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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Fratura mandibular atípica por arma branca: relato de caso

 

Atypical mandibular fracture by lethal weapon: a case report

 

 

Erasmo Freitas de Souza JíniorI; Tasiana Guedes de Souza DiasII; Jimmy Charles Melo BarbalhoIII; David MoraesIV; Hécio Henrique Araújo de MoraisV

 

I Graduando em Odontologia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
II Professora do Curso de Odontologia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
III Professor de Cirurgia do Curso de Odontologia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
IV Professor de Cirurgia do Curso de Odontologia da Faculdade Maurício de Nassau, Recife - PE
V Professor de Cirurgia do Curso de Odontologia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO
Lesões em face causadas por armas brancas, são pouco citadas na literatura, na maioria das vezes com relatos de casos. O cirurgião Buco- Maxilo-Facial, entretanto, deve estar apto a lidar com tal ocorrência, haja vista a significância estético-funcional dessa área. Como forma de contribuir com a referida temática, este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir detalhes das técnicas bem como cuidados para prevenir possíveis complicações de um paciente apresentando múltiplos ferimentos corto contusos em região de mento e de traqueia, associados à fratura de sínfise e corpo mandibulares.

Palavras-chave:Técnicas de fixação da mandíbula; Lesões de tecidos moles; Fixação interna das fraturas


 

ABSTRACT
Lesions on the face, caused by bladed weapons are rarely described in the literature, most often with case reports. However, the surgeon Maxillo- Facial must be able to deal with such an occurrence, given the fact the aesthetic and functional significance of this area. As a contribution with that theme, this paper aims to present and discuss the technical details, as well as care to prevent possible complications of a patient with multiple injuries in blunt cut region ment and trachea, associated with fracture of the symphysis and mandibular body.

Key words: Jaw fixation techniques; Soft tissue injuries; Fracture fixation.


 

INTRODUÇÃO

A região facial tem grande importância funcional e estética, apesar de sua pequena área, quando comparada ao restante do corpo. Isso é devido a suas características anátomo-funcionais de cavidade para os órgãos sensitivos (visão, audição, equilíbrio, olfação e gustação)1. Também abriga parte de dois grandes sistemas, o digestório e o respiratório2. Tem inegável significância no que diz respeito à visibilidade da imagem do indivíduo3, pois determina a própria identidade como ser humano4. Dessa forma, constitui-se uma área, que requer atenção especial quando é lesionada, buscando-se o menor número possível de sequelas físicas e psicossociais3,5.

Injúrias nessa região são comumente causadas por acidentes de aviação, trânsito, domésticos, trabalhistas, esportivos, agressão física, ferimentos automutilantes, mordidas de animais, quedas de nível e da própria altura1,4,5.

A violência interpessoal é a quarta causadora de lesões desse tipo5, apresentando uma constância de ocorrência em horários noturnos e nos finais de semana, estando relacionada à ingestão excessiva de bebidas alcoólicas6,7, com uma faixa etária de maior suscetibilidade entre os 15 a 35 anos de idade, sendo o gênero masculino o mais acometido1,5,6.

Nesse cenário, ocorrem os traumas com armas brancas, que trazem sérias complicações, especialmente quando estruturas nobres são lesadas1. As injúrias causadas por armas brancas podem ser: laceração dos tecidos moles; laceração dos tecidos moles associada à fratura de tecido ósseo; ou ainda, laceração dos tecidos moles e fratura de tecido ósseo, com retenção de corpo estranho na região7,8.

No tocante à mandíbula, é alta a frequência de sua fratura no esqueleto facial3,7, o que se torna algo preocupante por se tratar de um osso que mantém relação com estruturas anatômicas importantes, como dentes, glândulas salivares, nervos e vasos sanguíneos, participando da mastigação, fonação, deglutição e oclusão dental7, havendo, também, uma direta ligação com a via aérea e a manutenção desta.

De acordo com o protocolo do Advenced Trauma Life Support (ATLS), deve-se, de imediato estabelecer a manutenção das vias aéreas e o controle da hemorragia, pois o rosto é extremamente vascularizado, e mesmo pequenas lesões podem resultar em hemorragia que possa obliterar a via aérea, ou ainda causar choque hipovolêmico. A avaliação da função neurológica do paciente também deve ser feita no início do tratamento1,5,8.

Em seguida, irrigação copiosa, empregando soro fisiológico, deve ser usada para limpar e analisar, com precisão, a lesão5,7,8, sendo feito o exame secundário (imaginológico) para a avaliação da fratura7, no intuito de verificar extensão e profundidade dos ferimentos e outras possíveis lesões associadas1,5.

O desbridando dos tecidos que estão necrosados ou que estão desvitalizados e poderão necrosar é outro procedimento importante a ser feito, pois estes podem constituir um meio de cultura para bactérias, tendo em vista que o fator infecção deve ser criteriosamente prevenido. A hipotensão gerada por fraturas graves com extensa lesão das partes moles e tempo de exposição maior que seis horas ocasiona uma queda considerável da perfusão sanguínea dos músculos e ossos, com depressão da oxigenação e suprimento escasso de antimicrobianos, mesmo quando empregados em doses apropriadas. Essa redução do aporte agregada à diminuição da fagocitose, inerente dos traumas agudos, cria condições favoráveis para a reprodução bacteriana, aumentando a preocupação devido à possibilidade de infecção óssea (osteomielite), pois o tecido ósseo é pobremente vascularizado, o que dificulta o combate às infecções7.

Dessa forma deve-se lançar mão da antibioticoterapia1,5,7,8, podendo esta ser feita com cefalosporinas de primeira geração, associadas a aminoglicosídeos7. Cujo agente infeccioso mais comum é o Stafilococos aureus7.

No caso do paciente estar imunizado contra o tétano (vacina nos últimos dez anos), apenas a vacina antitetânica deverá ser utilizada, caso contrário a imunoglobulina humana contra o tétano também deverá ser prescrita7.

A conduta na redução e fixação das fraturas ósseas e a sutura de tecidos moles, ou ainda possíveis reconstruções faciais em caso de perda de substância dependerão da particularidade de cada caso, contudo, vale ressaltar que, critérios indicados pela literatura, como a regularização de bordas, sutura por planos anatômicos, o uso de fios finos e material delicado, visando alcançar um melhor resultado estético-funcional dos ferimentos faciais, devem ser sempre buscados8,9.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 38 anos, sexo masculino, vítima de agressão física por arma branca corto-contundente (facão), sem retenção de corpo estranho, chegou ao hospital de trauma, trazido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), apresentando múltiplos ferimentos corto-contusos em região de mento e de traqueia, associados à fratura de sínfise e corpo mandibular (figura 1).

O paciente foi traqueostomizado devido à lesão transfixante da traqueia e submetido a ligadura de vasos e limpeza dos ferimentos. Em seguida a fratura foi fixada com 3 placas do sistema 2,0 mm (figura 2A) e os tecidos moles, fechados em todos os planos (figura 2B).

Cuidados com a prevenção do tétano foram tomados (vacina antitetânica 0,5 mL e soro antitetânico 5.000 UI). A antibióticoterapia pós-operatória foi realizada com cefazolina (I.V.), 1 grama, a cada 6 horas por 3 dias em ambiente hospitalar. Sonda nasogástrica foi instituída como forma de diminuir a contaminação do meio bucal (figura 3B).

Após a alta hospitalar, o paciente fez uso de cefalexina 500 mg (V.O.) por mais sete dias. O pós-operatório transcorreu dentro da normalidade (figura 3A).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Injúrias causadas por armas brancas em face são pouco descritas na bibliografia nacional, contudo, como no caso apresentado, seguem um certo padrão, acometendo indivíduos jovens, do sexo masculino e com uma predominância de casuística em finais de semana e no período noturno1,5,7,8.

Esse tipo de ferimento de grande porte normalmente envolve estruturas anatômicas importantes para a manutenção da vida do paciente e requer abordagem multiprofissional. Cuidados devem ser tomados primariamente, como o controle da hemorragia, manutenção das vias aéreas e a avaliação do estado neurológico do paciente1,5,8. Nesse relato de caso, o paciente foi inicialmente atendido pela equipe da cirurgia geral para realização da traqueostomia e, posteriormente, pela equipe de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo- Facial (CTBMF) a fim de realizar o tratamento da fratura mandibular. O controle da hemorragia também foi realizado no primeiro momento do atendimento, com ligaduras, compressão e cauterização de vasos sangrantes.

Os pacientes acometidos por lesões causadas por instrumentos contaminados, que penetram profundamente nos tecidos, devem receber antibioticoterapia a fim de se evitar um quadro de infecção bem como a profilaxia para o tétano1. Tais medidas devem ser tomadas o quanto antes, tendo em vista que o risco de contaminação de ferimentos faciais aumenta com o tempo de exposição ao meio externo, indicandose a abordagem com até vinte e quatro horas do acontecido8. Nesse sentido, os autores concordam com a literatura, visto que todos os cuidados de limpeza e de prevenção contra o tétano e as infecções bacterianas foram realizados de acordo com as indicações citadas anteriormente.

No que diz respeito à fixação interna rígida com placas no sistema 2,0 mm, esta foi realizada pelo fato de facilitar a redução e fixação óssea de forma estável, reduzindo o risco de deslocamento pós-operatório dos fragmentos fraturados, permitindo retorno imediato à função9.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença da equipe de CTBMF no ambiente hospitalar é indispensável no tratamento de pacientes traumatizados em região de face, sendo de extrema importância a obediência do protocolo do ATLS para esses casos.O atendimento deve ser o mais rápido e efetivo possível a fim de prevenir agravos pós-operatórias e sequelas.

 

REFERÊNCIAS

1. Gray H, Goss CM. Anatomia. 29. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988. p. 1147.         [ Links ]

2. Dangelo JG, Fattini CA. Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar. 3. ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2007. p. 800.

3. Kumar RVK, Devireddy SK, Gali RS, Chaithanyaa N, Sridhar. A Clinician's Role in the Management of Soft Tissue Injuries of the Face: A Clinical Paper. J. Maxillofac. Oral Surg. 2013; 12 (1): 21–29.

4. Moore KL, Dalley AF. Anatomia orientada para a clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 1104.

5. Paiva LGJ, Rodrigues ÁR, Carneiro RP, Oliveira MTF, Silva MCP, Barbosa DZ. Fratura mandibular após ferimento por arma branca – diagnóstico e conduta clínica. Rev Odontol Bras Central 2013; 21 (61): 100-02.

6. Keiichi A, Feixin L, Humikazu N, Joji N, Takahiro G, Hai K, Hajime S. Home environment and minor facial trauma in preschool children with an emphasis on soft tissue injuries. Journal of Oral and Maxillofacial Surgery, Medicine, and Pathology, January 2014, 26: 11-13.

7. Escott EJ, Branstetter BF. Incidence and characterization of unifocal mandible fractures on CT. AJNR Am J Neuroradiol. 2008; 29: 890–94.

8. Oliveira JAGP. Fratura craniomaxilofacial exposta causada por arma branca: relato de caso. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13 (3): 187-91.

9. Prabhakar C, Jayaprasad NS, Hemavath OR, Guruprasad Y. Efficacy of 2-mm locking miniplates in the management of mandibular fractures without maxillomandibular fixation. National Journal of Maxillofacial Surgery 2011; 2 (1): 28-32.

 

Endereço para correspondência:
Hécio Henrique Araújo de Morais
Rua André Sales, 667- Paulo XI
CEP:59300-000 Caicó- RN
e-mail: heciomorais@hotmail.com

 

Recebido: 11/03/2015
Aceito: 30/03/2015