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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2013

 

 

Cementoblastoma benigno na mandíbula: Relato de caso

 

Benign cementoblastoma in mandible: a case report

 

 

Laudimar Alves de OliveiraI; Conrado Matheus Peres Xavier PintoII; Valdor Araújo Naves NetoIII

I Doutor em Ciências da Saúde – UnB; Professor Adjunto Departamento de Odontologia Universidade de Brasília - UnB.
II Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais – ABO-DF; Profissional Liberal Clínica Privada.
III Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais – ABO – DF; Professor Auxiliar Universidade Paulista – UNIP-DF.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O cementoblastoma benigno (CB) é um tumor odontogênico raro, de crescimento lento e ilimitado. Ocorre mais frequentemente em caucasianos, entre as 2ª e 3ª décadas de vida, sem predileção por gênero. Mais comum na mandíbula, área de molares e pré-molares, geralmente envolve o primeiro molar permanente. Em imagem radiográfica, apresenta massa radiopaca delimitada por delgada linha radioluscente, simulando uma hipercementose. Em cortes histológicos, assemelha-se fortemente com osteoma osteoide, osteosarcoma ou osteoblastoma benigno. O objetivo do presente trabalho foi descrever um caso incomum de cementoblastoma. I.D.S., gênero masculino, melanoderma, 32 anos que compareceu ao ambulatório do Grupo de Apoio Aprendizes do Amor Cristão – GAAAC, Brasília – DF, sem queixa de dor, portando lesão na região do 2º molar mandibular esquerdo, apresentando imagem radiográfica sugestiva de cementoblastoma. O tratamento consistiu na remoção completa da lesão acompanhada de extração do dente 37. Após dois anos, observou-se a remissão dos sinais, não havendo recorrência do tumor. O caso relatado apresentou como variante incomum ter acometido indivíduo da raça negra, relacionado ao 2º molar mandibular esquerdo – 3%. O sítio de localização atípico e as discrepâncias encontradas entre o presente relato e a literatura reforçam a importância do diagnóstico e a pesquisa por novas evidências relacionadas ao cementoblastoma.

Descritores: Cementoblastoma benigno; Cementoma; Tumores odontogênicos.


ABSTRACT

The cementoblastoma benign (CB) is a rare odontogenic tumor, slow growth and unlimited. It occurs more frequently in caucasians, between 2nd and 3rd decades of life, with no predilection for gender. More common in the mandible area of molars and premolars, usually involving the first permanent molar. In radiographic image shows a radiopaque mass bounded by thin radiolucent line simulating a hypercementosis. Using histological resembles strongly with osteoid osteoma, osteosarcoma and benign osteoblastoma. The aim of this study was to describe an unusual case of cementoblastoma. IDS, male, melanoderma, 32 years old, came to the Grupo de Apoio Aprendizes do Amor Cristão - GAAAC, Brasília - DF, without pain, with a lesion in the 2nd left molar region, presenting radiographic image suggestive of cementoblastoma. The treatment consisted of complete removal of the lesion accompanied by the extraction of the tooth 37. After two years, there was remission of signs, with no tumor recurrence. This case presents unusual variant as the fact that it involved an individual of black, related to 2nd left mandibular molar - 3%. The rarity of the condition and the discrepancies found between this case and the literature of reinforce even more the importance of any new evidence related to cementoblastoma.

Descriptors: benign cementoblastoma, cementoma, odontogenic tumour.


 

 

INTRODUÇÃO

Cementoblastoma (CB) ou cementoma verdadeiro, neoplasma proveniente do ectomesênquima odontogênico, consiste em lesão relativamente rara, mesmo entre os tumores odontogênicos. Geralmente apresenta lesão solitária, forma massa volumosa de cemento aderida à raiz do dente envolvido1.

Essa alteração é derivada de cementoblastos neoplásicos, originados do ligamento periodontal, de etiologia desconhecida, assim como os demais tumores odontogênicos2.

Segundo a classificação de tumores odontogênicos periapicais da Organização Mundial de Saúde, o CB é um dos três tipos reconhecidos, juntamente com o mixoma e o fibroma3.

A maior prevalência da patologia ocorre entre as 2ª e 3ª décadas de vida, não havendo predileção por gênero4.

Muitos casos descritos na literatura têm exibido sinais de agressividade e destruição localizada, incluindo expansão óssea, dor, erosão das lâminas corticais, deslocamento de dentes adjacentes, invasão do ambiente pulpar e incorporação dos dentes adjacentes5.

Os dentes afetados pelo CB, em estágios iniciais, respondem positivamente aos testes de vitalidade pulpar. Entretanto, em estágios mais avançados, a polpa pode apresentar-se necrosada.

Histologicamente, a maioria dos tumores se estrutura por camada acelular ou trabécula de cemento irregular próxima à raiz e exibe marcantes linhas reversas. Em área densamente calcificada, cementoblastos aparecem retidos pela matriz calcificada. Os tumores exibem borda bem definida e sem envolvimento com o osso adjacente, devido ao marcante encapsulamento. Tipicamente, a periferia apresenta trabeculado radial composto por matriz não calcificada assim como o dente associado à lesão mostra reabsorção radicular com tecido duro tumoral fusionado à raiz7.

O odontoma não se apresenta usualmente fusionado ao dente adjacente e apresenta aspecto mais relacionado à radiopacidade heterogênea, refletindo a presença de múltiplos tecidos duros dentários8.

Em análise histológica, o CB assemelha-se fortemente ao osteoma osteoide, osteossarcoma ou osteoblastoma benigno, pela presença de camadas de células imaturas em áreas com densa atividade celular5.

Radiograficamente o cementoblastoma pode ser confundido com hipercementose, mas se diferencia por apresentar dor ou expansão das corticais, além de grande volume de tecido calcificado presente. O seu tratamento apropriado consiste na remoção completa da lesão, juntamente com o(s) dente(s) envolvido(s), acompanhada por curetagem eficiente e ostectomia periférica da loja cirúrgica para se evitar recorrência8.

Trabalhos têm evidenciado que a recidiva ocorre com maior frequência quando se realiza a curetagem da lesão sem a extração do(s) dente(s) associado(s), entretanto pode surgir mesmo com a remoção do dente envolvido e do tumor em tratamento cirúrgico inicial9.

É, portanto, o objetivo do presente trabalho descrever um caso incomum de cementoblastoma relacionado ao 2º molar inferior esquerdo e seu acompanhamento após dois anos de tratamento.

 

RELATO DE CASO

I.D.S., gênero masculino, 32 anos, melanoderma, saudável, compareceu à Clínica Odontológica do Grupo de Apoio Aprendizes do Amor Cristão (GAAAC) para exodontia do terceiro molar inferior esquerdo retido. O paciente não relatou queixa ou incômodo na referida região. Negou antecedentes mórbidos e ou alérgicos. Ao exame físico, verificaram-se ausências dentárias e orofaringe de aspecto normal. O dente 38 encontrava-se parcialmente irrompido em posição mesioangular, fora do alinhamento oclusal.

Na radiografia panorâmica, além do elemento dentário 38 semincluso, foi observada, adicionalmente, imagem com aspecto misto, com cerca 15mm de diâmetro, com halo radioluscente circunscrevendo-a, associada à região apical do 2º molar inferior esquerdo, com projeção inferior, indicando relação íntima com o canal mandibular. As hipóteses diagnósticas sugeridas foram CB ou odontoma complexo (Figura 1a). Como importante instrumento complementar de diagnóstico, foi solicitada uma tomografia de feixe cônico, para melhor definição das características da alteração e sua relação com o canal mandibular.

 

 

 

Em exame tomográfico, cortes sagitais, a lesão apresentava-se com aspecto misto (hipodensa e hiperdensa), envolvida por halo hipodenso, medindo 11 X 12 mm, contígua aos ápices das raízes do dente 37, com expansão e adelgaçamento da cortical lingual. Evidenciou-se, ainda, a presença de reabsorção radicular dos terços médio e apical da raiz mesial do respectivo dente, além de íntima relação com o canal mandibular e, em alguns pontos, ausência da cortical superior desse canal (Figura 1b).

Após o paciente ler, compreender e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o tratamento de escolha consistiu na remoção completa da lesão. Para tanto, foram realizados os bloqueios dos nervos alveolar inferior e bucal ipsilateral com cloridrato de lidocaína 2% associado à epinefrina 1:100.000. Foram realizadas incisões intrassulcular vestibular (1º e 2º molares) e relaxante (retromolar) e descolamento de retalho mucoperiosteal vestibular, além de sindesmotomia lingual nos referidos molares. Foi efetuada a exodontia do dente 38. No mesmo tempo cirúrgico, foi realizada a remoção do dente 37 juntamente com a lesão, após a ampliação cirúrgica do rebordo alveolar, em sua porção mais cervical, com dimensão correspondente ao equador coronário do dente (Figura 2a).

 

 

 

Em seguida, foi realizada curetagem da loja óssea acompanhada de irrigação abundante com soro fisiológico. Na sequência, promoveu-se sutura contínua festonada com fio de seda 4-0. Foram prescritos amoxicilina 500mg, 8/8h por sete dias, dipirona sódica 500mg, 6/6 horas e nimesulida 100mg, 12/12 horas por dois dias, associados a cuidados pós-operatórios de rotina. O pós-operatório evoluiu sem intercorrências. O paciente não fez referência à sensação de parestesia ou nenhum desconforto adicional.

A peça removida foi, então, encaminhada para análise. O exame histopatológico apontou a presença de massa mineralizada, com aspecto cementoide, aderida às raízes do elemento dental. A imagem apresentava trabéculas espessas com inúmeras linhas basofílicas de reversão entremeadas por pequenas lacunas preenchidas por tecido fibrovascular, confirmando a hipótese clínica de CB (Figura 2b).

Após a cirurgia, o paciente foi acompanhado por dois anos, períodos semestrais, para avaliação. No exame radiográfico com período de dois anos, após exérese da lesão, verificou-se a recomposição normal do trabeculado ósseo com ausência de qualquer sinal de recidiva (Figura 3).

 

 

 

DISCUSSÃO

O Cementoblastoma (CB) ou cementoma verdadeiro figura como tumor odontogênico benigno, raro (1/10.000 biópsias), ocorrendo na maioria das vezes, na região de pré-molares e molares mandibulares (principalmente primeiros molares permanentes), manifestando-se predominantemente nas segunda e terceira décadas de vida, sem predileção por gênero9.

Em relação à etnia, o CB acomete, principalmente, caucasianos. Numa revisão de 118 casos, em 2002, apenas 18,75% dos casos (18 entre 96) acometeram negros. No presente caso, a patologia foi identificada em paciente negro com idade de 32 anos10.

Embora o lado de maior acometimento do CB seja o direito, nesse relato observou-se sua manifestação no lado esquerdo. Em adição, essa mesma revisão aponta como área de predileção da patologia a região de molares e pré-molares mandibulares, com 81,8% de ocorrências, sendo que o dente mais comumente afetado foi o 1º molar mandibular. Novamente o presente estudo direciona para uma variante menos comum, pois se apresentou relacionada ao 2º molar10.

Clinicamente, exibe crescimento lento, podendo causar expansão da área afetada, além de reabsorção radicular do dente envolvido5.

Sintomatologia dolorosa pode ou não estar presente. Radiograficamente, o tumor se localiza em nível apical do dente afetado, como massa calcificada intimamente associada à raiz dentária. Pode apresentar forma circular e tamanho que varia de 2 a 4 cm de diâmetro, rodeada por uma delgada e uniforme linha radiolúcida e limite corticalizado6.

Não obstante, o caso estudado tenha características clínicas que acompanham a literatura, clinica e radiograficamente, nesse paciente, a lesão foi identificada em decorrência de exame de rotina, para remoção de um terceiro molar que se encontrava semincluso. Nesse aspecto, convém destacar que, nos exames habituais, mesmo com indicações específicas, o profissional deve ter o cuidado em analisar minuciosamente seu paciente, buscando a percepção de alterações que estejam impondo importante risco à sua saúde.

Os diagnósticos diferenciais para essa alteração, displasia cementária periapical, osteíte esclerosante periapical, osteossarcoma ou osteoblastoma benigno, reforçam esse entendimento8.

A presença de sintomatologia dolorosa embora seja, em metade dos casos, uma característica comum, o paciente não referiu dor, apesar de apresentar expansão cortical (lingual) – uma evidência muito comum nos casos de CB - com deslocamento do feixe vásculo-nervoso alveolar inferior e reabsorção da cortical superior do canal mandibular.

Histologicamente, a massa do CB é composta por trabéculas, espessas ou em camadas, de material mineralizado, com lacunas irregularmente localizadas e linhas de inversão basofílicas proeminentes6.

A periferia da lesão, correspondente à zona de radiotransparência observada na radiografia, é composta por matriz não calcificada, normalmente composta por colunas radiantes7.

No presente caso, Figura 2b, o exame histopatológico acompanhou as descrições da literatura.

O tratamento de escolha neste relato, extração cirúrgica do dente juntamente com a massa calcificada, seguiu as indicações mais apontadas pelos pesquisadores, oferecendo prognóstico mais satisfatório, conforme verificado no acompanhamento pós-operatório de dois anos7.

Nesse sentido, os autores concordam que a forte possibilidade de recidiva da lesão decorre da sua remoção incompleta ou de curetagem superficial8.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no presente relato, observou-se que o exame radiográfico oferece fortes indícios quanto às características da doença. Embora a literatura assinale como mais prevalente em indivíduos de etnia branca e relacionada a primeiros molares mandibulares no lado direito, outras variantes devem ser consideradas para sua ocorrência. Por fim, a exérese completa da lesão acompanhada de curetagem efetiva constitui um método satisfatório para controle da patologia e reparo da região afetada.

 

REFERÊNCIAS

1. Cornejo AD, Torre y Moran A, Moran GT, Vargas LOS. Reporte de un caso clinico de cementoblastoma y revisión de la literatura. Rev Cuba Estomatol. 2009 fev;46(2):1-8.         [ Links ]

2. Neves FS, Ladeira DB, Nery LR, Almeida SM, Campos PSF. Cementoblastoma benigno: relato de caso. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac, Camaragibe. 2010 abr/jun;10(2):31-4.

3. Barnes L, Eveson JW, Reichar P, Sidranski D. World Health Organization classification of tumours. Pathology and genetics of head and neck tumours. Lyon: IARC Press, 2005.

4. Zachariades N, Skordalaki A, Papanicolaou S, Androulakakis E, Bournias M. Cementoblastoma: review of the literature and report of a case in a 7 year-old girl. Br J Oral Maxillofac Surg. 1985 Dec;23(6): 456-61.

5. Zaitoun H, Kujan O, Sloan P. An unusual recurrent cementoblastoma associated with a developing lower second molar tooth: a case report. J Oral Maxillofac Surg. 2007 Oct;65(10):2080-2.

6. Hirai E, Yamamoto K, Kounoe T, Kondo Y, Yonemasu H, Kurokawa H. Benign cementoblastoma of the anterior maxilla. J Oral Maxillofac Surg. 2010 Mar;68(3):671-4.

7. Karaçal N, Agdogan O, Livaoglu M, Uraloglu M, Ozel B. Giant Cementoblastoma of the Impacted Mandibular Incisor. J Craniofac Surg. 2011 Nov;22(6):e26-e27.

8. Ohki K, Kumamoto H, Nitta Y, Nagasaka H, Kawamura H, Ooya K. Benign cementoblastoma involving multiple maxillary teeth: report of a case with a review of the literature. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2004 Jan;97(1):53–8.

9. Cundiff EJI. Developing cementoblastoma: case report and update of differential diagnosis. Quintessence Int. 2000 Mar;31(3):191-5.

10. Brannon RB, Fowler CB, Carpenter WM, Corio RL. Cementoblastoma: An innocuous neoplasm? A clinicopathologic study of 44 cases and review of the literature with special emphasis on recurrence. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2002 Mar;93(3):311-20.

 

 

Endereço para correspondência:
Prof. Laudimar Alves de Oliveira
Departamento de Odontologia da Faculdade de
Ciências da Saúde
Universidade de Brasília
Campus Universitário Darcy Ribeiro. Asa Norte
CEP 70.910-900
Brasília – DF

e-mail:
laudimar@unb.br