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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2016

 

Artigo original

 

Análise por Elementos Finitos das Forças Mastigatórias em uma Placa de Reconstrução Mandibular

 

Assessment of masticatory forces in a mandibular reconstruction titanium plate through finite element analysis

 

Guilherme dos Santos TrentoI; Ricardo SommerfeldII; Leny Tomie OnukiIII; Diego josé StringhiniIV; Nelson Luís Barbosa RebellatoV; Delson João da CostaVI

 

I Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
II Graduação em Odontologia na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
III Graduação em Odontologia na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
IV Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
V Professor do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
VI Professor do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Ressecção cirúrgica é um tratamento radical de algumas patologias que acometem a mandíbula e suas estruturas associadas. A técnica baseia-se na remoção total da lesão com uma margem de segurança em toda a sua dimensão, podendo ser ela marginal ou parcial. A escolha dá-se pela proximidade da extensão da lesão com a margem inferior da mandíbula. Em situações de ressecção mandibular parcial, remove-se parcialmente a margem inferior da mandíbula o que, posteriormente, dificulta a reobtenção da estética e funcionalidade do aparelho estomatognático, sendo a área reconstruída com uma placa de reconstrução óssea. A análise de elementos finitos (AEF) é uma forma de análise matemática, que se fundamenta na divisão de uma estrutura em um número finito de pequenas áreas, denominado de elementos finitos. A essa divisão dá se o nome de "malha". Em geral, a AEF possui a capacidade de modelar matematicamente estruturas, tornando-se possível a aplicação de forças em qualquer ponto e/ou direção. Dessa forma, conseguem-se dados sobre a deformação e o grau de tensão inicial, sendo possível, assim, representar situações in vivo, expressando condições compatíveis com o real. O trabalho visa analisar e simular as tensões geradas pelas forças mastigatórias, com o uso de elementos finitos, em simulação de uma mandíbula reconstruída com placa e parafusos de titânio, após sua ressecção parcial.

Palavras-chave: Mandíbula; Neoplasias Maxilomandibulares; Músculos Mastigatórios; Análise de Elementos Finitos; Técnicas de Fixação da Mandíbula.


 

ABSTRACT

Surgical ressection is a radical treatment of some pathologies that affect the mandible and its structures. The technique is based on total removal of the lesion with a safe margin in all extension of the bone. Partial mandible resection results in a difficult to obtain the aesthetic and functionality of the stomatognathic system. In such cases, is recommended a titanium plate commonly used to mandibular reconstruction. Finite Element Analysis (FEA) is a form of math analysis which is based on division of a structure in a finite number of small areas. In general, FEA has the ability to mathematically model structures making possible applying forces in any point and/ or direction. Thereby, it can bring forth datas of displacement and tension being possible representing in vivo situation. This study aims to analyze and simulate the tensions generated by the masticatory forces, using FEA in a mandibular reconstruction with titanium plate after partial resection.

Key words: Mandible; Jaw Neoplasms; Masticatory Muscles; Finite Element Analysis; Jaw Fixation Techniques.


 

INTRODUÇÃO

A ressecção mandibular é um tratamento cirúrgico radical podendo ser marginal, em que mantém a continuidade das bordas posteriores e inferiores da mandíbula; segmentar, em que um segmento é removido sem manter a continuidade do osso; hemi-mandibulectomia e mandibulectomia total com desarticulação do côndilo.1

A escolha do planejamento baseia-se, entre outros motivos, na extensão da lesão. A ressecção parcial ou segmentar acarreta alterações funcionais importantes e defeitos na continuidade, no contorno mandibular por se remover em extensas áreas.2 Porém, essas situações vêm sendo minimizadas pelo uso de placas de titânio de reconstrução.3

As reconstruções podem ser imediatas, ou seja, uso de uma placa de reconstrução associada à interposição de enxerto ósseo, ou em outro tempo cirúrgico, também chamadas de secundárias, em que a instalação da placa de reconstrução é feita em um primeiro tempo cirúrgico e, então, em um segundo tempo operatório, é realizada a interposição do enxerto.4

Imagens tridimensionais geradas em softwares, por meio de tomografias, auxiliam no diagnóstico e tratamento de lesões do complexo oral e maxilofacial.5 Os modelos estereolitográficos são obtidos a partir de imagens de tomografia computadorizada, ressonância magnética ou ultrassonografia e, por meio de programas, são enviadas a uma máquina de prototipagem gerando, assim, um modelo sólido da área de interesse.6 Observa-se, nos casos em que a simulação operatória foi realizada nos modelos, maior segurança e facilidade de técnica operatória pelo profissional, redução no tempo de intervenção e anestesia em 30%, e maiores taxas de sucesso nas abordagens cirúrgicas.7 A técnica de estereolitografia foi introduzida na prática odontológica no ano de 1991 e tem demonstrado, ao longo do tempo, diversas vantagens e benefícios na abordagem de enfermidades do complexo maxilomandibular.8

O método de elementos finitos (MEF) é uma forma de análise matemática, que se fundamenta na divisão de um domínio em pequenas áreas, denominado de elementos finitos. A essa divisão dá-se o nome de "malha". A malha é composta por arestas (faces) e nós (pontos de intersecção das arestas). Portanto, ao buscar uma função que obedeça às condições para todo o domínio, agora essas funções devem ser estabelecidas em cada elemento (arestas e nós), assim é montado um funcional em cada elemento, cuja soma produz o funcional do domínio completo sobre toda a malha. No geral, o MEF possui a capacidade de modelar matematicamente estruturas, tornando-se possível a aplicação de forças em qualquer ponto e/ou direção. Dessa forma, conseguem-se dados sobre a deformação e o grau de tensão inicial.9

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Para realizar a simulação por meio do Método de Elementos Finitos, foi utilizado um modelo tridimensional obtido a partir de imagens tomográficas de uma mandíbula, sendo essa tomografia disponibilizada dentro do programa de reconstrução Mimics 10.01® (Materialise NV).

A tomografia computadorizada reconstitui internamente, sem intervenção destrutiva, informando suas propriedades e geometria com precisão. A imagem propriamente dita é formada por valores na escala de Hounsfield (registrado como tons de cinza em tomografias computacionais), que são diretamente proporcionais ao coeficiente de atenuação linear dos raios x.

O coeficiente linear de atenuação é uma medida de energia absorvida pela matéria durante a passagem do feixe de raios x, sendo que quanto mais energia passa menos é o local e mais claro é o tom de cinza registrado, como mostra a figura 1.10

 

 

 

A segmentação, realizada pelo princípio do limiar do número de Housfield, visa separar as regiões de interesse por meio da tomografia computadorizada. Threshold (limitador), uma ferramenta muito utilizada, se baseia em intervalos do número de Housfield, que expressa somente os voxels (volume representado em três dimensões) correspondentes à determinada estrutura, permitindo sua visualização assim como seus limites.11

Com o término da obtenção do modelo tridimensional, os arquivos foram salvos em extensão *.stl, reduzindo a estrutura a milhares de triângulos, e exportados para o programa Solidworks 2012® (Dassault Systemes, Solidworks Corps, USA), com a finalidade de remover interferências entre os triângulos citados acima e, então, salvar em formato em *.x_b, compatível com a leitura de arquivo do programa Ansys Workbench 14.0® (NASDAQ: ANSS) utilizado na simulação. A placa e os parafusos, cujas propriedades instituídas são de titânio, foram fornecidos pela empresa Neoortho produtos ortopédicos® (NEOORTHO), em que utilizamos uma placa de reconstrução 2.4 angulada esquerda de 21 furos (4x17F) e oito parafusos autorroscantes 2.4x12mm. A placa foi integrada ao corpo mandibular e ramo de forma passiva, sendo unida, ativamente, apenas pelos parafusos.

Nessa análise, foi reproduzida uma malha tridimensional tetraédrica, constituída por 1.072.389 elementos e 1.824.672 nós.

As estruturas foram divididas em: esmalte, dentina, polpa, ligamento periodontal, osso trabecular e osso cortical, sendo consideradas com um comportamento isotrópico, homogêneo e linear elástico, com coeficiente de Poisson e módulo de Young (Tabela 1). Foram aplicadas forças na região de inserção dos músculos temporal (margem lateral do processo coronoide da mandíbula) de 235 N, pterigoide medial (tuberosidade pterigoidea) de 145 N e masseter (face lateral do ramo da mandíbula) de 151 N, envolvidos no levantamento da mandíbula no ato mastigatório, exemplificado na figura 2. O suporte foi aplicado nos contatos oclusais dos dentes 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47. Também foi considerado que os músculos inseridos na placa exercem uma função de 2/3 da força dos músculos envolvidos na mastigação (Tabela 2).

 

 

 

 

 

RESULTADOS

Os resultados foram visualizados em escalas de cores, em que cada cor corresponde a um grau de tensão ou deformação.

Quando em relação ao complexo mandibular, pode-se dizer que houve tensão uniforme em toda sua extensão (figura 3). A mesma condição é encontrada quando se nota a fixação no mento e ramo mandibular.

Em relação aos parafusos que fixam a placa, os valores de maior tensão estão localizados nos parafusos mais afastados da área da ressecção mandibular.

Por outro lado quando obtemos os valores da deformação da placa de reconstrução, a tensão é concentrada no meio da placa, afastada dos parafusos de fixação (figura 4).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O atual trabalho beneficiou-se de uma tomografia computadorizada para reconstruir uma mandíbula e seus elementos dentários e também de uma placa para reconstrução mandibular e seus parafusos em arquivos computacionais.8 A malha tetraédrica gerada no objeto de estudo obteve um total de 1.824.672 nós e 1.072.389 elementos, propiciando um modelo de alta resolução e fornecendo um resultado mais apurado. A AEF é eficiente para localização e definição das regiões de maior e menor tensão e deformação. Isso se torna possível devido ao cálculo matemático preciso de um sistema de atuação de forças unido às características geométricas e às propriedades mecânicas dos materiais biológicos.12 No mento e no ramo da mandíbula, a espessura de osso cortical é diferentes sendo que, no mento, a espessura é maior na face anterior do que na posterior, e no ramo, é maior na face lateral do que na face medial.13 Embora, neste estudo, se possa observar uma tensão uniforme em ambas as regiões citadas As tensões são visualizadas em escala de cores, em que a cor azul é menos intensa, podendo ser considerada como pressão, se houver sinal negativo, e a cor vermelha a mais intensa. Nos resultados encontrados, observamos que a concentração de maior tensão se localiza-la na região onde a placa está inserida, ramo e corpo da mandíbula, sendo que, na inserção da placa, na região do mento, a tensão é maior que na inserção da placa, no ramo mandibular, que poderia ser explicado pela falta de apoio dentário, como anteparo, na porção seccionada. Dessa maneira, pode-se relacionar as áreas de alta tensão e deformação com as áreas de maior espessura de osso cortical como áreas adaptadas para absorver e anular forças.14 Já nos parafusos, a maior tensão se encontra na extremidade de cada região de fixação, da mesma forma que outro estudo apresentou dissipação da tensão para os parafusos, com concentração crescente para a região apical dos parafusos próximos à simulação do traço de fratura.15

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que quando há necessidade de ressecção de grande quantidade de tecido ósseo, além do encontrado neste estudo e em outros estudos laboratoriais e clínicos, o tipo de material de fixação deve ser load-bearing. Concordemos ainda que, chegar a uma harmonia em que todas as forças sejam distribuídas uniformemente sem sobrecarregar certa região seria ideal, por isso necessitamos cada vez mais de trabalhos científicos na área de bioengenharia, proporcionando conhecimento e materiais para fornecer uma melhor qualidade de vida aos nossos pacientes.

 

REFERÊNCIAS

1. Bianchi B; Ferri A; Ferrari S; Leporati M; Copelli C; Ferri T; Sesenna E. Mandibular resection and reconstruction in the management of extensive ameloblastoma. J Oral Maxillofac Surg. 2013; 71(3): 528-537.         [ Links ]

2. Montoro JRMC; Tavares MG; Melo DH; Franco RL; Mello-Filho FV; Xavier SP; Trivellato AE; Lucas AS. Ameloblastoma mandibular tratado por ressecção óssea e reconstrução imediata. Rev. Bras. Otorrinolarigol. 2008; 74(1): 155-7.

3. Santos LCS; Seixas AM; Barbosa B; Cincura RNS. Adaptação de placas reconstrutivas: uma nova técnica. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac. 2011; 11:9-14.

4. Li Z, Zhao Y, Yao S, Zhao J, Yu S, Zhang W. Immediate Reconstruction of Mandibular Defects: A Retrospective Report of 242 Cases. J. Oral Maxillofac Surg. 2007, 65:883-890.

5. Arora A; Datarkar AN; Borle RM; Rai A; Adwani DG. Custom-made implant for maxillofacial defects using rapid prototype models. J Oral Maxillofac Surg. 2013; 71: 104-110.

6. Correa APS; Brust AWA; Jesus GP. Prototipagem rápida: um método auxiliar no tratamento de ameloblastoma: relato de caso. Rev Odontol UNESP. 2010; 39: 247-254

7. Cardoso CL, Munhoz EA, Ribeiro ED, Souza Neto JS, Sant'Ana E, Ferreira Júnior O. Aplicação da estereolitografia na reconstrução mandibular após ressecção de ameloblastoma: relato de caso. Rev Clín Pesq Odontol. 2008; 4: 101-5.

8. Mazzonetto R, Moreira RWF, Moraes M, Barbosa JRA, Passeri LA, Spagnoli DB. Uso de modelos estereolitográficos em cirurgia buco-maxilo-facial. Rev Assoc Paul Cir Dent Reg Araçatuba. 2002; 56: 115-8.

9. Lotti RS, Machado AW, Mazzieiro ET, Júnior JL. Aplicabilidade científica do método dos elementos finitos. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2006; 11:35- 43.

10. Argenta MA, Buriol TM, Hecke MB. Metodologia para obtenção de parâmetros físicos e geométricos do osso trabecular função de imagens de micro tomografia. Mecânica computacional. 2010; XXIX:6363-6381.

11. Meurer MI, Meurer E, Silva JVL, Bárbara AS, Nobre LF, Oliveira MG, Silva DN. Aquisição e manipulação de imagens por tomografia computadorizada da região maxilofacial visando á obtenção de protótipos biomédicos. Radiologia Brasileira. 2008; 41:49-54.

12. Ren Y, Maltha JC, Van't Hof MA, Kuijpers- Jagtman AM. Age effect on orthodontic tooth movement in rats. J Dent Res. 2003; 82:38-42.

13. Schwartz-Dabney CL, Dechow PC. Variations in cortical material properties throughout the human dentate mandible. Am J Phys Anthropol. 2003; 120: 252-277.

14. Roberts WE. Fundamental principles of bone physiology, metabolism and loading. In: Naert I, Van Steenberghe D, Worthington P. Osseointegration in oral rehabilitation: an introductory textbook. London: Quintessence, 1993: 157-169.

15. Simei ASRF; Asprino L; Sverzut A; Moura WL; Barbosa JRA; Noritomi PY. Atrophic mandible fractures treatment: epidemiological study, mechanical and finite element analysis. 2012. Tese (Doutorado em Odontologia) – Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Piracibada, Piracicaba. 2012.

 

 

Endereço para correspondência:
Guilherme dos Santos Trento
Rua Prof. Lothário Meissner, 632 – Jardim
Botânico, Curitiba – Paraná – Brasil
CEP: 36021-630

e-mail:
guilhermetrento@yahoo.com.br

 

Recebido: 11/08/2015
Aceito: 21/10/2015