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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2013

 

 

Acidentes fatais com motociclistas no Recife e suas repercussões faciais

 

Fatal accidents involving motorcyclists in Recife and facial repercussions

 

 

Renatha Crhistina Ferreira PereiraI; Pauliana Valéria Machado GalvãoII; Cyntia de Medeiros NogueiraII; Voleide Silva VasconcelosIII; Reginaldo Inojosa Carneiro CampeloIV; Eliane Helena Alvim de SouzaIV

I Cirurgiã-Dentista, Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco (FOP-UPE), Pernambuco, Brasil.
II Alunas do Programa de Mestrado em Perícias Forenses da FOP-UPE, Pernambuco, Brasil.
III Mestre em Perícias Forenses pela FOP-UPE, Pernambuco, Brasil.
IV Doutores em Odontologia e Professores Permanentes do Programa de Mestrado em Perícias Forenses, FOP-UPE, Pernambuco, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivo: Analisar os aspectos relacionados aos acidentes fatais com motociclistas na cidade do Recife e sua repercussão no Complexo Buco-Maxilo-Facial. Métodos: Trata-se de um estudo transversal, descritivo, que utilizou dados secundários das Instituições responsáveis pelos laudos de vítimas fatais de acidentes de trânsito – Institutos Médico-Legal e de Criminalística. A amostra foi constituída pelos óbitos ocorridos no ano de 2010. Resultados: No período estudado, as fatalidades acometeram principalmente homens, pardos e com idade entre 27 e 36 anos, ocorrendo geralmente nos dias da semana. A maior casuística foi detectada no segundo trimestre de 2010. A colisão ocorreu em 58% dos acidentes, sendo que a maioria envolveu motocicleta e veículo pesado, em vias asfaltadas em bom estado de conservação e com iluminação insuficiente em apenas 23.9% dos casos. As lesões mais prevalentes foram escoriações e feridas contusas com envolvimento mais marcante do terço inferior da face. Conclusões: Os dados obtidos no presente estudo trouxeram conhecimento sobre a natureza e alguns fatores relacionados aos acidentes com motociclistas e, dentre outras informações, que o envolvimento facial nos traumas físicos decorrentes das colisões é considerável, sugerindo para a importância do cirurgião buco-maxilo-facial no apoio aos indivíduos que sobrevivem a este tipo de trauma.

Descritores: Violência, Acidentes de trânsito, Mortalidade, Motocicletas, Lesões Faciais.


ABSTRACT

Purpose: Analyzing aspects related to fatal accidents involving motorcyclists in Recife city and its impact on Maxillo-Facial Complex. Methods: This study was cross-sectional, descriptive, using secondary data of the institutions responsible for reports of fatal victims of traffic accidents - Forensic Medical and Criminology Institutes. The sample was composed of all deaths in 2010. Results: In the studied period, fatalities occurred primarily in men, brown skin and aged between 27-36 years, 53,4% on weekdays. The highest incidence was detected in the second quarter of 2010. Colision occurred in 58% of accidents and most of incidents involved motorcycle and heavy vehicle, on good paved roads. Lighting was insufficient only in 23.9% of cases. The most prevalent injuries were bruises and contused wounds, and incurred more markedly in the lower third of the face. Conclusions: Data on this study brought knowledge about essentials and related factors involving motorcycle accidents, and the occurence of facial traumas was of considerable amount, showing the importance of the presence of a maxilla-facial surgeon to support survival victims of this trauma.

Descriptors: Violence, Traffic Accidents, Mortality, Motorcycles, Facial Injuries


 

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o mundo tem se deparado com uma situação alarmante: as mortes devido a acidentes de trânsito aproximam-se de 1,2 milhões, enquanto as injúrias não fatais alcançam entre 20 e 50 milhões. Como se não bastasse, cerca de 90% das fatalidades do trânsito ocorrem em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil1, que ocupa o quinto lugar no ranking mundial de mortalidade para este tipo de lesão2.

Na última década, tem sido observado o aumento do número de acidentes envolvendo motocicletas, principalmente pela crescente adesão da população a este meio de transporte, pela sua agilidade e custo reduzido3. Em 2001, 3.100 mortes de motociclistas foram registradas no Brasil; Já em 2010, estas fatalidades atingiram 10.134 casos, totalizando 65.671 mortes na década. A maioria das vítimas eram homens, solteiros, com idade entre 20 e 39 anos4, fato corroborado por outros estudos5-10.

A repercussão desse tipo de acidente no Complexo Buco-Maxilo-Facial é bastante relevante, já que os acidentes de trânsito e agressões representam as principais etiologias das lesões faciais11. As lesões geralmente acometem cabeça e membros6,7,9,12. As regiões de superfície externa e face se alternam em relação à frequência. Tórax, abdômen e membros em relação à gravidade12.

A complexidade das questões relacionadas a estes agravos exige vários olhares e abordagens diferentes. A preocupação com quem anda sobre duas rodas em Recife procede, pois o aumento da mortalidade de motociclistas atingiu aproximadamente 700% de 1995 a 200513.

Diante do exposto, esta pesquisa teve como objetivo analisar os aspectos relacionados aos acidentes fatais envolvendo motociclistas na cidade do Recife no ano de 2010 e sua repercussão no Complexo Buco-Maxilo-Facial.

 

MÉTODOS

Este estudo foi de caráter transversal e descritivo, através de dados secundários contidos nos laudos das Instituições responsáveis pela notificação de vítimas fatais de acidente de trânsito – os Institutos Médico-Legal (IML) e de Criminalística (IC).

As causas básicas de óbito trabalhadas foram retiradas da 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e consistem nos códigos referentes a acidentes com motociclistas (V20 a V29).

As variáveis foram quantificadas e analisadas por procedimentos estatísticos de frequência simples e relativa utilizando o programa Statistical Package for Social Scienses (SPSS) 13.0 para Windows.

Para atender as considerações éticas, por se tratar de um estudo com dados secundários, houve a substituição do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo Termo de Confidencialidade (TC). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sob o parecer nº 164.084.

 

RESULTADOS

Os acidentes com motociclistas na cidade do Recife para o ano de 2010 vitimaram fatalmente 88 indivíduos. Pela análise dos dados, houve predomínio de homens entre 27-36 anos, pardos, de estado civil desconhecido (Tabela 1).

 

 

 

As ocorrências foram comumente registradas no período noturno, caracterizadas como colisão, e envolvendo, principalmente, moto e veículo pesado. O capacete foi utilizado em 44,3% dos casos estudados (Tabela 2).

Os acidentes geralmente aconteceram em pista pavimentada, seca, com estado de conservação e visibilidade considerados bom/ótimo (Tabela 3).

A distribuição das ocorrências a cada trimestre foi equilibrada em valores absolutos. Os dias úteis registraram 53,4% das ocorrências (Tabela 4).

As lesões produzidas em decorrência dos acidentes foram do tipo escoriações e feridas contusas, envolveram tecidos moles e duros em associação, e em 39,8% dos casos localizadas na face, com destaque para o terço inferior (Tabela 5).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Anualmente, 180.000 pessoas são hospitalizadas devido a acidentes de tráfego no Brasil14, causa externa que figura entre os principais problemas de saúde pública nacional15, salientando o aumento significativo dessas ocorrências e da fatalidade envolvendo motociclistas a partir de 199912.

As vantagens do uso da motocicleta em relação aos automóveis são facilmente enumeradas: menor custo de aquisição e manutenção, tamanho reduzido que facilita o deslocamento mesmo em congestionamentos, e o uso crescente da motocicleta como meio de trabalho. Estes motivos aparentemente influenciaram no aumento do número de motocicletas no país e, consequentemente, na vulnerabilidade e exposição dos usuários ao risco de acidentes, tornando-se importante causa de incapacitação física ou morte13.

A predominância do gênero masculino nesta pesquisa é semelhante aos dados obtidos em diversos outros estudos4,6,7,8,12, sendo particularmente correspondentes a pesquisa desenvolvida em Goiânia16, onde observou-se a existência de maior número de motoristas desse gênero e associando seu maior acometimento com o comportamento mais agressivo no trânsito e o consumo abusivo de álcool.

Quanto a cor da pele, uma maior prevalência em indivíduos pardos foi evidenciada, a exemplo de Sergipe8.

Em relação à faixa etária, 78,4% das vítimas tinham entre 17 e 36 anos, o que se assemelha aos dados encontrados no Piauí7 e em Sergipe8, mas difere de Porto Alegre6, onde a maioria (61%) dos indivíduos eram menores de 25 anos. Este dado pode fundamentar novas pesquisas para identificar potenciais diferenças entre as regiões brasileiras. No entanto, todas estas pesquisas6,7,8 salientaram a vulnerabilidade da população mais jovem em relação aos acidentes envolvendo motocicletas, aparentemente justificada pela inexperiência na condução de veículos, pela impulsivida de característica da idade, além de outros fatores, como o consumo de álcool e outras drogas, aliados à deficiente fiscalização pelos órgãos competentes13.

O estado civil não foi uma variável trabalhada nos estudos avaliados. Nesta pesquisa, a falta de informações a respeito não possibilitou esclarecer possíveis relações com os acidentes.

O turno de maior ocorrência foi o noturno, concordando com outros estudos10,13,17,18. Este fato pode ser justificado pelo cansaço, pelas influências climáticas, pelas exigências, pressões e cobranças que desgastam o indivíduo nos aspectos físico e mental à medida que o dia e as horas vão passando, deixando-os mais vulneráveis aos acidentes13. A maior gravidade foi relacionada a menor visibilidade, excesso de velocidade, desrespeito aos semáforos, uso de álcool e drogas10,17.

Foi possível observar uma relação da fatalidade em acidentes com motocicletas com o tipo de veículo envolvido18,19, quando se demonstra o envolvimento de moto e veículo pesado, que neste estudo atingiu a prevalência de 33,0%.

A colisão foi um dos eventos mais frequentes7,13,18,19, geralmente ocasionando lesões mais graves, tais como o politraumatismo. Na colisão, o mecanismo do trauma envolve a absorção de toda a energia gerada no impacto por parte da superfície corpórea do motociclista, quer quando de encontro com a via pública, quer com outros objetos da via ou outros veículos13.

A utilização do capacete em nosso estudo foi menor que a encontrada no Piauí7 e em Fortaleza-CE13. É um consenso na literatura de que os motociclistas sem capacete apresentam duas vezes mais chances de lesionamento dos que os motociclistas com capacete7.

Diferente da maioria dos estudos1,2,6,10,20 que apontam as condições de infraestrutura viária, de luminosidade e as meteorológicas como contribuintes para o aumento da ocorrência, de gravidade e de letalidade dos acidentes com motocicleta, este estudo evidenciou que, no Recife, a maioria dos locais de ocorrência de acidentes fatais foram vias secas e com pavimentação, consideradas em estado de conservação de bom a ótimo e com visibilidade satisfatória, similar ao encontrado no Paraná19.

O trimestre de maior ocorrência de acidentes fatais foi de abril a junho. Atribuiu-se ao fato de serem os meses de ocorrência de chuvas intermitentes na capital pernambucana, mas as condições referentes às vias envolvidas rebatem esta possibilidade e incentivam a uma investigação mais acurada sobre a distribuição de ocorrência durante os meses do ano.

Quanto aos dias da semana, o achado deste estudo é dissonante com o desenvolvido em Fortaleza13, cuja maior porcentagem de ocorrência foi nos fins de semana. Entretanto, no Rio de Janeiro10, os acidentes obtiveram maior porcentagem na segunda e terça-feira.

Com relação ao local da lesão produzida, dos 88 acidentes motociclísticos fatais registrados em Recife, 35 (39,7%) apresentaram lesões faciais, envolvendo tecidos moles e duros em 92% dos casos. Situação semelhante foi encontrada em Sergipe5, em 2006, sendo que 554 acidentes fatais produziram 625 lesões, das quais 224 acometeram a face (36%). Por outro lado, no Ceará13, em 2005, de 306 lesões apenas 14 foram traumas faciais (4,6%). Apesar das diferenças encontradas por cidade, a face é a região anatômica que aparece como o segundo local mais atingido na maioria dos estudos epidemiológicos, ficando atrás somente de lesões de membros e pelve, locais mais acometidos por ser a colisão geralmente frontal ou lateral. Considerando a localização das lesões na face, observou-se ainda nesta pesquisa que o terço inferior foi atingido em 17 dos 35 casos. Escoriações e feridas contusas foram os tipos de lesões mais comuns (37,5%), corroborando com Sergipe5, com 55,8% de registros.

 

CONCLUSÕES

Os dados obtidos no presente estudo trouxeram conhecimento sobre a natureza e alguns fatores relacionados aos acidentes com motociclistas e, dentre outras informações, que o envolvimento facial nos traumas físicos decorrentes das colisões é considerável, sugerindo para a importância do cirurgião Buco-Maxilo-Facial no apoio aos indivíduos acometidos por esse tipo de trauma quando não ocorrer a fatalidade.

 

REFERÊNCIAS

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