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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2016

 

Artigo Caso Clínico

 

Osteomielite mandibular refratária em paciente com osteopetrose: Relato de caso

 

Refractory mandibular osteomyelitis in a young patient with osteopetrosis: Case report

 

André Luis Costa CantanhedeI; José Ribamar Alex DiasII; Júlio César Silva de OliveiraIII; Eider Guimarães BastosIV; Maria Carmen Fontoura Nogueira da CruzV

 

I Cirurgião-dentista, ex estagiário do Serviço de CTBMF Hospital Universitário Presidente Dutra - Universidade Federeal do Maranhão, São Luís, MA
II Residente do Serviço de CTBMF da Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI
III Mestre em CTBMF, Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP, Araçatuba, SP
IV Departamento de CTBMF, Hospital Universitário Presidente Dutra - Universidade Federeal do Maranhão, Sao Luís, MA
V Departamento de Patologia Bucal, Faculdade de Odontologia, Universidade Federeal do Maranhão, São Luís, MA

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Osteopetrose é uma rara desordem óssea metabólica, de caráter hereditário, com diagnóstico firmado por vários achados clínicos e principalmente radiográficos. Caracteriza-se por uma disfunção osteoclástica, que gera a um aumento da densidade óssea esqueletal. Em pacientes acometidos por essa condição, um fator determinante é a reduzida vascularização óssea com quadro de anemia e neutropenia frequentemente presente, tornando-os muito susceptíveis a infecções. Três variantes da doença são reconhecidas na literatura: autossômica recessiva maligna infantil, autossômica recessiva branda e a forma autossômica dominante benigna do adulto, sendo a primeira a mais grave. Dessa forma, torna-se imperativo o cuidadoso manejo deste paciente pelo cirurgião-dentista no que se refere à extrações dentárias, haja vista que, em 10% dos casos, os pacientes podem desenvolver osteomielite nos maxilares após esse procedimento. Este trabalho ilustra o caso de um paciente de 15 anos de idade, com osteopetrose recessiva branda que, após a extração de um dente molar decíduo, desenvolveu infecção mandibular severa, sendo realizado tratamento cirúrgico-medicamentoso. Após alguns anos, o paciente retornou com quadro infeccioso refratário, demonstrando, ao exame clínico, fístulas submandibulares com drenagem espontânea e exteriorização de placa de reconstrução na região parassínfise da cirurgia anterior. O tratamento antibiótico não mostrou grandes melhorias, e assim, o paciente foi submetido a novo procedimento cirurgico por meio de mandibulectomia, com resolução final do processo de infecção.

Palavras-chave: Osteopetrose; doença de Albers-Schoenberg; osteomielite; mandíbula.


 

ABSTRACT

Osteopetrosis is a rare hereditary metabolic bone disorder that has its diagnosis mainly based on several clinical and radiographic findings. It is characterized by an osteoclast dysfunction which leads to an increase in skeletal bone density. In patients suffering from this condition, a key factor is the reduced bone vascularization with anemia and neutropenia often present, making them very susceptible to infections. Three variants of the disease are recognized in the literature: severe infantile malignant autosomal recessive, intermediate mild autosomal recessive, and benign autosomal dominant, with the first being the most severe. Therefore, it becomes imperative a careful management of this patient by the dentist in regards to dental extractions, given that in 10% of cases, patients may develop osteomyelitis of the jaws after these procedures. This paper illustrates a case of a patient of 15 years old, with mild recessive osteopetrosis that after extraction of a deciduous molar tooth, developed severe mandible infection, surgery and medicamentous treatment were performed. After a few years, the patient returned with refractory infectious, demonstrating on clinical examination, submandibular fistula with spontaneous drainage and reconstruction plate externalization in parasymphysis region of previous surgery. Antibiotic treatment did not show major improvements, so the patient underwent new surgical procedure through mandibulectomy, with final resolution of the infection process.

Keywords: Osteopetrosis; Albers-Schoenberg disease; osteomyelitis; mandible.


 

INTRODUÇÃO

A osteopetrose é uma rara condição genética, caracterizada por esclerose óssea causada por disfunção osteoclástica. Também denominada de doença do osso marmóreo, Síndrome de Albers- Shoenberg ou osteoesclerose fragilis generalisada1. Foi primeiramente descrita em 1904 pelo radiologista alemão Albers-Shoenberg2, embora somente em 1926 tenha recebido a denominação de osteopetrose dada por Karshner1.

A osteopetrose exibe um vasto espectro de expressão clínica, fisiológica e genotípica3, sendo sua prevalência estimada em aproximadamente 0,005% da população4. Barry et. al.5 descreveram três principais variantes clínicas da doença, sendo uma variante autossômica recessiva maligna infantil, outra autossômica recessiva branda e a forma autossômica dominante benigna do adulto5. A osteomielite é uma complicação bem documentada da osteopetrose6,7 e, de acordo com Steiner et. al.8, ocorre mais comumente na mandíbula e ocasionalmente, na maxila, escápula e extremidades8. No presente artigo, os autores relatam um caso de paciente portador de osteopetrose óssea que, após extração dentária de um dente decíduo, evoluiu para um caso de grave osteomielite, comprometendo todo o osso mandibular.

 

RELATO DE CASO

Adolescente, caucasiano, 15 anos de idade foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Universitário Presidente Dutra (HUPD), em São Luís (MA, Brasil), para avaliação e tratamento de fístulas submandibulares bilaterais com secreção purulenta drenando e exteriorização de miniplaca de fixação na região de parassínfise esquerda. Ao exame físico, apresentava-se com baixa estatura (1,11m), peso de 27,3 kg, bossa frontal evidente, aumento mandibular bilateral, abertura bucal limitada, dentes com coroas malformadas associados à má higiene oral (Figuras 1a, 1b e 1c). O paciente não apresentava sinais de retardo mental, distorções visuais, deficiência auditiva ou paralisia facial.

 

 

 

Na história médica pregressa, o paciente havia sido submetido à extração de um dente molar decíduo há seis anos por um profissional não habilitado, em seguida, desenvolveu fístula cutânea submandibular com infecção secundária subsequente. Ele foi tratado com terapia cirúrgicomedicamentosa que consistiu em curetagem e fixação interna rígida utilizando placas e parafusos. Após melhora clínica, o paciente retornou à sua cidade natal.

Na atual avaliação, os testes de laboratório revelaram hematócrito de 27,2%, hemoglobina de 8,8g/dL, eritrócitos de 3,54x106/uL, plaquetas de 208x103/μL, cálcio total de 8,1mg/dL e fosfatase alcalina de 92u/L. Foi administrado Clindamicina 300 mg IV a cada 8 horas, por 12 dias, com melhora da secreção submandibular, mantendo os sinais vitais normais. A radiografia PA do crânio revelou esclerose óssea da calota craniana e ossos da base, e a TC da face mostrou grandes áreas radiopacas no crânio com radiodensidade nos seios faciais, que, juntamente com as radiografias de tórax e região pubiana, foram bastante sugestivos de osteopetrose (Figuras 2a, 2b, 2c e 2d). Posteriormente, houve troca do antibiótico para cefoxitina 1g IV a cada 6 horas, de acordo com o resultado do antibiograma.

 

 

 

O paciente, então, foi submetido à intervenção cirúrgica sob anestesia geral, com intubação naso-traqueal com o auxílio de fi broscópio, devido ao acentuado trismo mandibular. Incisão submandibular bilateral para remoção da placa de fi xação e sequestrectomia dos sítios infectados foram realizadas. O osso mandibular apresentava aparência acinzentada com desvitalidade completa e a ressecção total da mandíbula foi a técnica de eleição como tratamento definitivo (Figuras 3a, 3b, 3c e 3d). Após a cirúrgia, o paciente foi internado na Unidade de Terapia Intensiva, sete dias depois foi realizado traqueostomia pela cirurgia pediátrica com colocação de cânula metálica, sendo permanentemente assistido pela enfermaria para realização de fisioterapia respiratória (Figura 3d). Após 70 dias, foi retirada a cânula metálica, recebendo o paciente alta hospitalar. No momento, ele apresenta-se com defeito estético e funcional, aguardando uma melhor forma de reconstrução mandibular.

 

 

 

DISCUSSÃO

A osteopetrose resulta em um aumento da densidade óssea com mínimos espaços medulares e limitado suplemento sanguíneo, gerando frequentemente ao desenvolvimento de osteomielite em 10% dos casos de osteopetrose, sendo a mandíbula o sítio mais comum5. O diagnóstico é baseado na história de múltiplas fraturas, osteomielites refratárias e achados radiológicos de osteoesclerose, muito embora o diagnóstico diferencial não seja difícil, especialmente nos casos clássicos5; é muitas vezes adiado devido à raridade da doença. Em nosso caso, as características radiológicas, idade do paciente e os padrões gerais de saúde foram fundamentais para o diagnóstico de osteopetrose recessiva branda, mesmo que não houvesse histórico de fraturas dos ossos. Essa variante é caracterizada por defi ciência de anidrase carbônica II com calcifi cação cerebral, acidose renal tubular e típicas características da osteopetrose3. Diagnosticada usualmente no final da primeira década de vida tem prognóstico mais favorável do que a maligna; os pacientes afetados geralmente apresentam falha motora e cognitiva, pequena estatura, hepato-esplenomegalia branda, macrocefalia e bossa frontal. Compressão de nervos cranianos e osteomielite mandibular são características comuns; a maioria dos pacientes sobrevive até a vida adulta, mas com signifi cantes incapacidades5.

Yamada et. al.1 apresentaram um caso no qual a origem da osteomielite mandibular deu-se após a extração de um dente decíduo, e o paciente fisicamente apresentava baixa estatura e bossa frontal, características essas presentes em nosso caso. Steiner et. al.8 descreveram relevantes mudanças nos pacientes com osteopetrose de interesse ao cirurgião-dentista; como falha de erupção dos dentes, perda precoce dos dentes, raízes e coroas mal formadas, pequeno crescimento de osso alveolar, membrana periodontal de espessura anormal e marcado prognatismo mandibular. Barbaglio et al.4 apontaram típicos padrões radiográficos com esclerose óssea generalizada do crânio e costelas, similares aos encontrados em nosso caso.

O tratamento de osteomielite dos maxilares inclui incisão e drenagem, antibioticoterapia, sequestrectomia, extração de dentes, cauterização, descorticalização, ressecção do maxilar e oxigênio hiperbárico individualmente ou em conjunto8. Alguns autores3 ressaltam que a osteomielite mandibular pode ser tratada com antibióticos por longo período de tempo ou sequestrectomia, mas Barry et al.5 afirmam que em casos de osteomielite mandibular em pacientes portadores de osteopetrose, somente a ressecção e terapia de oxigênio hiperbárico são realmente eficazes.

A terapia de oxigênio hiperbárico é relatada como procedimento efetivo para osteomielites refratárias, mas poucos casos foram aplicados em pacientes com osteopetrose, e, quando utilizada em pacientes jovens, otite barotraumática é uma complicação frequente1. Diante desses dados e indisponibilidade de equipamento apropriado, não cogitamos essa terapia para esse caso. A ressecção total da mandíbula traz severas consequências funcionais e estéticas3, no entanto, alguns trabalhos relatam casos de osteomielite refratária associada à osteopetrose tratados com sucesso por meio de hemimandibulectomia3,6, embora haja caso descrito de remoção de toda mandíbula8, procedimento de escolha para o caso por nós relatado.

Devido à natureza da doença, não é recomendado enxerto ósseo livre, pois há baixo suprimento sanguíneo, sendo a melhor opção os enxertos microvascularizados de sítios doadores bem selecionados, como a fíbula3. No entanto, a reconstrução primária só é possível, se houver sítio doador adequado e profissionais devidamente habilitados para a realização do enxerto vascularizado, sendo o maior desafio em nosso caso o fato de as áreas doadoras de enxerto microvascularizado estarem comprometidas devido à extensa esclerose óssea, o que comprometeria o sucesso a longo prazo no leito receptor. Barbaglio et. al.4 afirmam que a opção por tratamentos mais conservadores tende a falhar nos casos de osteomielite persistente, indicando um tipo de tratamento mais agressivo, o que evitaria mais complicações diante das já existentes.

Yamada et. al.1 ressaltam a importância da atuação multidisciplinar nesses casos, devido à variedade de sintomas presentes. Em adição, Albuquerque et al.2 afirmam que os cuidados com manuntenção da higiene oral são fundamentais para reduzir os riscos de futuras complicações.

 

CONCLUSÃO

Casos de osteopetrose afetados por osteomielite devem ser tratados o mais breve possível para evitar maiores deformações nos pacientes. Nos casos refratários, a ressecção é o tratamento cirúrgico de escolha com posterior reconstrução secundária, associado à antibioticoterapia. Cuidados com a higiene dental e manutenção da saúde bucal também são importantes na prevenção e controle da osteomielite nos casos envolvidos.

 

REFERÊNCIAS

1. Yamada T, Mishima K, Imura H, Ueno T, Matsumura T, Moritani N, Sugahara Toshio. Osteomyelitis of the mandible secondary to infantile osteopetrosis:A case report. Oral surg Oral Med Oral Pathol Oral radiol Endod. 2009; 107: 25-29.         [ Links ]

2. Albuquerque MAP, Melo ES, Jorge WA, Cavalcanti MGP. Osteomyelitis of the mandible associated with autosomal dominant Osteopetrosis: A case report. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2006; 102:94-98.

3. Bakeman RJ, Abdelsayed RA, Sutley SH, Newhouse RF .Osteopetrosis: A Review of the literature and Report of a case Complicated by Osteomyelites of the mandible. J Oral Maxillofac Surg. 1998; 56: 1209-1213.

4. Barbaglio A, Cortelazzi R, Martignoni G, Nocini PF .Osteopetrosis complicated by Osteomyelitis of the mandible: A case report including gross and microscopic findings. J Oral Maxillofac Surg. 1998:56:393-398.

5. Barry CP, Ryan CD, Stassen LFA. Osteomyelitis of the Maxilla Secondary to Osteopetrosis: A Report of 2 cases in Sisters. J Oral Maxillofac Surg 2007; 65: 144-147.

6. Lawoyin DO, Daramola JO, Ajagbe HA, Nyako EA, Lawoyin JO. Osteomyelitis of the mandible associated with osteopetrosis: Report of a case.Br J Oral Maxillofac Surg. 1988; 26:330-335.

7. Nitzan DW, Marmary Y. Osteomyelitis of the mandible in a patient with osteopetrosis.J Oral Maxillofac Surg. 1982; 40:377-380.

8. Steiner M, Gould AR, Means WR. Osteomyelitis of the mandible associated with osteopetrosis. J Oral Maxillofac Surg. 1983; 41:395-405.

 

 

Endereço para correspondência:
André Luis Costa Cantanhede
Avenida dos Portugueses, Campus do
Bacanga s/n, Sao Luís, MA, Brasil.
Postal Code: 65085-580

e-mail: ravenni@hotmail.com

 

Recebido: 23/07/2015
Aceito: 22/08/2015