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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Abordagem conservadora para extenso tumor odontogênico ceratocístico mandibular

 

Conservative approach for large mandibular keratocyst odontogenic tumor

 

 

Bruno Luiz Menezes de SouzaI; Diogo de Oliveira SampaioII; Pedro Henrique de Souza LopesIII; Maria Cristina de AndradeIV

 

I Residente de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial, Hospital Regional do Agreste, Caruaru/PE
II Cirurgião Buco-maxilo-facial, Hospital Regional do Agreste, Caruaru/PE
III Cirurgião Buco-maxilo-facial, Hospital Regional do Agreste, Caruaru/PE
IV Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial, FOP/UPE, Recife/PE. Doutora em Odontologia para pacientes especiais, Universidade Cruzeiro do Sul. Preceptora da residência de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial, Hospital Regional do Agreste, Caruaru/ PE

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO
O Tumor Odontogênico Ceratocístico (TOC), cuja prevalência varia entre 10% e 12% de todos os cistos e tumores odontogênicos, permanece uma entidade controversa e de opções de tratamento bastante variadas. As altas taxas de recidiva associadas tornam difícil a decisão sobre a abordagem terapêutica ideal. Em contraste com as opções terapêuticas agressivas, como a ressecção parcial, que, apesar de menor risco de recidiva, repercutem em déficits estéticos e funcionais extensos, atualmente ganham destaque as opções terapêuticas conservadoras, de fácil execução e morbidade mínima ao paciente. O objetivo deste artigo compreende discutir a viabilidade de emprego de técnica conservadora para abordagem de tais lesões mediante relato de caso clínico de extenso TOC em mandíbula.

Palavras-chave: Cistos Odontogênicos; Tumores Odontogênicos; Neoplasias Maxilares.


 

ABSTRACT
The keratocystic odontogenic tumor (KOT), which prevalence ranges from 10% to 12% of all odontogenic cysts and tumors, remains a controversial pathology about treatment options. The high recurrence rates make it difficult to decide the optimal therapeutic approach. Aggressive treatment options such as partial resection are associated with lower risk of recurrence, but may cause extensive aesthetic and functional deficits. Conservative treatment options have shown up as definitive treatment with good results, simple technique and minimal patient morbidity. This paper discuss the feasibility of conservative technique usage for such kind ofpathology approach through a case report of extensive mandibular KOT.

Keywords: Odontogenic Cysts, Odontogenic Tumors, Maxillary Neoplasms.


 

INTRODUÇÃO

O tumor odontogênico ceratocístico (TOC), reclassificado como lesão tumoral a partir de 2005, representa uma das entidades patológicas mais controversas da região maxilofacial. Com prevalência entre 12% a 14% de todos os cistos e tumores odontogênicos1, compreende uma lesão intraóssea de potencial agressivo e comportamento infiltrativo, com altas taxas de recidiva associadas1,2. É mais comum em indivíduos entre a segunda e a terceira década de vida, acometendo, principalmente, a região posterior e o ramo ascendente da mandíbula, geralmente associada a um dente incluso1,2,3. Apesar do crescimento rápido e tendência de causar expansão cortical, é uma lesão benigna, geralmente assintomática, capaz depromover deslocamento dentário. Quando os tumores atingem grandes proporções, sintomatologia dolorosa e trismo podem estar associados3,4. Os exames de imagem comumente sugerem áreas de osteólise com margens bem definidas, normalmente uniloculares. Ocorrência de múltiplos tumores em um mesmo paciente pode estar associada à síndrome de Gorlin-Goltz5. O exame histopatológico é essencial para confirmação diagnóstica.

A opção de tratamento ideal para o TOC ainda permanece controversa, existindo duas vertentes de abordagem: a "conservadora", através de enucleação com ou sem curetagem, marsupialização ou descompressão, e as "radicais" tratadas por enucleação associada a tratamento adjuvante de superfície (Solução de Carnnoy, crioterapia, ostectomia periférica) e ressecções em bloco4. A escolha pela técnica cirúrgica baseia-se na análise de uma série de fatores, como: localização e extensão da lesão; idade do paciente; lesão primária ou recorrente4,6.

O sucesso do tratamento dos TOCs baseia-se na eliminação do potencial de recidiva aliada à redução da morbidade cirúrgica ao paciente. Portanto, apesar das baixas taxas de recidiva apresentadas pelas abordagens radicais, há considerável morbidade cirúrgica associada, com prejuízos estéticos e funcionais3,4,6. Dessa forma, apesar dos relatos de recidiva citados na literatura, o emprego de técnicas conservadoras tem recebido atual destaque na abordagem de TOCs, oferecendo uma opção efetiva, de simples execução e baixa morbidade7.

O presente artigo relata um caso de extenso TOC em mandíbula, tratado conservadoramente através de descompressão e posterior enucleação com curetagem. A paciente evolui sem sinais de recidiva, com acompanhamento pós-operatório de 8 anos.

 

RELATO DE CASO

Paciente RSR, 16 anos, sexo feminino, procurou o serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Regional do Agreste, Caruaru/PE, encaminhada por ortodontista, o qual suspeitou de presença de RELATO DE CASO lesão em região anterior de mandíbula, após avaliação de radiografia panorâmica de rotina.

Ao exame físico extraoral, não foram observadas alterações relevantes. Ao exame da cavidade oral, observouse, apenas, mal posicionamento dentáriona região anterior inferior, com apinhamento severo, o que motivou a paciente a procurar tratamento ortodôntico (Figura 1-A).

Ao exame de imagem ortopantomografia, observou-se extensa lesão osteolítica radiolúcida, localizada entre os elementos 34 e 46, unilocular, presença de margens bem definidas, com deslocamento radicular e inclinação dentária significativa, envolvendo elementos entre 33 e 45, o que se confirmou com a tomografia computadorizada, evidenciando dimensões reais da lesão, de aproximadamente 25,2mm x 13,5mm (Figura 1-B).

 

 

 

Foi realizada punção aspirativa da lesão, a qual foi positiva para líquido amarelo-citrino, sugerindo presença de lesão cística. No mesmo momento, sob anestesia local, a paciente foi submetida à biópsia incisional e instalação de dois dispositivos para descompressão no interior da cavidade cística (Figura 2). A paciente foi orientada sobre higiene por irrigação através da sonda, aceitando e mostrando-se colaboradora na abordagem terapêutica utilizada. O resultado do exame anatomopatológico foi positivo para tumor odontogênico ceratocístico. Dessa forma, optouse pela manutenção do tratamento conservador através da descompressão e acompanhamento periódico.

 

 

 

A paciente retornou, periodicamente, para controle clínico e radiográfico com 01, 03, 06, 09 e 12 meses,nos quais ficou clara a regressão gradativa da lesão ao passar do tempo, com presença de zonas de neoformação óssea e diminuição das áreas de osteólise aos exames de imagem. Após o décimo segundo mês de acompanhamento, observou-se, ao exame radiográfico panorâmico, neoformação óssea cicatricial adequada, inclusive em região de cortical basilar, a qual estava restituída, e estabilização da regressão da patologia, momento no qual se optou pela remoção dos drenos eencaminhamentoaotratamento endodôntico dos elementos desvitalizados envolvidos pela lesão (Figura 3-A). Além disso, devido à permanência da cavidade patológica radiolúcida diminuta na região entre os elementos 42 e 43, foi realizada enucleação total da lesão e posterior curetagem da loja cirúrgica (Figura 3-B).

 

 

 

A paciente evoluiu satisfatoriamente após procedimento cirúrgico realizado, sendo mantida em acompanhamento ambulatorial. Tomografias computadorizadas de feixe cônico de mandíbula, solicitadas dois anos e meio e oito anos após intervenção inicial, sugeriram total reparação óssea no antigo leito da lesão. (Figura 4-A e B).

 

 

 

DISCUSSÃO

O TOC é um dos tumores odontogênicos benignos mais discutidos devido ao seu comportamento localmente agressivo. É sabida a tendência à recorrência, comprovados pelo caráter infiltrativo que apresenta e conhecida dificuldade em se realizar a completa enucleação deste por vezes existem remanescentes lesionais no sítio cirúrgico1,2.

Tais lesões podem ser tratadas a partir de modalidades cirúrgicas conservadoras, radicais ou associação entre ambas, existindo frequência de recidiva, que varia entre 5% e 62%, para todas as modalidades terapêuticas4. Por se acreditar ser uma lesão agressiva, de caráter infiltrativo e com elevadas taxas de recidiva, os tratamentos radicais (ressecções ósseas com margem de segurança e as terapias adjuvantes de superfície para eliminação de possíveis remanescentes lesionais na cavidade cirúrgica após enucleação) foram e ainda são, por opção de alguns profissionais, primeira escolha para abordagem dessas lesões6.

Entretanto, estudos celulares têm demonstrado alterações lesionais relevantesapós instituição do tratamento conservador através da descompressão, como espessamento da parede cística, inibição da liberação da IL- 1a, desdiferenciação epiteliale regressão na produção da citoqueratina – 10. Essas alterações estão relacionadas à diminuição do caráter agressivo da lesão, com regressão significativa do seu potencial de crescimento8,9.

Esses resultados suportam a ideia de que, em um grupo selecionado depacientes cooperativos, o tratamento com descompressão permite uma abordagem menos invasiva e com excelentes resultados, preservando anatômica e funcionalmente as estruturas nobres próximas às lesões e evitando procedimentos radicaismutiladores. Assim, a descompressão prévia à enucleação permite a preservação de estruturas como NAI, elementos dentários, seios maxilares e integridade mandibular, além de facilitar o segundo tempo cirúrgico com a técnica de enucleação e curetagem7, como realizado no caso exposto neste artigo. Diante desses fatos, recentemente, o método conservador tem sido proposto como primeira opção de tratamento para TOCs, principalmente para as lesões mais extensas10.

Apesar de existirem relatos de resolução completa com ausência de recidivas em TOCs, tratados apenas com marsupialização, grande parte dos casos, como o aqui exposto, evoluem satisfatoriamente para a descompressão inicial, mas com permanência de sítios de lesão após meses de controle, o que torna necessária a segunda abordagem por enucleação e curetagem6,10.

Apesar da facilidade de execução, baixos custos relacionados a medicamentos e hospitalização e à mínima morbidez cirúrgica, existem desvantagens atreladas à técnica, como: provável necessidade de dois tempos cirúrgicos; cooperação ativa dos pacientes selecionados; e o longo intervalo de tempo do tratamento (12 a 14 meses)6,7,10. No caso exposto no presente artigo, apesar do tempo de 12 meses necessários a descompressão, a paciente mostrou-se cooperativa ao tratamento, obtendo-se, assim, excelentes resultados em termos de preservação de estruturas e função, além da ausência de sinais de recidiva.

Um ponto importante a ser rotineiramente considerado no tratamento do TOC consiste no acompanhamento clínico e radiográfico pósoperatório a longo prazo, visto que a maior parte dos relatos de recidiva ocorrem entre o quinto e o sétimo ano após o tratamento empregado4.

 

CONCLUSÃO

A equação "recidiva x morbidade" representa o grande desafio para os cirurgiõesdentistas durante a escolha sobre a melhor abordagem terapêutica para o tratamento dos TOCs. Apesar das baixas taxas de recidiva associadas aos tratamentos radicais, o tratamento conservador por descompressão, seguida de enucleação e curetagem, demonstrou ser uma técnica efetiva, simples e de baixa morbidade, capaz de preservar estruturas anatômicas e garantir retorno rápido à função. Nenhum sinal de recidiva foi observado após 8 anos de follow up.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Dr. Bruno Luiz Menezes de Souza
Avenida Cícero José Dutra, 305
Petrópolis - Caruaru/PE
CEP: 55030-580
e-mail: brunomenezes1905@gmail.com


Recebido: 28/03/2014
Aceito: 13/04/2015