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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2014

 

 

Extenso cisto dermóide em região submentoniana: Relato de caso

 

Extensive dermoid cyst in the submental region: a case report

 

 

Airton Vieira Leite SegundoI; Bruno Luiz Menezes de SouzaII; Ana Paula Nogueira Duarte FreireIII

I Chefe do Serviço de Cirurgia Buco-maxilo-facial do Hospital Regional do Agreste. Mestre e Doutor em Estomatologia / Universidade Federal da Paraíba.
II Residente de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital Regional do Agreste.
III Acadêmica de Odontologia da Associação Caruaruense de Ensino Superior - ASCES.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O cisto dermóide representa uma má formação cística, de ocorrência incomum na região de cabeça e pescoço, representando apenas 2% do total de casos quando acomete essa região. Além de difícil ocorrência, corresponde a uma lesão atípica por apresentar anexos cutâneos (glândulas sebáceas, glândulas sudoríparas e folículos pilosos) em sua parede cística, mimetizando a pele. Acometem principalmente adultos jovens, durante a segunda e terceira décadas de vida, apresentando-se como lesões de crescimento lento, assintomático, que podem atingir grandes dimensões, causando distúrbios fonéticos, respiratórios, alimentares e estéticos de caráter importante. O tratamento consiste na enucleação cirúrgica da lesão, sendo a recidiva incomum. O presente artigo relata o caso de uma paciente de 24 anos, portadora de um extenso cisto dermóide em região submentoniana, discutindo os achados clínicos e imaginológicos, bem como o tratamento da lesão.

Descritores: Cisto dermóide, patologia bucal, cirurgia bucal.


ABSTRACT

The dermoid cyst is an uncommon entity in the head and neck region, accounting for only 2% of the total cases when it affects this region. It is an atypical lesion that presents with skin appendages (sebaceous glands, sweat glands and hair follicles) on its walls, mimicking skin. It occurs mainly in young adults, during the second or third decades of life, presenting as a slow-growing and asymptomatic lesion, which can attain a large size and cause major phonetic, respiratory, nutritional or aesthetic disturbances. Treatment consists of the surgical enucleation of the lesion, and recurrence is unusual. This article reports the case of a 24-yearold patient with an extensive dermoid cyst in the submental region and discusses the clinical and imaging findings, as well as the treatment of the lesion.

Descriptors: Dermoid cyst, oral pathology, oral surgery.


 

 

INTRODUÇÃO

Cistos dermóides (CD) são patologias benignas originárias da proliferação aberrante de tecidos primordiais durante a embriogênese. São lesões relativamente incomuns na região de cabeça e pescoço, correspondendo a apenas 2% de todos os CD e a 34% de todos os cistos de desenvolvimento da cabeça e do pescoço. Quando acometem tal região, são geralmente encontrados na região de supercílios. Outro local de frequente ocorrência dessa patologia corresponde à região submentoniana, o qual pode se desenvolver abaixo do músculo milohióide, causando tumefação em região cervical; ou acima do mesmo músculo, causando aumento de volume no assoalho bucal, com deslocamento súpero-posterior da língua e possíveis transtornos fonéticos, alimentares e respiratórios. Outras possíveis localizações relatadas na literatura incluem o dorso nasal e língua1,2.

São mais frequentes em adultos jovens, entre a segunda e terceira décadas de vida, com leve predileção pelo gênero masculino. As lesões congênitas ou com surgimento em crianças são incomuns2. Quando acometem a região de cavidade bucal, representam uma tumefação flutuante de crescimento lento, sem alteração da coloração dos tecidos adjacentes, de consistência mole ou borrachóide à palpação, assintomático, de tamanho que pode variar de poucos milímetros a até 12 centímetros de diâmetro3,4,5.

O tratamento do cisto dermóide consiste na cirurgia para enucleação total da lesão, sendo utilizados os acessos intra e/ou extrabucal, de acordo com a localização. Os relatos de recidiva ou transformação maligna são raros1,2,3,4,5.

O presente estudo objetiva relatar o caso de uma paciente de 24 anos, portadora de um extenso cisto dermóide em região submentoniana, discutindo seus achados clínicos e imaginológicos, bem como as opções de tratamento para a lesão.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 24 anos, procurou o Serviço de Cirurgia Buco-maxilo-facial do Hospital Regional do Agreste com queixa de aumento de volume em região submentoniana, com evolução de aproximadamente 3 anos. Ao exame físico, foi observada uma extensa lesão envolvendo a região submentual e assoalho bucal, sem alteração da coloração da pele ou mucosa, consistência mole, indolor, que, devido ao seu tamanho, causava transtornos alimentares alimentares, fonéticos e estéticos a paciente (Figura 1). Foi solicitada uma tomografia computadorizada com janela para tecidos moles que revelou lesão cística extensa, envolvendo a região sublingual e submentoniana (Figura 2). A punção aspirativa teve como resultado um material semilíquido esbranquiçado. As hipóteses diagnósticas foram de mucocele de assoalho bucal (rânula), cisto tireoglosso e cisto dermóide. A paciente foi submetida a cirurgia sob anestesia geral, que constou da enucleação da lesão (Figura 3). O exame histopatológico confirmou a hipótese diagnóstica de CD. Na avaliação pós-operatória, 14 dias após a cirurgia, a paciente encontrava-se em fase de reparação tecidual adequada, com resultados satisfatórios (Figura 4). Após 14 meses de acompanhamento, não foram observados sinais clínicos de recidiva da lesão ou sequelas associadas ao tratamento cirúrgico da mesma.

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A ocorrência do cisto dermóide na região de cabeça e pescoço, em especial nos tecidos que envolvem a cavidade bucal, é um fato incomum. Quando ocorre em região mandibular submentoniana, pode estar localizado abaixo do músculo milohiódeo, o que resulta clinicamente em tumefação local, ou acima do músculo, causando um aumento de volume no assoalho de boca, com alterações na fala, deglutição e respiração5,6,7. No presente caso, com base nos achados imaginológicos, a lesão apresentava topografia abaixo do músculo milohiódeo, confirmada pela extensa tumefação submentoniana observada clinicamente. As queixas quanto aos distúrbios alimentares e fonéticos estavam relacionadas com o deslocamento súperoposterior da língua devido a grande extensão do cisto.

Com base nas características clínicas da lesão, os possíveis diagnósticos diferenciais seriam: mucocele tireoglosso, bloqueio uni ou bilateral dos ductos de Wharton, teratoma, cisto teratóide, cisto dermóide, cisto da fenda branquial, infecção, neoplasia de glândula salivar menor, lipoma e linfangioma3,6,8,9. Haja vista a evolução, sintomatologia, achados imaginológicos e o resultado da punção aspirativa, no pré-operatório já existia forte suspeita de se tratar de um cisto dermóide, diagnóstico confirmado após exame anatomopatológico.

A literatura cita diversos exames de imagem que auxiliam no diagnóstico dessas lesões. Como se tratam de alterações dos tecidos moles, as radiografias convencionais não oferecem dados relevantes. A ultrassonografia representa uma possibilidade viável, com vantagens como custo reduzido e ausência de exposição do paciente à radiação; porém, a qualidade das imagens geradas não permite correta definição da lesão e de seus limites anatômicos. Assim, os cortes tridimensionais em tomografias computadorizadas e/ou ressonâncias magnéticas surgem como primeira escolha. Esses últimos permitem definição detalhada da relação entre a posição da lesão e dos músculos geniohióide e milohióide, permitindo ao cirurgião determinar a abordagem cirúrgica mais apropriada para o caso4,9,10. No caso apresentado, a tomografia foi de extrema utilidade por revelar a localização e extensão da lesão, relação com estruturas adjacentes e proximidade com a pele.

Quanto ao tratamento, há consenso na literatura de que a enucleação cirúrgica representa a melhor forma de tratar o cisto dermóide, sem necessidade de abordagens multiladoras. A via de acesso é dependente da localização da lesão, sendo importante, portanto, um diagnóstico bem elaborado. Caso esteja localizado acima do músculo milohióide, o acesso intrabucal é a primeira escolha. Caso seja inferior, o acesso extrabucal é utilizado3,6,9. O conteúdo interno ao cisto, em contato com o tecido fibrovascular sadio adjacente, promove inflamação pós-operatória intensa, devendo- se prezar, portanto, por cuidados adicionais durante dissecção da lesão, objetivando completa remoção, sem ruptura da mesma1. Apesar de raras, transformações malignas de cistos dermóides em carcinoma de células escamosas e carcinoma de células basais são citados na literatura11,12. Nesse caso, apesar da grande extensão da lesão, localização abaixo do músculo milohiódeo e a íntima relação do cisto com a pele determinou o acesso extrabucal como via de abordagem, obtendo-se excelentes resultados estéticos e funcionais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cistos dermóides são patologias incomuns, em especial as de grandes dimensões. Exames de imagem específicos são essenciais para o estabelecimento de um correto diagnóstico e de uma conduta cirúrgica adequada. No caso apresentado, observou-se acometimento extenso de espaço submentoniano, com queixas relacionadas à fonação, deglutição e estética. Além disso, risco aumentado de infecção local secundária e possível transformação maligna tornam a completa remoção cirúrgica dessas lesões uma conduta bem indicada. No caso apresentado, não foram observadas sequelas pósoperatórias ou evidências de recidiva durante o período de proservação citado anteriormente.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Airton Vieira Leite Segundo
Av. Agamenon Magalhães, 444

Empresarial Difusora - Sala 530
Maurício de Nassau - Caruaru/PE
55.012-290 Brazil
e-mail:
airtonsegundo@hotmail.com

 

Recebido para publicação: 07/07/2014
Aceito para publicação: 13/08/2014