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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2013

 

 

Manejo de trauma dentoalveolar atípico: relato de caso

 

Management of atypical dentoalveolar trauma: case report

 

 

Bruno Luiz Menezes de SouzaI; Pedro Henrique de Souza LopesI; Emerson Filipe de Carvalho NogueiraII; Belmino Carlos Amaral TorresIII

I Residente de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial, Hospital Regional do Agreste, Caruaru/PE.
II Cirurgião Buco-maxilo-facial, Hospital Regional do Agreste, Caruaru/PE.
III Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial, FOP/UPE, Recife/PE.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Ostraumatismos dentários são situações de urgência odontológica que necessitam de um atendimento rápido, porém minucioso. Na maioria das vezes é necessário o acompanhamento do paciente por um longo período, sendo a incidência deste tipo de injúria variável entre 4% a 30% na população em geral. A avulsão dentária consiste no deslocamento do dente para fora do seu alvéolo sendo conduta imperativa, quando bem indicada, o reimplante do dente avulsionado na sua loja óssea.Os traumas que envolvem os dentes anteriores, influenciam a função e a estética do indivíduo, afetando seu comportamento social. O trauma dentário é uma ocorrência que necessita da atuação de várias especialidades da Odontologia, entre elas a cirurgia, a dentística, a endodontia, periodontia, prótese e ortodontia. O objetivo deste trabalho é discutir um caso clínico de trauma dentoalveolar extenso em paciente adolescente, tratado com reimplante dentário imediato aliado asplintagem combinada ao aparato ortodôntico, com posterior tratamento endodôntico dos elementos envolvidos.

Descritores: Avulsão Dentária, Alvéolo Dental, Socorro de Urgência


ABSTRACT

Dental injuries are odontological emergencies that require a fast but careful management. Most often, it is necessary to monitor the patient for a long period, and the incidence of this type of injury ranges from 4% to 30% in the general population. The teeth avulsion is the displacement of the tooth out of its socket and it is mandatory to promote immediate replantation of the avulsed tooth in its original bony socket when this procedure is well indicated. Trauma involving the anterior teeth has great impact and influences the function and aesthetics of the individual, affecting their social behavior. The dental trauma is an event that requires the action of several dental specialties, including surgery, dentistry, endodontics, periodontics, prosthodontics and orthodontics. The objective of this paper is to discuss a case of extensive dentoalveolar trauma in adolescent patients treated with immediate tooth replantation and splint combined with orthodontic apparatus, followed latter by endodontic treatment of affected teeth.

Descriptors: Tooth Avulsion, Tooth Socket , Emergency Relief


 

 

INTRODUÇÃO

Traumatismos dentoalveolares correspondem a grande parte das urgências nos consultórios odontológicos e serviços de trauma, com prevalência estimada em 18,9%, existindo muitos casos de subnotificação. São achados comuns em crianças jovens e adolescentes, geralmente decorrentes de acidentes automobilísticos, esportes de contato, quedas da própria altura e agressão física. Na dentição permanente, a maior incidência de traumas dessa natureza ocorre entre 8 e 10 anos, sendo os incisivos centrais superiores os elementos mais acometidos (80,5%)1,2,3,4,5,6,7.

O diagnóstico preciso é baseado na avaliação clínica detalhada, associada ao exame complementar radiográfico, necessário para elucidar a extensão da lesão e diagnosticar lesões adjacentes ocultas. O tratamento de escolha depende do tipo de dano e de estrutura atingida (tecidos moles, ósseo e dentários). O prognóstico depende do grau de envolvimento das estruturas lesadas, do seu estágio de desenvolvimento e do tempo transcorrido entre o acidente e o atendimento inicial. O acompanhamento a longo prazo é fator determinante na avaliação do sucesso da terapêutica estabelecida, sendo fundamental para a prevenção e tratamento de possíveis complicações decorrentes do trauma, como as futuras necessidades de tratamento endodôntico e/ou ortodôntico1,6,8.

A avulsão dentária é o deslocamento, com saída total, do dente do interior de seu alvéolo, correspondendo de 0,5% a 16% das injúrias traumáticas. A avulsão de dentes permanentes é mais comum na dentição jovem, quando o desenvolvimento radicular ainda está incompleto e o periodonto, ainda em formação9.

A avulsão de dentes permanentes é considerada a mais grave injúria dentária. É uma lesão incomum, com prevalência variando entre 0,5% e 3%. O sucesso do tratamento dessa condição depende, principalmente, das medidas imediatamente tomadas após o trauma, sendo o reimplante dental a opção de escolha. Portanto, um manejo emergencial e plano de tratamento adequados, comumente expostos em diretrizes internacionais elaboradas por pesquisadores da área, são importantes para um bom prognóstico1,8.

O presente artigo objetiva discutir um caso clínico de trauma dentoalveolar extenso em paciente adolescente, tratado com reimplante dentário imediato e splintagem combinada ao aparato ortodôntico do qual o mesmo já fazia uso previamente ao trauma. Serão discutidos os aspectos inerentes e necessários ao sucesso do tratamento estabelecido.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 12 anos de idade, vítima de acidente ciclístico, compareceu a emergência do Hospital Regional do Agreste uma hora e trinta minutos após o trauma, apresentando subluxação dos elementos 12 e 22, avulsão do 11 e 21, fratura coronária em borda incisal do 21, e ferimentos em mucosa gengival. Os elementos avulsionados permaneceram em cavidade oral, pois os mesmos encontravam-se fixos aos brackets ortodônticos (Figura 1). O tratamento inicial procedeu-se pela antissepsia extraoral com clorexidina 2%, anestesia local com lidocaína 2% com epinefrina 1:200.000, corte do fio ortodôntico, e remoção cuidadosa dos dentes avulsionados, evitando-se o manuseio da região radicular dos mesmos. Em seguida os dentes e seus alvéolos foram submetidos a lavagem copiosa com soro fisiológico 0,9%, para remoção de coágulos sanguíneos. Optou-se pelo reposicionamento dentário em cavidade oral, contenção com fio de aço nº 0, sendo o fio mais flexível disponível no momento, aproveitando os brackets ortodônticos, e sutura das lacerações com categute 4-0 (Figura 1). Foi prescrito amoxicilina 500mg de 8/8h por 7 dias, nimesulida 100mg de 12/12h por 2 dias, dipirona 500mg de 6/6h por 2 dias, colutório 2 vezes ao dia. Paciente encontrava-se sob esquema de imunização anti-tetânica no momento do trauma. O paciente recebeu orientações quanto a higiene oral, alimentação macia nas duas primeiras semanas subsequentes ao trauma mantendo a função mastigatória preservada, além de evitar esportes de contato. No 7º dia de pós-operatório, observou-se boa cicatrização dos tecidos e estabilidade dentária, removeu-se a sutura, e visto que ao exame de radiografia periapical o dente encontrava-se com o ápice fechado,o paciente foi encaminhado para início do tratamento endodôntico, com preenchimento dos canais radiculares com hidróxido de cálcio (Figura 2).Foi realizada remoção da contenção dentária no 10º dia e substituição por fio ortodôntico passivo (Figura 3). Foram realizadas radiografias de acompanhamento para observação de possíveis alterações na região, como também o satisfatório posicionamento do dente em seu alvéolo. O paciente permaneceu por 9 meses com o hidróxido de cálcio, sendo substituído a cada 3 meses, seguida pela obturação definitiva dos canais radiculares. Em reavaliação pós-operatória de 1 ano, observou-se correto alinhamento e posicionamento dentário garantidos pelo tratamento realizado de reimplante imediato e posterior correção ortodôntica (Figura 4). Atualmente, o mesmo se encontra sob proservação de 3 anos, com estabilidade dentária e saúde periodontal satisfatórias, como também radiografias de controle sem anormalidades (Figura 5).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O trauma dentoalveolar corresponde, atualmente, a um problema de saúde pública, não somente por sua alta prevalência, mas também por representarem um impacto substancial na vida dos pacientes, com considerações estéticas, funcionais, psicológicas e econômicas, causando severo desconforto,sintomatologia dolorosa e forte impacto social, geralmente atrelado a tendência de se evitar sorrir e falar em público6,7,10.

Durante a avulsão há ruptura do epitélio gengival, dano no ligamento periodontal, injúria ao cemento e osso alveolar, além de dano à polpa dental. O resultado de um eventual reimplante dental depende do período e da manipulação extra-alveolar. As exigências são de que o dente fique o menor tempo possível fora do alvéolo, que o armazenamento seja em um meio fisiológico (Tabela 1) e que a contaminação seja eliminada, reduzida ou controlada por antimicrobianos9.

 

 

 

O manejo adequado do trauma dentoalveolar inclui um correto diagnóstico inicial, tratamento de urgência imediato se necessário, o tratamento definitivo e a proservação do caso11. De acordo com os tecidos lesados pelo trauma, existem diversas classificações e abordagens terapêuticas adequadas para cada uma delas. No caso exposto, existiam lesões em diferentes tecidos. É bem estabelecido na literatura que as lacerações em mucosa devem ser abordadas através de limpeza, reaproximação e suturas; além disso, no caso exposto a fratura coronária do elemento 21 envolveu, apenas, esmalte dental, não havendo exposição ou comprometimento de tecido pular, sendo indicado o restabelecimento da forma e estética através de materiais restauradores, abordagem simples e eficiente. A subluxação, lesão de menor intensidade aos tecidos de suporte dental, é caracterizada por mobilidade dental e sangramento via sulco gengival, sem deslocamento do mesmo; requer apenas cuidados sintomáticos (dieta macia e alivio oclusal) e proservação do estado de vitalidade pulpar a longoprazo1,11,12.

O cirurgião-dentista deve sempre atentar para os cuidados de urgência imediatos que devem ser estabelecidos com objetivo de manter, sempre que possível, a vitalidade pulpar dos elementos em questão. Como exemplo do caso exposto, traumas dentoalveolares por luxação devem alertar ao profissional, como preocupação imediata, sobre o reposicionamento e estabilização do elemento em sua posição normal, permitindo reorganização do ligamento periodontal de suporte e reancoragem dental, além da tentativa de viabilizar a revascularização dental via feixe apical, o que pode ser dificultado em casos de elementos dentários permanentes com ápices radiculares totalmente formados. Vista a grande chance de necrose pulpar nesses casos, é de fundamental importância um acompanhamento clínico que avalie a viabilidade do tecido pulpar, indicando a necessidade ou não de tratamento endodôntico com objetivo de prevenir casos de reabsorção radicular inflamatória interna ou externa, comumente associada a esses quadros5,11.

Em casos de avulsão dentária, o tempo de permanência extra-alveolar é um dos fatores críticos e determinantes do sucesso da terapia de reimplante dental, sendo considerado um intervalo de 60 minutos em meio seco como o limite de viabilidade das células do ligamento periodontal, sendo ideal, portanto, o reimplante imediato. Caso o mesmo não seja possível por alguma razão, o elemento dental avulsionado deve ser sempre manipulado pela porção coronária (evitando a contaminação radicular), estocado em meios de conservação estabelecidos na literatura (leite, saliva, meio de cultura tecidual, solução salina balanceada de Hank) e imediatamente levado a um consultório odontológico para se proceder ao reimplante dental. No caso relatado, devido a permanência dos elementos dentários avulsionados na cavidade oral em contato direto com a saliva, pela mínima contaminação dos mesmos em relação ao meio externo e pelo tempo decorrido entre o trauma e o atendimento inicial ter sido feito em tempo hábil, o prognóstico da terapia de reimplante dental foi favorável8,13,14.

A literatura enfatiza a necessidade de contenção passiva, que permita movimentação fisiológica do elemento em seu alvéolo, com intervalo de 10-14 dias8,13,14. Dentes com formaçãoradicular completa geralmente evoluem com necrose pulpar, devendo, nesses casos, ser iniciado o tratamento endodôntico com 7-10 dias, através da extirpação pulpar e preenchimento radicular com medicação a base de hidróxido de cálcio. Apesar de os autores divergirem quanto ao tempo de permanência do hidróxido de cálcio antes da obturação definitiva, intervalos entre 6 a 12 meses ou até que toda a lâmina dura torne-se aparente radiograficamente podem ser utilizados15. Andreasen e Bakland em 2004 citaram em estudo que o uso prolongado do hidróxido de cálcio, acima de 1 mês, pode tornar a dentina radicular propensa a fraturas.

Os traumatismos dentais podem evoluir com complicações tardias que dependem do tipo e da intensidade do trauma, podendo levar, com o decorrer do tempo, repercussões tanto para a polpa quanto para o ligamento periodontal16.

 

CONCLUSÃO

O manejo do traumatismo dentoalveolar deve ser feito de maneira criteriosa, orientado pelos diversos guidelines disponíveis na literatura, de forma a priorizar o tempo decorrido, a técnica a ser utilizada e meio de estocagem no caso das avulsões dentárias. Há uma grande importância no acompanhamento deste paciente, e sempre que possível, orientado por diversas especialidades da Odontologia, visando preservar a função e estética dentária.

 

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