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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Aspectos clínicos e tomográficos do linfoma de Burkitt em paciente pediátrico - relato de caso

 

Clinical and tomographic findings of Burkitt's lymphoma in pediatric patients - case report

 

 

Icaro Guilherme Pereira SantosI; Tatiana Fernandes Queiroz DandaII; André Luiz de Sousa TeixeiraIII

 

I Acadêmico do curso de odontologia da Faculdade de Imperatriz, Imperatriz, MA, Brasil
II MsC, Professora do curso de odontologia da Faculdade de Imperatriz nas disciplinas de Diagnóstico por Imagem e Estomatologia, Imperatriz, MA, Brasil
III Mestrando, Professor do curso de odontologia da Faculdade de Imperatriz nas disciplinas de Cirurgia buco-dental e Estomatologia, Imperatriz, MA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O linfoma de Burkitt é caracterizado como um linfoma não-Hodgkin de células B indiferenciadas, com caráter altamente agressivo, sendo atualmente descritas três variantes clínicas, classificadas em endêmica, esporádica e associada à imunodeficiência. Clinicamente demonstra características de malignidade como evolução rápida, destruição das corticais ósseas e mobilidade dentária. O diagnóstico diferencial é realizado com outros linfomas de imunofenótipo B de alto grau. A confirmação do diagnóstico é realizada com exame anatomopatológico e reação de imunohistoquímica. O tratamento de eleição é a quimioterapia. No presente artigo, temos por objetivo relatar um caso de Linfoma de Burkitt em uma criança de 4 anos de idade, explanando seus aspectos clínicos, tomográficos e histopatológicos.

Descritores: Linfoma de Burkitt; Linfoma não Hodgkin; Neoplasias Bucais.


 

ABSTRACT

Burkitt's lymphoma is characterized as being a non-Hodgkin's Lymphoma undifferentiated B cells with highly aggressive character. Currently being described three clinical variants, classified as endemic, sporadic and associated with immunodeficiency. Demonstrates clinically malignant characteristics as rapid evolution, destruction of bone cortical and tooth mobility. The differential diagnosis is made with other B immunophenotype of high grade lymphomas. Confirmation of the diagnosis is made by histopathological study and immunohistochemical reaction. The treatment of choice is chemotherapy. In this paper we aim to report a case of Burkitt's lymphoma in a child of 4 years old, explaining its clinical, tomographic and histopathological.

Descriptors: Burkitt Lymphoma; Lymphoma Non-Hodgkin,;Mouth Neoplasms.


 

INTRODUÇÃO

O linfoma de Burkitt (LB) foi documentado pela primeira vez, em 1958, pelo médico Denis ParsonsBurkitt, que observou múltiplos tumores mandibulares de rápida evolução em crianças africanas1. O LB é caracterizado como um linfoma não-Hodgkin de células B indiferenciadas, de caráter altamente agressivo, acometendo, principalmente, o gênero masculino e com predileção pelos ossos gnáticos2.

São descritos atualmente três subtipos clínicos dessa neoplasia, sendo eles: o linfoma de Burkitt endêmico ou africano, que acomete, principalmente, os ossos gnáticos de crianças do gênero masculino, sendo prevalente na região da África Central e em outras regiões do mundo, como no nordeste do Brasil; o linfoma de Burkitt esporádico ou americano, que tem predileção pela região abdominal e acomete crianças e adultos; e o linfoma de Burkitt associado à imunodeficiência, diagnosticado em pacientes HIV– soro positivo ou que se encontram imunocomprometidos3.

Clinicamente o linfoma de Burkitt, quando do acometimento dos ossos da face, demonstra comumente tumefação na região afetada de rápida evolução2,4, assimetria facial5, seguida de mobilidade dentária, sendo relatado dor2 em alguns casos. Radiograficamente, pode-se notar extensa destruição óssea do sítio envolvido, com margens imprecisas, além da observância da perda da lâmina dura dos elementos dentais envolvidos e a mobilidade destes2,4,5.

O diagnóstico diferencial do LB é realizado com outros linfomas de célula B de alto grau, sendo mais comumente com linfoma difuso de grandes células B. Entretanto o problema na diferenciação é mais direcionado aos adulto que nas crianças, por apresentarem um menor acometimento por LB, e, quando esses apresentam, é caracterizado por uma variante atípica dessa patologia, que possui características semelhantes ao linfoma difuso de grandes células B6.

O diagnóstico de LB é confirmado por meio de exame histopatológico e reação de imuno-histoquímica sendo observado no exame anatomopatológico a proliferação monomórfica de células B de tamanho médio, núcleo redondo e múltiplos nucléolos evidentes, citoplasmabasofílico e escasso, permeado por macrófagos que se encontram em processo de fagocitose, caracterizando o padrão clássico de "céu estrelado" do linfoma de Burkitt2,7. Na reação de imuno-histoquímica, as células demonstram prevalente positividade para CD10 e CD20, e na reação ao Ki-67, observa-se quase 100% das células em processo de replicação2,5,7,8.

Os protocolos quimioterápicos para tratamento do LB encontrados na literatura consistem da associação comum de Ciclofosfamida, Vincristina e Prednisona, combinados a mais alguns outros agentes, como a Doxorrubicina2,5,6,9, Rituximab2 e o Metotrexato6,9,10. Os tratamentos atuais demonstram bons resultados, com considerável número de completa remissão do tumor2,4,5,8,10. O prognóstico atualmente se estima baseado nas regiões acometidas e na instituição do tratamento precoce10.

O objetivo do presente artigo é relatar um caso de Linfoma de Burkitt em uma criança de 4 anos de idade, explanando seus aspectos clínicos etomográficos.

 

RELATO DE CASO

Paciente infantil do gênero masculino, melanoderma, 4 anos de idade, residente na cidade de Imperatriz-MA procurou a clínica de Estomatologia do curso de odontologia da Faculdade de Imperatriz, apresentando como queixa principal um aumento de volume repentino da face do lado direito. Foi relatado na anamnese que o paciente apresentou crescimento anormal na face com evolução a 35 dias, com quadro sintomático intenso, afetando as regiões frontal e infraorbitária direita, que o impossibilitava de dormir.

Ao exame físico extraoral, observou-se severa assimetria facial no lado relatado, decorrente de um crescimento exofítico na altura de corpo maxilar que ocasionava ptose e aplainamento do sulco nasolabial no lado ipsilateral. A pele sobrejacente à lesão encontrava-se com uma área eritematosa difusa. As funções orais estavam comprometidas devido ao aumento volumétrico da maxila. (Figura 1)

Foram solicitados exames de imagem, verificando- se na tomografia computadorizada, presença de lesão hipodensa de forma irregular e limites imprecisos a qual invadia o seio maxilar direito e as células etmoidais adjacentes, região de espaço parotídeo como também erodia o assoalho e a parede medial da cavidade orbitária direita. A presente lesão estendia-se até a região de asa maior do osso esfenoide. (Figura 2 e 3)

 

 

 

 

 

 

 

No intuito de fechar o diagnóstico, o paciente foi encaminhado para o Hospital Municipal de Imperatriz onde foi submetido à biópsia incisional no rebordo alveolar maxilar direito. O material foi enviado para exame anatomopatológico no laboratório de patologia oral da Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic – Campinas – São Paulo. Consistia de dois fragmentos de tecido mole, medindo o maior 20mm x 12mm x 08mm e o menor 18mm x 10mm x 08mm, de formato elíptico, superfície irregular, coloração esbranquiçada e enegrecida de consistência fibrosa.

Os cortes histológicos revelaram fragmentos neoplásicos de origem linfoide, constituídos por um lençol denso de células com padrão monomórfico. As células neoplásicas exibiam tamanho médio, citoplasma escasso, núcleo redondo e nu-cléolos evidentes. Numerosas mitoses estavam presentes. Células histiocíticas com citoplasma claro e abundante, contendo restos celulares, foram observadas dentro do tecido tumoral, caracterizando o aspecto em "céu estrelado", clássico do linfoma de Burkitt.

Na reação de imuno-histoquímica, as células neoplásicas apresentaram positividade para CD-20. Devido a artefato de fixação, o ki-67 só pôde ser avaliado em pequenas áreas, onde foi observada uma alta expressão das células neoplásicas. Sendo assim, o diagnóstico foi consistente para Linfoma não-Hodgkin de alto grau de imunofenótipo B, sugestivo de linfoma de Burkitt devido ao aspecto morfológico.

O paciente foi encaminhado para o serviço oncológico do hospital Aldenora Belo em São Luís – Maranhão, para ciclos de quimioterapia. Não resistindo à patologia, este faleceu 6 meses depois do diagnóstico, em pleno tratamento.

 

DISCUSSÃO

O linfoma de Burkitt(LB) é classificado como um linfoma não-Hodgkin de células B, que se encontra usualmente associado a translocações específicas8,14, promovendo desregulação do gene que codifica MYC, levando a sua superexpressão, que conduz à proliferação neoplásica3,8. Histologicamente o LB é caracterizado por uma proliferação monomórfica de células linfoides de tamanho médio, núcleo redondo, escasso citoplasma basofílico e nucléolos evidentes. Numerosos macrófagos estão presentes, conferindo o padrão clássico de "céu estrelado" do LB7,8. Na literatura, os estudos demonstram positividade para CD10 e CD20 na análise imuno-histoquímica e alto índice de proliferação celular, próximo de 100% em ki-67 2,3,5,7. O caso em questão foi confirmado por exame anatomopatológico e reação de imuno-histoquímica, que demonstrou as características presentes na literatura.

Atualmente são descritos três principaisvariantes clínicas do linfoma de Burkitt: endêmico, esporádico e associado à imunodeficiência. A diferenciação dos subtipos ocorre quanto aos aspectos epidemiológicos e clínicos, pois podem ser semelhantes geneticamente8. O presente caso demonstrou características clínicas e epidemiológicas voltadas para a variante endêmica, em que há predileção por crianças na primeira década de vida, do gênero masculino, acometendo os maxilares3,5, sendo a região Nordeste prevalente nesse subtipo. Contudo, não houve positividade para Epstein-BarrVírus, o que ocorre em cerca de 90% dos casos3, como também a região abdominal não foi acometida, como vem sendo relatado em estudos recentes, no Brasil2,7.

O LB demonstra uma característica agressiva evidenciada nos exames tomográficos. Relatos na literatura observaram extensa destruição óssea na região acometida, com aspectos de malignidade, como: imagem hipodensa difusa com limites imprecisos3,4,5, invasão do seio maxilar10, destruição das corticais ósseas5, reabsorção do osso alveolar e desaparecimento da lâmina dura2,3. Dentre as características clínicas, a assimetria facial demonstra estar intimamente relacionada ao LB, devido à tumefação que o tumor provoca nos tecidos circunjacentes, sendo observado em vários casos2,3,4,5. Mobilidade dentária2,3,4, comprometimento das funções orais5, dor 2,5, proptose3, inchaço2,4,9,10, diplopia9, adenopatia ipsilateral9,10 e ulceração cutânea2 também são relatadas. O caso aqui relatado demonstra aspectos presentes na literatura, como extensa destruição óssea de limites imprecisos, severa assimetria facial, comprometimento das funções orais e região eritematosa na pele sobrejacente, corroborando as características encontradas.

Os protocolos quimioterápicos atualmente utilizados demonstram resultados satisfatórios, com total remissão do tumor, em uma significativa parcela dos pacientes3, como observado em determinados casos2,4,5,8,10. Entretanto, em alguns outros relatos, o tratamento instituído não reflete melhora ou os efeitos colaterais decorrentes deste levam ao óbito9, como ocorrido no caso aqui discutido, em que o paciente não respondeu ao tratamento quimioterápico, falecendo 6 meses após o diagnóstico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caso relatado demonstrou características clínicas, imaginológicas e histopatológicas, como observados na literatura. Ademais, o fato de a patologia ter acometido uma criança na primeira década de vida e do sexo masculino reforça a predileção que esse gênero e faixa etária possuem para o desenvolvimento desta como também a alta agressividade que esse tumor apresenta, observado nos cortes tomográficos, em que este reabsorveu significativo volume ósseo na região acometida em um curto período de tempo.

O protocolo adotado neste caso, desde o diagnóstico ao tratamento, se perfaz o padrão seguido na literatura abordada, na qual se utilizaram do exame anatomopatológico e reação de imuno-histoquímica para conclusão do diagnóstico, e a quimioterapia como terapêutica de escolha, em que significativa parcela dos pacientes obtiveram remissão total do linfoma. Entretanto, as peculiaridades de cada indivíduo bem como a área de acometimento e instituição do tratamento precoce corroboram um bom prognóstico, fato esse constatado no presente caso, em que a região acometida se relacionava com áreas nobres, e a procura por diagnóstico se fez em um estágio avançado da patologia, acarretando no óbito do paciente.

 

REFERÊNCIAS

1. Burkitt D. A sarcoma involving the jaws in African children. Br J Surg1958;46: 218–223.

2. Rebelo-Pontes, Hélder A., et al. "Burkitt's lymphoma of the jaws in the Amazon region of Brazil." Medicina oral, patologia oral y cirugia bucal. 2014;19(1): e32.

3. Neville BW, Damm DD, AlIen CM, et al. PatologiaÓssea. In: Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. eds. Patologia Oral Maxilofacial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,2009; 602-604.

4. FREITAS, Roseana de Almeida; BARROS, Simone Souza Lobão Veras; QUINDERÉ, Lêda Bezerra. Oral Burkitt'slymphoma: case report. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 2008;74(3):458-461.

5. Pereira, Cláudio M., et al. "Burkitt's lymphoma in a young Brazilian boy."Malays J Pathol. 2010;32: 59-64.

6. Ferry JA. Burkitt's lymphoma: clinicopathologic features and differential diagnosis. Oncologist. 2006;11:375-83.

7. Queiroga, Eduardo M., et al. "Burkitt lymphoma in Brazil is characterized by geographically distinct clinicopathologic features." American journalofclinicalpathology. 2008;130(6): 946-956.

8. Jacobson, C., and A. LaCasce. "How I treat Burkitt lymphoma in adults."Blood. 2014; 124(19): 2913-2920.

9. Manne RK, Madu CS, Talla HV. Maxillary sporadic Burkitt's lymphoma associated with neuro-orbital involvement in an Indian male. ContempClinDent2014;5:231-5.

10. Valenzuela-Salas, Borja, Alicia Dean-Ferrer, and Francisco-JesúsAlamillos-Granados. "Burkitt's lymphoma: A child's case presenting in the maxilla. Clinical and radiological aspects." Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2010;15(3): 479-82.

 

Endereço para correspondência:
Icaro Guilherme Pereira Santos
Rua Castelo Branco, 1740, Bacuri-Imperatriz- MA
CEP 65916-090, Brasil
e-mail: icaroguilherme.itz@hotmail.com

 

Recebido: 06/04/2015
Aceito: 13/05/2015