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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2014

 

 

V14N4 Características Clínicas, Radiográficas e Diagnóstico do Ameloblastoma: Relato de Caso

 

Clinical and radiographic features and diagnosis of ameloblastoma: a case report

 

 

Vinícius Rio Verde Melo MunizI; Daniel Jorge da Silva Monteiro de FreitasI; Rafael Fernandes de Almeida NeriIII; Joaquim de Almeida DultraII; Fátima Karoline Araujo Alves DultraIII

I Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santo Antônio OSID/UFBA.
II Preceptor do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santo Antônio OSID/UFBA.
III Cirurgiã Bucomaxilofacial formada pelo Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santo Antônio OSID/UFBA.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O ameloblastoma é um turmor benigno comumente encontrado nos ossos gnáticos, originário de remanescentes da lâmina dentária. Quanto ao comportamento clínico, trata-se de um tumor de crescimento lento, normalmente assintomático, podendo provocar deslocamento, mobilidade e reabsorção dentária, assim como parestesia. Radiograficamente, pode apresentar-se como lesões radiolúcidas uni ou multiloculares, normalmente com limites bem definidos de forma semelhante a "favos de mel" ou "bolhas de sabão". Histologicamente, possui diversos padrões, principalmente a variante multicística. Existem diversos métodos de tratamento, desde a enucleação e curetagem a ressecções mais agressivas, com ou sem perda da continuidade óssea. O ameloblastoma, por ser um tumor agressivo, possui grande percentual de recidiva e o prognóstico depende de vários fatores, desde os aspectos clínicos, radiográficos e histopatológicos que definem o seu comportamento biológico. O objetivo deste trabalho é relatar as características clínicas e radiográficas no direcionamento do diagnóstico e na escolha do tratamento adequado para o ameloblastoma baseado na descrição de um relato de caso clínico.

Descritores: Ameloblastoma; diagnostico; tratamento primario.


ABSTRACT

Ameloblastoma is a benign neoplasm commonly found in maxillary bones, formed from remnants of dental lamina. As regards its clinical behavior, it is a tumor of slow growth, usually asymptomatic, causing displacement, mobility, tooth resorption, and paresthesia. Radiographically, it may present as a radiolucent uni- or multiocular lesion, normally with well-defined boundaries resembling a "honeycomb" or "soap bubbles". Histologically, it presents various patterns, particularly the multicystic variant. There are various methods of treatment, ranging from enucleation and curettage to the more aggressive resections with or without loss of bone continuity. Being an aggressive tumor, ameloblastoma has a high percentage of recurrence and its prognosis depends on several factors involving clinical, radiological and histopathological features that characterize its biological behavior. The objective of this paper is to report the clinical and radiographic features in the diagnosis of ameloblastoma and the suitable choice of treatment, based on the report of a clinical case.

Descriptors: Ameloblastoma; diagnosis; Primary Treatment.


 

 

INTRODUÇÃO

O ameloblastoma foi descrito, pela primeira vez em 1930 por Ivey e colaboradores.1,2 Trata-se de um tumor odontogênico epitelial, benigno, localmente invasivo e de crescimento lento.3 Dentre os tumores odontogênicos que acometem os ossos gnáticos, é o tumor de maior significado clínico,4 representando cerca de 1% de todos os tumores e cistos odontogênicos.1

Os ameloblastomas acometem tanto a mandíbula quanto a maxila, tendo maior prevalência na primeira, principalmente nas áreas de corpo e ramo mandibular.4 Não há predileção quanto ao gênero e raça, apresentando maior incidência em adultos jovens, com média de idade de 35 anos. O desenvolvimento em crianças é raro.2 Podem ser classificados como sólidos ou multicísticos, unicísticos e periféricos,5,6 sendo o primeiro mais agressivo.2 Normalmente, são assintomáticos, sendo descobertos em exames radiográficos de rotina; porém, podem transformar-se em lesões de grandes proporções, provocando perfuração de corticais ósseas, deslocamento e reabsorção dentária.6

Radiograficamente, a variante multicística caracteriza-se por apresentar aspecto radiolúcido multilocular com padrão de bolhas de sabão ou favos de mel, bordas irregulares, podendo (ou não) estar associada a um dente incluso.4,6,7 O tratamento, dependendo do tipo histológico e localização da lesão, pode variar desde enucleação, curetagem, marsupialização, crioterapia, ou uma combinação as técnicas de ressecção (marginal ou segmentar).1,4

O objetivo desse trabalho é relatar as características clínicas e radiográficas no direcionamento do diagnóstico e na decisão da escolha do melhor tratamento para o ameloblastoma.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, melanoderma, 35 anos de idade, ASA I, compareceu ao ambulatório ambulatório de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Santo Antônio, encaminhado pelo cirurgião-dentista, após ter realizado exame radiográfico de rotina que apresentava sinais sugestivos de lesão intraóssea em região de corpo mandibular esquerdo.

O paciente referiu queixas álgicas esporádicas na região de molar inferior esquerdo e, ao exame clínico intraoral, foi observado discreto aumento de volume na região referente ao dente 36 (ausente), mucosas normocoradas e ausência de mobilidade dentária associada. O paciente não relatava hipoestesia, disestesia ou parestesia.

Ao exame de imagem (radiografia panorâmica e Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico), observa-se ausência do dente 36, imagem radiolúcida, unilocular, de aproximadamente 02 centímetros no seu maior diâmetro, bem delimitada, na região de segundo pré-molar inferior esquerdo a segundo molar inferior esquerdo. Não se observa presença de dente incluso associado ou reabsorção dos dentes envolvidos. Nota-se ainda, íntima relação com o canal mandibular e expansão da cortical óssea vestibular dessa região. (Figura 1).

 

 

 

Através do exame clínico e de imagem, a suspeita diagnóstica foi de cisto residual, sendo planejada abordagem cirúrgica, sob anestesia geral, para enucleação e curetagem de toda extensão da lesão e exodontia do dente 37 associado a lesão (Figura 2). A peça cirúrgica foi encaminhada para análise anátomo-histopatológica.

 

 

 

O laudo histopatológico revelou mucosa revestida por epitélio pavimentoso estratificado paraqueratinizado, exibindo acantose e atrofia com atipia reacional. Evidenciou-se lâmina própria com numerosas ilhas foliculares. Por vezes, metaplásicas; por vezes císticas. Outras secções mostraram ainda formações císticas de parede fibrosa revestida por células basais empaliçadas e as sobrejacentes metaplásicas. O diagnóstico final foi de ameloblastoma (Figura 3).

 

 

 

O paciente encontra-se em 75º dia de pós operatório (DPO), apresentando cicatrização tecidual completa, ausência de sintomatologia dolorosa e, radiograficamente, observa-se sinais sugestivos de início de neoformação óssea na região abordada, (Figuras 4 e 5).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os ameloblastomas correspondem, aproximadamente, a 1% de todos os cistos e tumores odontogênicos, possuindo maior incidência na mandíbula e na terceira ou quarta décadas de vida.4,8,9,10 No caso supracitado, o paciente apresenta-se na quarta década de vida, com o surgimento da lesão em mandíbula. A predileção por gênero é controversa, havendo discordâncias estatísticas descritas na literatura. Ameloblastomas são tumores benignos agressivos, podendo originarse do órgão do esmalte, lâmina dentária, folículo de cistos odontogênicos (principalmente dentígero) ou, possivelmente, de células epiteliais da camada basal da mucosa oral.9

De acordo com a nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2005, foi reconhecida a existência de quatro variantes clínicopatológicas distintas do ameloblastoma: multicístico ou sólido convencional, unicístico, periférico e desmoplásico. Devido a diferenças clínicas e imagenológicas entre os ameloblastomas constituídos exclusivamente pelo padrão desmoplásico e lesões sólidas constituídas pelos demais padrões histológicos, na mais recente classificação dos tumores odontogênicos da OMS, o padrão desmoplásico foi excluído do espectro histopatológico do ameloblastoma sólido e enquadrado como uma variante distinta, designada ameloblastoma desmoplásico. De acordo com a OMS, ameloblastomas que exibem concomitantemente áreas de ameloblastoma sólido e ameloblastoma desmoplásico são designados de lesões híbridas. Porém, áreas focais de ameloblastoma desmoplásico podem ser identificadas com relativa frequência em ameloblastomas sólidos.3

A variante multicística é a mais comum, compreendendo 86% dos ameloblastomas, com maior tendência de agressividade e maior taxa de recorrência. Quanto à localização, 80% dos ameloblastomas são encontrados na região posterior da mandíbula e estão frequentemente associados com dentes inclusos. No presente artigo, a lesão encontrava-se na região posterior de mandíbula; porém, não havia associação com dente incluso, o que nos levou a pensar em outra hipótese diagnóstica, como cisto residual. Os 20% restantes acometem com mais frequência a região da tuberosidade maxilar.8,9 Os ameloblastomas unicísticos acometem com maior frequência pacientes jovens quando comparados com os outros tipos.10

Os ameloblastomas normalmente apresentam padrão radiográfico de lesões multicísticas radiolúcidas, com limites bem definidos de forma semelhante a "favos de mel" ou "bolhas de sabão". Características que diferem do caso relatado, já que se observa radiograficamente uma lesão radiolúcida unilocular, tornando a suspeita diagnóstica de ameloblastoma menos provável. Em menor número, apresentam-se como lesões unicísticas radiolúcidas uniloculares, que, em geral, circundam a coroa de um dente incluso, podendo ser confundidos com cistos dentígeros.8,9,10 A reabsorção dentária é um fator característico que diferencia o ameloblastoma de lesões císticas simples.10 Apesar de mostrar ser uma lesão radiolúcida unilocular, não havia dente incluso associado ou reabsorção radicular de dentes adjacentes no presente caso, o que torna a suspeita diagnóstica de cisto residual ainda mais plausível.

Quanto ao comportamento clínico, trata-se de um tumor de crescimento lento, normalmente assintomático, podendo provocar deslocamento, mobilidade e reabsorção dentária, assim como parestesia. Possuem potencial de expansão de corticais e ou erosão das mesmas com invasão de tecidos moles.10 Apesar do comportamento clínico já sedimentado na literatura, no presente caso, não foi observado deslocamento, mobilidade ou reabsorção dentária. O paciente queixava-se de dores esporádicas na região do dente 36, diferindo da característica assintomática que normalmente se observa nos casos de ameloblastoma. Além disso, o paciente não relatou qualquer alteração nervosa no território inervado pelo nervo alveolar inferior esquerdo.

O tratamento do ameloblastoma coloca o cirurgião Bucomaxilofacial em um dilema quanto à escolha da melhor opção cirúrgica. Acreditavase anteriormente que, por se tratar de um tumor benigno, a melhor forma de tratamento seria a enucleação seguida de curetagem e posterior ressecção de uma área menor do que a lesão inicial, caso houvesse recidiva. Entretanto, apesar de ser considerado um tumor benigno, o ameloblastoma apresenta comportamento agressivo, podendo haver recorrência local, transformação maligna e até mesmo metástase à distância. A literatura mostra que o melhor prognóstico para este tipo de lesão está associado à escolha de um tratamento mais radical, sendo a ressecção com ampla margem de segurança a melhor forma de tratamento para o ameloblastoma.5,10 Baseado nas características clínicas e radiográficas, incomuns quando comparadas às descritas pela literatura, o paciente foi tratado através da enucleção e curetagem, já que a hipótese de lesão cística mostrava-se pertinente.

Se os exames radiográficos forem levados em consideração para avaliar a taxa de crescimento e comportamento biológico deste tumor, o tipo multilocular apresenta pior prognóstico. Além disso, o tamanho, a presença de bordas escleróticas e limites bem definidos podem tornar o prognóstico mais satisfatório.8 A opção pela enucleação e curetagem, no caso relatado, também levou em consideração o aspecto radiológico, em que se pode notar lesão unilocular, com bordas escleróticas e limites bem definidos.

Baseado nas características clinicas e radiográficas apresentadas, a principal suspeita diagnóstica para o caso clínico em questão foi de lesão cística. Portanto, o tratamento cirúrgico conservador (enucleação e curetagem) foi considerado adequado e, apesar de menos mutilador, necessita de um acompanhamento pós-operatório adequado e mais prolongado, devido a maior possibilidade de haver recidiva da lesão.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar das características clínicas e radiográficas dos ameloblastomas já estarem bem documentadas na literatura, devemos lembrar que se tratam de tumores benignos com padrões histológicos e radiográficos variados. Por isso, apresentam muitos diagnósticos diferenciais e não devem ser excluídos das suspeitas diagnósticas, mesmo que, inicialmente, tais características não sejam compatíveis com ameloblastoma. O tratamento adequado do ameloblastoma continua controverso na literatura, sendo a ressecção marginal a forma mais comum de tratamento, com menor taxa de recidiva.

 

REFERÊNCIAS

1. França LJL, OA, Paiva DL, Vianna DM, Dedivitis RA, Rapoport A. Ameloblastoma demographic, clinical and treatment study - analysis of 40 cases. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(3):38-41.

2. Bisinelli JC,Ioshii S,Retamoso LB,Moyses ST, Moyses SJ,Tanaka OM. Conservative treatment of unicysticameloblastoma. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics. 2010;137(3):396-400.

3. Fulco GM ,Nonaka CFW , Souza LB, Miguel MCC, Pinto LP. Ameloblastomassólidos: Estudo retrospectivo clínico e histopatológico em 54 casos. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(2):172-7.

4. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral e Maxilofacial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

5. Montoro JRMC, Tavares MG, Melo DH, Franco RL, Mello-Filho FV, Xavier SP et al. Ameloblastoma mandibular tratado por ressecção óssea e reconstrução imediata. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(1):155-7.

6. Kim JD, Jang HS, Seo YS, Kim JS. A repeatedly recurrent desmoplasticameloblastoma after removal and allobone graft: Radiographic features compared with histological changes. Imaging Science in Dentistry. 2013;43: 201-7.

7. Z hang J,Gu Z, Jiang L, Zhao J, Tian M, Zhou J et al. Ameloblastoma in children and adolescents. British Journal of Oral and Maxillofacial Surgery. 2010;48:549–54.

8. Martins MD; Junior OAR; Martins MAT, Bussadori SK; Fernandes KPS. Ameloblastoma: revisão de literatura. Con Scientia e Saúde. 2006; 6(2):269-78.

9. Muddana K, Pasupula AP, DoranKula SPR, Thokala MR, Muppalla JNK.Pediatric Odontogenic Tumor of the Jaw – A Case Report. Journal of Clinical and Diagnostic Research. 2014 Feb;8(2):250-2.

10. Pozoja, Espinoza J. Ameloblastoma uniquístico, bases del tratamiento conservador. Presentación de caso clínico y actualización bibliográfica. Rev Esp Cir Oral Maxilofac. 2010;32(2):88-91.

 

 

Endereço para correspondência:
Vinícius Rio Verde Melo Muniz
Rua Rodrigues Dórea, nº 237, apt. 105, edifício. Rembrandt, Jardim Armação
Salvador, BA
CEP: 41750-030

e-mail:
viniciusctbmf@ gmail.com

 

Recebido para publicação: 14/05/2014
Aceito para publicação: 03/07/2014