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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2014

 

 

Fratura Blow Out Tratada com Acesso Transconjuntival e Cantotomia Lateral: Relato de Caso

 

Blow out fracture treated with transconjunctival approach and lateral canthotomy: case report

 

 

Hécio Henrique Araújo de MoraisI; Rafael Grotta GrempellII; Jimmy Charles BarbalhoIII; Tasiana Guedes de SousaIV; Amanda Lúcio do Ó SilvaV

I Prof. Adjunto Dr. Professor de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
II Prof. Adjunto Dr. Professor de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade do Estado da Paraíba (UEPB).
III Professor Especialista, Professor de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
IV Professora Mestre, Professora de Clínica Integrada da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
V Aluna de Graduação do Curso de Odontologia da Universidade do Estado da Paraíba (UEPB).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O acesso transconjuntival com cantotomia lateral possibilita ao cirurgião adequada exposição do rebordo infraorbitário, margem lateral da órbita e assoalho orbitário, com baixo índice de complicações e excelentes resultados estéticos. Essa abordagem elimina a necessidade de incisões cutâneas na pálpebra inferior assim como suas complicações. Este trabalho tem por objetivo apresentar um caso clínico e discutir detalhes da técnica bem como suas indicações e possíveis complicações. Descritores: Fixação interna das fraturas; Fraturas orbitárias; Túnica conjuntiva.

Descritores: Fixação interna das fraturas; Fraturas orbitárias; Túnica conjuntiva.


ABSTRACT

Transconjunctival approach with lateral canthotomy enables the surgeon adequate exposure of the infraorbital rim, the lateral margin of the orbit and orbital floor, with a low complication rate and excellent cosmetic results. This approach eliminates the need for skin incisions in the lower eyelid, as well as its complications. This work aims to present a case and discuss the technical details, as well as its indications and possible complications.

Descriptors: Fracture fixation; Internal; Orbital fractures; Conjunctiva.


 

 

INTRODUÇÃO

O tratamento das fraturas do esqueleto orbital vivenciou grandes mudanças no século passado. Redução fechada, fixação externa, tamponamento do seio maxilar e fio de Kischner já foram utilizados. A redução aberta com fio de aço foi introduzida na década de 1940, e a fixação interna estável (fixação interna rígida) com placas e parafusos de titânio começou a ser utilizada

A órbita tem um formato aproximado de uma pirâmide, em que os olhos permanecem protegidos pelas paredes orbitárias. Os ossos zigomático, maxila, frontal, etmoide, esfenoide, lacrimal e palatino são responsáveis pela formação dessas paredes1.

A órbita é particularmente susceptível a fraturas devido a sua projeção na face e fragilidade de alguns desses ossos. Impactos externos nessa área podem causar fraturas "blow out", que podem ou não estar associadas com defeitos do assoalho orbitário1,2.

Os acessos mais utilizados para o rebordo infraorbitário são o subciliar, o subtarsal, o infra orbital e suas variáveis. O acesso transconjuntival, embora bastante descrito na literatura, continua sendo menos utilizado que os descritos anteriormente, talvez pelo desconhecimento da técnica propriamente dita.

A incisão infraorbital apresenta boa cicatrização ,quando o fechamento meticuloso dos planos anatômicos é realizado, embora esteja associado com edema prolongado da pálpebra inferior.

A incisão subciliar raramente evolui com cicatriz aberrante, mas pode estar relacionada com a retração temporária da pálpebra inferior que, por sua vez, tem possibilidade de resultar em inflamação dos tecidos moles associados3.

Há uma tendência atual pela escolha dos acessos realizados o mais próximo possível do globo ocular, provendo proximidade ao local da fratura, ao mesmo tempo em que geram melhores resultados estéticos já que as cicatrizes das incisões permanecem escondidas em planos diferentes da pele.

Muitos autores defendem que o acesso transconjuntival diminui o risco de retração palpebral pós-operatória, que pode variar de uma simples exposição de esclera até o ectrópio permanente. Esses estudos comparam o acesso transconjuntival com acessos subciliares, observando a presença e o grau do ectrópio presente4.

O primeiro relato na literatura sobre redução aberta de fraturas do rebordo infraorbitário e assoalho orbitário foi feito por Converse em 1944. No final da década de 1960, o acesso "skin only" foi utilizado, tornando-se impopular devido ao alto índice de ectrópio.

Na década de 1970, o retalho "skin-muscle" foi largamente utilizado no tratamento das fraturas faciais. Nesse acesso, o profissional realizava a separação por planos anatômicos, o que facilitava o fechamento ao final da cirurgia e provia melhores resultados estéticos. Esse conceito permanece válido até os dias atuais. O primeiro relato do acesso transconjuntival foi feito por Bourguet em 1924 na blefaroplastia para remoção de gordura em pálpebra inferior5.

Em 1973, o acesso através do fórnix foi proposto por Tenzel e Converse, no intuito de evitar cicatriz inestética na pele. O acesso transconjuntival tem indicação para abordagens no rebordo infraorbitário, assoalho infraorbitário, zigoma e cantotomia lateral6.

ACESSO TRANSCONJUNTIVAL COM CANTOTOMIA LATERAL : DESCRIÇÃO RESUMIDA DA TÉCNICA

Dois fios de sutura são colocados na pálpebra inferior com o intuito de tracionar a placa tarsal. Uma incisão iniciando-se no "punctum" do canalículo lacrimal até a fissura orbital lateral é realizada. Geralmente, essa incisão está localizada 3 a 4 mm abaixo da superfície conjuntival do tarso. Uma dissecação direta é feita até o rebordo infraorbital, evitando-se injúrias ao septo orbital, o que poderia gerar herniação da gordura periorbital e dificuldade de visualização do rebordo infraorbital. Para a cantotomia lateral, uma tesoura é utilizada colocando uma de suas pontas dentro da comissura palpebral lateral (Figura 1). A tesoura é utilizada para cortar horizontalmente, através da comissura palpebral. Os planos cortados horizontalmente são: pele, músculo orbicular, septum orbital, tendão cantal lateral e conjuntiva. As estruturas do septo orbital devem ser separadas da margem inferior do rebordo infraorbitário. Quando o septo está totalmente liberado, ele deve ser tracionado superiormente e em direção ao globo oferecendo, dando assim, bom campo de visão e excelente exposição do defeito ósseo existente7. Para suturas dos planos devem-se utilizar fios absorvíveis, sendo um ou dois pontos suficientes para fechamento da camada conjuntival1.

 

 

 

CASO CLÍNICO

Paciente 32 anos, sexo masculino apresentou-se ao serviço de cirurgia buco-maxilo-facial do Hospital de Trauma de Campina Grande com queixa de enoftalmo. Referiu acidente de moto e atendimento em outro serviço havia aproximadamente 20 dias. Ao exame clínico, apresentava enoftalmo à esquerda, com discreta restrição da movimentação ocular. Referia também diplopia em súpero-versão e látero-versão à esquerda. Não havia alterações oclusais ou mau posicionamento dos zigomas. A mandíbula apresentava todos os movimentos, sem qualquer restrição. Tomograficamente confirmou-se o achado clínico de fratura "blow out" na órbita esquerda, com fratura de parede anterior do seio frontal, sem indicação neurocirúrgica (Figura 2).

 

 

 

A cirurgia foi realizada sob anestesia geral. O assoalho orbitário esquerdo foi inspecionado após acesso transconjuntival com cantotomia lateral. A musculatura extrínseca do olho (músculo reto inferior e oblíquo inferior) foi liberada, e o assoalho, foi reconstruído com malha de titânio (Figura 3). Um template foi utilizado com o intuito de facilitar o dimensionamento, corte e dobra da malha de titânio. Como template, utilizou-se a embalagem de um fio vicryl. No período pós-operatório, foi possível observar a melhora do enolftalmo esquerdo bem como o relato do paciente soobre a inexistência da diplopia, antes presente. A restrição da mobilidade ocular também deixou de existir após a reconstrução do assoalho orbitário.

 

 

 

DISCUSSÃO

O tratamento das fraturas do assoalho orbitário se contitui em é um capítulo à parte no manejo das fraturas crânio-maxilo-faciais. Consequências de tratamentos inadequados dessas fraturas podem surgir, tais como: enoftalmo, restrição da mobilidade ocular, distopia ocular ou orbital, sendo todos eles difíceis ou impossíveis de se resolvem8.

A diplopia é a complicação mais comum causada por defeitos orbitais. Podendo também, serem citadas se pode citar: restrições do movimento ocular, parestesia no nervo infraorbitário, enoftalmo e déficit visual total ou parcial. No caso em foco, o paciente apresentava diplopia, restrição da mobilidade ocular e enoftalmo.

O acesso transconjuntival apresenta como vantagens: mínima cicatriz, boa aceitação por parte do paciente, baixa incidência de retração palpebral ou ectrópio quando comparado com outros acessos. Barbon et al. encontraram baixa incidência de ectrópio, com o acesso transconjuntival (0%), quando comparado com o acesso subciliar (20%). Em contrapartida, a presença de epífora foi maior no acesso transconjuntival (22%) do que no subciliar (13%). O paciente do caso aqui relatado apresentou epífora nos primeiros sete dias de pós-operatório, desaparecendo ao final desse período, sem que fosse realizada qualquer manobra invasiva9.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde que haja treinamento adequado do cirurgião, essa técnica é facilmente exequível e oferece bons resultados estéticos e funcionais.

O acesso transconjuntival com cantotomia lateral para fraturas de órbita proporciona ao cirurgião adequada exposição cirúrgica, com baixo índice de complicações e excelentes resultados estéticos. Minimizar cicatrizes faciais é objetivo de qualquer cirurgia. Esse tipo de acesso elimina a necessidade de incisões transcutâneas em pálpebra e suas possíveis complicações10.

 

REFERÊNCIAS

1. Ho VH, Rowland JP Jr, Linder JS, Fleming JC. Sutureless transconjunctival repair of orbital blowout fractures. Ophthal Plast Reconstr Surg 2004;20:458–460.

2. Kelly CP, Cohen AJ, Yavuzer R, Jackson IT. Cranial bone grafting for orbital reconstruction: is it still the best? J Craniofac Surg 2005;16:181–185.

3. Chang EW, Manolidis S. Orbital floor fracture management. Facial Plast Surg 2005;21:207–213.

4. Cole P, Boyd V, Banerji S, Hollier LH. Comprehensive management of orbital fractures. Plast Reconstr Surg 2007; 120:57S–63S.

5. Chun HR, Thomas S, Ara S, Gregory RDE. Orbital Floor Fractures: A Retrospective Review of 45 Cases at a Tertiary Health Care Center. Craniomaxillofac Trauma Reconstruction 2010;3:41–47.

6. Balanand S, Srimathy K, Suresh K, Saravanan B, Padhmanabhan M. Comparison of various approaches for exposure of infraorbital rim fractures of zygoma. J Maxillofac Oral Surg 2009, 8(2):99–102

7. Fonseca. Oral and Maxillofacial surgery (2000) Trauma –Vol. 3, 1st Edition, 159–163.

8. Maria K, Paul AG, Tonya SS, Alessandro P, Juan CFM, Carl HS, Joseph CM. Combined Endoscopic Endonasal Transorbital Approach with Transconjunctival-Medial Orbitotomy for Excisional Biopsy of the Optic Nerve: Technical Note. J Neurol Surg Rep 2012;73:52–56.

9. Baumann A, Ewers R. Use of preseptal transconjunctival approach in orbit reconstruction surgery. J Oral Maxillofac Surg 2001, 59(3): 287–291.

10. Rohrich RJ, Janis JE, Adams WP Jr (2003) Subciliary versus subtarsal approaches to orbitozygomatic fractures. Plast Reconstr Surg 111(5): 1708–1714.

 

 

Endereço para correspondência:
Facudade de Odontologia de Pernambuco
Av. Gal. Newton Cavalcanti, 1650 - Tabatinga Camaragibe/PE
CEP: 54753-901

e-mail:
fop@upe.br