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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2014

 

 

Acesso Intraoral em Três casos de Síndrome de Eagle

 

Intraoral Surgical Appoach to three Eagle's Syndrome Cases

 

 

Caio Cezar Rebouças e CerqueiraI; Ana Cecília de Campos BatistaII; Juliana Oliveira de MedeirosI; Elvídio de Paula e SilvaII; Everton Luis Santos da RosaIII

I Residente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital de Base do Distrito Federal.
II Coordenador da residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital de Base do Distrito Federal. Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília.
III Supervisor da residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital de Base do Distrito Federal. Doutor em Patologia Molecular pela Universidade de Brasília.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva apresentar três casos de Síndrome de Eagle (SE) tratados por abordagem intraoral. Os pacientes chegaram ao serviço de emergência queixando-se de sintomas como dores cervicais, prejuízo nas funções estomatognáticas, zumbido e cefaléia. Uma detalhada avaliação clínica e radiográfica foi iniciada, na qual foi evidenciado o alongamento dos processos estilóides, que em conjunto com os sintomas clínicos determinou o diagnóstico de SE. Posteriormente, uma tomografia computadorizada com reconstrução 3D foi solicitada para a melhor orientação cirúrgica. A excisão dos alongamentos foi realizada por acesso intraoral, uma vez que a excisão cirúrgica dos processos estilóides é o padrão ouro no tratamento da SE, apresentando uma notável regressão dos sintomas. O acesso intraoral proporciona menor tempo cirúrgico, estética favorável sem cicatrizes visíveis e uma ótima recuperação do paciente.

Palavras chave: Alongamento ósseo; Dor cervical; Diagnóstico diferencial.


ABSTRACT

This paper aims to present three Eagle's Syndrome (ES) cases treated surgically by an intraoral approach. The patients arrived at the emergency service complaining of symptoms such as neck pain, jeopardized stomatognathic functions, buzzing and headaches. A detailed clinical and radiographic evaluation was initialized, where styloid processes elongation was evidenced, which determined the diagnosis of ES when combined with the clinical symptoms. Furthermore, 3D computed tomography (CT) was performed to the best surgical guidance. Elongations excision was performed by intraoral approach, since the surgical excision of styloid process is the gold standard in the ES treatment, presenting a remarkable regression of symptoms. The intraoral approach provides shorter surgical period, favorable aesthetic without visible scaring and an optimal patient recovery.

Keywords: Bone Lengthening; Neck pain; Diagnosis, differential.


 

 

INTRODUÇÃO

O processo estilóide é uma delgada projeção óssea, de formato cônico, situada na porção inferior do osso temporal, medial e anteriormente ao forame estilomastóideo.1 Esses processos são derivados do segundo arco branquial também denominada cartilagem de Reichert. 2 O complexo estilóide em sua totalidade compreende o processo estilóide, os músculos estilóide, estilofaríngeo e estiloglosso, os ligamentos estilóide e estilomandibular, e o corno menor do osso hióide. 2 A Síndrome de Eagle ou Síndrome da Artéria Carótida 3 caracteriza-se por uma condição sintomática gerada pelo alongamento dos processos estilóides, ou ainda, devido a mineralização de todo o complexo estilohióide/estilomandibular. A sintomatologia dolorosa está relacionada com a compressão dos nervos cranianos, incluindo o V, VII, IX e X pares. 1,3 Chrcanovic et al.2 definiram diversas causas para os sintomas da síndrome, tais como o pinçamento das artérias carótida (também conhecido como carotidínia, ou síndrome da artéria carótida), alterações degenerativas ou inflamatórias na porção tendinosa da inserção do ligamento estilo-hióide, estiloidite reumática como resultado de infecção faringeana, fratura ou mineralização do ligamento estilohióide e por fim decorrente da ossificação de tendões musculares levando à irritação local. Mesmo antes do século XVI, foram conduzidos estudos sobre o processo estilóide, no entanto, somente em 1937, Watt W. Eagle estudou e detalhou uma série de sintomas apresentados por um número considerável de seus pacientes 3, publicando mais de 200 artigos sobre esta patologia. 3 A literatura atual indica uma prevalência da SE de 1,4% a 30% na população em geral. 4 A sintomatologia sindrômica é frequentemente expressada por disfagia, dor de cabeça, dor de garganta, sensação de corpo estranho, dor de ouvido, zumbido 4 e trismo5, dentre outros sintomas menos comuns, como alterações na voz, edema local e vertigem. 6 A SE pode ser classificada quanto aos aspectos radiográficos de acordo com as características dos processos dentro dos seguintes grupos: I - alongados, II – pseudo-articulados e III - segmentados 3, bem como por aspectos semiológicos, em dois tipos: síndrome Típica (clássica) - correlacionada com amigdalectomia prévia e sensação de corpo estranho na orofarínge 1 - ou em Atípica (síndrome de carótida) - com compressão das artérias carótidas internas ou externas. 1 A melhor abordagem terapêutica consiste em excisão cirúrgica dos processos estilóides 7, que pode ser realizada por acesso intraoral / transfaríngeo 6 ou incisão extraoral. 8 Em alternativa à abordagem cirúrgica, é possível instituir o acompanhamento periódico e tratar os pacientes com a utilização de glicocorticóides, preparações anti-epilépticas e anti-histamínicos para o alívio dos sintomas. 5 Esta abordagem pode ser instituída a depender da condição geral do paciente e da intensidade da dor. 7 Este artigo tem como objetivo apresentar três casos de SE tratados por abordagem intraoral, elucidando suas vantagens e a aplicabilidade segura desta técnica, em contrasenso com maioria dos autores na literatura que preconizam a abordagem cervical.

 

RELATO DE CASO

Primeiramente as alterações anatômicas dos processos estilóides foram identificadas em radiografias panorâmicas. Ao se relacionar este achado radiográfico com a semiologia dos pacientes, e realizando-se o diagnóstico diferencial com outras condições, os pacientes foram caracterizados como sindrômicos. Portanto em seguida, foram solicitadas tomografias computadorizadas com reconstrução em 3D para melhor orientação cirúrgica. Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados sob anestesia geral e intubação nasotraqueal. Foi instituída profilaxia antibiótica endovenosa com cefazolina (2g).

A técnica cirúrgica inicia-se com uma incisão lateral ao túber maxilar, se estendendo para a porção anterior do ramo mandibular, descendente pela linha oblíqua. Após a incisão, divulsão romba do tecido é realizada na parte interna do ramo e, em seguida, é realizada a localização do processo estilóides por meio de palpação digital na fossa amigdaliana. Depois de identificado, o processo é pinçado com uma hemostática ou pinça Kelly e exposto na cavidade bucal. Uma vez exposto, os processo é seccionado com um osteótomo, completando a excisão do fragmento. A sutura foi realizada com fio poliglicólico absorvível 4.0. Antibioticoterapia foi mantida por 7 dias e glicocorticóide durante 3 dias. Este protocolo foi realizado em todos os três pacientes.

Caso 1

Paciente de 53 anos, sexo masculino, compareceu ao pronto socorro do serviço de CTBMF com queixa de dor e hipomobilidade cervical associadas a constante cefaléia, apresentando piora nos últimos cinco anos. Os processos estilóides alongado foram identificados pelos exames complementares e ambos os processos foram excisados (Fig.1 A-F). Após 24 horas da cirurgia, o paciente apresentava dificuldades em respirar e engolir devido ao edema. Inalação de oxigênio foi prescrita e dentro de 48 horas, o paciente recebeu alta do hospital. No acompanhamento de uma semana de pós-operatório o paciente apresentou parestesia na metade direita da língua. Com três meses de proservação a sensibilidade da língua foi recuperada espontaneamente e o paciente não apresentava mais os sintomas sindrômicos.

 

 

 

Caso 2

Paciente, 64 anos, sexo feminino, compareceu ao ambulatório de CTBMF para avaliação de trismo álgico e alegando sensação de corpo estranho na garganta associada a zumbidos no ouvido. Ela era portadora de Síndrome de Sjogren, disfunção da ATM e fibromialgia. Os processos alongados foram identificados pelos exames de imagem. Foi explicado o caráter multifatorial que esta sintomatologia possuía, e que a estiloidectomia poderia apaziguar o quadro clínico álgico. Foi realizada a cirurgia para remoção dos processos, havendo considerável alívio dos sintomas (Fig.2 A e B). Não houve nenhuma complicação pós-operatória, e em 24 horas o paciente recebeu alta. A paciente apresentou parestesia na metade direita do lábio inferior, que foi resolvida espontaneamente dentro de dois meses. O trismo e o zumbido foram totalmente resolvidos, a dor facial foi reduzida, mas persistia em menor grau, pois a paciente possui outras condições clínicas associadas que necessitam de acompanhamento.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 69 anos de idade, com funções estomatognáticas comprometidas, apresentando trismo e dores cervicais, foi encaminhada pelo seu dentista para o serviço. Os exames radiográficos mostraram processos estilóides de tamanho anormal (Fig. 2 C e D). A estiloidectomia bilateral foi realizada resultando no alívio de todos os sintomas. Não houve complicações no pós-operatório e a alta hospitalar foi concedida em 24 horas.

 

 

 

DISCUSSÃO

A SE é caracterizada por sintomas como dores cervicais, disfagia, odinofagia e dor de ouvido e está associado a um processo estilóide alongado, mais de 30 mm. 8 Existem duas variantes descritas na literatura: a síndrome clássica e a síndrome da artéria carótida. 3,8 A Síndrome clássica ocorre em pacientes que se submeteram a uma amigdalectomia anteriormente, apresentando dor faríngea agravada pelos movimentos de deglutição. Na vertente da Artéria Carótida, os pacientes não têm nenhuma história de amigdalectomia, porém possuem cervicalgia irradiada para a região carotídea. 8

O sintoma sindrômico mais comum relacionado na literatura foi a disfagia, seguido por dor cervical, dor de garganta, cefaleias e sensação de corpo estranho na garganta, como ilustrado na Tabela 1. Ademais, alguns sintomas menos comuns são encontrados na literatura, a exemplo de vertigens, alterações vocais estalidos no pescoço e zumbido, foram mencionados por Koivumaki et al. 6, Rosa et al. 4, e Leyton, Villasana. 3 Hipersalivação também foi mencionada por Chrcanovic et al. 2 e Leyton, Villasana 3 em seus pacientes.

O diagnóstico da SE é baseado em exames de imagem. Rosa et al. 4 afirmaram que a propedêutica radiográfica deve incluir filmes póstero-anterior e laterais de crânio. Porém mais usualmente, a anormalidade é encontrada em uma Ortopantomografia feita em virtude de um tratamento dentário. Em vista de se obter uma melhor orientação cirúrgica, a maioria dos autores solicitou uma tomografia computadorizada com reconstrução em 3D (Tabela 1).

A literatura enfatiza que o alongamento do processo estiloide não significa que o paciente tem a síndrome. Esta não é caracterizada na ausência de quaisquer sintomas. Além disso, o diagnóstico diferencial deve ser realizado, uma vez que não existe qualquer sinal ou sintoma patognomônico para determinar a síndrome, podendo ser interpretada como uma disfunção articular, fibromialgia ou doenças reumatoides. 2,4,8

A incidência na população geral é bastante variável. Guzzo et al. 1, Higino et al. 8 e Politi et al 9. encontraram uma incidência média de 4%. Ademais, Carlini et al. 7, Rosa et al.4, e Chrcanovic et al.2 relataram uma incidência de 1,4% a 30% na população geral. O sexo feminino foi o mais afetado em todos os estudos, com exceção do estudo de Rosa et al.4, que encontrou uma prevalência igual em homens. No que diz respeito ao grupo de idade, a idade média encontrada foi entre 30-53 anos (Tabela 1).

O tratamento pode ser cirúrgico ou não cirúrgico. 7 O primeiro consiste na remoção dos processos estilóides, que pode ser pode ser executada por acesso intraoral, extraoral 5 ou até mesmo por uma abordagem intraoral guiada por endoscopia. 10 Já o manejo não cirúrgico consiste na utilização de fármacos esteroides, preparações antiepilépticas e anti-histamínicos para o alívio dos sintomas. 5 Todavia, existe um consenso na literatura de que o procedimento cirúrgico é o mais eficaz e definitivo. Portanto, mesmo que possível, o tratamento medicamentoso, deve ser reservado em casos sem dor severa ou em pacientes que não podem ser submetidos a um procedimento cirúrgico devido a outras doenças, condições sistêmicas ou limites de idade. 1,4,7,8

 

 

 

Leyton, Villasana 3, Higino et al.8 e Rosa et al.4 são favoráveis a abordagem extra-oral, afirmam que este acesso fornece melhor exposição das estruturas nobres, como os nervos cranianos e grandes vasos, por meio de uma dissecção detalhada, evitando lesões desavisadas. Corroborando com os autores supracitados, Higino et al. 8 e Rosa et al.4 advogam ainda que a técnica intrabucal tem um risco aumentado de infecção dos espaços profundos da faringe. Por outro lado, Politi et al.9 e Carlini et al.7 relataram bons resultados com a abordagem intraoral, alcançando tratamentos bem sucedidos e sem intercorrências. Além disso, nenhuma infecção pós-operatórias ou lesão permanente de estruturas nobres foram relatadas. 1,6,7,9

Deve se acrescentar que, a técnica intraoral é muito mais simples e rápida. De acordo com Carlini et al.7 e Chrcanovic et al.2, este procedimento pode ser realizado inclusive sob anestesia local e sedação. Chrcanovic et al.2 ainda recomenda a realização de cirurgia unilateral, a fim de evitar edema excessivo e fechamento das vias aéreas, realizando o lado contralateral em outro tempo cirúrgico. Koivumaki et al.6 afirmam que as estruturas nobres não são prejudicadas mediante uma cuidadosa divulsão e separação delicada dos tecidos, portanto, a experiência do cirurgião é um fator determinante.

Colby et al.5 destacam que a abordagem cirúrgica é determinada pela extensão da patologia, exame físico do paciente e exames de imagem. Nos casos relatados em seu estudo, quando os processos estilóides estavam apenas alongados, foi utilizada a abordagem intraoral. Por outro lado, quando todo o complexo estilóide e ligamentos encontravam-se mineralizados, a ressecção foi instituída através de incisões cervicais. 5

Mais recentemente a ressecção intraoral do processo estilóide tem sido assistida por endoscópia. 10 Utilizando esta técnica, as principais desvantagens do procedimento intraoral, alegada pela maioria dos autores, incluindo infecção de espaços profundos e falta de visibilidade das estruturas nobres, são solucionadas, o que representa uma alternativa de tratamento bastante favorável para SE 10.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A excisão cirúrgica do processo estilóide é o padrão ouro para o tratamento da SE, apresentando uma notável remissão dos sintomas. 3,8 A abordagem intraoral proporciona um tempo cirúrgico mais curto, é esteticamente favorável, sem cicatrizes visíveis, proporciona uma ótima recuperação do paciente e é uma abordagem segura, com menor morbidade para o paciente e menor tempo de internação hospitalar. 7,9

As parestesias relatadas não foram permanentes sendo remidas de maneira espontânea em um período máximo de 3 meses. Não houve nenhuma infecção dos espaços profundo faciais ou demais complicações.

 

REFERÊNCIAS

1.Guzzo FAV, Macedo JAGC, Barros RS, De Almeida DC. Síndrome de eagle: relato de caso. Rev Para Med 2006: 20: 47-51.         [ Links ]

2.Chrcanovic BR, Custódio ALN, de Oliveira DRF. An intraoral surgical approach to the styloid process in Eagle's syndrome. Oral Maxillofac Surg 2009: 13: 145–151. doi 10.1007/s10006-009-0164-6

3.Leyton MAV, Villasana EMV. Síndrome de eagle: reporte de un caso. Rev Mex Cir Bucal Maxillofac 2009: 5: 26-31.

4.Rosa RR, Kohatsu LI, De Moraes LC, Filho EM, De Moraes MAL, Castilho JCM. Síndrome de eagle: revisão da literatura sobre variações, diagnóstico e tratamento. Rev Odontol Univ Cid São Paulo 2008: 20: 288-294.

5.Colby CC, Gaudio JMD. Stylohyoid Complex Syndrome A New Diagnostic Classification. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2011: 137: 248-252.

6.Koivumaki A, Marinescu-Gava M, Järnstedt J , Sándor GK, Wolff J. Trauma induced eagle syndrome. Int J Oral Maxillofac Surg 2012: 41: 350–353.

7.Carlini JL, Strujak G, Biron C, Gebert AO, Romanowisk M. Síndrome de eagle: relato de caso tratado por abordagem intraoral e revisão de literatura. Rev Bras Cir Traumatol Buco-maxillo-fac 2010: 10: 77-82.

8.Higino TCM, Tiago RSL, Belentani FM, Do Nascimento GMS, Mayko Soares Maia. Síndrome de eagle: relato de três casos. Intl Arch Otorhinolaryngol 2008: 12: 141-144.

9.Politi M, Toro C, Tenani G. A rare cause for cervical pain: eagle's syndrome. Int J Dent 2009: 8: 1-3. doi:10.1155/2009/781297

10.Matsumoto F, Kase K, Kasai M, Komatsu H, Okizaki T, Ikeda K. Endoscopy-assisted transoral resection of the styloid process in Eagle's syndrome. Case report. Head Face Med 2012: 8: 21-24. doi:10.1186/1746-160X-8-21.

 

 

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