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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Rânula Mergulhante Recidivante: relato de caso

 

Recurrent Plunging Ranula: case report

 

 

Júlio César Silva de OliveiraI; Idelmo Rangel Garcia-JúniorII; Josimar CameloIII; Luís Raimundo Serra RabêloIV; Eider Guimarães BastosV

 

I Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, UNESP
II Professor Adjunto do Depto. Cirurgia e Clínica Integrada, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, UNESP

III Professor do Depto. de Odontologia II, Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão, UFMA
IV Professor Adjunto do Depto. de Odontologia II, Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão, UFMA
V Professor Adjunto do Depto. de Odontologia II, Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão, UFMA

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Rânula é uma patologia não hereditária, indolor, caracterizada por formação de uma bolsa preenchida geralmente por líquido mucinoide, frequentemente resultante de trauma ou obstrução da glândula associada. Geralmente, essas lesões são facilmente identificáveis a partir de um exame clínico minucioso, apesar de existirem outras entidades clínicas com aspectos semelhantes. A variante mergulhante disseca o músculo milohióideo, podendo causar tumefação na região cervical correspondente. Existem várias formas de tratamento, sendo as mais usadas a marsupialização concomitante ou não à excisão cirúrgica da lesão e da glândula salivar envolvida. A proposta deste relato de caso é mostrar ao colega cirurgião-dentista uma visão de plano de tratamento para esse tipo de alteração e as prováveis condutas de acordo com a apresentação e mudanças que, porventura, podem ocorrer, além da importância da proservação e acompanhamentos posteriores a partir de uma experiência do nosso serviço.

Descritores: Rânula mergulhante; Glândula sublingual; Recidiva.


 

ABSTRACT

Ranula is a non-hereditary disease, painless, characterized by forming a generally liquid-filled mucina, often resulting from trauma or obstruction associated gland. Generally, these lesions are easily identifiable from a thorough clinical examination, although there are others clinical entities with similar aspects. The variant plunging mylohioideo dissects the muscle, causing swelling in the neck accordingly. There are several forms of treatment, of which the most used are the marsupialization or without concomitant surgical excision of the lesion and the salivary gland involved. The purpose of this case report is to show the dentist colleague of vision treatment plan for this type of change and the likely behavior according to the presentation and changes that may occur, and the importance of proactive observation and subsequent follow from experience of our service.

Descriptors: plunging ranula; sublingual gland; recurrence


 

INTRODUÇÃO

Rânula é um termo genérico, que representa um pseudocisto retentivo, que se desenvolve no assoalho bucal, proveniente de um extravasamento de mucina após um trauma na glândula sublingual ou obstrução dos seus ductos1,2,3. Geralmente, apresenta-se como um alargamento translúcido, flutuante e em forma de cúpula1. Dependendo da profundidade da lesão, esta pode ser muito semelhante ao saco vocal de um sapo4, daí a denominação de rânula.

Essas lesões podem ser divididas em três tipos: sublingual (desenvolve-se no assoalho bucal), mergulhante (aumento cístico suave na região submandibular ou cervical superior) e sublingualmergulhante (quando a rânula sublingual tem uma extensão cervical através do músculo milohioideo) 1,5.

Uma rânula intraoral é facilmente identificável pela aparência e características clínicas locais. Por outro lado, é mais difícil fazer o diagnóstico pré-operatório quando não há conexão bucal clinicamente evidente. Por isso, podemos usufruir de exames complementares, como a realização de radiografias planas após a injeção de material radiopaco ou solicitar exame de ultrassonografia, que se mostra bastante preciso na demonstração da extensão total da lesão6, sendo o método preferido por alguns profissionais, já que é mais barato em relação a outros exames imaginológicos e não utiliza radiação.

Histopatologicamente, essa entidade consiste em um espaço central cístico, contendo mucina e uma parede composta de tecido conjuntivo, frouxo, pouco vascularizado, geralmente escasso ou com grau mínimo de infiltrado inflamatório crônico1.

Existem vários métodos de tratamento que incluem marsupialização simples, marsupialização com uma gaze contendo iodo, excisão da lesão, excisão da rânula com a glândula sublingual, excisão a laser com vaporização da bolsa e tratamentos mais inovadores, com toxina botulínica tipo A e injeção intralesional de OK-4323,5.

O objetivo deste trabalho é o de relatar um caso de uma recidiva de rânula mergulhante, além de discutir quais modalidades de tratamento disponíveis podem ser empregadas, de acordo com a apresentação clínica e evolução da lesão.

 

RELATO DO CASO

Paciente M.P.G, 47 anos de idade, leuco-derma apresentou-se ao ambulatório do serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Universitário Presidente Dutra – HUUFMA com uma queixa de aumento de volume na região de assoalho bucal direita, com duração de dois meses, indolor, flutuante e edemaciada. O paciente não relatava qualquer problema ou antecedente familiar digno de relevância.

A partir da avaliação clínica e radiográfica, a lesão foi diagnosticada como rânula mergulhante. Optou-se como forma de tratamento a enucleação da entidade patológica somente. A cirurgiasob anestesia geral ocorreu sem complicações,ss e o paciente evoluiu bem, com um acompanhamento clínico de 36 meses, e logo em seguida, recebendo alta completa.

Entretanto, após esse período, o paciente retornou ao nosso ambulatório, com as mesmas queixas e sinais clínicos relatados anteriormente, com evidência da incisão feita na primeira cirurgia (figura 1).

Procedeu-se, dessa vez, a um manejo de tratamento mais agressivo, por se tratar de um caso recidivante. A técnica cirúrgica escolhida foi a enucleação da lesão associada à glândula sublingual (figura 2).

 

 

 

 

 

Sob anestesia geral, por meio de uma incisão intrabucal sublingual, realizou-se a dissecação para a enucleação da lesão e, em seguida, da glândula sublingual envolvida. O acesso cirúrgico foi suturado com fio catgut cromado 3-0, deixando um dreno penrosen 0 (figura 3) para minimizar a criação do espaço morto resultante. A peça cirúrgica colhida foi enviada para o exame histopatológico (figura 4), confirmando o diagnóstico inicial.

Após 7 dias, já havia uma cicatrização quase total da área cirúrgica (figura 5), e o paciente encontrava-se bem, em acompanhamento clínico com consultas de retorno mensais.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Rânula é um termo para mucocele, geralmente unilateral, localizado no assoalho da boca. Uma variante e menos frequentemente reconhecida forma de rânula aparece como um aumento de volume na região que compreende o músculo milo-hioide e o osso hioide, sendo classificado como cervical ou mergulhante7. De acordo com alguns autores1, a herniação da glândula sublingual está envolvida em 42% dos casos, como ocorreu no caso clínico apresentado.

O diagnóstico pode ser feito usando a apresentação clínica, imagens da ultrassonografia, cortes de tomografia computadorizada e ressonância magnética nuclear, além de aspiração com agulha fina para citologia ou análise bioquímica3,4,8. Nesse caso descrito, tanto no exame de punção aspirativa quanto no histopatológico da glândula sublingual, havia presença de células inflamatórias. No caso da biópsia de aspiração por agulha fina, a cor do líquido pode fornecer algumas informações sobre a duração da lesão e o grau de inflamação: líquido claro é visto com o mínimo de inflamação e o histórico relativamente curto, enquanto um líquido âmbar indica uma lesão de moderada a crônica e inflamação grave9.

A rânula mergulhante precisa ser diferenciada do higroma cístico: enquanto o primeiro é geralmente unilocular, o segundo é multilocular. Os cistos de desenvolvimento como cisto do trato tireoglosso estão presentes comumente na linha média e situado acima do osso hioide. Abscessos estão associados com edema e dor6. O dignóstico diferencial pode incluir também cisto dermoide, linfagioma, laringocele, lipoma, linfadenopatia3,10.

O tratamento para a rânula é o cirúrgico, entretanto, não há consenso na literatura sobre qual o método é o mais adequado. Em muitas situações, a lesão desenvolve-se a partir de uma discreta zona da glândula correspondente, talvez por isso uma técnica menos invasiva seja mais prudente (Effat RG). Apesar da maior taxa de recorrência da marsupialização, ainda assim é um método de tratamento cirúrgico muito utilizado, talvez por ser mais conservador e, portanto, diminuir o risco potencial de envolver estruturas anexas ou, até mesmo, com o intuito de tentar preservar a função da glândula sublingual.

Para alguns cirurgiões3,10, a excisão da glândula sublingual é um tratamento razoável e radical para a rânula, no entanto, a marsupialização é uma modificação útil da cirurgia por permitir que a lesão fique acessível. Nesse caso clínico, a opção dos autores pela remoção da glândula sublingual tornou-se plausível a partir do momento em que houve a recidiva, corroborando outros autores4 no sentido de o tratamento inicial ser o mais conservador possível, como a marsupialização bem como um tratamento mais agressivo para aquelas lesões recidivantes.

Em relação a tipos de tratamentos menos comuns, a injeção de toxina botulínica tipo A na lesão promove uma denervação química parassimpática das terminações nervosas secreto motoras responsáveis pela salivação, com segurança e tolerabilidade bem documentadas, sendo um método simples e não-cirúrgico3. E finalmente, o tratamento utilizando OK-432 exerce um efeito esclerosante, provocando imediatamente a infiltração de células inflamatórias para o espaço cístico. Após a injeção de OK-432, há uma produção extensiva de citocinas, incluindo interleucina-6 e fator de necrose tumoral que promovem o aumento da permeabilidade endotelial, resultando na drenagem linfática acelerada e no fluxo linfático efetivo, levando à diminuição do espaço cístico2,5.

De qualquer forma, independentemente do tipo de tratamento escolhido, o que está bem esclarecido é que o manejo da rânula vai depender de vários fatores, mas principalmente do tamanho e posição da lesão9. E no nosso caso clínico, optamos por um tratamento mais agressivo, com a remoção da lesão e da glândula sublingual em virtude de se tratar de uma recidiva.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse caso clínico corrobora o manejo de técnica cirúrgica mais adequada para o tratamento de rânula. Em um primeiro momento, procura-se adotar procedimentos menos traumáticos, mais conservadores. Em caso de falhas ou recidivas, institui-se um modo de tratamento mais agressivo que vise à completa resolução da lesão, minimizando as taxas de recidiva.

 

REFERÊNCIAS

1. Jia, Y; Zhao, Y; Chen, X. Clinical and histopathological review of 229 cases of ranula. J HuazhongUniv Sci Technol. 2011;31(5):717-720.         [ Links ]

2. Kinoshita, M; Kida, W; Nakahara, H. Plunging ranula intruding into the parapharyngeal space treated with OK-432. Am J Otolaryngol. 2011;33(3):345-348.

3. Effat KG. Acute presentation of a plunging ranula causing respiratory distress: case report. J Laryngol Otol. 2012;126: 861-863.

4. Sigismund, PE; Bozzato, A; Schumann, M; Koch, M; Iro, H; Zenk, J.Management of Ra nula: 9 Years' Clinical Experience in Pediatric and Adult Patients. J Oral Maxillofac Surg. 2013; 71:538-544.

5. Yang, Y; Hong, K;Surgical results of the intraoral approach for plunging ranula. Acta Otolaryngol. 2014;134:201–205.

6. Jain, P; Jain, R; Morton, RP; Ahmad, Z. Plunging ranulas: high-resolution ultrasound for diagnosis and surgical management. EurRadiol. 2010;20:1442-1449.

7. Morton, RP; Ahmad, Z; Jain, P. Plunging ranula: Congenital or acquired?Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;142:104-107.

8. Samant, S; Morton, RP; Ahmad, Z. Surgery for plunging ranula: the lesson not yet learned? Eur Arch Otorhinolaryngol. 2011;268:1513-1518.

9. Jain, R; Morton, RP; Ahmad, Z. Diagnostic difficulties of plunging ranula: case series.J Laryngol Otol. 2012; 126:506-510.

10. Li J, Li J. Correct diagnosis for plunging ranula by magnetic resonance imaging. Aust Dent J. 2o14;59:264–267.

 

 

Endereço para correspondência:
Júlio César Silva de Oliveira
Rua José Bonifácio, 1193 – Bloco 5
16015-050 – Araçatuba – SP
e-mail: oliveirajulius@yahoo.com.br

 

Recebido: 25/11/2014
Aceito: 22/04/2015