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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2014

 

 

Cisto Dermóide Sublingual (30 anos de evolução) : Relato de Caso

 

Subligal Dermoid Cyst ( 30 years Evolution): Case Report

 

 

Rafael Fernandes de Almeida NeriI; Clarisse Samara de AndradeI; Gabriel Queiroz Vasconcelos OliveiraI; Caetano Guilherme Carvalho PontesII; Diego Tosta SilvaIII; Roberto Almeida de AzevedoIV

I Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santo Antônio – OSID / UFBA.
II Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Hospital Santo Antônio – OSID / UFBA, Mestrando em Odontologia – UFS, Professor do curso de Cirurgia Bucal da ABO-SE.
III Cirurgião-dentista pela Universidade Federal da Bahia.
IV Coordenador do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santo Antônio – OSID / UFBA.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Cisto Dermóide é uma condição rara em região de cabeça e pescoço, caracterizado por apresentar um epitélio que contém estruturas anexas em sua parede, glândulas sebáceas, sudoríparas, folículos pilosos ou unhas. Quando em localização supra-milohióidea, o cisto dermóide pode causar deslocamento ântero-posterior da língua, causando transtornos fonéticos e respiratórios. O seu tratamento é a exérese cirúrgica, sendo a escolha do acesso cirúrgico dependente da localização da lesão e da experiência do cirurgião. Este trabalho descreve os aspectos clínicos, imagenológicos e anatomopatológicos, assim como o tratamento cirúrgico desta patologia e proservação do caso. Paciente, gênero feminino, 36 anos de idade, cursando com lesão em assoalho bucal, decorrendo em elevação da língua, dislalia e disfagia, com 30 anos de evolução. Foi realizada exérese da lesão por acesso intra-oral, com diagnóstico anatomopatológico de Cisto Dermóide.

Descritores: Cisto Dermóide; Soalho Bucal; Neoplasias Bucais; Cirurgia Bucal; Diagnóstico bucal.


ABSTRACT

Dermoid Cyst is a rare condition in head and neck area, histologically characterized by epithelium containing structures attached on its wall, sebaceous glands, sweat glands, hair follicles or nails. When located in upper-mylohyoid muscle area, the Dermoid Cyst can cause displacement of the tongue, respiratory and phonetic disorders. Its treatment is surgical excision, being the choice of surgical approach related to the lesion location and the surgeon's experience. This paper describes the clinical, pathological and imaging aspects as well as surgical treatment and follow up of this pathology. Female patient, 36 years old, showing lesions on the mouth floor, elevation of the tongue, dyslalia, dysphagia and 30 years of evolution. Excision of the lesion was performed by intraoral access, with histopathological diagnosis of Dermoid Cyst.

Descriptors: Dermoid Cyst; Mouth floor; Mouth Neoplasms; Surgery oral; Diagnosis oral.


 

 

INTRODUÇÃO

O cisto dermóide é classificado como teratoma cístico benigno 1-3. É limitado por um epitélio semelhante à epiderme, contendo estruturas anexas em sua parede, como glândulas sebáceas, sudoríparas, folículos pilosos 1-4 ou unhas 5,6. Estes cistos originam-se de restos epiteliais retidos na linha média durante o fechamento dos arcos branquiais mandibulares e do osso hióide 1-3,7,8. Os cistos dermóides laterais são muito raros 2,3,8. Esta localização lateral deve-se à mudança de posição do cisto da linha média durante sua expansão, estendendo-se para o pescoço, através de um espaço no músculo milo-hióide4. A prevalência na região de cabeça e pescoço é baixa 1-6,9. Acometem mais adultos jovens sem predileção por gênero 1-4,6,10. Clinicamente, apresenta-se como tumefação de consistência flácida à palpação, crescimento lento, indolor, coloração róseo-amarelado, sendo, raramente, encontrado pêlos em seu interior1-3,5,6.

A lesão, geralmente, apresenta aproximadamente 2 cm de diâmetro, tendo sido relatados casos com 5 à 12 cm 1,2,6. Pode acometer a região anterior do assoalho bucal na linha média, região submandibular e sublingual 1-6 , havendo relatos de localização na mucosa jugal 1,6. Quando em localização supramilohióidea, pode causar deslocamento ântero-posterior da língua, causando transtornos fonéticos e respiratórios; se inframilohióidea, causará tumefação no pescoço, dando ao paciente uma aparência de queixo duplo 1-3,6,8. Quando a localização é lateral, ele cresce para baixo e, através do osso hióide, desloca o soalho bucal, empurrando a língua para o lado oposto 3. Microscopicamente, esses cistos são limitados por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado, contendo, no seu lúmen, ceratina e conteúdo lipídico, derivado de secreções sebáceas 1-3. Sua parede é formada por tecido conjuntivo fibroso e estruturas anexas 1,3.

No diagnóstico diferencial, deve-se considerar rânula, bloqueio uni ou bilateral dos ductos de Wharton, cisto do trato tireoglosso, higroma cístico, cisto da fenda branquial, cisto epidermóide, infecção ou celulite do assoalho de boca e da região submandibular 1,2.

A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha1,2,4-6, havendo baixo índice de recidiva 1,2. A evacuação parcial do seu conteúdo, quando muito grande, pode facilitar sua remoção 2.

O objetivo deste trabalho é relatar o caso clínico de uma paciente portadora de Cisto Dermóide intraoral, com evolução de 30 anos, descrevendo os achados clínicos, imagenológicos e anatomopatológicos, assim como o tratamento cirúrgico desta patologia.

 

RELATO DE CASO

Paciente, gênero feminino, 36 anos, leucoderma, compareceu ao ambulatório de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (FOUFBA). A mesma relatou, como queixa principal, a elevação da língua, resultando em dislalia e disfagia desde a infância; referiu ainda, aproximadamente, 30 anos de evolução da patologia e, durante a anamnese, negou patologias de base, uso crônico de medicações, tabagismo, etilismo e uso de drogas ilícitas. Ao exame físico intraoral (Figura 01), foi observado aumento de volume em região sublingual, de consistência flácida à palpação, base séssil, com a mesma coloração rósea da mucosa, provocando deslocamento póstero-superior da língua, limitação da motricidade lingual, dificuldade na fonação e deglutição. A paciente referiu ronco durante o sono. Através da Tomografia Computadorizada (TC) Multislice da Face (janela para tecidos moles), notou-se imagem hipodensa, bem delimitada, localizada em região sublingual, medindo aproximadamente 06 cm em seu maior diâmetro, provocando deslocamento póstero-superior da língua com redução da via aérea superior.

 

 

 

 

 

No mesmo momento, foi realizado uma punção aspirativa, sendo observada drenagem de líquido com aspecto sebáceo. Através do exame clínico e de imagem, juntamente com a punção aspirativa da lesão, a suspeita diagnóstica foi Cisto Dermóide ou Epidermóide. Devido à localização e tamanho da lesão, foi planejado cirurgia, sob anestesia geral, para remoção da mesma. Após intubação nasotraqueal, antissepsia intra e extraoral com iodo polivinilpirrolidina (PVPI) e infiltração intraoral com lidocaína 2% com epinefrina (1:200.000), foi realizada outra punção aspirativa, confirmando a presença de líquido com aspecto sebáceo. Em seguida, realizou-se uma incisão na linha mediana do assoalho bucal e dissecção dos tecidos para completa exposição da lesão, possibilitando sua excisão por inteiro sem rompimento da cápsula.

 

 

 

O espaço vazio resultante da remoção da patologia foi preenchido com dreno de pen rose número 2 e suturado com os fios nylon 3-0 e monocryl 4-0 (Figura 03). No 1º DPO, a paciente recebeu alta hospitalar, com a prescrição domiciliar (Amoxicilina 500mg, Nimesulida 100mg, Dipirona 500mg e Periogard). A peça anatômica foi encaminhada para exame anátomo-patológico. Macroscopicamente, a peça cirúrgica foi representada por formação cística fechada, medindo 6,0 x 4,5 x 2,5 cm, exibindo superfície externa parda e lisa. Microscopicamente (Figura 04), as secções mostraram formação cística de parede fibrosa revestida por epitélio pavimentoso estratificado hiperqueratinizado, exibindo atrofia sem atipias, bem como hipergranulomatose, havendo também aglomerado de glândulas sebáceas bem diferenciadas na parede fibrosa, e diagnóstico anátomo-patológico de Cisto Dermóide. No 7º DPO, a paciente apresentou boa reparação tecidual, melhora do ronco, parestesia de ápice lingual transitória, sendo encaminhada para fonoterapia (a qual permaneceu em tratamento por 2 meses). Até o presente trabalho, encontra-se em 7° mês pós-operatório (MPO), apresentando motricidade lingual, fonação e deglutição normais, ausência de parestesia lingual e boa reparação tecidual (Figura 05).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O cisto dermóide é caracterizado por possuir diversas estruturas anexas, como glândulas sebáceas, sudoríparas e folículos pilosos1-6. No caso relatado, ao realizar a punção aspirativa, constatou-se presença de líquido de aspecto sebáceo, comprovando a presença de glândulas sebáceas relacionadas à lesão. Em 2010, Utami et al. relataram a presença de unha, sendo este achado pouco frequente.

Existe um consenso, na literatura revisada, quanto à prevalência na região de cabeça e pescoço do cisto dermóide ser baixa. As características clínicas apresentadas no caso citado estão de acordo com as expressas na literatura, exceto a faixa etária, uma vez que esta lesão acomete mais adultos jovens1-4,6,10 e, no presente caso, desenvolveu-se na infância, pois a paciente apresenta 36 anos, mas relata a lesão há 30 anos. Não é comum uma lesão com este tempo de desenvolvimento segundo a literatura, sendo que isto repercute no seu tamanho (6,2 cm de diâmetro), enquanto que, normalmente, é relatado 2 cm, segundo Menditti et al. (2008).

Quanto à localização, o presente caso apresentava-se em posição supramilohióidea e, de acordo com Pan et al. (2011), pode causar distúrbios fonéticos, respiratórios e de deglutição, todos presentes neste caso.

O tratamento para o cisto dermóide é a excisão cirúrgica, variando entre acesso extraoral, para quando em posição inframilohióidea; ou intra oral, quando em posição supramilohióidea. O caso relatado está de acordo com a literatura revisada, embora Silva et al. (2008), preconize acesso extra oral para lesões extensas em posição supramilohióidea, citando, como principais vantagens, a melhor visualização do campo operatório, controle da hemostasia e preservação das estruturas nobres do assoalho bucal e, como desvantagem, a presença de cicatriz visível. A estética é uma vantagem do acesso intra oral e, como desvantagem, tem-se, de acordo com Silva et al. (2008), a presença de sutura, como fator de desconforto para o paciente, e possibilidade de infecção por contaminação pela microbiota bucal. Esta pode ser minimizada, de acordo com Kim et al. (2010), utilizando dreno cirúrgico, antibioticoterapia e antissépticos bucais. Esses cuidados foram adotados no caso relatado, com cicatrização rápida e sem complicações.

 

CONSIDERAÇÕS FINAIS

O dentista deve ser capaz de diagnosticar precocemente patologias do sistema estomatognático, a fim de evitar que as mesmas ganhem grandes proporções e necessitem de tratamentos mais agressivos;

O tempo de evolução de 30 anos da lesão, relatada nesse artigo, é incomum, favorecendo seu desenvolvimento de forma a atingir grandes dimensões (6,0 x 4,5 x 2,5 cm);

O tratamento para o cisto dermóide é exérese, sendo a escolha do acesso cirúrgico dependente da localização da lesão e da experiência do cirurgião, com preferência pelo acesso intraoral.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Endereço para correspondência:
Rafael Fernandes de Almeida Neri
Rua Conselheiro Correa de Menezes, 266/203
Horto Florestal, CEP: 40293-030
e-mail: neri.rfa@gmail.com