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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2014

 

 

Presença de corpo estranho no complexo buco-maxilofacial: relato de 2 casos

 

 

Presence of foreign body in complex maxillo-facial: report of 2 cases

 

 

Everaldo Pinheiro de Andrade LimaI; Tássia Fernanda Leal de LimaI; Jefferson Luiz Figueiredo LealII; Suzana Célia de Aguiar Soares CarneiroIII; Alexsandre Bezerra CavalcanteIV; Gilberto Cunha de Sousa FilhoV

I Acadêmico do curso de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Estagiário da Emergência de Cirurgia Buco-Maxilo- Facial do Hospital Getúlio Vargas (HGV - PE);
IIMestre em Perícias Forenses (FOP/UPE), Professor de Medicina Legal da Faculdade de Ciências de Timbaúba (FACET) e Cirurgião Buco-Maxilo- Facial do Hospital Getúlio Vargas (HGV-PE) e do Hospital de Santo Amaro (HSA - PE);
III Doutorado em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, Professora Substituta de Prótese Buco-Maxilo-facial da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cirurgiã Buco-Maxilo-Facial do Hospital da Restauração (HR-PE) e do Hospital de Santo Amaro (HSA - PE) e Coordenadora Pedagógica da Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital da Restauração (HR - PE);
IVEspecialista em Estomatologia;
VMestre em Patologia, Doutorando em Odontologia (UFPE) e Professor Assistente II de Anatomia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

The operations of foreign bodies is one of the most diverse chapters of Traumatology and Surgery Maxillo- Facial, a fact explained by the different types of materials and ways they are accidentally included in the Complex Maxillo-Facial. Beyond Iatrogenic of the projectiles by firearms, daggers, knives, shards of glass, stone, tooth, wood, can become lodged in the soft and hard tissues of the face. The management and prognosis depend on the composition of the foreign body, location and presence or absence of infection. Metallic objects and glass are the most frequent and well tolerated, whereas organic elicit an inflammatory reaction, which may lead to serious complications. In the preoperative identification, and physical examination, it uses conventional radiographs, computed tomography, nuclear magnetic resonance imaging and ultrasonography. The removal of the foreign body is usually a challenge for surgeons Maxillo-Facial, because often, the difficulty of access and the presence of vital structures in the region. The objective of this study is to report a 2 of cases on foreign body present in Complex Maxillo-Facial and evaluate care for the prevention of complications by the presence of foreign bodies.

Descritores: Foreign Bodies, Diagnostic Imaging, Case Report, Prognosis.


ABSTRACT

As cirurgias dos corpos estranhos é um dos capítulos mais diversificados da Cirurgia e Traumatologia Buco- Maxilo-Facial, fato este explicado pelos diferentes tipos de materiais e maneiras que estes são incluídos acidentalmente no Complexo Buco-Maxilo-Facial. Além das Iatrogenias, os projéteis por arma de fogo, punhais, facas, fragmentos de vidro, de pedras, de dente, de madeira, podem alojar-se nos tecidos moles e duros da face. A conduta e o prognóstico vão depender da composição do corpo estranho, localização e presença ou não de infecção. Objetos metálicos e de vidro são os mais frequentes e bem tolerados, ao passo que os orgânicos causam maior reação inflamatória, podendo levar a sérias complicações. Na identificação pré-operatória, além do exame físico, utiliza-se exames radiográficos convencionais, Tomografia Computadorizada, Ressonân¬cia Nuclear Magnética e ultrassonografia. A remoção do corpo estranho geralmente é um desafio para os cirurgiões Buco-Maxilo-faciais, devido, muitas vezes, a dificuldade de acesso e a presença de estruturas vitais na região. O objetivo deste trabalho é relatar 2 casos sobre corpo estranho presentes no Complexo Buco-Maxilo-Facial, bem como avaliar os cuidados referentes à prevenção de complicações pela presença de corpos estranhos.

Descriptors: Corpos Estranhos, Diagnóstico por Imagem, Relato de Caso, Prognóstico.


 

 

INTRODUÇÃO

Corpos estranhos são classificados em traumáticos ou iatrogênicos. Os traumáticos são decorrentes de acidentes ou de violência, enquanto os iatrogênicos ocorrem após procedimento cirúrgico, quando são esquecidos materiais no interior dos tecidos1. Ferimentos por corpo estranho são definidos como lesões que ocorrem a partir de um objeto, tal como uma faca, projétil ou estilhaços, os quais violam barreiras cutâneas ou mucosas e entram no corpo, podendo causar risco de morte para o paciente, especialmente nos casos em que vasos sanguíneos calibrosos estão envolvidos e a hemorragia resultante obstrui as vias aéreas, resultando em consequências graves2.

É comum encontrar, tanto na prática médica, como na odontológica, erros antes, durante e depois de tratamentos. As iatrogenias podem ocorrer em todas as fases do ato médico ou odontológico, desde a relação com o paciente, passando pelo diagnóstico, tratamento, até na prevenção de doenças. Os motivos mais comuns se referem à falta de planejamento, erro de diagnóstico, falhas humanas durante o tratamento e acidentes3.

Para minimizar a ocorrência desses erros, a sequência tradicional num atendimento clínico deve ser cumprida vigorosamente, ou seja, anamnese minuciosa, exame físico cuidadoso, requisição de exames complementares, construção das hipóteses diagnósticas e só a partir deste ponto decidir qual conduta a ser adotada. Durante o histórico da lesão, deve-se ter a informação dos antecedentes, mecanismo de produção da lesão, tempo de evolução, aspecto local, bem como as possíveis lesões associadas. O planejamento prévio, em caso de because often, the difficulty of access and the presence of vital structures in the region. The objective of this study is to report a 2 of cases on foreign body present in Complex Maxillo-Facial and evaluate care for the prevention of complications by the presence of foreign bodies. Descriptors: Foreign Bodies, Diagnostic Imaging, Case Report, Prognosis. ato operatório, possibilita melhor desempenho do profissional, menor tempo cirúrgico e, consequentemente, resultados mais satisfatórios4.

A apresentação clínica do corpo estranho é variada, representando um desafio ao cirurgião tanto no diagnóstico quanto no procedimento cirúrgico. Fatores como tamanho do objeto, dificuldade de acesso, além da proximidade anatômica do corpo estranho às estruturas vitais adjacentes, devem ser levados em consideração para a escolha da melhor técnica operatória5.

Exames por imagem são importantes na detecção de corpos estranhos, sendo empregadas Radiografias Planas, Tomografias Computadorizadas (TC), Ressonância Magnética (RNM), além da Ultrassonografia (US), que podem ser utilizadas a depender da sua localização e composição6. A radiografia convencional é geralmente o primeiro exame complementar a ser solicitado, devido ao seu baixo custo e fácil acesso, podendo ser útil na identificação do corpo estranho. Em muitos casos, não é possível detectar o corpo estranho por meio das radiografias convencionais e deve-se solicitar a TC, sendo importante no diagnóstico de corpos estranhos metálicos. Nos casos em que o corpo estranho for uma madeira, a imagem na TC pode apresentar densidade semelhante ao ar, dificultando sua identificação. Sendo assim, alguns autores sugerem a realização da RNM, mas deve ser evitada quando se suspeita de corpo estranho de origem metálica, pois pode levar ao movimento deste devido ao campo magnético. Por isso, é fundamental saber a cinética e o agente do trauma5.

A possibilidade de corpo estranho deve ser considerada após história de trauma com presença de sinais inflamatórios persistentes, dificuldade decicatrização ou deterioração do quadro clínico. Após a penetração do objeto, os tecidos tendem a ocluir o trajeto do objeto penetrante, dificultando sua identificação ocorrendo ocasionalmente, sua migração pelos tecidos, podendo se comportar como corpo estranho após essa migração7.

O deslocamento de raízes dentárias para o interior do seio maxilar é comumente descrito em livros-texto de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial. A íntima relação entre as estruturas anatômicas exige do cirurgião cautela e sensatez para a condução adequada do caso. Muitas vezes, a pneumatização do seio maxilar encurta em milímetros a distância entre o ápice radicular e a mucosa sinusal, tornando previsível o transporte do elemento dentário para o seio maxilar. Em tais circunstâncias, o profissional deve ser prudente e seguro nas manobras, com o intuito de minimizar o trauma ocasionado pelo acidente e obter os resultados esperados8.

Os projéteis de arma de fogo quando retidos nos tecidos podem gerar sérias complicações. A presença do projétil nos tecidos constituirá um entrave para a consolidação da lesão, pois os metais empregados na confecção de projéteis sofrem, pelos líquidos do organismo, ataque eletroquímico podendo levar à corrosão, ocasionando um processo infeccioso9.

Em relação à composição do corpo estranho, podem ser de origem metálica, partículas de vidro, de madeira7, ossos de peixes, fragmentos de dentes quebrados, fratura de broca, guarda-chuva, e projéteis de arma de fogo10. A madeira, devido a suas características porosa e orgânica, possui um meio bastante propício para o desenvolvimento bacteriano e fúngico, podendo permanecer latentes por um período variável de tempo e manifestar-se tardiamente por meio de abscesso ou celulite. Essas complicações variam de acordo com as características do corpo estranho, como o seu tamanho, forma, método de penetração e superfície de penetração8.Uma vez que o corpo estranho é reconhecido, a sua remoção deve ser realizada, a fim de evitar danos, podendo variar desde uma pequena lesão cutânea até abscessos e celulites fúngicas5.

Embora alguns corpos estranhos, como os de origem metálica, sejam prontamente diagnosticados por observação direta ou por exames de imagens convencionais, em outros casos, o diagnóstico pode ser tardio, sendo feito após o surgimento de complicações clínicas que podem durar semanas ou meses para surgir7.

O objetivo deste trabalho é discutir, através de 2 relatos de casos, a importância dos conhecimentos teóricos e práticos referente à presença de corpo estranho localizado no complexo Buco-Maxilo-facial.

 

RELATO DE CASO

Caso 1

Paciente do gênero masculino, 21 anos de idade apresentou-se na Unidade de Emergência do Hospital Getúlio Vargas (HGV), em Recife/Pernam¬buco, com história clínica de queda de cerca de 2 metros, há mais ou menos 1 ano, onde caiu com a hemiface esquerda no chão. Ao exame físico, o paciente apresentava sinais de infecção (edema, dor, rubor e calor) intraoral. Foram solicitados os exames de imagens faciais Water's, Perfil e Panorâmica, onde foi verificada uma imagem compatível a um dente (28) na parede superior do seio maxilar (Figura 1.a). Após análise clínica e radiográfica, o tratamento eleito foi à realização de abordagem cirúrgica sob anestesia geral. No procedimento cirúrgico foi realizada incisão de caldwell Luc (Figura 1.b) para o acesso ao seio maxilar, onde visualizou-se diretamente o dente consolidado ao teto do seio maxilar. Após a visualização, foi feito a retirada do dente com uso de fórceps, onde foi removido sem nenhuma resistência. Poste¬riormente, realizou-se toalete exaustivo do ferimento com solução salina e gaze com posterior sutura do ferimento. Após o procedimento, a paciente ficou internada por 24h fazendo antibioticoterapia e, após esse período, recebeu alta hospitalar. A paciente foi acompanhada por 15 dias, onde foi observada a completa resolução do caso.

 

 

 

CASO 2

Paciente do gênero masculino, 38 anos de idade procurou o Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, em Recife/Pernambuco, com história de exodontia do dente 48 há cerca de 10 anos apresentando fístula na região de ângulo mandibular direito. Foi solicitada uma radiografia Perfil de face e uma panorâmica, onde foi visualizada uma imagem (Figura 2.a) compatível com o dente 48 incluso, sendo programado o procedimento cirúrgico, sob anestesia geral, para remoção do dente. No procedimento cirúrgico, fez-se um acesso intra-oral, e durante a exploração da região não foi visualizada a presença do dente, sendo abortado o procedimento cirúrgico e solicitada uma Tomografia Computadorizada com Reconstrução em 3D. Na análise do exame, viu-se que o dente estava localizado na região medial do ramo mandibular direito (Figura 2.b). Após o diagnóstico, foi marcado um novo procedimento cirúrgico, onde se fez um acesso submandibular e, após a divulsão do tecido, visualizou-se o dente e este foi removido, posteriormente foi realizado o toalete exaustivo do ferimento com solução salina e gaze com posterior sutura. Após o procedimento, a paciente ficou internada por 24h fazendo antibioticoterapia e, após esse período, recebeu alta hospitalar. A paciente foi acompanhada por 15 dias, onde foi observada a completa resolução do caso (Fig. 3).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Durante o exame clínico, a possibilidade de corpo estra¬nho deve ser considerada após histórias de trauma com presença de sinais inflamatórios persistentes e dificuldade de cicatrização, de forma que a anamnese seja realizada de forma minuciosa10, buscando sempre a cinética e o agente do trauma de forma que seja obtido o trajeto do corpo estranho para investigações de possíveis lesões em estruturas importantes do complexo Buco-Maxilo-Facial. No caso 01, após análise da história clínica dos pacientes, suspeitou-se da presença de corpo estranho pelas características inflamatórias e presença de trauma na região da lesão. Após a suspeita, foram solicitados os exames complementares para que a presença e localização exata fossem confirmadas, com posterior realização do procedimento cirúrgico. Diante desses fatos, é importante salientar que a conduta e o prognóstico irão depender da exata localização do corpo estranho e presença ou não de infecção.

Corpos estranhos na região buco-maxilo-facial podem representar um desafio ao cirurgião tanto no diagnóstico quanto no procedimento cirúrgico, tendo apresentação clínica bastante variável2. No caso clínico 02, relatado nesse estudo, o paciente apresentava história de exodontia há cerca de 10 anos, onde foi deixado um fragmento dentário (coroa de um dente molar) na região inferior posterior direita da mandíbula. Os exames de imagens pré-operatórios solicitados foram panorâmica, cefalométrica lateral e oclusal total de mandíbula. Na análise dos exames, visualizou-se uma imagem compatível a um dente na região do 48. Durante o procedimento cirúrgico, realizou-se exaustas tentativas para a retirada do corpo estranho, não se obtendo o sucesso. A partir desse momento, optouse pela solicitação de uma tomografia computadorizada de reconstrução 3D, o que permitiu a real localização do corpo estranho na região submandibular direita. A utilização de TC de Reconstrução 3D não é rotina para este tipo de procedimentos, sendo necessários quando não consegue se fazer um diagnóstico definitivo com as radiografias convencionais10 ou em casos de fístulas decorrentes de exodontia realizadas anteriormente. Nesses casos, a TC de reconstrução 3D foi extremamente útil para um diagnóstico correto e definitivo.

Sempre que necessário, pode-se solicitar exames como a RNM ou USG, para esclarecer as dúvidas que as radiografias obtidas pelo método convencional não foram conclusivas12. É importante saber que, em casos que o corpo estranho seja orgânico como, por exemplo, a madeira, deve-se fazer o uso da USG, pois são exames de imagens indicados para a visualização desse tipo de corpo estranho13. No entanto, nos casos relatados acima, não se foi necessário solicitar esses exames citados, sendo o caso diagnosticado com o auxílio da TC de Reconstrução 3D e com as radiografias convencionais.

Se nenhum corpo estranho é visto ao exame clínico ou ao exame radiográfico, porém a suspeita clínica é alta, a decisão de exploração deve ser tomada pelo cirurgião e pelo quadro clínico do paciente. A infecção é comum, já que esses corpos estranhos, normalmente, não são estéreis; nesses casos, deve-se fazer antibioticoterapia7. No caso 01, o paciente apresentava uma infecção com presença de secreção purulenta, onde foi realizada a antibioticoterapia com a intenção de debelar o processo infeccioso e posterior realização do procedimento cirúrgico, visando à remoção do corpo estranho.

O seio maxilar é o seio paranasal no qual ocorre maior envolvimento com corpos estranhos, tendo sido relatada a introdução de amálgama, gutapercha e limas endodônticas naquela cavidade. Muitos casos de antrólitos maxilares são descobertos em período tardio, sendo que o diagnóstico final se dando de forma tardia8. No caso 01, verificou-se a presença do elemento dentário no seio maxilar decorrente de um trauma na região, sendo feita a retirada do corpo estranho e evitando, assim, danos imediatos ou crônicos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os casos aqui relatados e os identificados na revisão de literatura demonstram que a presença de corpos estranhos deve sempre ser investigada através de um exame clínico minucioso sempre que houver história de trauma no Complexo Buco- Maxilo-Facial. A inspeção minuciosa das feridas associadas e a utilização de recursos de imagem são fundamentais para a identificação e localização precisa de corpos estranhos, haja vista a possibilidade de ferimentos penetrantes sem sinais clínicos evidentes permanecerem sem diagnóstico. Sempre que o diagnóstico for realizado, a remoção do corpo estranho deve ser realizada o mais precocemente possível a fim de se evitarem complicações infecciosas e lesões das estruturas anatômicas adjacentes.

Por fim, considerando o vasto número de complicações relacionadas à presença de corpos estranhos na face, torna-se prudente por parte do cirurgião-dentista, a busca constante pelo aperfeiçoamento profissional, objetivando o completo domínio teórico-prático das formas de prevenção assim como das condutas e dos tratamentos específicos à situação em questão.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Everaldo Pinheiro de Andrade Lima
Rua Larga do Feitosa, 255, Apt. 302, Encruzilhada
Recife-PE

e-mail:
everaldopinheiro@hotmail.com

 

Recebido em 17/02/2014
Aprovado em 13/03/2014