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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2016

 

Artigo Caso Clínico

 

Enxerto ósseo microvascularizado na reconstrução mandibular: relato de caso

 

Microvascular bonegraft in mandibular reconstruction: case report

 

Arthur José Barbosa de FrançaI; Virgílio Bernardino Ferraz JardimII; Ricardo José de Holanda VasconcellosIII; Kléber Oliveira BarbozaIV; Airton Vieira Leite SegundoV; Emerson Filipe de Carvalho NogueiraVI

 

I Acadêmico da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco – FOP/UPE
II Acadêmico da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco – FOP/UPE
III Cirurgião-Dentista, Especialista, Mestre e Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Professor Adjunto de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – FOP/UPE
IV Ortopedista, Especialista em Cirurgia da Mão, Membro Titular da SBOT, Membro Titular ABCMão, Membro Internacional Afiliado da AAOS
V Cirurgião-Dentista, Chefe do Serviço de CTBMF do HRA/PE, Mestre e Doutor em Estomatologia pela UFPB
VI Cirurgião-Dentista, Especialista em CTBMF e Mestrando em CTBMF pela FOP/UPE

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Os defeitos mandibulares podem ser causados por uma variedade de fatores, incluindo os traumas, osteomielite, osteonecrose, como também por tumores benignos ou malignos. A não reparação desses defeitos pode causar desfiguração facial, redução da capacidade mastigatória, dificuldade da fala, além de afetarem severamente a qualidade de vida dos pacientes. O ideal é que as reconstruções mandibulares devam não apenas restaurar a altura anatômica e o contorno na região ausente mas também permitirem o reestabelecimento funcional e psicossocial. Atualmente, existem várias formas de reconstrução óssea descritas na literatura. O enxerto ósseo livre normalmente é utilizado para defeitos menores que 7cm apresentando bons resultados. Para defeitos maiores, o enxerto ósseo vascularizado estaria melhor indicado, pois a irrigação imediata minimiza os riscos de insucesso da reconstrução. Nesses casos, uma opção viável é o enxerto de crista ilíaca, por fornecer segmento ósseo significante tanto em altura quanto em espessura, além da possibilidade de incluir vasos importantes para a realização da anastomose microvascular. Este trabalho relata um caso de reconstrução mandibular com uso do enxerto microvascularizado de crista ilíaca em paciente portador de ameloblastomasubmetido a ressecção óssea extensa.

Palavras-chave: Enxerto ósseo; reconstrução; mandíbula.


 

ABSTRACT

The mandibular defects may be caused by a variety of factors, including trauma, osteomyelitis, osteonecrosis, well as benign or malignant tumors. Failure to repair these defects can cause facial disfigurement, reduced chewing ability, speech difficulty, and severely affect the quality of life of patients. Ideally, mandibular reconstructions shouldn't only restore the anatomic height and missing contour in the region, but also allow the functional and psychosocial reestablishment. Actually, there are several forms of bone reconstruction described in the literature, and the free bone graft is indicated for minor defects that 7cm with good results.Vascularised bone graft is indicated for larger defects, because the immediate irrigation minimizes the risks of failure of the reconstruction. A viable option is the iliac crest bone graft, because it provides significant bone segment both in height and thickness, and can include important blood vessels to the anastomosis. This case reports a reconstruction with microvascularized iliac crest bone graft in patient with ameloblastoma subjected to extensive bone resection.

Keywords: Bone transplantation; reconstruction; mandible.


 

INTRODUÇÃO

Os defeitos mandibulares podem ser causados por uma variedade de fatores, como trauma maxilofacial, osteomielite, osteonecrose, além dos tumores benignos ou malignos1,2. Nesses casos, a reconstrução óssea, por meio de enxertos, pode ser uma alternativa viável para o tratamento desses defeitos. Dentre as vantagens da reconstrução óssea após uma ressecção mandibular, pode-se citar: estabilização da fratura, diminuição do risco de fratura da placa, manutenção do contorno facial3 e criação de uma área para reabilitação dentária. Se a reconstrução for imediata, reduzo número de intervenções cirúrgicas e o tempo de internação, além de proporcionar a reabilitação e o retorno à vida social mais rapidamente3.

Os enxertos utilizados nas reconstruções mandibulares podem ser livres, quando se constituem apenas de tecido ósseo, ou microvascularizados, quando possuem uma vascularização adicional. O enxerto ósseo livre necessita de uma revascularização proveniente dos tecidos circundantes à área reconstruída. Esse processo de revascularização demanda tempo, e muitas células ósseas morrem durante esse período. Assim, a revascularização imediata , por meio de anastomose cirúrgica, tem a vantagem de resultar numa osteogênese mais precoce4.

Os enxertos não vascularizados de crista ilíaca proporcionam bons resultados estéticos, contorno e volume ósseos satisfatórios. No entanto, o fato de não possuírem vascularização própria implica menor taxa de sobrevivência, bem como sua inviabilização no emprego de segmentos ósseos de grandes dimensões5. Por outro lado o enxerto vascularizado pode ser considerado como um padrão para a reconstrução mandibular em pacientes submetidos a grandes ressecções, pois além de fornecer segmento ósseo significante, promove suprimento vascular adicional2,6.

O presente artigo tem como objetivo relatar o caso de um paciente portador de ameloblastoma mandibular extenso, o qual foi tratado com resseção e reconstrução óssea imediata, com enxerto microvascularizado de crista ilíaca.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 43 anos de idade, procurou o Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Regional do Agreste, em Caruaru/PE, queixando-se de "crescimento da mandíbula" com aproximadamente 5 anos de evolução. Ao exame físico facial, observou-se assimetria facial, lesão em corpo mandibular direito, firme, endurecida, sem alteração na coloração da mucosa, e assintomática à palpação (Figuras 1A E 1B). Na radiografia panorâmica dos maxilares, observou-se imagem radiolúcida em corpo e ângulo mandibular, bem delimitada, e multilobular (Figura 1C). A hipótese diagnóstica foi de ameloblastoma multicístico, confirmada após biópsia incisional.

 

 

 

A tomografia computadorizada sugeriu lesão de aproximadamente 6 cm no seu maior comprimento. Sendo assim, o planejamento cirúrgico foi de ressecção parcial de mandíbula com margem de segurança (1cm), seguida de reconstrução imediata com placa e enxerto ósseo microvascularizado de crista ilíaca. O acesso cirúrgico de escolha foi o submandibular estendido, no qual foi realizada a ligadura da artéria e veia facial, com o objetivo de receber a anastomose. Após exposição do tumor, realizou-se a ressecção mandibular com serra reciprocante, fixação dos cotos com placa de reconstrução do sistema 2.4mm e sutura intrabucal (Figura 2A). A peça cirúrgica removida apresentava aproximadamente 8cm em seu maior diâmetro (Figura 2B). O enxerto ósseo foi obtido, incluindo a artéria e veia circunflexa profunda (Figura 2C), o qual foi posicionado no defeito ósseo, fixado com parafuso (Figura 2D) e realizada a anastomose com a artéria e veia facial, seguida pela sutura por planos.

 

 

 

No 7º dia de pós-operatório, o paciente apresentava discreto quadro doloroso na região doadora (ilíaco), edema em região mandibular, suturas sem infecção ou deiscência, oclusão dentária satisfatória e sem queixas na face. Ele está sendo acompanhado há 2 anos, sem sinais de recidiva e exames de imagem demonstrando satisfatório posicionamento, bom volume e manutenção do contorno ósseo (Figura 3A, 3B, 3C e 3D).

 

 

 

DISCUSSÃO

A ressecção mandibular pode ser uma importante modalidade de tratamento para os tumores, as infecções ou trauma7. Os papéis estéticos e funcionais da mandíbula fazem da sua reconstrução um componente significativo do tratamento após ressecção8. Por outro lado, a não reconstrução mandibular provoca uma maior instabilidade longitudinal entre os segmentos, impede a colocação de implantes na região, altera a oclusão e função mastigatória, além de causar defeito estético devido à perda do contorno facial9.

O uso de enxertos ósseos permite que tais reconstruções sejam executadas tentando-se reestabelecer a estética e a funcionalidade da área perdida. O enxerto ideal deve ser biocompatível, possuir células com potencial osteogênico, fácil obtenção, resistente às forças mastigatórias e à fratura. Os mais utilizados para grandes reconstruções, como no caso de ressecções parciais de tumores, são o enxerto da crista ilíaca e o enxerto de fíbula3.

Dentre as vantagens do enxerto de ilíaco em relação ao enxerto de fíbula, pode-se citar: disponibilidade de grande quantidade de osso, cicatrizes menos visíveis e tempo de recuperação mais curto. Segundo Blanchaert10 (1999), a altura da mandíbula reconstruída é determinada pelas dimensões do enxerto utilizado. Para esse autor, o enxerto de ilíaco oferece altura mais adequada em todas as situações clínicas, enquanto o enxerto de fíbula tem altura semelhante a uma mandíbula que passou por processo de reabsorção, como em casos de pacientes desdentados10. Por esses motivos, para o caso do presente artigo, optou-se pelo uso do enxerto de crista ilíaca.

Em um estudo realizado por Vu e Schimidt11 (2008), avaliou-se a qualidade de vida de 18 pacientes submetidos a ressecções mandibulares com posterior reconstrução com enxerto de fíbula vascularizado ou enxerto livre de ilíaco. Os resultados sugeriram que a reconstrução com a crista ilíaca foi mais eficiente que os enxertos fibulares, principalmente na melhoria da função mastigatória, deglutição e paladar.

Os enxertos vascularizados, por possuírem uma vascularização cirúrgica e imediata, apresentam maiores chances de sucesso, principalmente nas grandes reconstruções, nas quais estão mais indicados que os enxertos ósseos livres. Os enxertos vascularizados possuem uma consolidação mais precoce no leito receptor, além de maior conservação da massa óssea e maior resistência a infecções, quando comparados aos não vascularizados12. A vascularização adicional desses enxertos permite uma maior adaptação em leitos com pobres condições, como locais que já passaram por infecção extensa ou que já foram submetidos a elevadas doses de radiação, quando comparados aos enxertos livres13. Quando se opta pelo enxerto de crista ilíaca vascularizado na reconstrução mandibular, os vasos circunflexo silíacos profundos são os mais utilizados, e a anastomose normalmente é feita com a artéria e veia facial14.

Quanto à utilização do enxerto livre não vascularizado, de acordo com Pogrel15et al. (1997) a taxa de insucesso se eleva com o aumento do comprimento do defeito. Há falha em 17% para defeitos de 6 cm e falha de 75% para defeitos com 12 cm ou mais. Por outro lado, o Freitas3 (2008) afirma que em áreas maiores de 7 cm, prefere-se a realização de retalhos microvascularizados, visto que os enxertos ósseos convencionais têm alto índice de complicações. No caso relatado, o defeito encontrado foi de aproximadamente 8cm, o que direcionou o tratamento com o uso do enxerto ósseo de ilíaco microvascularizado.

As desvantagens do enxerto da crista ilíaca estão mais associadas à área doadora. Nas reconstruções com esse tipo de enxerto, pode haver dificuldade de deambulação pós-cirúrgica, distúrbios dos centros de crescimento do quadril, parestesia do nervo cutâneo lateral femoral e lesões das vísceras por penetração na área abdominal, além de hematomas e fraturas desfavoráveis, sendo essas duas últimas decorrentes de erro na técnica cirúrgica3. Em relação à microvascularização, a complicação mais comum é a trombose venosa, geralmente resultante de erros técnicos, como: tensão excessiva na linha de sutura, técnica cirúrgica traumática, torção ou compressão extrínseca do retalho, pressão inadequada dos clampes vasculares, provocando lesão da camada íntima do vaso ou transfixação da parede posterior do vaso por um ponto da parede anterior5. O caso descrito no presente trabalho foi acompanhado, clínica e radiograficamente, por 2 anos e não evoluiu com nenhum tipo de complicação, exceto pela dificuldade de deambulação, inerente à cirurgia, nas primeiras 2 semanas pós-operatórias.

Apesar dos vários métodos reconstrutivos disponíveis, ainda não é possível conseguir uma reconstrução mandibular perfeita, com restauração plena da continuidade, recuperação completa da sensibilidade da região, dos elementos dentários edos tecidos moles. Como consequência, a reconstrução do osso mandibular ainda permanece um desafio2. Porém, com o diagnóstico preciso, planejamento minucioso e boa execução da técnica, podem-se conseguir resultados satisfatórios por meio do bom reestabelecimento da estética e da função mandibular.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O enxerto microvascularizado de crista ilíaca demonstra ser uma técnica cirúrgica viável nas reconstruções mandibulares, principalmente para os casos de grandes defeitos ósseos. Sua maior vantagem é oferecer grandes quantidades ósseas, além de permitir reabilitações dentárias posteriores com menor taxa de insucesso. Certamente, esse procedimento requer tratamento multidisciplinar, conhecimento detalhado pelo cirurgião buco maxilo facial das técnicas cirúrgicas e suas possíveis complicações. O caso apresentado mostra o sucesso dessa técnica e evidencia ser um método eficiente e seguro para o tratamento cirúrgico de reconstruções mandibulares.

 

REFERÊNCIAS

1. Wong RC, Tideman H, Kin L, Merkx MA. Biomechanics of mandibular reconstruction: a review. Int J Oral MaxillofacSurg, 2010; 39, 313, 2010.         [ Links ]

2. Miles BA, Goldstein DP, Gilbert RW, Gullane, PJ. Mandible reconstruction. CurrOpinOtolaryngol Head Neck Surg,2010; 18, 317.

3. Freitas R. Tratado de cirurgia bucomaxilofacial. Livraria Editora Santos LTDA, 2008.

4. Vayvada H, Mola F, Menderes A, et al.Surgical management of ameloblastoma in the mandible: Segmental mandibulectomy and immediate reconstruction with free fibula or deep circumflex iliac artery flap (evaluation of the long-term esthetic and functional results). J Oral MaxillofacSurg, 2006; 64:1532.

5. Mélega JM. Cirurgia plástica: fundamentos e arte. São Paulo: Médica e Científica, p. 57-70; 2002.

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8. Obiechina AE, Ogunlade SO, FasolaAO, Arotiba JT. Mandibular segmental reconstruction with iliac crest. West Afr J Med 2003;22:46-9.

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10. Blanchaert RH. Comparison of the late results of mandibular reconstruction using nonvascularized or vascularize grafts and dental implants. J Oral MaxillofacSurg, 1999; 57:950-951.

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12. Peruchi FM, Sebben AD, Lichtenfels M, Jaeger MRO, Silva JB. Viabilidade do enxerto ósseo da crista ilíaca, vascularizado pelo ramo ilíaco da artéria iliolombar: estudo experimental em ratos. Rev. bras. ortop. vol.47 no.3, São Paulo, 2012.

13. Schliephake H, Schmelzeisen R, Husstedt H, Schmidt-Wondera LU. Comparison of the late results of mandibular reconstruction using nonvascularized or vascularized grafts and dental implants. J Oral MaxillofacSurg, 1999, 57:944-950.

14. Costa SM, Souza GMC, Polizze RJ, Costa PR. Reconstrução da mandíbula. RevBrasCirCraniomaxilofac 2010; 13(3): 169-74

15. Pogrel MA, Podlesh S, Anthony J P , Alexander J. A Comparison of Vascularizedand Nonvascularized Bone Grafts for Reconstruction ofMandibularContinuityDefects J Oral MaxillofacSurg 1997; 55:1200-1206.

 

 

Endereço para correspondência:
Ricardo José de Holanda Vasconcellos
Universidade de Pernambuco,
Av. General Newton Cavalcanti, 1650
Camaragibe, Pernambuco, Brasil

e-mail: ricardoholanda@bol.com.br

 

Recebido: 06/10/2015
Aceito: 20/10/2015