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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Remoção de dente deslocado para o espaço bucal

 

Removal of a tooth displaced into the buccal space

 

 

Gustavo Almeida SouzaI; Renato da Costa RibeiroII; Nilton ProvenzanoIII; Paulo Henrique Luiz de FreitasIV

 

I Especialista em CTBMF pelo Hospital Municipal "Dr. Mário Gatti". Aluno da pós-graduação da FOP – UNICAMP
II Especialista em CTBMF pelo Hospital Municipal "Dr. Mário Gatti". Aluno da pós-graduação da FOP – UNICAMP
III Preceptor da residência em CTBMF do Hospital Municipal "Dr. Mário Gatti"
IV Especialista em CTBMF pelo Hospital Municipal "Dr. Mário Gatti". Professor de Cirurgia Bucomaxilofacial na Universidade Federal de Sergipe

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO
A remoção cirúrgica de terceiros molares impactados é um procedimento cirúrgico comum, que pode ser realizado tanto por dentistas generalistas como por cirurgiões buco-maxilo-faciais. O deslocamento dental para espaços fasciais contíguos, entretanto, é um acidente relativamente raro, associado a exames clínico-radiográficos inadequados, à falta de conhecimentos da anatomia local, a acessos cirúrgicos inadequados, à visibilidade limitada e a movimentos cirúrgicos excessivos ou descontrolados.Embora a remoção de um dente deslocado seja normalmente realizada tardiamente, e, após estudos clínico-radiográficos minuciosos, resgates imediatos também são uma possibilidade. O objetivo deste trabalho é descrever o manejo de um terceiro molar superior deslocado acidentalmente para o espaço bucal após tentativa de exodontia.

Palavras-chave: Terceiro molar; Cirurgia bucal; Fáscia.


 

ABSTRACT
The removal of impacted third molars is a common surgical procedure that may be performed by general dentists and oral and maxillofacial surgeons alike. Tooth displacement into contiguous fascial spaces, however, is a rather uncommon surgical mishap that is associated with inadequate clinical and radiographic examination, lack of sound anatomical knowledge, inadequate surgical access, limited visibility and excessive or uncontrolled surgical movements. While the removal of a displaced tooth is normally performed after thorough clinical and radiographic assessments in a mediate fashion, immediate surgical rescue is also a possibility. The aim of this paper is to describe the management of an upper third molar accidentally displaced into the buccal space after an attempt to extract.

Keywords: Third molar; Oral surgery; Fascia.


 

INTRODUÇÃO

A remoção cirúrgica de terceiros molares impactados é um procedimento cirúrgico comum realizado tanto por dentistas generalistas como por cirurgiões buco-maxilo-faciais1. Dentre as complicações associadas às exodontias dos terceiros molares, as mais citadas são: disestesia, osteíte alveolar, infecção, hemorragia, fratura da mandíbula e danos aos dentes adjacentes1,2. O deslocamento acidental de raízes fraturadas ou de dentes para os espaços submandibular, pterigomandibular e sublingual é uma complicação menos comum e raramente relatada1,3. O deslocamento dental para espaços fasciais contiguos está comumente associado a exames clínico-radiográficos inadequados, à falta de conhecimentos da anatomia local, a acessos cirúrgicos inadequados, à visibilidade limitada, a movimentos cirúrgicos excessivos ou descontrolados e a inexperiência do profi ssional3,4.

O espaço bucal é um espaço fascial profundo, próximo ao rebordo alveolar maxilar. Seus limites são defi nidos pelos músculos bucinador, masseter, zigomáticos maiores e menores, pela camada superfi cial da fáscia cervical profunda, pelos músculos pterigoideos medial e lateral e pela mandíbula5.

Este trabalho descreve o manejo de um terceiro molar superior, acidentalmente deslocado para o espaço bucal após tentativa de exodontia.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero feminino, leucoderma, de 24 anos de idade, foi encaminhada ao ambulatório de Cirurgia e Traumatologia do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, Campinas - SP, relatando uma tentativa frustrada de remoção do terceiro molar superior esquerdo duas semanas antes do atendimento em nosso serviço. A paciente relatou que o procedimento foi longo e que, em dado momento, o dentista informou que o dente tinha "desaparecido". Encontrava-se em bom estado geral e assintomática. Ao exame clínico local, notava-se boa abertura bucal e bom aspecto cicatricial da região operada, sem eritema ou exsudato de qualquer natureza. À palpação, observou-se área endurecida, indolor, coberta por mucosa de coloração normal na região de fundo de sulco adjacente ao rebordo maxilar esquerdo, sugerindo a presença do dente"desaparecido" em um espaço fascial contíguo. A radiografi a panorâmica prévia à tentativa de exodontia evidenciava um terceiro molar com raízes pouco desenvolvidas, com nível de inclusão considerável, próximo às raízes do segundo molar adjacente e relativamente próximo ao assoalho do seio maxilar (Figura 1A). A radiografi a pós-operatória demonstrava mínimo deslocamento do mesmo elemento dental no sentido ventral e caudal (Figura 1B).

Uma vez que as informações obtidas pelos exames clínico e radiográfico foram consideradas sufi cientes para uma segunda intervenção, descartou-se a solicitação de exames tomográfi cos. Sob anestesia local, realizou-se uma incisão na mucosa oral diretamente sobre o aumento de volume endurecido. Por dissecção cega, alcançou-se o dente deslocado para o espaço bucal que foi removido com o auxílio de um fórceps#150. O acesso cirúrgico foi fechado de forma uniplanar com fi o vicryl 4.0 (Figura 2). Como medicação pós-operatória, foram prescritos um AINE e um analgésico. Após sete dias, a paciente retornou sem queixas e com bom aspecto cicatricial (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os acidentes associados às exodontias de terceiros molares superiores parecem ocorrer com frequência moderada. Carvalho et al. (2014)6 demonstraram, em estudo prospectivo, uma incidência de 6,9% de eventos adversos transoperatórios. Tais complicações tiveram relação positiva com o grau de dificuldade da cirurgia. As lacerações do retalho e a fratura da tuberosidade maxilar foram as mais incidentes. Os autores propõem a existência de preditores de difi culdade cirúrgica na remoção de terceiros molares superiores impactados, que podem ser detectados na fase pré-operatória.

Os mesmos autores, em outra publicação (2013)7, sugerem que o íntimo contato do terceiro molar com o segundo molar superior, nível de inclusão acima da junção cemento-esmalte do segundo molar e proximidade do terceiro molar incluso com o seio maxilar, tornam a cirurgia mais difícil. No caso apresentado, observam tais achados na radiografi a panorâmica pré-operatória. A detecção precoce dessas características poderia ter evitado a complicação transoperatoria.

Eventualmente, complicações, como o deslocamento acidental a espaços fasciais contíguos, podem ocorrer1. Os molares superiorespodem ser deslocados para a fossa infratemporal ou para os seios maxilares8. Entretanto, outros potenciais sítios de deslocamento são os espaços DISCUSSÃO - Aspecto cicatricial satisfatório no sétimo dia pós-operatório. Figura 3 pterigomandibular, faríngeo lateral - mais raramente - bucal8,9. No caso relatado, houve deslocamento de um terceiro molar maxilar para a porção superior do espaço bucal. Tendo se descolado o dente anteroinferiormente, facilitando sua remoção cirúrgica. Esse reposicionamento pode ter ocorrido de forma dinâmica no período entre a tentativa de exodontia e a primeira consulta em nosso serviço, como mostrado por Ohba (2014)2 em caso semelhante.

A utilização de extratores de forma incorreta pode provocar fratura da parede vestibular que envolve o terceiro molar superior incluso, já que a camada cortical nessa região é bastante delgada. Uma eventual fratura pode permitir que o dente seja facilmente empurrado para dentro do espaço bucal, "desaparecendo" do campo cirúrgico. Se o volume de osso vestibular e ou distal aos terceiros molares é reduzido, o risco de tal acidente parece aumentar consideravelmente7.

De maneira geral, dentes deslocados para espaços fasciaissão abordados somente após cuidadoso planejamento clínico suportado por imagens detalhadas sem múltiplos planos e requerem incisões intraorais generosas10. Campbell & Costello (2010) 10 recomendam que o referido dente seja observado por aproximadamente 6 semanas, caso não esteja em uma área anatômica crítica, permitindo uma cicatrização inicial que estabilizaria o dente espacialmente e facilitaria sua localização para posterior remoção. No presente caso clínico, não houve necessidade de exames de imagem além da radiografi a panorâmica, e, considerando-se que o dente estava palpável e facilmente acessível por meio de cirurgia conservadora, optou-se por uma intervenção precoce.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acidentes durante exodontias de terceiros molares parecem ocorrer com frequência modera- da6,7,8,9, fato que deve sempre ser comunicado aos pacientes e a seus responsáveis. O profi ssional que se propõe a realizar exodontias cirúrgicas de terceiros molares deve estar adequadamente capacitado não só para realizar o procedimento mas também para determinar se e a quando um terceiro molar impac- tado assintomático precisaser removido. Também é importante que esse profi ssional esteja preparado para evitar acidentes e complicações ou manejá-los adequadamente.

 

REFERÊNCIAS

1. Selvi F, Cakarer S, Keskin C, Ozyuvaci H. Delayed removal of a maxillary third molar accidentally displaced into the infratemporal fossa. J CraniofacSurg 22(4): 1391–1393, 2011.

2. Ohba S, Nakatani Y, Kakehashi H, Asahina I. The migration pathway of an extracted maxillary third molar into the buccal fat pad. Odontology. 2014 Jul;102(2):339-42.

3. Tumuluri V, Punnia-Moorty A: Displacement of a mandibular third molar root fragment into the pterygomandibular space. Austra Dent J 47:68, 2002.

4. Dimitrakopoulos I, Papadaki M. Displacement of a maxillary third molar into the infratemporal fossa: case report. Quintessence Int 2007: 38: 607–610.

5. Tu AS, Geyer CA, Mancall AC, Baker RA. The buccal space: a doorway for percutaneous CT-guided biopsy of the parapharyngeal region. AJNR 1998: 19: 728–731.

6. Carvalho RW, Araújo-Filho RC, Vasconcelos BC. Adverse events during the removal of impacted maxillary third molars. Int J Oral Maxillofac Surg. 2014 Sep;43(9):1142-7.

7. De Carvalho RW, de Araújo Filho RC, do Egito Vasconcelos BC. Assessment of factors associated with surgical difficulty during removal of impacted maxillary third molars. J Oral Maxillofac Surg. 2013 May;71(5):839-45.

8. Bouloux GF, Steed MB, Perciaccante VJ. Complications of third molar surgery. Oral Maxillofac- SurgClin North Am 2007: 19: 117–128.

9. Kocaelli H, Balcioglu HA, Erdem TL. Displacement of a maxillary third molar into the buccal space: anatomical implications apropos of a case. Int J Oral Maxillofac Surg. 2011 Jun;40(6):650-3.

10. Campbell A, Costello BJ. Retrieval of a displaced third molar using navigation and active image guindance. J Oral Maxillofac Surg. 68: 480-485, 2010.

 

Endereço para correspondência:
Rua Madre Cecília, 1560, bloco D
apartamento 81, Bairro Centro
Piracicaba – SP
CEP: 13400-490
e-mail: gustavosouzabmf@gmail.com

 

Recebido: 10/11/2014
Aprovado: 28/04/2015