SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2014

 

 

Síndrome de stevens-johnson associada à alopurinol e nimesulida: relato de caso

 

 

Stevens-Johnson syndrome associated with allopurinol and nimesulide: case report

 

 

José Alcides Almeida de ArrudaI; Gerhilde Callou SampaioII

IGraduando de Odontologia, Faculdade de Odontologia de Pernambuco, Universidade de Pernambuco - FOP/UPE.
IIProfessora Dra. Adjunta de Patologiada Faculdade de Odontologia de Pernambuco, Universidade de Pernambuco - FOP/UPE.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) é uma variante do eritema multiforme pela conformação e distribuição das lesões cutâneas e maior gravidade do envolvimento mucoso. É caracterizada pela ação de anticorpos IgG ou IgM específicos para drogas. Apresenta importante papel na Odontologiapois que muitas vezes as primeiras manifestações desta doença ocorrem na mucosa bucal. O objetivo deste trabalho é apresentar um relato de um paciente portador da SSJ, sexo masculino, 53 anos, com queixa inicial de dor e ardência bucal. Ao exame clínico verificou-se lesões e crostas hemorrágicas evidentes no vermelhão dos lábios e mucosa bucal. Relatou que foi atendido anteriormente em um serviço oftalmológico e diagnosticado com conjuntivite e que estava sob uso das seguintes medicações: alopurinol, nimesulida, sinvastatina, omeprazol e frontal. O quadro do paciente evoluiu rapidamente para as lesões em pele e por esta razão internado e submetido a protocolo do setor de queimados de um hospital particular. Atualmente o paciente apresenta as seguintes sequelas: cegueira do olho esquerdo, simbléfaro e pterígio nasal. O conhecimento dessa síndrome, pelo cirurgião-dentista é de fundamental importância, vez que, o estabelecimento do diagnóstico precoce pode minimizar as sequelas e até mesmo evitar casos extremos de óbito. Por fim, esclarecer e conscientizar os profissionais quanto ao uso indiscriminado de medicamentos, causa hoje reconhecida para esta síndrome.

Descritores: Eritema multiforme maior; Síndrome de Stevens-Johnson; Lesões vesículobolhosas.


ABSTRACT

The Stevens-Johnson syndrome (SJS) is a variant of erythema multiforme by the conformation and distribution of skin lesions and more severe mucosal involvement. It is characterized by the action of specific drugs for IgG or IgM antibodies. Plays an important role in dentistry since often the first manifestations of this disease occur in the oral mucosa. The objective of this paper is to present a report of a patient with SJS, male, 53 years, with an initial complaint of pain and burning mouth. On clinical examination there was injury and hemorrhagic crusts evident in the vermilion of the lips and buccal mucosa. Reported that previously serviced on an eye care center and diagnosed with conjunctivitis and was under use of the following medications: allopurinol,nimesulide, simvastatin, omeprazole and front. The patient's condition progressed rapidly to skin lesions and for this hospital and subjected to the burning of a private hospital sector protocol reason. Currently the patient has the following consequences: blindness of the left eye, nasal pterygium and symblepharon. Knowledge of this syndrome, the dentist is crucial, since the establishment of early diagnosis can minimize sequelae and even prevent extreme cases death. Finally, clarify and educate professionals about the indiscriminate use of medicines, now recognized to cause this syndrome.

Descriptors: Erythema multifome major; Stevens-Johnson Syndrome; Vesicular bullous lesions.


 

 

INTRODUÇÃO

A síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) é uma dermatose mucocutânea pouco frequente, potencialmente fatal, imunologicamente mediada pela ação de anticorpos IgG ou IgM específicos para drogas,na grande maioria das vezes secundária à administração de fármacos1. Essa doença se caracteriza pela necrose dos queratinócitos, expressa clinicamente pelo descolamento epidérmico. Embora a causa seja pouco compreendida, pode-se identificar infecções precedentes por vírus, bactérias, fungos, neoplasias malignas, vacinas e diversos medicamentos2-3.

Foram relatados mais de cento e cinquenta fármacos causadores desta enfermidade. As sulfonamidas, a associação trimetropina-sulfametoxazol, hidantoínas, carbamazepinas, barbitúricos, fenilbutazona, piroxicam, clormezanona, alopurinol e aminopenicilinas2-3, além de outros analgésicos, antiinflamatórios esteroidais e não esteroidaisforamresponsáveis por cerca de dois terço dos casos da SSJ4. Estudos de Halevyet al, afirmam que o alopurinol foi identificado como sendo o fármaco mais frequentemente relacionado com a SSJ/necrólise epidérmica tóxica (NET)5.

A diferenciação entre SSJ e eritema multiforme maior tem sido algo controverso na literatura, autores sugerem tratar-seda mesma entidade, outros, uma variante, e, alguns, associam a SSJ com maior gravidade do envolvimento mucoso4,6. Por apresentar um amplo espectro clínico da doença, a classificação da SSJ e da NET atual é a de Bastuji-Garin, que em regra não seguem as mesmas características propostas clinicamente já que representam espectros opostos da mesma doença, blepharon. Knowledge of this syndrome, the dentist is crucial, since the establishment of early diagnosis can minimize sequelae and even prevent extreme cases death. Finally, clarify and educate professionals about the indiscriminate use of medicines, now recognized to cause this syndrome. Descriptors: Erythema multifome major; Stevens-Johnson Syndrome; Vesicular bullous lesions. e são classificadas de acordo com a extensão do destacamento epidérmico. Na SSJ a porcentagem do destacamento é inferior a 10% da superfície corporal, enquanto que na NET este parâmetro é superior a 30%. Quando há envolvimento de 10% a 30% do tegumento cutâneo considera-se uma sobreposição das duas situações6.

As manifestações clínicas geralmente tem um início agudo; na forma leve da doença desenvolvem- se ulcerações que afetam primariamente a mucosa bucal. Na forma mais grave podem ser observadas áreas de descamação difusas e ulceração de pele e mucosa4.

Clinicamente, podem ser examinadas vesículas ou pápulas que geram ulcerações, as quais na SSJ podem apresentar-se como difusas, com áreas de descamação e sangramento abundante, ainda que as lesões possam ser extremamente dolorosas. Na região bucal, observam-se frequentemente crostas hemorrágicas no vermelhão dos lábios7, mucosa labial e jugal, na língua, no soalho bucal e palato mole4. As lesões na pele são eritematosas e frequentemente evoluem para uma bolha com centro necrótico (lesões em alvo)7.

Para o diagnóstico ser estabelecido as mucosas ocular e/ou genital devem ser afetadas em conjunto com as lesões bucais e de pele4. O quadro ocular pode ser caracterizado por uma conjuntivite purulenta bilateral, membranosa ou pseudomembranosa, com adesão das pálpebras8, sendo frequentemente observados estágios crônicos da doença simbléfaro, pterígio nasal, e até mesmo, cegueira. O envolvimento genital, muitas vezes, acompanha eritema, erosões e edema9.

Os sinais prodrômicos incluem febre, mal-estar, cefaleia, tosse e dor de garganta ocorrendo aproximadamente uma semana antes do surgimento das primeiras lesões. E geralmente a duração da SSJ é de 2 a 6 semanas4.

O diagnóstico é eminentemente clínico, ainda que deva ser estabelecido o diagnóstico diferencial de outras doenças vesículo-bolhosas como o líquen plano, pênfigo vulgar, pênfigo paraneoplásico, pustulose exantemática aguda generalizada, síndrome da pele escaldada estafilocócica e doença de enxerto versus hospedeiro agudo.

Tem-se em conta que o tratamento da SSJ com uso de corticosteroides é controverso, pois alguns autores consideram-os arriscados pelo desenvolvimento de imunossupressão10. O tratamento consiste no encaminhamento a uma unidade de queimados ou unidade de cuidados intensivos a fim de prevenir infecções secundárias, além da suspensão do fármaco que pode ter desenvolvido essa reação de hipersensibilidade, e, usualmente um suporte terapêutico, que é semelhante a dos pacientes com queimaduras extensas. O protocolo segue com reposição de fluidos e eletrólitos, minimização das queixas álgicas e prevenção das infecções secundárias2,4

Este trabalho tem por objetivo relatar o caso de um paciente portador da síndrome de Stevens- Johnson com extensas lesões vesículo-bolhosas em região de face, tronco, membros superiores e inferiores, assim como, realizar uma revisão de literatura enfatizando a importância do diagnóstico e tratamento desta doença pelo cirurgião-dentista em um conjunto multidisciplinar.

 

RELATO DE CASO

Paciente A.J.B.B., sexo masculino, 53 anos de idade, procurou um serviço particular de uma profissional cirurgiã dentista queixando-se de ardência bucal. Ao exame clínico foram observadas lesões vesículo-bolhosas ulcerativas na cavidade bucal e lábios. Foi detectado também que essas lesões começavam a se manifestar em pele. Na anamnese o paciente relatou que foi atendido anteriormente em um serviço de urgência oftalmológica no qual foi diagnosticado com conjuntivite. Informou ainda que estava tomando as seguintes medicações: alopurinol, nimesulida, sinvastantina, omeprazol e frontal.

O quadro do paciente evoluiu rapidamente e assim internado no setor de queimados de um hospital de referência em queimados com diagnóstico de síndrome de Stevens-Johnson. O paciente ficou internado por um período de 18 dias. Atualmente o mesmo apresenta as seguintes sequelas da doença: cegueira do olho esquerdo; no olho direito, escavação fisiológica com simbléfaro, pterígio nasal, bem como, fotofobia nos olhos. Faz uso regular de soro autógeno, refresh(ácido poliacrílico a 0,3%), usado como lubrificante, lágrimas artificiais e para aliviar o desconforto e irritação dos olhos secos; epitegel(dexpantenol 50mg/g), utilizado para aliviar as irritações e favorecer a cicatrização de pequenas lesões; e uso de ciclosporina, droga imunossupressora utilizada para supressão das rejeições imunológicas no organismo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A ocorrência da SSJ é extremamente rara, ocorre em todas as idades, em todas as raças e gêneros com incidência de 0,4-1,2 casos por milhão de pessoas/ano2, ou, ainda, há relatos de 1,2-6 casos por milhão de pessoas/ano11. O pico de ocorrência, segundo Neville et al. é durante a segunda e a terceira década de vida6, ainda queno relato de caso o paciente tinha 53 anos de idade.

Embora a etiopatogenia seja incerta e provavelmente é um processo mediado imunologicamente, uma das causas seja a exposição a drogas e medicamentos4, ratificando com o trabalho de Brinca et al.14, no qual, afirmam que os principais fármacos desencadeantes da SSJ e NET, são: o alopurinol, os antibióticos, anticonvulsivantes, os anti-inflamatórios esteroidais e não-esteroidais, nevirapina, analgésicos opióides, a trastuzumab e a sulfassalazina. O paciente em questão fazia uso de: alopurinol, nimesulida, sinvastatina, omeprazol e frontal.

A SSJ e a NET são consideradas variantes do mesmo padrão de hipersensibilidade, diferenciando- se pela conformação e distribuição das lesões cutâneas vesículo-bolhosas e maior gravidade do envolvimento mucoso. As características como descolamento menor que 10% da superfície corporal, máculas eritema-violáceas confluentes e lesões em alvo atípicas, sendo maculosas6, condizem com o caso clínico, pois, o paciente diagnosticado com SSJ, teve lesões vesículobolhosas em face, tronco e membros superiores e inferiores. No caso reportado, a região ocular e genitália também foram afetadas, corroborando com o trabalho de Vanfleteren et al.8, que afirmam que o quadro ocular é caracterizado por uma conjuntivite purulenta bilateral, membranosa ou pseudomembranosa, com adesão das pálpebras8, por certo, a primeira manifestação da doença do paciente foi com uma conjuntivite bilateral nos olhos.

Quando ocorre grave envolvimento ocular, podem desenvolver cicatrizes4, de fato, o paciente desenvolveu um estágio crônico da doença que apresenta cegueira do olho esquerdo, simbléfaro e pterígio nasal.

Ainda se pode observar lesões e crostas hemorrágicas evidentes no vermelhão dos lábios e mucosa bucal, condizendo com o trabalho de Lebargyet al12 e Revuz et al13, que afirmam que em 90% dos casos da SSJ a mucosa oral, ocular e genital são atingidas. Acrescenta-se ainda que o desenvolvimento primariamente das lesões ulcerativas seja em mucosa bucal4 condizente com as manifestações do paciente relatado.

Trabalhos consultados relataram que a eliminação do agente causador deve ser realizada o mais breve possível1-15. Ainda que, a utilização de anti-inflamatórios esteroidais tenha sido relatado no tratamento usual em diversos casos, autores consideram arriscado o uso dos mesmos pela possibilidade de imunossupressão10. No paciente deste relato, optou-se por encaminhar a unidade de queimados a fim de prevenir infecções secundárias, pois a sepse tem sido relatada como uma das principais causas de óbito dessa doença dermatológica4. A terapia de escolha foi: dexametasona, como recomendado por Roujealet al2,3. eCzubkowska et al.15, propionato de clobetasol, elixir de decadron, fluoreto de sódio a 0,05%, clorexidina sem álcool, sulfadiazina de prata e xilocaína spray.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infelizmente, ainda persiste a prática indiscriminada de fármacos e automedicação gerando dano reversível e até mesmo irreversível ao sistema imunológico do paciente. É preciso a conscientização na hora de se prescrever um medicamento, caso contrário, se continuar "empregando medicamentos de forma indiscriminada, com amplo espectro de ação e em subdoses, as bactérias e os vírus irão agradecer, os laboratórios farmacêuticos idem e o futuro será sombrio". A mudança de comportamento dos cirurgiões dentistas com relação à prescrição de fármacos em geral, principalmente antibióticos e anti-inflamatórios esteroidais e não esteroidais só ocorrerá com a quebra de "tabus" e atualização de conceitos nos cursos de graduação e pós-graduação.

 

REFERÊNCIAS

1. Peter, A. Ward. Imunopatologia. In: RUBIN E. Patologia: Bases Clinicopatológicas da medicina. 4.ed. [S.L.] Guanabara Koogan, 2006. p. 123 a 168.         [ Links ]

2. Roujeal JC, Stern RS. Severe adverse cutaneous reactions to drugs. N Engl J Med. 1994; 331(19): 1272-85.

3. Roujeal JC, Kelly JP, Naldi L, Rzany B, Stern RS, Anderson T, et al. Medication use and the risk of Stevens-Johnson syndrome or toxic epidermal necrolysis. N Engl J Med. 1995; 333(24): 1600-7.

4. Brad, W. Neville et al. Doenças dermatológicas. In: Patologia Oral e Maxilofacial. 3ed. [S.L.] Elsevier, 2009.p. 778 a 781.

5. Halevy S., Ghislain P.D., Mockenhaupt M. et al: Alopurinol is the most common cause of Stevens-Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis in Europe and Israel. J Am Acad. Dermatol 2008; 58: 25-32.

6. Bastuji-Garin S, Rzany B, Stern RS et al: Clinical classification of cases of toxic epidermal necrolysis, Stevens-Johnson syndrome and erythema multiforme. Arch Dermatol 1993; 129:92-6.

7. Lamoreux, R.M. Sternbach, M.R. Hsu T.W. Erythema multiforme, Am FamPsysician. 2006;74(11): 1883-8.

8. Vanfleteren I, Van Gysel D, De Brandt C. Stevens- Johnson Syndrome: a diagnostic challenge in the absence of skin lesions. PediatrDermatol. 2003; 20(1): 32-4.

9. Weston WL. Erythema multiforme, Stevens-Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis. In: Harper J, Oranje AP, Prose N. Textbook of pediatric dermatology. Hong Kong: Blackwell Scientific; 2000.

10. Crosi A, González SB, Carrizo FE. Reacciones adversas medicamentosas graves: síndrome de Stevens-Johnson y necrólisis epidérmica tóxica. Rev. Med Uruguay. 2004; 20(3): 172-7.

11. Wolkenstein P, Revuz J. Drug-induced severe skin reactions. Incidence, management and preventions.Drug saf. 1995;13(1):56-8.

12. Lebargy F, Wolkenstein P, Gisselbrecht M et al: Pulmonary complications in toxic epidermal necrolysis: a prospective clinical study. Intensive Care Med 1997;23:1237-44.

13. Revuz J, Penso D, Roujeau JC et al: Toxic epidermal necrolysis. Clinicalfindingsandprognosisfactors in 87 patients. ArchDermatol1987;123:1160-65.

14. Brinca A, Andrade P, Xavier MM, Gonçalo M, Figueiredo A. Síndrome de Stevens-Johnson e Necrólise Epidérmica Tóxica-casuística de 10 anos. Revista da SPDV 69(3):2011.

15. Czubkowska I, Barszcak H, Kozniewska D, Wasanick G. Erythema multiforme in children versus Stevens-Johnson syndrome. WiadLek. 2000; 53 (1-2): 43-8.

 

 

Endereço para correspondência:
José Alcides Almeida de Arruda
R. Doutor João Coimbra, 235/301
Madalena-Recife/PE CEP 50610-310

e-mail:
alcides_almeida@hotmail.com

 

Recebido em 21/01/2014
Aprovado em 27/03/2014