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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Eminectomia em paciente submetido previamente à técnica de Wagner & Wagner: Relato de caso

 

Eminectomy in patient previously submitted to Wagner & Wagner technique: Case Report

 

 

Emerson Filipe de Carvalho NogueiraI; Pedro Henrique de Souza LopesII; Ilberto Candido SousaIII; José Eudes ProtázioIV; Belmino Carlos Amaral TorresV

 

I Residente do Programa de Residência em Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Regional do Agreste (HRA) – Caruaru PE
II Residente do Programa de Residência em Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Regional do Agreste (HRA) – Caruaru PE
III Residente do Programa de Residência em Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Regional do Agreste (HRA) – Caruaru PE
IV Preceptor do Programa de Residência em Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Regional do Agreste, Especialista em CTBMF pela Santa Casa de Misericórdia/ SP
V Preceptor do Programa de Residência em Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Regional do Agreste, Mestre em CTBMF pela FOP/UPE

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO
Luxação mandibular ocorre quando o côndilo é deslocado para fora da fossa mandibular, após uma resultante de forças, que pode ser desde um trauma até um movimento de bocejo fisiológico. Pode ser classificado como recidivante ou habitual, de acordo com o número de recorrências e o quadro clínico do paciente. O tratamento deste agravo pode ser dividido em duas modalidades básicas: os limitadores, que criarão obstáculos para o hiperexcursionamento condilar, ou os facilitadores, que irão auxiliar o retorno do côndilo à posição normal. O objetivo do trabalho é apresentar um caso de luxação mandibular após realização da técnica de Wagner & Wagner previamente, em que se optou por uma abordagem utilizando-se a eminectomia.

Palavras-chave: Articulação Temporomandibular; Transtornos da Articulação Temporomandibular.


 

ABSTRACT
Dislocation occurs when the mandibular condyle is displaced out of the glenoid fossa after a resultant of forces which may be from a trauma, even a physiological gapping movement. It can be classified as habitual or recurrent according to the number of recurrences and the patient's condition. The treatment of this disease can be divided into two basic types: limiters, which create obstacles to condylar translation or facilitators, which will assist the return to normal position of the condyle. The objective is to present a case of mandibular dislocation after performing the technique of Wagner & Wagner previously, where we chose new approach using eminectomy.

Keywords: Temporomandibular Joint; Temporomandibular Joint Disorders.


 

INTRODUÇÃO

Luxação consiste na perda total ou parcial da relação normal de contato entre duas superfícies articulares1. nesse caso, o côndilo mandibular, que se encontrará fora de sua posição normal, podendo estar anterior, posterior, superior, medial ou lateralmente à cavidade glenoide2,3. Na forma mais comum da luxação condilar, há o deslizamento do côndilo mandibular em direção anterior, ultrapassando os movimentos limítrofes, e deslocando-se para fora da cavidade glenoide, à frente da eminência articular, onde permanece temporariamente contido, não voltando à posição inicial funcional correta sem a intervenção de forças externas para a redução, havendo assim a necessidade do reposicionamento manual do côndilo mandibular deslocado1,4,5. Quando a luxação se torna frequente, com piora progressiva, essa condição será denominada de habitual, recidivante ou recorrente3.

Quando o paciente apresenta episódios repetidos de luxação, dor articular e disfunção mastigatória, o tratamento definitivo da luxação estará indicado6, podendo ser conservador ou cirúrgico. Embora os métodos conservadores sejam a primeira escolha, resultam apenas no alívio temporário dos sintomas, sendo comum a recorrência do deslocamento1. Por outro lado o tratamento cirúrgico pode ser realizado por meio de dois métodos: o limitador, cujo objetivo é criar anteparos para limitar a movimentação condilar, como plicadura da cápsula articular, osteotomia oblíqua da raiz do osso zigomático, emprego do fio de aço junto com o tubérculo articular, emprego de miniplacas, miniâncoras, enxerto ósseo ou material aloplástico; e o método facilitador, que é baseado no princípio de eliminar obstáculos mecânicos para facilitar o movimento articular, como a eminectomia, condilectomia e a miotomia do pterigoideo lateral7,8.

A eminectomia é uma técnica com abordagem extracapsular, que consiste na remoção da eminência articular por ostectomia com o uso de instrumentos rotatórios associados ou não a escolpos9. Por outro lado a utilização do fio de aço circunscrito no arco zigomático foi descrita primeiramente por Wagner e Wagner10 (1972), com o objetivo de impedir a hipertranslação condilar.

O objetivo do presente trabalho é relatar um caso raro de uma paciente tratada previamente com a colocação de fio de aço na eminência articular, utilizando a técnica de Wagner & Wagner10, a qual evoluiu com recidiva, necessitando de nova abordagem cirúrgica, onde se realizou eminectomia bilateral.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade compareceu à emergência do Hospital Regional do Agreste, Caruaru/PE, apresentando quadro agudo de luxação mandibular, o qual foi reduzido, com dificuldades, através da manobra de Nelaton, e imobilizado com bandagem. Durante a anamnese, esta relatou a ocorrência de vários episódios e afirmou que já tinha sido submetida a tratamento cirúrgico da luxação há aproximadamente 2 anos em outro serviço, porém as luxações continuaram frequentes. Realizaram-se radiografias, em que se pode-se observar imagem radiopaca na região próxima das articulações temporomandibulares (ATM). Em seguida, solicitou-se tomografia computadorizada para melhor definição do posicionamento do material e pode-se observar imagem hiperdensa na região anterior às eminências articulares, circundando os arcos zigomáticos, suspeitando-se de fios de aço, ou seja, artroplastia pela técnica de Wagner e Wagner (Figura 1).

 

 

 

O planejamento cirúrgico proposto foi eminectomia e posterior remoção do material utilizado na primeira cirurgia. Optou-se pelo acesso pré-auricular estendido, aproveitando a cicatriz proveniente da primeira cirurgia, e logo após o descolamento subperiosteal, pode-se observar a eminência articular e a presença do fio de aço circundando o arco zigomático. Primeiramente, realizou-se ostectomia da eminência com broca cirúrgica 702 (Figura 2), removeu-se o material com bastante tecido fibroso e, em seguida osteoplastia com broca cirúrgica de tungstênio em forma de pera. A técnica utilizada no lado contralateral foi a mesma já descrita (Figura 3A).

 

 

 

 

 

Realizou-se manipulamento manual com movimentos de translação mandibular, no qual não se percebeu nenhum tipo de interferência. Em seguida, sutura interna com fio reabsorvívele sutura contínua da pele na região temporal e intradérmica na região pré-auricular. Ao final do procedimento cirúrgico, realizou-se a bandagem de Barton. Foi prescrito Dipirona 500mg, de 6/6h, por 2 dias, Nimesulida 100mg, 12/12h, por 2 dias, e Cefalexina 500mg, de 6/6h, por 7 dias, além das orientações de crioterapia nos primeiros 3 dias.

A paciente retornou no 7º dia de pósoperatório sem queixas, apresentando cicatrização em normalidade, e preservação da motricidade dos músculos da expressão facial. Ela encontra-se sob acompanhamento há aproximadamente 6 meses, sem recorrências do quadro (Figura 3B e 3C).

 

RESULTADOS

Na luxação mandibular, o côndilo encontra-se fora de sua posição normal, sendo o deslocamento para anterior o mais comum, e, segundo alguns autores2,11, os outros tipos de direcionamento irão ocorrer somente associados a traumas. O deslocamento anterior também poderá surgir durante abertura bucal aumentada, como no bocejo, na manipulação da mandíbula durante tratamento dentário, ou mesmo, no momento da intubação endotraqueal, não precisando necessariamente ser causado por trauma6,7,12. Durante um quadro de deslocamento condilar, ocorre estiramento dos ligamentos, o qual fica alargado, acarretando hipermobilidade mandibular, e como consequência a luxação torna-se recorrente, agravando-se a cada novo deslocamento4,6.

No quadro agudo da luxação mandibular, devido ao deslocamento do côndilo, há o aparecimento de dor reflexa, que vai desencadear o espasmo ou contração muscular, e esta, por sua vez, vai intensificar a magnitude da dor. Clinicamente, ainda pode-se encontrar depressão pré-auricular, sialorreia intensa, tensão dos músculos mastigatórios e protrusão do mento, dando a impressão de um falso prognatismo pela incapacidade do fechamento bucal1, corroborando o quadro clínico encontrado do referido caso durante o atendimento hospitalar.

Episódios repetidos de luxação, dor articular, deformidade facial e disfunção mastigatória (o que inclui a ATM, mandíbula e oclusão) seriam as indicações clássicas para se propor intervenção1. As modalidades de tratamento para a luxação mandibular variam de técnicas conservadoras a técnicas cirúrgicas, dependendo fundamentalmente da complexidade e da sua periodicidade. Opta-se, primeiramente, pelas técnicas conservadoras para redução imediata alívio temporário, estabilização da articulação, ou tratamento fisioterápico. Havendo falhas ou impossibilidade de tratamento, podem-se realizar técnicas cirúrgicas7, que pode ser divididas em duas modalidades: uma com o objetivo de restringir a abertura bucal e a outra com a finalidade de promover movimentos mandibulares livres1,3,6.

Em relação ao tratamento cirúrgico, muitos métodos têm sido descritos: eminectomia12, plicatura da cápsula articular13, osteotomia oblíqua da raiz do osso zigomático ou procedimento de Dautrey14, miotomia do músculo pterigoide lateral por via intrabucal15, uso de miniplacas na eminência articular15, aumento da eminência articular pelo uso de enxerto aloplástico16 e uso de miniâncoras mitek no côndilo e na raiz posterior do arco zigomático17.

A técnica de Wagner e Wagner10, descrita em 1972, consiste em circunscrever a arcada zigomática com fio de aço inoxidável, utilizando o acesso pré-auricular com incisão na fáscia do músculo temporal e divulsão até o arco zigomático e eminência articular5. Essa técnica visa aumentar o tamanho da eminência articular, formando um verdadeiro anteparo, objetivando assim impedir que o côndilo se projete à frente da eminência articular e se desloque para uma posição de difícil redução espontânea1, porém a colocação de um obstáculo na eminência articular pode resultar em algum grau de limitação de abertura da boca18. Apesar de ser descrita, existem poucos artigos na literatura referentes a essa ténica, sendo, na maioria das vezes, encontrado apenas como citações do artigo original dos autores. Ainda assim, a paciente foi tratada por essa técnica, a qual evoluiu com recidivas constantes, além de ter proporcionado maior dificuldade na redução.

Em contrapartida, a eminectomia que foi introduzido por Myrhaug12 em 1951, se refere à remoção da eminência articular, tendo sido utilizada com resultados satisfatórios de acordo com a literatura18,19. Num trabalho publicado por Woltmann4 e col. (2002), os autores realizaram eminectomia em 37 pacientes com diagnóstico de luxação recidivante do côndilo, dos quais 3 casos recidivaram (8,1%) e necessitaram de nova abordagem cirúrgica. Em 2 destes casos, observaram a presença da porção medial da eminência articular, a qual foi removida e, no outro caso, optou-se pela condilectomia alta, uma vez que a paciente não apresentava mais o obstáculo mecânico da eminência articular. Não foi observada mais nenhuma recidiva até a publicação do trabalho4. Num outro trabalho, Vasconcelos19 et al. (2009) compararam o pré e pós-operatório de 10 pacientes submetidos à eminectomia e observaram que a abertura bucal máxima no período préoperatório foi de 48,4 ± 8,5 mm e no período pósoperatório foi de 41,3 ± 5,0 mm. Também não houve paralisia do nervo facial nem recidiva em nenhum dos casos. Os autores concluem o trabalho afirmando que a técnica da eminectomia mostra-se eficiente no tratamento das luxações mandibulares quanto à abertura de boca pós-operatório máxima, à recorrência e à função articular. Por apresentar altas taxas de sucesso na literatura18,19 a eminectomia foi a técnica cirúrgica de escolha para a paciente referida neste artigo, a qual se encontra sob acompanhamento há aproximadamente 6 meses, sem apresentar recorrência.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente existem várias modalidades de tratamento para pacientes com quadro de luxação recidivante, cabendo ao cirurgião bucomaxilofacial a escolha da melhor técnica indicada para cada caso. A eminectomia vem sendo a técnica de primeira escolha pela maioria dos cirurgiões, devido a sua fácil execução, ao baixo custo e aos bons resultados.

 

REFERÊNCIAS

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4. Woltmann M, Felix VB, Freitas RR. Eminectomia para o tratamento da luxação recidivante da articulação temporomandibular: experiência de 37 casos. JBA, Curitiba; jul/set 2002; v.2, n.7, p.208-213.

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Endereço para correspondência:
Emerson Filipe de Carvalho Nogueira
Hospital Regional do Agreste
BR 232, Km 130, S/N, Indianópolis
Caruaru/PE
e-mail: emerson_filipe@hotmail.com

 

Recebido: 23/03/2015
Aceito: 10/06/2015