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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Coronectomia em terceiro molar inferior: relato de casos

 

Coronectomy in lower third molar: case reports

 

 

Eduardo Dias-RibeiroI; Julierme Ferreira RochaII;Ana Paula Simões CorrêaIII; Fan SongIV;Celso Koogi SonodaV; José Wilson NoletoVI

 

I Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araçatuba, São Paulo, Brasil
II Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araçatuba, São Paulo, Brasil. Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, Paraíba, Brazil

III Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araçatuba, São Paulo, Brasil
IV Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais, the Second Affiliated Hospital, Sun Yat-Sen University, Guangzhou, China
V Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araçatuba, São Paulo, Brasil

VI Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, Paraíba, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O princípio da coronectomia ou odontectomia parcial intencional é a remoção da coroa do dente, deixando a raiz in situ. Essa técnica, quando aplicada para a remoção de um terceiro molar ou qualquer dente posterior incluso na mandíbula, tem o intuito de evitar danos ao nervo alveolar inferior. O objetivo do presente estudo foi relatar dois casos clínicos de terceiro molar inferior incluso apresentando suas raízes em íntima relação com o canal mandibular, e, para o tratamento, foi realizada a técnica da odontectomia parcial intencional. Informações sobre o déficit neurosensorial, infecção pós-operatória, tempo do pós-operatório e a taxa de sucesso são enfatizadas no estudo. Conclui-se que a odontectomia parcial intencional é uma técnica previsível e de fácil execução, podendo ser realizada em ambiente ambulatorial. Trata-se de um procedimento alternativo, útil nas extrações de terceiros molares inferiores inclusos que apresentam relação de proximidade com o canal mandibular.

Descritores: Tomografia; Odontectomia; Nervo alveolar inferior; Terceiro molar; Dente impactado.


 

ABSTRACT

The principle of coronectomy or intentional partial odontectomy is the removal of the tooth crown, leaving the root in situ. This technique aims to prevent damage to inferior alveolar nerve while applying to removal a third molar or posterior tooth impacted in mandible. In this study, we report two clinical cases with the impacted lower third molar presented roots in close proximity to the mandibular canal and the treatment was performed by intentional partial odontectomy. Neurosensory deficits, postoperative infection, periods off follow up and surgical outcomes were emphasized in this study. We concluded that the intentional partial odontectomy is a foreseeable technique and easy to perform in an outpatient setting. It is an alternative procedure in the extraction of impacted lower third molar that has a close relationship with mandibular canal.

Key-words: Tomography; Odontectomy; Mandibular nerve; Third molar; Impacted tooth.


 

INTRODUÇÃO

A coronectomia ou odontectomia parcial intencional é a remoção da coroa do dente, deixando a raiz in situ. Essa técnica, quando aplicada para a remoção de um terceiro molar ou qualquer dente posterior incluso na mandíbula, tem o intuito de evitar danos ao nervo alveolar inferior.1-7

Na década de 70, estudos experimentais clínicos, radiográficos e histológicos avaliavam as raízes dentárias submersas no interior dos tecidos moles. Também conhecido como "sepultamento de raiz", foi um achado na época, pois se acreditava que a manutenção dessas raízes nos seus alvéolos preservava a altura do rebordo alveolar e, consequentemente, conseguia-se melhorar a adaptação e estabilidade das próteses convencionais.8-10

Na década de 90, entretanto, a ênfase mudou, e alguns estudos avaliavam a cirurgia para remoção do terceiro molar inferior, a relação de proximidade de suas raízes com o canal mandibular e os fatores de risco para lesão do nervo alveolar inferior.1-7

O objetivo deste estudo foi relatar dois casos clínicos de terceiro molar inferior incluso apresentando suas raízes em íntima relação com o canal mandibular enfatizando dados sobre a avaliação do déficit neurosensorial, infecção pós-operatória e a eficácia da técnica cirúrgica.

 

RELATO DO CASO

Para padronizar o tratamento, todos os casos clínicos relatados foram feitos utilizando-se a mesma técnica cirúrgica, e todos os procedimentos foram realizados por um mesmo cirurgião devidamente preparado.

Todos os pacientes deste estudo procuraram o serviço de Cirurgia Oral do Centro Odontológico de Estudos e Pesquisa (COESP), situado em João Pessoa, Paraíba, Brasil, para a extração dos terceiros molares. Os pacientes participantes da pesquisa foram convidados a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Para tal, foram respeitadas todas as diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos, aprovadas pela Resolução n.º 466 / 2012, do Conselho Nacional de Saúde.

A anamnese e o exame físico foram realizados, não se constatando nenhuma alteração de ordem local ou sistêmica que contraindicasse a realização de procedimento cirúrgico. Ao exame intraoral, foi possível observar que, em todos os casos, os terceiros molares inferiores inclusos apresentavam impactação parcial, e sua coroa estava abaixo da mucosa. Sendo assim, solicitou-se radiografia panorâmica em que foi possível visualizar a presença dos terceiros molares inclusos. Quando havia indicação para remoção, o procedimento era realizado. Porém, nos casos apresentados no estudo haviam terceiros molares inferiores inclusos com suas raízes em íntima relação com o nervo alveolar inferior. Diante disso, solicitou-se tomografia computadorizada, e, nos cortes parasagitais, foi possível verificar a presença do nervo alveolar inferior e a sua relação com as raízes dos terceiros molares inferiores inclusos. Ainda foi possível visualizar a curvatura radicular e íntimo contato com o nervo.

Após o diagnóstico, seguiu-se o tratamento cirúrgico que se baseou nos princípios da técnica da odontectomia parcial intencional. Todos os procedimentos foram feitos sob anestesia local, com bloqueio dos nervos alveolar inferior, lingual e bucal e terminal infiltrativo subperiosteal. Para tal, utilizouse o cloridrato de mepivacaína a 2% com adrenalina 1:100.000 (Nova DFL, São Paulo, Brasil). Um retalho de três pontas (incisão Ward) foi rebatido, a osteotomia pericoronal foi realizada expondo a região de furca com o auxílio da caneta de alta rotação sob irrigação constante, montada com broca nº 6 cirúrgica, multilaminada (JET, São Paulo, Brasil) e a odontosecção, ao nível cervical, foi realizada com broca Zecrya, 28mm, extralonga (Microdont, São Paulo, Brasil). Com o auxílio do extrator Apexo 303 (Quinelato, São Paulo, Brasil), foi executada a remoção da porção coronária. Em seguida, fez-se a regularização do remanescente radicular e sutura por pontos simples com fio de seda 3-0 (Ethicon, São Paulo, Brasil).

Todas as cirurgias foram realizadas sob profilaxia antibiótica. Medicou-se uma hora antes do procedimento com 2g de amoxicilina por via oral e a antibioticoterapia foi mantida no período pósoperatório, sendo administrado 500mg de amoxicilina a cada 8 horas, durante sete dias. O anti-inflamatório prescrito foi o ibuprofeno 600mg a cada 8 horas, por três dias. A medicação analgésica prescrita foi a dipirona sódica 500mg que poderia ser tomada a cada 6 horas, em caso de dor. Os pacientes tiveram consultas pós-operatórias nos períodos de 10 dias, 6 meses, 12 meses e 24 meses.

O primeiro caso se refere a uma paciente de 24 anos de idade, gênero feminino que procurou o serviço de cirurgia oral do Centro Odontológico de Estudos e Pesquisa (COESP), João Pessoa, Paraíba, Brasil, em maio de 2012, para extração dos terceiros molares. Em julho de 2012, foi realizada a odontectomia parcial intencional no elemento dentário 48, e, em acompanhamento pós-operatório de 12 meses, a paciente encontra-se satisfeita e sem queixas quanto à perda da sensibilidade e ou infecção. (Figura 1a-c e Figura 2a-d)

 

 

 

 

 

O segundo caso se refere a de uma paciente de 26 anos de idade, gênero feminino que procurou o serviço de cirurgia oral do Centro Odontológico de Estudos e Pesquisa (COESP), João Pessoa, Paraíba, Brasil, em maio de 2011, para extração dos terceiros molares. Em junho de 2011, foi realizada a odontectomia parcial intencional no elemento dentário 48 (acompanhamento pós-operatório de 24 meses). Em julho de 2012, foi realizada a odontectomia parcial intencional no elemento dentário 38 (acompanhamento pós-operatório de 12 meses). Em ambos os lados, a paciente apresentava-se satisfeita e sem queixas quanto à perda da sensibilidade e ou infecção. (Figura 3a-d)

 

 

 

DISCUSSÃO

Vários são os estudos que avaliaram a taxa de sucesso do procedimento da odontectomia parcial intencional, e esses são enfáticos em afirmar que se trata de uma técnica previsível e aceitável.1-6 De fato, a odontectomia parcial intencional apresenta-se como uma técnica alternativa nas extrações de terceiros molares inferiores inclusos que apresentam relação de proximidade com o canal do nervo alveolar inferior, como relatado nos casos clínicos.

Com relação ao estudo das raízes submersas com e sem tratamento endodôntico, ainda não existe um consenso na literatura, pois estudos relatam bons resultados em raízes com tratamento endodôntico,5,10 enquanto outros discordam8,9. Reames et al.10ressaltam que o sucesso nas raízes com tratamento endodôntico não tem previsibilidade. Nos casos clínicos apresentados, suas raízes não foram tratadas endodonticamente.

Quando avaliou radiografias panorâmicas, O'Riordan1 constatou que, quando existia uma faixa radiolúcida cruzando a raiz (definida como faixa escura sobre a raiz com contínua linha branca do canal), em 76% dos casos foram encontradas injúrias ao nervo alveolar inferior. No presente estudo, não foi constatado nenhum caso de déficit sensitivo temporário ou permanente.

Estudos avaliando a taxa de infecção em raízes remanescentes após odontectomia parcial intencional apontam que essa taxa é baixa.1-4 Quando se comparou o índice de infecção pós-operatória em casos tratados com odontectomia parcial intencional e extração convencional, percerbeu-se que a incidência de alveolite foi similar nos grupos estudados.4 Nos casos clínicos apresentados, nenhuma infecção foi verificada até o presente momento.

Patel et al.7 desenvolveram um estudo avaliando histologicamente 26 raízes em 21 pacientes que foram submetidos à coronectomia e apresentavam sintomatologia dolorosa. Observaram que todas as raízes apresentavam tecido vital na câmara pulpar, e não havia nenhuma evidência de inflamação perirradicular. Sintomatologia dolorosa pós-operatória persistente estava predominantemente relacionada com a inflamação do tecido mole, que foi causada por raízes parcialmente irrompidas ou falha na cicatrização alveolar.

Leizerovitz, Leizerovitz2 relataram um caso clínico utilizando a técnica de coronectomia modificada com enxerto, com o intuito de minimizar os inconvenientes da coronectomia convencional. As modificações propostas pelos autores foram as seguintes: estabilização da raiz para evitar a mobilidade no transoperatório, criação de um espaço intraósseo para inserção do enxerto ósseo, e enxertia para cicatrização periodontal (scaffold)minimizando a possibilidade de migração radicular pós-operatória. No mesmo ano, Leizerovitz, Leizerovitz3 publicaram uma série de casos, utilizando a coronectomia modificada com enxerto. Dezesseis pacientes com um total de 20 raízes foram selecionados e avaliados por um período de 6 a 49 meses. Os casos tratados pela técnica de coronectomia modificada com enxerto demonstraram excelente altura do osso alveolar e melhoria periodontal, com notável regeneração óssea. Nenhuma migração radicular foi verificada no período pós-operatório, e não houve remoção inadvertida de raízes no período transoperatório. Os autores sugerem que a coronectomia modificada com enxerto pode ser considerada uma boa alternativa em relação à coronectomia convencional, especialmente em casos de alto risco para defeitos periodontais existentes na distal dos segundos molares ou nos casos em que a migração radicular não é desejada.

Ghaeminia4 desenvolveu um estudo com ensaios clínicos randomizados e não randomizados nos quais compararam a coronectomia com extrações de terceiros molares, apresentando alto risco de lesão do nervo alveolar inferior. Quatro estudos (dois randomizados e dois não randomizados) foram selecionados, envolvendo 699 pacientes e 940 terceiros molares. Encontraram que, em 2,3% a 38,3% dos casos, a coronectomia foi mudada para a extração do terceiro molar devido à mobilidade da raiz. Em 0% a 4,9% dos casos, foi necessária a reintervenção no grupo da coronectomia devido à dor persistente, exposição da raiz ou infecções apicais persistentes. Migração radicular foi relatada em três estudos e variou de 13,2% para 85,9%. Os autores sugerem que a coronectomia pode proteger o nervo alveolar inferior nas cirurgias dos terceiros molares com alto risco de lesão do nervo, em comparação com a remoção total ainda, verificaram que as taxas de risco de infecções pós-operatórias foram semelhantes entre as duas modalidades cirúrgicas

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos casos clínicos apresentados, pode-se concluir que, em nenhum dos casos relatados, observou-se déficit neurossensorial e infecção pós-operatória. A odontectomia parcial intencional mostrou-se ser uma técnica previsível e eficaz, podendo ser realizada em ambiente ambulatorial.

 

REFERÊNCIAS

1. O'Riordan BC. Coronectomy (intentional partial odontectomy of lower third molars). Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2004; 98(3): 274-280.         [ Links ]

2. Leizerovitz M, Leizerovitz O. Modified and grafted coronectomy: a new technique and a case report with two-year followup. Case Rep Dent. 2013; 2013: 914173.

3. Leizerovitz M, Leizerovitz O. Reduced complications by modified and grafted coronectomy vs. standard coronectomy - a case series. Alpha Omegan. 2013; 106(3-4): 81-89.

4. Ghaeminia H. Coronectomy may be a way of managing impacted third molars. Evid Based Dent. 2013; 14(2): 57-58.

5. Kim YB, Joo WH, Min KS. Coronectomy of a lower third molar in combination with vital pulp therapy. Eur J Dent. 2014; 8(3): 416-418.

6. Biocanin V, Todorović L. Coronectomy of two neighbouring ankylosed mandibular teeth - a case report. Vojnosanit Pregl. 2014; 71(8): 777-779.

7. Patel V, Sproat C, Kwok J et al. Histological evaluation of mandibular third molar roots retrieved after coronectomy. Br J Oral Maxillofac Surg. 2014; 52(5): 415-419.

8. Whitaker DD, Shankle RJ. A study of the histologic reaction of submerged root segments. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1974; 37(6): 919-935.

9. Johnson DL, Kelly JF, Flinton RJ et al. Histologic evaluation of vital root retention. J Oral Surg. 1974; 32(11): 829-833.

10. Reames RL, Nickel JS, Patterson SS et al. Clinical, radiographic, and histological study of endodontically treated retained roots to preserve alveolar bone. J Endod. 1975; 1(11): 367-373.

 

Endereço para correspondência:
Eduardo Dias-Ribeiro, DDS, MSc
Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-faciais
Faculdade de Odontologia de Araçatuba
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Rua José Bonifácio, 1193
16015-050, Araçatuba, São Paulo, Brasil
e-mail: eduardodonto@yahoo.com.br

 

Recebido: 06/02/2015
Aceito: 13/04/2015