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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2014

 

 

Tratamento cirúrgico de fratura mandibular bilateral em paciente pediátrico

 

Surgical treatment of bilateral mandibular fracture in a pediatric patient

 

 

Lívia Bonjardim LimaI; Dimas dos Santos CostaI; Jonas Dantas BatistaII; Lair Mambrini FurtadoIII; Marcelo Caetano Parreira da SilvaIII; Cláudia Jordão SilvaIV

I Residente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – Universidade Federal de Uberlândia.
II Doutorado em Odontologia (Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo Facial)- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Brasil.
III Mestrado em Odontologia com área de concentração em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – Universidade Federal de Uberlândia.
IV Doutorado Em Clínicas Odontológicas Área CTBMF pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Fraturas mandibulares na infância são raras e seu tratamento permanece controverso. Fatores como dentição decídua, mista ou permanente e estágio de desenvolvimento ósseo devem ser considerados para escolha do tratamento, que varia desde restrição de dieta, fixação intermaxilar, odontossíntese e até fixação interna com dispositivos de titânio ou reabsorvíveis. Esse relato descreve o tratamento cirúrgico, realizado por acesso intrabucal, de fratura bilateral de mandíbula, em uma paciente de 9 anos de idade. As fraturas foram fixadas com uma miniplaca de titânio na base mandibular e odontossíntese; e, após um ano, as placas foram removidas. A paciente apresenta boa oclusão dentária e nenhum prejuízo funcional ou estético.

Descritores: Fraturas mandibulares, dentição, oclusão dentária.


ABSTRACT

During childhood, mandibular fractures are rare, and their treatment remains controversial. Factors such as primary, mixed or permanent dentition and stage of bone development should be considered when deciding on the choice of the treatment, which ranges from diet restriction, intermaxillary fixation and circumdental wiring to internal fixation with titanium or resorbable devices. This case report describes the surgical treatment, using the intraoral approach, of a bilateral mandibular fracture, in a nine-year-old patient. The fractures were fixed with a titanium miniplate on the mandibular base and circumdental wiring, the plate being removed after one year. The patient shows a good dental occlusion and no aesthetic or functional injury.

Descriptors: Mandibular fractures, dentition, dental occlusion.


 

 

INTRODUÇÃO

As fraturas dos ossos faciais em crianças são relativamente raras, e apresentam diferenças quando comparadas às fraturas faciais em adultos. Isso ocorre porque, nas crianças, os ossos apresentam maior elasticidade, pequena pneumatização dos seios da face, maior espessura do tecido adiposo circundante, além da boa estabilidade da maxila e mandíbula pela presença dos dentes não erupcionados. Essas características fazem com que seja necessária grande quantidade de energia para provocar uma fratura nos ossos em desenvolvimento1.

O tratamento das fraturas faciais em pacientes pediátricos ainda é controverso, porém é consenso na literatura que as alterações no crescimento devem ser prevenidas, buscando um tratamento mais conservador sempre que indicado. Atualmente, técnicas cirúrgicas mais precisas e primárias, associadas a uma fixação estável das fraturas faciais já têm sido aplicadas com sucesso. Quando a cirurgia é necessária, o procedimento deve ser menos invasivo, utilizando dispositivos de fixação mais delicados. Além disso, considerando que a remodelação óssea é rápida na criança, qualquer intervenção deve ser realizada o mais precocemente possível2,3. Nesse relato, será descrita a abordagem cirúrgica para tratamento de fratura bilateral de mandíbula, significativamente deslocada, em paciente de 9 anos de idade.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero feminino, 9 anos de idade, vítima de atropelamento na cidade de origem, foi encaminhada ao Prontosocorro do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, sendo avaliada pela equipe de CTBMF. Ao exame clínico, foi observada equimose em região mandibular bilateral, laceração em região mandibular esquerda, assimetria facial, má oclusão e mobilidade de cotos ósseos (Fig. 1). A análise da tomografia computadorizada e exames radiográficos confirmou fratura deslocada de corpo mandibular esquerdo e evidenciou fratura de parassínfise direita (Fig. 2). Foi ainda observado a agenesia do dente 34. Não houve perda de consciência no local do acidente. Também foram observadas escoriações ao longo do corpo bem como fratura de membros superior esquerdo e inferior esquerdo.

Como tratamento, foi realizado, em caráter de urgência, acesso intrabucal às fraturas sob anestesia geral. Inicialmente, as fraturas foram reduzidas e estabilizadas por meio de odontossíntese com fio de aço. A oclusão foi estabilizada manualmente e, em seguida, foram instaladas 2 miniplacas de titânio na borda inferior da mandíbula, sendo uma de 5 furos com 5 parafusos monocorticais na região do corpo mandibular esquerdo e a outra de 4 furos com 4 parafusos monocorticais na região de parassínfise direita, evitando lesão aos germes dentários (Fig. 3). A sutura foi realizada com fios reabsorvíveis de polyglactin 910.

 

 

 

 

 

 

 

Após receber alta hospitalar, a paciente permaneceu sob acompanhamento ambulatorial mantendo boa cicatrização e oclusão satisfatória. Foi mantida orientação de dieta pastosa, higiene oral com clorexidina 0,12% e repouso físico por um período de 30 dias e as odontossínteses foram removidas 30 dias após procedimento cirúrgico. As radiografias pós-operatórias evidenciaram fixação satisfatória (Fig. 4) e após 1 ano as placas foram removidas por meio de acesso intrabucal. Em um acompanhamento de 14 meses, a paciente permanece com oclusão estável, estética facial mantida e boa movimentação mandibular (Fig. 5).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

As fraturas faciais em crianças variam das encontradas em adultos devido a diferenças anatômicas e fisiológicas existentes, bem como fatores sociais como supervisão dos pais e tipo de atividades realizadas em cada faixa etária. Além disso, a diferença proporcional de tamanho entre o crânio e a face faz com que sejam mais comuns fraturas cranianas do que fraturas faciais no trauma pediátrico4. Porém, com o crescimento da face, fraturas faciais tornam-se mais comuns, sendo as fraturas nasais e as mandibulares as mais incidentes5. Fatores estruturais como a quantidade de gordura facial, presença de dentes não erupcionados e desenvolvimento incipiente dos seios da face contribuem para uma maior necessidade de energia capaz de gerar fraturas faciais em crianças. Sendo assim, os acidentes automobilísticos são a principal causa de fraturas faciais em pacientes pediátricos1.

O tratamento das fraturas faciais ocorridas na infância visa manter a função e a estética do paciente, prevenindo assimetrias e evitando alterações no crescimento ósseo. Fraturas sem deslocamento ou má-oclusão são mais bem tratadas com observação, restrição de dieta, repouso e analgesia1; entretanto, fraturas significativamente deslocadas ou cominutas podem causar dano funcional, deformidade estética ou ambos. Portanto têm indicação de intervenção cirúrgica6, como no presente caso clínico. Múltiplas fraturas mandibulares produzem um padrão de injúria mais instável que fraturas isoladas7. Assim também há indicação de redução cruenta e fixação interna.

O padrão de fixação das fraturas em face ocorridas em pacientes pediátricos permanece controverso, visto que fatores diversos devem ser considerados ao definir o tratamento. Dentre esses fatores, a idade do paciente, estágio de desenvolvimento ósseo, dentição decídua, mista ou permanente e grau de deslocamento da fratura. Quando a fixação é necessária, os dispositivos semirrígidos de titânio são os mais comumente utilizados, juntamente com os recentemente desenvolvidos sistemas de placas reabsorvíveis8.

Para as fraturas que ocorrem em regiões dentadas como no presente relato, a utilização de técnicas de redução aberta com fixação com placas de titânio na borda inferior da mandíbula, combinadas com redução e estabilização na dentição por odontossíntese, mostram-se eficazes, promovendo uma união óssea confiável da fratura. A instalação de placas na zona de tensão não é recomendada em pacientes com dentição mista, diferentemente da abordagem cirúrgica nos adultos, em que a conduta cirúrgica requer a colocação de duas placas, sendo uma na borda inferior da mandíbula e a outra na zona de tensão. Além disso, é recomendado que as placas não atravessem as linhas de sutura ou a linha média da mandíbula9; e os folículos dentários em desenvolvimento devem ser protegidos com o uso de parafusos monocorticais7.

Ainda assim, há desvantagens da fixação interna rígida em pacientes pediátricos: dispositivo de fixação palpável, dano aos germes dentários e dentes em erupção e risco de translocação dos dispositivos10. Além disso, os materiais não absorvíveis devem ser removidos assim que decorrido o tempo necessário para a consolidação total da fratura, visando a não interferência durante os estágios de desenvolvimento dos ossos da face7.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso de mini-placas de titânio não-absorvíveis tem obtido um alto índice de sucesso, quando a indicação e a técnica são bem designadas. O uso de placas absorvíveis tem sido discutido e suas vantagens e desvantagens podem ser consideradas durante a escolha da proposta de tratamento. Ainda assim, os sistemas de titânio permanecem como o padrão para fixação das fraturas, mesmo em pacientes pediátricos.

 

REFERÊNCIAS

1. Siy RW, Brown RH, Koshy JC, Stal S, Hollier LH. General Management Considerations in Pediatric Facial Fractures. Jour Of Cran Surg. 2011; 22(4):1190-95.         [ Links ]

2. Haug RH, Foss J. Maxillofacial injuries in the pediatric patient. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Radiol Endod. 2000; 90(2):126-34

3. Ferreira PC, Amarante JM, Silva PN, Rodrigues JM, Choupina MP, Silva AC et al. Retrospective study of 1251 maxillofaci

4. Gussack GS, Luterman A, Powell RW, Rodgers K, Ramenofsky ML. Pediatric maxillofacial trauma: unique features in diagnosis and treatment. Laryngosc. 1987; 97(8):925-30

5. Chapman VM, Fenton LZ, Gao DX, Strain JD. Facial fractures in children: unique patterns of injury observed by computed tomography. J Comput Assist Tomogr. 2009; 33(1):70-72.

6. Triana RJ, Shockley WW. Pediatric zygomaticoorbital complex fractures: the use of resorbable plating systems - a case report. J Craniomaxillofac Trauma. 1998; 4(4):32-36.

7. Smith DM, Bykowski MR, Cray JJ, Naran S, Rottgers SA, Shakir S, et al. 215 Mandible Fractures in 120 Children: Demographics, Treatment, Outcomes, and Early Growth Data. Plast Reconst Surg. 2013; 131(6):1348-58.

8. Haug RH, Cunningham LL, Brandt MT. Plates, screws and children: their relationship in craniomaxillofacial trauma. J Long Term Eff Med Implants. 2003; 13(4):271-87.

9. Goth S, Sawatari Y, Peleg M. Management of Pediatric Mandible Fractures. Jour Of Cran Surg. 2012; 23(1):47-56.

10. Maqusi S, Morris DE, Patel PK, Dolezal RF, Cohen MN. Complications of Pediatric Facial Fractures. The Jour Of Cran Surg. 2012; 23(4):1023-27.

 

 

Endereço para correspondência:
Lívia Bonjardim Lima
Universidade Federal de Uberlândia

Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial
Avenida Pará, 1720, bloco 4T, CEP 38405-900
Uberlândia, Minas Gerais. Brasil
e-mail:
liviabonjardim@hotmail.com

 

Recebido para publicação: 30/06/2014
Aceito para publicação: 05/08/2014