1 Adams em 1836 foi o primeiro autor a descrever a HC como uma complicação da artrite reumatoide. Atualmente existe o consenso que o crescimento em um dos côndilos no adulto pode ser acelerado ou que o crescimento pode ser prolongado pela persistente atividade osteoblástica do côndilo após o término do crescimento esquelético. A micromorfologia do côndilo afetado difere do côndilo sadio, pois o trabeculado ósseo é mais espesso e irregular, resultando em um grande volume de osso trabeculado, quantidade anormal de superfícies cobertas por osteoides e a espessura cartilaginosa dos côndilos hipertróficos é consideravelmente maior. 2,3

Histologicamente a HC apresenta uma ininterrupta camada de células mesenquimais indiferenciadas, cartilagem hipertrófica e ilhas de condrócitos no osso trabeculado subcondral. Alguns fatores, como distúrbios hormonais, hipervascularidade, hereditariedade, infecção ou trauma, podem estar relacionados à etiologia dessa patologia 3,4.

A HC pode demonstrar uma variedade de fenótipos incluindo: hiperplasia hemimandibular (HH), alongamento hemimandibular (AH) e a combinação dos dois fenótipos. A HH leva ao aumento vertical do ramo ascendente, deslocando o corpo mandibular inferiormente, associada à rotação medial. A borda inferior da mandíbula é hiperplásica até o mento, ipsilateralmente, e este é ligeiramente, ou, não é desviado. O aspecto intraoral demonstra um aumento da altura do osso alveolar maxilar e consequente desvio para baixo do plano oclusal no lado ipsilateral. Quando o plano oclusal maxilar falha em acompanhar o plano mandibular, uma mordida aberta pode se desenvolver do lado ipsilateral. No AH, a cabeça do côndilo tem o formato normal, mas o processo condilar é delgado com alongamento do ramo ascendente, o mento é desviado para o lado contralateral, a comissura labial é deprimida no lado contralateral e não existe presença de assimetria vertical. No aspecto intraoral a linha média mandibular é desviada para o lado não afetado, os molares contralaterais inclinam-se lingualmente na tentativa de permanecer em oclusão e mordida cruzada contralateral também está presente.5,6 O diagnóstico clínico é realizado pela observação do comprometimento funcional e estético, além da análise dos modelos devidamente montados em oclusão cêntrica. O diagnóstico imaginológico é feito por meio de radiografias cefalométricas lateral e frontal, radiografia panorâmica, tomografia computadorizada, cintilografia planar óssea com 99m Tc-MDP (Tecnécio Methileno difosfanato), e a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), sendo essas últimas utilizadas para verificar a atividade de crescimento do côndilo.7,8 Diferentes opções cirúrgicas foram propostas para o tratamento dessa anomalia, variando desde a condilectomia alta com reposicionamento e plicatura do disco articular , cirurgia ortognática ou até mesmo a combinação de ambas as técnicas que dependem da atividade ou inatividade de crescimento, idade do paciente e severidade da assimetria .8

Este artigo relata um caso de uma paciente de 27 anos portadora de AH, que foi tratada inicialmente com expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente (ERMAC) e posteriormente submetida à condilectomia com plicatura do disco articular e cirurgia ortognática bimaxilar.

 

RELATO DO CASO

A paciente V.M.N, 27 anos compareceu à clínica de cirurgia oral e maxilofacial do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), apresentando deformidade facial assimétrica severa que comprometia sua função estomatognática e aparência estética. A paciente relatou que, aos 13 anos, percebeu que o queixo se desviava para o lado esquerdo e que a condição acentuava-se ano a ano, comprometendo severamente sua autoestima e qualidade de vida.

Ao exame clínico extraoral, foram observadas: assimetria facial severa com desvio do mento para o lado esquerdo, deficiência das projeções paranasais, depressão da comissura labial do lado esquerdo e aspecto facial tipo III. (Fig. 1: A e B), O exame intraoral revelou: abertura bucal de 46 mm, atresia maxilar, alteração do plano oclusal maxilar e mandibular , linha média mandibular desviada para esquerda, mordida cruzada posterior, manchamento dos dentes por tetraciclina e hiperplasia gengival dos dentes maxilares.(Fig. 1: A, B, C))

 

 

 

Os exames de imagens solicitados foram: radiografia panorâmica, cefalometrias, tomografia computadorizada em cortes axiais e coronais, além de reconstruções tridimensionais. Os exames de imagem demonstraram alongamento do processo condilar e ramo mandibular do lado direito, desvio da mandíbula para o lado contralateral e hipoplasia do côndilo esquerdo. (Fig. 2: A, B, C))

A cintilografia óssea revelou atividade óssea no côndilo direito compatível com hiperplasia condilar (AH).

 

 

 

A análise do estudo de modelos confirmou o quadro de atresia maxilar associada a prognatismo mandibular com overjet negativo de 15 mm. Diante do quadro de AH, a paciente foi inicialmente submetida a uma expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente (ERMAC), sob anestesia geral e intubação nasotraqueal para correção da atresia maxilar. Após seis meses, foi realizada a cirurgia ortognática bimaxilar e condilectomia alta do côndilo direito hiperplásico, associada à plicatura do disco articular. Através do acesso pré-auricular para a condilectomia, foi removida a zona de atividade óssea do segmento condilar hiperplásico seguido de plicatura do disco com fio prolene 2.0, fixado com parafuso de 1.5 mm de espessura e 8.0 mm de altura. A maxila foi impactada 2 mm na região anterior e 3 mm na região posterior, as alterações do plano oclusal maxilar foram corrigidas tridimensionalmente, e a mandíbula acompanhou a movimentação da maxila. O exame histopatológico confirmou o quadro de hiperplasia mandibular.

A paciente foi reabilitada com próteses removíveis e após 5 anos de proservação, relata melhora da sua autoestima, melhora da qualidade de vida, nega sintomatologia dolorosa, apresenta bom aspecto facial e oclusão satisfatória, visualizado clínica e imaginologicamente. (Fig. 3: A, B, C, D, E, F))

 

 

 

DISCUSSÃO

O entendimento da etiologia, a natureza da deformidade, a apresentação clínica e o tempo ideal para o tratamento são requisitos para ótimos resultados da correção das hiperplasias condilares. Wolford e colaboradores têm recomendado que nos casos de AH, quando a atividade óssea é presente, a condilectomia alta é indicada. A condilectomia associada ao reposicionamento do disco articular, pode ser realizada no mesmo estágio da cirurgia ortognática ou a cirurgia ortognática é realizada como procedimento de segundo estágio, desde que a condilectomia seja realizada anteriormente à cirurgia ortognática. Ortodontia pré-cirúrgica para alinhar e nivelar os arcos antes da cirurgia ortognática e ortodontia pós- cirúrgica para finalizar e manter a oclusão alcançada devem ser realizadas9,10. Após criterioso exame clínico e imaginológico, o diagnóstico de AH foi de essencial importância para o sucesso do tratamento, pois essa patologia se diferencia completamente nos aspectos anatomopatológicos, histopatológicos e de desenvolvimento da outra variante de hiperplasia condilar: a hiperplasia hemimandibular. Tais aspectos foram observados e um tratamento orto-cirúrgico específico para AH foi planejado com o objetivo de corrigir as discrepâncias maxilo-mandibulares tridimensionais, além do impedimento do crescimento ósseo adicional, verificado na cintilografia óssea, obtido com a realização da condilectomia e plicatura do disco. A cirurgia ortognática concomitante à condilectomia e plicatura do disco foi preterida, corroborando Wolford e colaboradores, que afirmam que essa técnica demonstra ser mais estável e eficaz que a técnica realizada somente com a cirurgia ortognática.9

A literatura científica tem discutido os aspectos sociais das deformidades dento-faciais e mostra que pacientes não submetidos a tratamentos ortodônticos e cirúrgicos têm baixa estima e que o desenvolvimento social é indesejável. Sendo assim, as deformidades podem causar uma diminuição na qualidade de vida e consequente surgimento de quadro de depressão. Embora as razões mais comuns relatada pelos pacientes submetidos à cirurgia ortognática sejam a melhoria da aparência física e das funções estomatognáticas, a expectativa dos benefícios psicossociais também é um fator importante nessa decisão. Esses benefícios incluem mudança na personalidade, a melhoria em relacionamentos e confiança em si mesmo.11 Os autores deste artigo enfatizam o grande benefício psicossocial conferido a essa paciente, pois ela apresentava quadro depressivo desenvolvido por falta de autoestima, dificuldade de relacionamentos sociais, além de ser vítima de preconceito. Todos esses aspectos foram revertidos após a realização da cirurgia, pois o ganho funcional e estético lhe conferiu uma melhor qualidade de vida e consequente inserção na esfera social.

 

REFERÊNCIAS

1- Da Costa Araújo FA, de Santana Santos T, de Oliveira E Silva ED, Filho JRJ. One-stage treatment of hemimandibular hyperplasia. Craniofac Surg. 2012 Nov;23(6):e635-6

2- Norman JE, de B, Painter DM. Hyperplasia of the mandibular condyle. A historical review of important early cases with a presentation and analysis of twelve patients. J Maxillofac Surg 1980;8:161–75.

3- Gray RJ, Sloan P, Quayle AA, Carter DH. Histopathological and scintigraphic features of condylar hyperplasia. Int J Oral Maxillofac Surg 1990;19:65–71.

4- Lippold C, Kruse-Losler B, Danesh G, Joos U, Meyer U. Treatment of hemimandibular hyperplasia: the biological basis of condylectomy. Br J Oral Maxillofac Surg. 2007 Jul;45(5):353- 60.

5- Obwegeser HL, Makek MS. Hemimandibular hyperplasia – hemimandibular elongation. J Maxillofac Surg 1986;14:183–208.

6- Chen YR, Bendor-Samuel RL, Huang CS. Hemimandibular hyperplasia. Plast Reconstr Surg 1996;97:730–7.

7- P Pripatnanont, P Vittayakittipong, U Markmanee, S Thongmak, T Yipintsoi: The use of SPECT to evaluate growth cessation of the mandible in unilateral condylar hyperplasia. Int. J. Oral Maxillofac. Surg. 2005; 34: 364–68.

8- Villanueva-Alcojol L, Monje F, González-García R. Hyperplasia of the mandibular condyle: clinical, histopathologic, and treatment considerations in a series of 36 patients. J Oral Maxillofac Surg. 2011;69(2):447-5511.

9- Wolford LM, Mehra P, Reiche-Fischel O, Morales- Ryan CA, García-Morales P. Efficacy of high condylectomy for management of condylar hyperplasia. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2002;121(2):136-50;discussion 150-1

10- Wolford LM. Concomitant temporomandibular joint and orthognathic surgery. J Oral Maxillofac Surg. 2003 Oct;61(10):1198-204

11- de Ávila ED, de Molon RS, Loffredo LC, Massucato EM, Hochuli-Vieira E. Health-related quality of life and depression in patients with dentofacial deformity. Oral Maxillofac Surg. 2012 Sep 4. [Epub ahead of print]

 

AGRADECIMENTOS:

Ao Esp. José Luis Damasceno, pelo excelente trabalho de ortodontia dispensado à paciente.

 

 

Endereço para correspondência:
Jimmy Charles Melo Barbalho
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
Rua André Sales , 667- Paulo XI –Caicó- RN/
bbBrasil
CEP: 59.300-000

e-mail:
jimmybarbalho@hotmail.com