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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Ferimento provocado por arma branca impactada em região maxilofacial: Relato de caso

 

Injury caused by spiked stab wound in the maxillofacial region: Case report

 

 

João Nunes Nogueira NetoI; Vinícius Rio Verde Melo MunizII; Leonardo Morais GodoyFigueiredoIII; Fábio Pereira de Freitas FreireIV; André Sampaio SouzaV

 

I Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Hospital Geral do Estado – HGE e Hospital Santo Antônio – HSA/OSID, Salvador, Bahia, Brasil
II Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Hospital Geral do Estado – HGE e Hospital Santo Antônio – HSA/OSID, Salvador, Bahia, Brasil
III Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Hospital Geral do Estado – HGE e Hospital Santo Antônio – HSA/OSID, Salvador, Bahia, Brasil
IV Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Hospital Geral do Estado – HGE e Hospital Santo Antônio – HSA/OSID, Salvador, Bahia, Brasil
V Preceptordo Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacialda Universidade Federal da Bahia - UFBA e Hospital Santo Antônio – HSA/OSID, Salvador, Bahia, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A agressão física é uma das maiores causas de atendimento nas emergências hospitalares. Afetando, principalmente, jovens do gênero masculino, elas resultam em acometimento do complexo maxilofacial, entretanto ferimentos a faca impactada nessa região são incomuns, e o conhecimento acerca de suas peculiaridades é fundamental para o tratamento. Cuidados acerca da manutenção das vias aéreas e da hemodinâmica do paciente bem como os aspectos neurológicos, oftalmológicos e vasculares fazem parte desse tratamento interdisciplinar. Assim, o objetivo deste trabalho foi relatar o tratamento de um paciente do gênero masculino em meia-idade, acometido por ferimento de arma branca, com uma faca impactada em região maxilofacial.

Descritores: Violência; Ferimentos e Lesões; Traumatismos Maxilofaciais


ABSTRACT

Physical agression is a major cause of hospital care in emergencies. Affecting mainly young males, they result in impairment of the maxillofacial complex. However stab wounds impacted this region are uncommon and knowledge of its peculiarities is essential for treatment. Care about the maintenance of airway and hemodynamic parameters as well as neurological, ophthalmological and vascular aspects are part of this interdisciplinary treatment. The objective of this study was to report the treatment of a male patient in middle age, affected by stab wound with a knife impacted in the maxillofacial region.

Descriptors: Violence; Woundsand Injuries; Maxillofacial Trauma


 

INTRODUÇÃO

A violência no Brasil se constitui em um problema de saúde pública devido a questões como longevidade, qualidade de vida e elevados gastos públicos, associados a esse problema, seja na área da segurança ou atenção à saúde1,2. Como resultado da melhora da qualidade e expectativa de vida da população brasileira, as causas externas tornaram-se a terceira causa de óbito na população geral brasileira. Dentre estas, as agressões predominam, sendo as armas de fogo e as armas brancas os instrumentos mais utilizados, respectivamente. Homens jovens são as vítimas mais frequentes desse tipo de agressão1.

Mesmo se tratando de regiões predominantes nos casos de lesões traumáticas, associadas ou não a outras lesões corporais, os ferimentos penetrantes por lâminas de faca são raros nessas regiões, devido a fatores como as tentativas de proteção da face por meio do uso das mãos em autodefesa2,3,4. A falta de protocolos estabelecidos para o manejo de pacientes vítimas desse tipo de agressão em face reflete um atendimento pouco padronizado4.

Normalmente, os materiais penetrantes utilizados em ataques violentos são duros o bastante para penetrar diferentes estruturas anatômicas. A remoção de tais objetos é potencialmente fatal e requer avaliação criteriosa, principalmente no que diz respeito às lesões vasculares3,4. Pacientes com ferimentos por faca em face, sem sinais de lesões vasculares, podem ser salvos com base no exame físico e na análise de exames de imagem4. A abordagem deve ser multidisciplinar, começando com a manutenção das vias aéreas, estabilização hemodinâmica e avaliações neurológica, oftalmológica e vascular, se necessário3.

O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de ferimento por arma branca, pérfuro-cortante (facada), em região maxilofacial, ocorrido em um hospital de Parceria Público Privada, de Salvador após briga doméstica, no ano de 2013.

 

RELATO DE CASO

Paciente V.L.S., 40 anos, gênero masculino, compareceu à emergência do Hospital do Subúrbio (HS), região metropolitana da cidade de Salvador, Bahia, Brasil, com histórico de agressão física por arma branca (faca), impactada em região maxilofacial. O paciente foi prontamente atendido seguindo os padrões protocolados do Advanced Trauma Life Support (ATLS), apresentando-se lúcido e orientado em tempo e espaço, sem episódios de êmese ou síncope pós trauma, portando Escala de Coma de Glasgow 15, permanecendo desperto e hemodinamicamente estável.

Durante a avaliação clínica, pode-se notar a presença da faca impactada em região frontomalar esquerda, com preservação dos demais contornos maxilofaciais. O paciente não apresentou alterações durante as avaliações oftalmológica e neurológica iniciais, sendo posteriormente solicitado o exame de Tomografia Computadorizada (TC).Ao exame de TC, é possível notar a presença da faca alojada em região maxilofacial, provocando fraturas do osso frontal, zigomático, envolvimento das paredes lateral e assoalho de órbita, região lateral de seio maxilar até processo alveolar esquerdo. Entretanto, mesmo com o contato, o osso frontal e as estruturas neurológicas adjacentes permaneceram preservadas, recebendo alta da equipe de Neurologia. Durante a avaliação pela equipe de Cirurgia Vascular, foi descartada a possibilidade de lesão nas estruturas nobres adjacentes pela trajetória da arma branca e sua posição final impactada.

O paciente foi encaminhado ao centro cirúrgico para a remoção da faca impactada. O procedimento foi rápido, e sua remoção se deu por meio do movimento contrário ao mecanismo de trauma. Foi realizada irrigação copiosa com Solução Fisiológica 0,9% após a remoção, não sendo necessárias manobras para controles hemorrágicos e finalizada com suturas por planos. Durante o transoperatório após a remoção da faca, não foi observada oftalmoplegia do globo ocular da órbita afetada. O paciente foi submetido à antibióticoterapia com Cefalotina, pré e pós-operatório, bem como profilaxia antitetânica.

 

 

 

 

 

 

 

O pós-operatório evoluiu sem edemas significantes, deiscências ou alterações oftalmológicas, com alta hospitalar dois dias após o procedimento.

 

DISCUSSÃO

Ferimentos provocados por arma branca impactada em região maxilofacial são raramente reportados na literatura5,6. A terminologia empregada, "Síndrome de Jael", foi utilizada por Harris et al. para definir o ferimento crânio-facial provocado intencionalmente por faca, onde a história bíblica do assassinato de Sisera cometido por Jael (Judas IV:21), é a base para esta definição8.

A maioria dos casos de trauma em região maxilofacial por agressão física estão relacionados a pacientes jovens do gênero masculino2,3,6,8. Estudo realizado por Meer et al., de novembro de 1993 até outubro de 2004, avaliou a quantidade e o perfil desse grupo de lesões relatadas na literatura mundial em que a África do Sul mostrou-se o país com maior número de casos. A região zigomático-temporal foi a mais acometida, seguida das regiões fronto-zigomática e base nasal, igualmente, bem como regiões da maxila e supraorbital. A órbita, acometida isoladamente, foi o sítio menos comum encontrado4.

Após a avaliação inicial do paciente, cuidados deverão ser tomados para a manutenção de vias aéreas, controle hemostático e possível estado de choque. Em situações, como o presente caso, quando a órbita está envolvida, uma acurada avaliação oftalmológica deverá ser realizada concomitante à avaliação neurológica3,6.

Para avaliação complementar, o exame radiográfico pode ser utilizado em duas projeções.Elas são suficientes para a correta localização do corpo estranho impactado. Entretanto, deve-se ficar atento à possibilidade de corpos estranhos adjacentes estarem paralelos ao objeto primeiramente identificado6. Esse posicionamento pode levar à sobreposição na imagem radiográfica e passar despercebido por um avaliador inexperiente3.

Em situações mais complexas, em que o objeto está profundamente penetrado em região maxilofacial, o exame de tomografia computadorizada deve ser solicitado3. Quando existe o acometimento orbital, a imagem por ressonância magnética (IRM) é uma boa opção para a avaliação oftalmológica. Entretanto, em casos nos quais o corpo estanho é metálico, a IRM está contraindicada devido à possibilidade de deslocamento do objeto9, o qual pode levar a lesões secundárias ao trauma inicial, como relatado no presente caso.

A depender da região anatômica afetada e profundidade do material impactado, o paciente deverá ser avaliado pelo Cirurgião Vascular. Sangramento ativo, hematoma crescente e sinais de choque hipovolêmico são indícios de possível lesão vascular associada2. Havendo suspeitas dessas lesões, ou corpo estranho alojado lugares inacessíveis, próximo de grandes vasos, o exame de angiografia deve ser realizado para afastar essas hipóteses5,9.

A remoção do corpo estranho é realizada sob anestesia geral em centro cirúrgico, pois, além de promover um maior conforto para o paciente oferece ao cirurgião um maior segurança ao cirurgião. O meio utilizado para a remoção do corpo estranho, normalmente, é o mesmo trajeto de penetração. Durante o procedimento, deve-se ter cuidado para não danificar estruturas que estejam em íntimo contato ou próximas ao objeto. Após isso, o ferimento deve ser explorado para a procura de sangramentos ocultos ou fragmentos. Após controle da hemostasia, deve ser realizada uma copiosa irrigação com solução salina e posterior sutura por planos6.

Para o procedimento, deve ser realizada profilaxia antitetânica eterapia antibiótica no pré e no pós-operatório6. A maior causa de infecções nesse tipo de lesão está relacionada à presença remanescente de madeira do corpo estranho e fragmentos ósseos. Abscessos podem visualizados de três a cinco semanas com os Staphylococcus Aureus, sendo o microrganismo mais comumente encontrado. A terapia antibiótica de escolha pode ser a associação entre o Metronidazol para combate dos anaeróbios e cefalosporina de última geração9, apenas por curto período pós operatório10.

No presente caso, o paciente, após receber a profilaxia antitetânica, foi tratado somente com o uso de cefalosporina de primeira geraçãono pré e pós-operatório, sem apresentar sinais de infecção.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lesão com essa característica possui aspectos singulares e devem ser avaliados multidisciplinarmente na emergência. Todos os cuidados devem ser tomados para que sejam afastadas as hipóteses de lesões neurológicas, vasculares e oftalmológicas o mais rápido possível. Para isso, o paciente deverá ser avaliado em uma unidade com suporte adequado e equipe com conhecimento a respeito desse tipo de lesão, para que o melhor tratamento seja adotado.

 

REFERÊNCIAS

1. Zandomenighi RC, Mouro DL, Martins EAP. Ferimento por arma branca: Perfil epidemiológico dos atendimentos em um pronto socorro. Rev Rene. 2011 Out/Dez;12(4):669-77.         [ Links ]

2. Silva CJP, Ferreira RC, De Paula LPP, Haddad JPA, Moura ACM, Naves MD, Ferreira e Ferreira E. Traumatismos maxilofaciais como marcadores de violência urbana: Uma análise comparativa entre gêneros. CiencSaude Coletiva. 2014 Jan; 19(1):127-136.

3. Shinohara EH, Heringer L, Carvalho Júnior JP. Impactedknife in themaxillofacialregion: Reportoftwo cases. J Oral MaxillofacSurg. 2001 Out; 59(10):1221-3.

4. Meer M, Siddiqi A, Morkel JA, Janse van Rensburg P, Zafar S. Knifeinflictedpenetrating injuries ofthemaxillofacialregion: a descriptive, record-basedstudy. Injury. 2010 Jan;41(1):77-81.

5. Almeida Júnior P, Santos TS, Kumar PN, Martins Filho PRS, De Carvalho RWF. Ferimento a faca impactada na face (Síndrome de Jael): Relato de caso. RevCirTraumatol Buco-Maxilo-Fac. 2010 Jan/Mar;10(1): 9-14.

6. Dominguete PR, Matos BF, Meyer TN, Oliveira LR. Jaelsyndrome: removalof a knifebladeimpacted in themaxillofacialregionunder local anaesthesia. BMJ Case Rep. 2013 Apr;10;2013.

7. Kamulegeya A, Lakor F, Kabenge K. Oral maxillofacialfracturesseenat a ugandanterthiary hospital: A six-monthprospectivestudy. Clinics. 2009; 64(9)843-8.

8. Harris AM, Wood RE, Nortjé CJ, Grotepass F. Deliberatelyinflicted, penetratinginjuries ofthemaxillofacialregion (Jael´sSyndrome): Reportof four cases. J CraniomaxillofacSurg. 1988 Fev; 16(2):60-3.

9. Mandat TS, Honey CR, Peters DA, Sharma BR. Artisticassault: Anunusualpenetratingheadinjuryreported as a trivial facial trauma. Acta Neurochir (Wien). 2005 Mar; 147(3):331-333.

10. Mottini M, Wolf R, Soong PL, Lieger O, Nakahara K, Schaller B. The role ofpostoperativeantibiotics in facial fractures: comparingtheefficacyof a 1-day versus a prolongedregimen. J Trauma AcuteCareSurg. 2014 Mar;76(3):720-4.

 

 

Endereço para correspondência:
João Nunes Nogueira Neto
Av. Orlando Gomes, Cond. Veredas Piatã, C/ D13,Piatã
Salvador, Bahia, Brasil
CEP 41650010
e-mail: joaonnneto@gmail.com

 

Recebido: 10/11/2014
Aceito: 19/03/2015