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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2014

 

 

Infecção orbitária: experiência no manejo de seis casos

 

Orbital infeccion: experience on the management of six cases

 

 

Deyvid da Silva RebouçasI; Antônio Lucindo Pinto de Campos SobrinhoII; Miguel Gustavo Setúbal AndradeIII; Arlei CerqueiraIV; Antônio Márcio Teixeira MarchionniV

I Cirurgião-dentista. Residente de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública/Hospital Geral Roberto Santos.
II Cirurgião Buco-maxilo-facial. Mestrando em implantodontia pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
III Doutor em Imunologia. Cirurgião Buco-maxilo-Facial do Hospital Geral Roberto Santos.
IV Doutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial. Professor da Universidade Federal da Bahia e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
V Doutor em Laser em Odontologia. Professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Infecções orbitárias são enfermidades, que requerem atenção e cuidados especiais. Os principais fatores etiológicos associados são sinusites paranasais e o trauma local. Essas infecções classificam-se em pré-septal e pós-septal e distinguem-se clinicamente, de acordo com a manutenção da acuidade visual e motilidade do globo ocular. O curso da infecção pode agravar com disfunção da motilidade ocular extrínseca, perda de visão e trombose do seio cavernoso. A tomografia computadorizada (TC) é o principal exame imaginológico para a classificação do abscesso, investigação etiológica, determinação da gravidade e a relação do processo com o sistema nervoso central. Este trabalho apresenta e discute o manejo de seis pacientes admitidos com infecção orbitária pelo serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Geral Roberto Santos e em Salvador, Bahia. A TC mostrou não haver disseminação do processo inflamatório para o sistema nervoso central em nenhum dos casos tendo esse achado sido fundamental para determinar que a conduta estivesse restrita à drenagem, sem necessidade de craniotomia. As intervenções cirúrgicas e a antibioticoterapia estavam indicadas devido à importante congestão tecidual e intensa sintomatologia dolorosa. Todos os pacientes apresentaram remissão da infecção e acuidade visual preservada.

Descritores: Órbita; Infecção; Tomografia computadorizada.


ABSTRACT

Orbital infections are diseases that require special attention and care. The main risk factors are associated with paranasal sinusitis and local trauma. These infections are classified into pre-septal and post-septal and distinguished clinically according to the maintenance of visual acuity and eye motility. The course of the infection may worsen with extrinsic ocular motility dysfunction, loss of vision and cavernous sinus thrombosis. Computed tomography (CT) is the primary imaging examination for the classification of the abscess, etiologic investigation, determining the severity of the process and the relationship with the central nervous system. This paper presents and discusses the management of six patients admitted with orbital infection by service Oral and Maxillofacial Surgery General Hospital Roberto Santos in Salvador, Bahia. A CT scan showed no spread of the inflammatory process in the central nervous system and in any case this finding was important to determine that the drainage duct was confined without requiring craniotomy. Surgical interventions and antibiotics were given because of the important tissue congestion and intense painful symptoms. All patients had remission of infection and preserved visual acuity.

Descriptors: orbit, abscess, computed tomograph.


 

 

INTRODUÇÃO

As infecções na órbita desenvolvem-se a partir da inoculação de microorganismos durante um trauma na região orbitária ou por disseminação de infecções, que estão em curso em outros sítios da face1,2. A sinusite paranasal é o processo infeccioso ,que mais facilmente se dissemina para o interior dos tecidos moles peri-orbitários3.

O septo orbitário é um componente anatômico fundamental para a classificação do processo em pré-septal ou pós-septal4. Inflamação difusa localizada anteriormente ao septo orbitário resulta de infecção pré-septal, e suas manifestações clínicas são brandas e expressas com edema dos tecidos orbitários e quemose, sem comprometer os movimentos do globo ocular. Foco infeccioso na porção posterior ao septo orbitário acarreta inflamação difusa intraorbitária e caracteriza a celulite pósseptal. Coleção purulenta entre o periósteo e o osso qualifica o abscesso subperiosteal, enquanto a coleção localizada no espaço intraconal ou extraconal, o abscesso orbitário2,4,5. Quando há inflamação pós-septal, as características clínicas são evidenciadas por proptose, comprometimento da mobilidade ocular, edema dos tecidos orbitários e quemose assim como o déficit visual5. Essa classificação permite determinar o estado clínico do doente, o prognóstico e estabelecer planos de tratamento6.

A tomografia computadorizada é um exame importante para auxiliar essa classificação, guiar o tratamento e ponderar o envolvimento de estruturas nobres, como o globo ocular e o encéfalo5,7.

Este trabalho consistiu no levantamento e na compilação das informações presentes nos prontuários dos pacientes. O objetivo foi discutir as condutas adotadas em 06 casos de infecções orbitárias do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Geral Roberto Santos em Salvador-Bahia, no ano de 2012. Os princípios bioéticos deste trabalho foram analisados pelos seus autores, portanto nenhuma conduta e nenhum procedimento invasivo adicional ao estritamente necessário ao tratamento foi adotado. Todos os pacientes emitiram consentimento informado livre e esclarecido no momento do internamento para as condutas que foram adotadas no seu tratamento assim como para a publicação de dados, preservando sua privacidade.

 

RELATO DE CASO

Após a anamnese de todos os pacientes, foi avaliada a presença de edema e dor, a função palpebral, o aspecto da conjuntiva, a mobilidade do globo ocular e a acuidade visual. Os dados referentes à etiologia, os achados clínicos, imaginológicos e tratamento de cada caso foram agrupados e apresentados na tabela 1.

Em quatro pacientes, a infecção orbitária foi classificada como pré-septal, que é restrita à região anterior ao septo orbitário (Figura 1). Os sinais presentes foram aumento de volume bipalpebral, dor à palpação e limitação da motilidade do globo, sem haver, porém, déficit na acuidade visual. Comprometimento pré e pós-septal foram encontrados em dois casos nos quais os sinais já referidos estavam exacerbados, além de haver quemose considerável (Figura 2) e prejuízo na acuidade visual, cuja avaliação precisa estava prejudicada em função da proptose bulbar ou ptose palpebral. A tomografia evidenciava coleção purulenta anterior e posterior ao septo orbitário (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em todos os pacientes, a pupila estava fotorreagente. Nenhum paciente apresentava, apenas, infecção pós-septal. O exame neurológico e as tomografias afastaram erosão do teto da órbita e comprometimento encefálico.

Todos os casos foram submetidos à antibioticoterapia venosa por um período de 24 horas antes do procedimento cirúrgico. As drenagens cirúrgicas foram realizadas através de incisão supraciliar e divulsão romba até a abordagem da coleção purulenta em indivíduos que apresentavam a órbita abscedada, proptose bulbar, déficit visual ou oftalmoplegia. A anestesia escolhida para drenagem dependeu da posição da secreção na órbita. Drenos rígidos fenestrados foram associados a drenos de Penrose. Os drenos foram removidos após 72 horas, e os critérios de alta hospitalar foram a melhora do quadro local e sistêmico.

 

DISCUSSÃO

Infecções orbitárias originam-se a partir de infecções cutâneas, laceração facial infectada, dacriocistite, fraturas faciais, cirurgias orbitárias,infecção odontogênica e sinusite1,2,6. No presente trabalho, a maior parte das infecções orbitárias estava associada a trauma local, contrário ao encontrado na literatura, que coloca a sinusite aguda como a principal causa e corresponde a, aproximadamente, 80% dos casos2.

A infecção orbitária pode ser classificada em pré-septal ou pós-septal, de acordo com a relação da inflamação com o septo da órbita1,5,6. A maioria dos pacientes apresentaram abscesso pré-septal, provavelmente porque o principal fator etiológico foi o trauma local nos tecidos palpebrais, além da procura precoce por tratamento que contribuiu para diminuir os riscos de disseminação da infecção entre os espaços orbitários posteriores.

As principais causas de amaurose secundária são infecção orbitária, a neurite óptica, isquemia por compressão da artéria central da retina e isquemia por tromboflebite das veias orbitárias4. É importante lembrar ,também, que a perda visual irreversível pode ser causada pelo envolvimento de vasos e nervos da fissura orbitária superior e do forame óptico3.

A tomografia computadorizada é o principal exame diagnóstico para avaliação das infecções orbitárias bem como a resposta ao tratamento1, trombos e a presença de processo inflamatório no interior do encéfalo5,6. A ressonância nuclear magnética estaria reservada para os casos com dano intracraniano, suspeita de lesão ao seio cavernoso e lesão evidente do globo ocular8. Todos os pacientes deste trabalho foram examinados por tomografia computadorizada. As imagens encontradas complementaram o exame físico e determinaram a abordagem cirúrgica, seguindo os critérios adotados por Pereira em 19972.

Os microorganismos mais comumente encontrados em infecções orbitárias são: Staphylococcus aureus, Staphylococcus pyogenes, Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus pneumoniae e Streptococcus sp1,2,6,8 ,sendo o Haemophylus influenza o microorganismo mais isolado em crianças1. Corroborando a literatura, todas as colorações evidenciaram coccus gram positivos, e 60% das culturas mostraram o crescimento de S. aureus.

A drenagem precoce da órbita é fundamental para o sucesso da terapêutica, o que será alcançado com tratamento medicamentoso adequado através de antibioticoterapia endovenosa e corticoides. Mouriaux et al. utilizam, entretando, antibioticoterapia oral para abscessos pré-septais e reservam os antibióticos endovenosos para os casos que acometem a região pós-septal9. Divergindo da abordagem preconizada no trabalho anterior, todos os casos relatados tiveram como tratamento instituído à antibioticoterapia venosa associada à drenagem cirúrgica.

As principais complicações encontradas em infecções orbitais são: diplopia temporária ou permanente, acuidade visual reduzida, enoftalmia e cicatrizes periorbitais10. Embora essas enfermidades possam evoluir, adquirir trajetória ascendente, comprometer o encéfalo seguido de uma meningite e até o óbito5,7,8 ,todos os pacientes abordados neste trabalho obtiveram cura, e não se foram evidenciadas sequelas relevantes ou que comprometessem a qualidade de vida destes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As infecções orbitárias podem ser originadas de traumas faciais e sinusopatias severas. O diagnóstico precoce e o início imediato da terapêutica são fundamentais para evitar disseminação da infecção orbitária que pode acarretar complicações graves. O plano terapêutico precisa ser individualizado e deve considerar a etiologia da infecção, a localização, a agressividade do processo infeccioso e o estado geral do paciente. Todos os casos abordados neste trabalho foram tratados precocemente, com terapia medicamentosa, drenagem cirúrgica e acompanhamento com equipe multiprofissional composta por cirurgião buco-maxilo-facial, oftalmologista e neurocirurgião.

Todos os pacientes evoluíram com cura das infecções orbitárias, ausência de sequelas oculares, encefálicas ou faciais. As áreas de drenagem evoluíram com cicatrizes esteticamente satisfatórias e possibilitaram reinserção social do indivíduo.

 

REFERÊNCIAS

1. Mahasin Z, Saleem M, Quick C. Multiple bilateral orbital abscesses secondary to nasal furunculosis – Case report. Inter J of Ped Otorhinolaryngol. 2001 Apr;58(2):167-71.

2. Pereira KD, Mitchell RB, Younis RT, Lazar RH. Management of medial subperiosteal abscess of the orbit in children – a 5 year experience. Inter Journal of Ped Otorhinolaryngol. 1997 Jan; 38(3):247-54.

3. Karkos PD, Karagama Y, Karkanevatos A, Srinivasan V. Recurrent periorbital cellulites in a child-a random event or an underlying anatomical abnormality? Inter J Ped Otorhinolaryngol. 2004 Dec;68(12):1529-532.

4. Butugan O, Balbani APS, Voegels RL. Classificação das complicações orbitais das rinossinusites. Rev Brasil Otorrinolaringol. 2001 Jul;67(4):551-55.

5. Watkins LM, Pasternack MS, Banks M, Kousoubris P, Rubin PAD. Bilateral cavernous sinus thromboses and intraorbital abscesses secondary to Streptococcus milleri. Ophthalmol. 2003 Mar;110(3):569-74.

6. Poon TL, Lee WY, Ho WS, Pang KY, Wong CK. Odontogenic subperiosteal abscess of orbit – a case report. J Clinic Neuroscien. 2001 Sep;8(5):469-71.

7. Herrmann BW, Forsen Jr JW. Simultaneous intracranial and orbital complications of acute rhinosinusitis in children. Inter J Ped Otorhinolaryngol. 2004;68;(5):619-25.

8. Oxford LE, Mcclay J. Complications of acute sinusitis in children. Otolaryngol-Head neck surg. 2005 Jul;133(1):32-7.

9. Mouriaux F, Rysanek B, Babinb E, Cattoir V. Les cellulites orbitaires. Journal français d'ophtalmologie 2012;35:52-7.

10. Buchanan MA, Muen W, Heinz P. Management of periorbital and orbital cellulitis. Paediatrics and child health 2012;22(2):72-7.

 

 

Endereço para correspondência:
Deyvid Silva Rebouças
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
Avenida Silveira Martins, 3386
Cabula Salvador/Bahia
CEP 41150-100

e-mail:
dsr.ctbmf@gmail.com