SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número4 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.15 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2015

 

Artigo Caso Clínico

 

Tratamento de fratura complexa de mandíbula por abordagem transcervical: Relato de caso

 

Mandible complex fracture treatment through transcervical approach: Case report

 

 

Marília Gabriela Mendes de AlencarI; Hélder Lima RebeloII; Edmilson Zacarias da Silva JúniorIII; Marcus Antônio Brêda JuniorIV; Martinho Dinoá Medeiros JuniiorV

 

I Residente de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Universitário Oswaldo Cruz – HUOC- FOP – UPE
II Especialista de Cirurgia Buco-Maxilo- Facial pelo Hospital Universitário Oswaldo Cruz – HUOC – FOP- UPE
III Especialista de Cirurgia Buco-Maxilo- Facial pelo Hospital Universitário Oswaldo Cruz – HUOC – FOP- UPE. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela FOP – UPE
IV Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pelo Hospital Policlin e Clínica Dr. Antenor Araújo, Mestre em Odontologia, área de concentração: Cirurgia Buco-Maxilo-Facial pela USP - Ribeirão Preto e Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela FOP – UPE
V Especialista e Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e Doutor em Cirurgia Clínica e Experimental pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO
A fratura de mandíbula está entre as mais frequentes fraturas dos ossos da face, com um aumento significativo de casos nos últimos anos. A deficiência no exame físico e o tratamento inadequado podem levar à deformidade estética ou funcional permanente.O tratamento dessas injúrias visa efetuar uma redução anatômica e fixação dos fragmentos ósseos com o objetivo de restaurar a função e forma, reduzindo as complicações. Como opções de tratamento, incluem-se o conservador e as técnicas abertas para a redução e a fixação. O método aberto para fraturas complexas de mandíbula com múltiplos fragmentos ósseos pode ser por abordagens intraoral ou extraoral. O presente artigo relata o caso de um paciente do sexo masculino, 52 anos de idade vítima de agressão física que compareceu ao serviço de urgência de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial apresentando trauma em face. Após o exame clínico e tomográfico, teve-se como diagnóstico a fratura múltipla de mandíbula, sendo o tratamento cirúrgico adotado com abordagem transcervical, abrangendo as regiões submandibulares bilateralmente e submentoniana com simplificação dos fragmentos com placas do sistema 2.0mm e fixação com placa do sistema 2.4mm, do tipo locking. O paciente segue em acompanhamento pósoperatório de seis meses sem queixas estéticas e funcionais.

Palavras-chave: Traumatismos faciais; Traumatismos mandibulares; Técnicas de fixação da mandíbula.


 

ABSTRACT
The mandible fracture is among the most common of the bones of the face, with a significant increase in cases in recent years. Deficiency in physical examination and inadequate treatment can lead to aestheticor permanent functional deformity. The treatment of these injuries aims to make an anatomic reduction and fixation of bone fragments in order to restore form and function, reducing complications. The treatment options include conservative and open techniques for reduction and fixation. The open method for complex fractures of the jaw with multiple bone fragments can be through intra-oral or extra-oral approaches. This article reports a case of a male patient, 52 years old, physical aggression victim, who attended the urgency department of Oral and Maxillofacial Surgerywith trauma in the face. After clinical and CT examination had up to diagnosis of multiple jaw fractures, and surgical treatment with transcervical approach covering bilateral submandibulars and submental regions with simplification of the fragments with 2.0mm system plates and fixation with2.4mm system plates, locking type. The patient follows in postoperative follow-up of six months without aesthetic and functional complaints.

Key words: Facial Injuries , mandibularInjuries, jaw fixation techniques.


 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, existiu um aumento significativo do trauma bucomaxilofacial. A etiologia do trauma facial é heterogênea e o predomínio maior ou menor de um fator etiológico se relaciona com algumas características da população estudada (idade, sexo, classificação social, local, urbana e residencial). Nos dias atuais, as associações álcool, drogas, direção de veículos e aumento da violência urbana estão cada vez mais presentes como fatores causais dos traumas faciais, além de aumentar a sua complexidade1.

A mandíbula é o único osso móvel da face e tem importante função na mastigação, deglutição, fonação e estética facial. Devido à sua topografia, anatomia e projeção anterior corporal é um osso muito exposto, fazendo com que a fratura mandibular ocupe o segundo lugar entre as fraturas dos ossos da face2. Em traumas de alta energia, como em agressões físicas e acidentes automobilísticos, pode ocorrer a fragmentação múltipla da mandíbula2,3.

As fraturas mandibulares podem levar às deformidades, seja por deslocamentos seja por perdas ósseas não restauradas. Quando não identificadas ou tratadas adequadamente, essas lesões podem trazer sequelas graves, tanto estéticas como funcionais. Os sinais e sintomas mais comuns das fraturas incluem sensibilidade intensa à palpação, dor, trismo de leve a severo, edema, hematoma, sialorreia, assimetria facial, crepitação óssea e alteração da oclusão2.

As fraturas de mandíbula podem ser classificadas em algumas categorias, tais como: localização anatômica (condilares, de ângulo, sinfisária, alveolar, de ramo, de processo coronoide e de corpo mandibular)4,5, padrão da fratura ("galho verde", simples, composta, única, múltipla, cominutiva, complexa, patológica, telescópica, por separação, por deslocamento, direta, indireta, parcial e completa), quanto à inserção muscular (favorável ou desfavorável)5. Entendemos como fraturas múltiplas a associação de duas ou mais fraturas que comprometem o osso mandibular em diferentes regiões anatômicas.

A opção de tratamento mais empregada das fraturas mandibulares consiste na redução e fixação dos fragmentos ósseos, que devem ser instituídas o mais precocemente possível, tão logo quanto as condições gerais do paciente permitirem6,7.

O presente trabalho tem por objetivo relatar um caso de fratura múltipla em mandíbula, tratada pelo método da redução aberta, fixação interna estável com sistema de 2,4mm e através de um acesso transcervical.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 52 anos de idade, dependente químico (histórico de alcoolismo e uso de drogas), vítima de agressão física, compareceu ao serviço de emergência de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial apresentando trauma em face. No momento do atendimento, apresentava edema difuso em terço inferior de face, hematoma sublingual, rebordo superior edêntulo e presença de canino inferior esquerdo (sem oclusão funcional pregressa), descontinuidade óssea de arco mandibular com área de exposição óssea na região de corpo mandibular direito e crepitação óssea à palpação de mandíbula. Não se encontrou alterações em terço médio de face.

Para melhor visualização da fratura , exames complementares diagnósticos foram solicitados. Constatou-se, na tomografia computadorizada de face, a presença de uma imagem sugestiva de descontinuidade do arco mandibular com múltiplos traços de fratura, em região de ângulo direito, corpo direito e parassínfise mandibular esquerda (Figura 1-A). Embora o paciente tivesse uma perda dental considerável, não apresentava rebordo mandibular atrófico. Baseando-se nas informações colhidas no exame clínico e tomográfico, teve-se como diagnóstico a fratura múltipla de mandíbula, sendo, então, o tratamento cirúrgico para redução e fixação da fratura indicado. Durante o ato cirúrgico, foi utilizado um acesso transcervical, abrangendo a região submandibular bilateralmente e submentoniana. Foi realizado o descolamento mucoperiosteal expondo do ângulo mandibular esquerdo ao ramo do lado contralateral. Observouse que na, região dos cotos fraturados, havia tendo sido removidos (Figura 2-A). A redução anatômica teve início com a simplificação dos traços de fratura com miniplacas do sistema 2.0mm e um parafuso aposicional, resgatando o arcabouço mandibular (Figura 2-A). Posteriormente, a placa do sistema 2.4mm, do tipo locking, foi moldada com o auxílio de um template e instalada para a fixação da fratura (Figura 2-B).

No pós-operatório de 07 dias, mediante da análise tomográfica,verificou-se o alinhamento dos fragmentos reposicionados, compatível com boa redução da fratura e posicionamento ideal da placa (Figura 1-B).

O paciente segue em acompanhamento pós-operatório de seis meses, sem queixas estéticas e funcionais. Não houve lesão nervosa, estando as funções motoras da musculatura da mímica facial bem como a sensibilidade do lábio e do mento preservadas (Figura 3-A e 3-B).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Fraturas múltiplas de mandíbula não são comuns na rotina dos cirurgiões Oral e Maxilofacial e nem sempre estão confinadas em uma pequena região anatômica. Elas podem se estender por regiões (ramo, ângulo, corpo, parassínfise e sínfise), envolvendo regiões e estruturas vizinhas não usuais. Fraturas múltiplas podem ser classificadas como um tipo especial de fratura4. A etiologia varia de país para país bem como dos aspectos socioeconômico, cultural e fatores ambientais8. A principal causa dos traumas foi acidente de veículo, seguido de queda. Essas diferenças devem-se ao fato cultural, imposto por estritas leis sobre o uso de arma de fogo, embora essas injúrias não sejam comuns4.

A força necessária para gerar esse tipo de fratura, parece ser resultante da aplicação de força em um determinado tempo em local único, gerando energia necessária para provocar a alteração da arquitetura óssea mandibular. Impactos com alta energia, como os citados anteriormente, levam à concentração de energia na mandíbula, causando fraturas múltiplas3. No caso relatado, o paciente foi vítima de agressão física, apresentando fraturas múltiplas na região de ângulo, corpo direito e parasínfise esquerda.

O objetivo do tratamento é o reparo ósseo com redução anatômica e fixação dos segmentos para restaurar a função e aparência com o mínimo de complicações. Os tratamentos incluem a redução fechada e a técnica aberta com redução e fixação. O método fechado inclui a fixação intermaxilar, com ligaduras ósseas e/ou dentais; por outro lado, a técnica aberta pode ser realizada por acesso extra ou intraoral. Quando a redução aberta é utilizada, a incisão na pele é ocultada na região submentual, submandibular ou numa prega existente. Esse acesso promove a limpeza dos ferimentos e a não contaminação das placas e fios por não estarem em contato com a cavidade bucal. No entanto, alguns pacientes desenvolvem cicatrizes aparentes, e o acesso apresenta risco de injúria ao nervo marginal mandibular. Em comparação, o acesso intraoral é realizado por incisão na mucosa, ausência de cicatriz, injúria ao nervo marginal mandibular e permite visualização e confirmação da oclusão desejada durante a inserção das placas e parafusos. Por outro lado, esse acesso é contaminado, com risco de infecção. Fraturas de sínfise, parassínfise e da região anterior do corpo são facilmente tratadas com acesso intraoral; posterior de corpo, ângulo e ramo são tecnicamente mais difíceis por esse acesso. No presente caso, foi utilizado o acesso extraoral transcervical, pois as fraturas localizavam-se em sua maior parte na região posterior mandibular, bilateralmente9.

No acesso extraoral, a aplicação do sistema de fixação é facilitada pela visão direta e adequada iluminação e redução da cortical lingual. Com isso, índices de complicações levemente maiores foram encontrados em pacientes tratados por via intraoral (10% versus 6%), sem diferença estatística. Sete pacientes tiveram sua cirurgia iniciada por acesso intraoral, mas, devido à inadequada exposição, foi realizado o acesso extraoral. Em adição, as cirurgias tornam-se mais longas, tempo maior sob anestesia geral com todos os riscos associados, apresentando maior índice de complicação (43%). Dois pacientes apresentaram não união. Esses fatores contribuem para um maior custo. Não houve complicação no caso relatado, com cicatriz satisfatória, adequada redução dos fragmentos e sem infecção9.

Esse acesso teve um aumento da popularidade nos 15 anos passados para esse tipo de fratura mandibular, incluindo fraturas cominutivas, que historicamente eram tratadas com a técnica fechada7.

Um importante princípio do grupo AO/ ASIF é que a susceptibilidade para infecção está relacionada à mobilidade dos segmentos ósseos. A falta de adequada estabilização pode levar à inflamação crônica, que compromete o processo de reparo, resultando em união tardia, não união e infecção. Fraturas múltiplas são especialmente predispostas a desenvolver esses tipos de complicações, além de outros fatores, como mecanismo do trauma, tempo entre a injúria e a cirurgia e a perícia do cirurgião. Foram analisados 63 pacientes, dentre eles 53 com fraturas múltiplas utilizando acesso extraoral e fixação com placa de reconstrução, seguindo o protocolo do grupo AO/ASIF. 50 pacientes tiveram sucesso nos resultados, sem complicações pós-operatória no período de acompanhamento de 1 ano. 2 pacientes desenvolveram não união com infecção, foi removido o material de fixação, recolocado expejuntamente com enxerto de ilíaco, e um paciente apresentou hipoestesia do V3. O autor conclui que a placa de reconstrução pode ser usada para fraturas severas de mandíbula com baixo índice de complicação e alto índice de sucesso7, corroborando o caso exposto.

Um total de 196 pacientes com fraturas de mandíbula foram analisados retrospectivamente. Redução aberta e fixação interna foram utilizadas em 146 pacientes. Desses tratados com redução aberta, uma placa de reconstrução foi utilizada em 114 casos e 52 com acesso extraoral. Houve complicações não oclusais (infecção, não união, etc) em 18 casos. Os resultados mostram que a redução aberta e fixação interna está associada a baixo índice de infecção, contudo nem todas as fraturas são passíveis de utilizar esse tipo de tratamento10, estando de acordo com o caso, pois foi utilizado placa de reconstrução, reestruturando a forma e função com baixo índice de complicação.

Em um estudo retrospectivo, para avaliar as características do trauma na China, do total de pacientes avaliados, 21 foram tratados com fraturas múltiplas mandibulares. Foi analisado em particular, dentre outros aspectos, o método de tratamento. Os autores recomendam a redução aberta e fixação interna com placa de reconstrução associada ao bloqueio maxilo-mandibular (BMM). No caso relatado, foi utilizada redução aberta e fixação com placa de reconstrução sem o BMM, já que esse tipo de placa é de suporte total de carga4.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, nos casos de fraturas complexas de mandíbula, que apresentam múltiplos fragmentos bilateralmente, o tratamento com abordagem transcervical para redução e fixação dos fragmentos ósseos através de uma placa do sistema 2.4mm do tipo locking mostrou-se previsível e seguro e com baixo índice de complicação, sendo uma boa alternativa para esse tipo de caso.

 

REFERÊNCIAS

1. MONTOVANI J.C., CAMPOS L.M.P., GOMES, M.A., MORAES V.R.S., FERREIRA F.D., NOGUEIRA E.A. Etiologia e incidência das fraturas faciais em adultos e crianças: expejuntamente riência em 513 casos. Rev Bras Otorrinolaringol 2006;72(2):235-41.         [ Links ]

2. PATROCÍNIO L.G., PATROCÍNIO J.A., BORBA B.H.C.,BONATTI B.S., PINTO L.F., VIEIRA J.V., COSTA J.M.C. Fratura de mandíbula: análise de 293 pacientes tratados no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005; 71 (5); 560-65.

3. FUTRAN N.D. Management of comminuted mandible fractures. Operative Techniques in Otolaryngology 2008; 19(2); 113-16.

4. LI Z. Clinical characteristics and treatment of multiple site comminuted mandible fractures. Journal of Cranio-Maxillo-Facial Surgery 2011; 39: 296- 99.

5. CHACON G.E., LARSEN P.E. Princípios de Tratamento das Fraturas Mandibulares. In: MILORO M., GHALI G.E., LARSEN P.E., WAITE P.D. Princípios de Cirurgia Bucomaxilofacial de Peterson. Editora Santos, 2009;1ed: 407-10.

6. STACEY D.H.,DOYLE J.F.,MOUNT D.L., SNYDER M.C., GUTOWSKI K.A. Management of mandible fractures. Plast Reconstr Surg. 2006 Mar;117(3):48-60.

7. SCOLOZZI P., RICHTER M. Treatment of Severe Mandibular Fractures Using AO Reconstruction Plates. J Oral Maxillofac.Surg. 2003; 61:458-461.

8. Zellweger R. Maxillofacial fractures. ANZ Journal of Surgery. 2007;77:613

9. TOMA V.S., MATHOG R.H., TOMA R.S., MELECA R.J.Treatment considerations for comminuted mandibular fractures. Transoral versus extraoral reduction of mandible fractures: A comparison of complication rates and other factors. Otolaryngol Head Neck Surg 2003;128(2): 215-9. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 48

10. ELLIS E.,MUNIZ O., ANAND K. Treatment Considerations for Comminuted Mandibular Fractures.J Oral Maxillofac Surg 2003; 61:861-870.

 

Endereço para correspondência:
Hélder Lima Rebelo
Av. Gal. Newton Cavalcanti, 1650
Camaragibe/PE CEP: 54753-020
e-mail: brjoms.artigos @gmail.com

 

Recebido: 17/06/2015
Aceito: 05/08/2015