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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

On-line version ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 n.1 Camaragibe Jan./Mar. 2016

 

Artigo Caso Clínico

 

Reabilitação com oftalmopróteses em dois pacientes com distintas etiologias de perda ocular

 

Rehabilitation with ophthalmic prosthesis in two patients with different from lost eye etiologies

 

Rennan Luiz Oliveira dos SantosI; Aline Mayara de França SilvaII; Leorik Pereira da SilvaIII; Reinaldo Brito e DiasIV; Maria do Socorro Orestes CardosoV

 

I Mestrando em Ciências Odontológicas com ênfase em Prótese Buco-Maxilo- Facial da Universidade de São Paulo
II Cirurgiã-Dentista graduada pela Universidade de Pernambuco - FOP/UPE
III Mestrando em Patologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN
IV Professor Titular do Departamento de Cirurgia e Prótese Buco-Maxilo- Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
V Professora Adjunta da Disciplina de Prótese Buco-Maxilo-Facial na Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco e Psicóloga graduada pela Universidade Católica de Pernambuco - FOP/UPE

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A tentativa do homem em restaurar aloplasicamente a região bucomaxilofacial mutilada é tão antiga quanto a formação das civilizações, tendo em vista a importância do olho como uma das estruturas mais importantes na individualização e harmonia da face. Na atualidade, algumas entidades públicas promovem atendimentos a pacientes mutilados que necessitam de uma reabilitação por meio de Prótese Bucomaxilofacial (PBMF), sendo a maior procura pelas oftalmopróteses devido ao grande número de traumas nessa região da face. A prótese ocular é importante para reconstruir a estética, embelezar o rosto cuja harmonia está comprometida, promover a sustentação e a tonicidade muscular palpebral, proteger a cavidade anoftálmica, evitar atresias, entre outros. Tal reabilitação faz parte dos cuidados necessários e representa uma conquista de melhor qualidade de vida para os pacientes e suas famílias. Neste trabalho, os relatos de dois casos clínicos visam apresentar duas reabilitações com oftalmopróteses individualizadas em pacientes com idades diferentes e etiologia da anoftalmia também distintas que resultaram em estéticas favoráveis. Após a confecção das próteses, foi observado que a reabilitação protética anterior ao desenvolvimento ou agravamento de dificuldades de relações interpessoais tende a melhorar a qualidade de vida, visto que a queixa principal quando inexistente melhora o desenvolvimento psicossocial dos pacientes.

Palavras-chave: Prótese ocular; Reabilitação; Oftalmologia.


 

ABSTRACT

Man's attempt to restore so alloplastic the maxillofacialregion is as old as the formation of civilizations. Given the importance of the eye as the most significant structure in the individualization and harmony of the face. Nowadays some public entities promote special care to patients who need a mutilated rehabilitation through Maxillofacial Prosthodontics (MFP), the highest demand is for eye prosthesis due to the large number of injuries in this region of the face. The ocular prosthesis aims to reconstruct the aesthetic, beautify the face whose harmony is committed to promote and support the eyelid muscle tone, protect the anophthalmic socket, avoid closure, among others.Such rehabilitation is part of palliative care and is an achievement of better quality of life for patients and their families. In this study, reports of two cases aim to present two eye prosthesis individualized rehabilitation in patients with different ages and different etiology of anophthalmic also resulted in favorable aesthetic. Thus it can be concluded that the prosthetic rehabilitation prior to the development or worsening of interpersonal difficulties relations tends to improve the quality of life of patients, since the main complaint nonexistent improves psychosocial development of these.

Keywords: Artificial Eye; Rehabilitation; Ophthalmology.


 

INTRODUÇÃO

A tentativa em reabilitar as perdas faciais são antigas. Escavações arqueológicas têm revelado múmias egípcias com olhos, nariz e orelhas artificiais. Essas perdas que influenciam na aparência e função são suficientes para tornar um indivíduo incapaz de levar uma vida relativamente normal e por isso, pela estética e pela saúde, reconstituir uma parte da face passou a ter o significado de resgatar a identidade do indivíduo 1,5.

Dentre as perdas de estruturas faciais, as perdas oculares apresentam grandes números de casos. As ausências oculares podem ser classificadas como congênitas ou adquiridas. Como etiologias congênitas, podem-se citar o glaucoma congênito, agenesia de bulbo ocular e a microftalmia. Já as adquiridas são divididas em patológicas ou acidentais. As perdas adquiridas patológicas podem ser neoplásicas ou infecciosas, como, por exemplo, retinoblastoma e endoftalmite bacteriana endógena, respectivamente, e as perdas adquiridas acidentais são provocadas por traumas em geral1,2.

A ausência congênita ou a perda do bulbo ocular, além de acarretar distúrbios estéticos e psicossociais, também comprometem o desenvolvimento normal da região orbitária em crianças2.

Nos casos de acidentes e doenças, podem ser necessários diferentes tipos de cirurgias, como a evisceração, a enucleação e a exenteração. A evisceração do globo ocular consiste na remoção do conteúdo intraocular, com preservação da córnea e esclera. Por outro lado, na enucleação, é removido todo o globo ocular. A exenteração é a mais agressiva; além do globo ocular, são removidas estruturas adjacentes, como as pálpebras ou osso de suporte; esse tipo de cirurgia é mais comum em grandes traumas com perda de substância ou neoplasias malignas2,3.

O olho é um órgão importante não apenas em termos de visão mas também por ser um componente importante da expressão, harmonia e saúde facial. Sua perda é reabilitada a partir de próteses oculares, também denominadas de oftalmopróteses. Essas próteses tiveram um grande impulso e popularização com a Segunda Guerra Mundial, quando a importação das próteses oculares de vidro confeccionadas na Alemanha estava impedida para os aliados1.

As próteses oculares podem ser classificadas quanto ao modo de obtenção em próteses industrializadas e individualizadas. As próteses industrializadas são padronizadas em relação ao seu tamanho e cor de íris, portanto prejudicam a estética e a harmonia facial. Por outro lado, oftalmopróteses individualizadas são confeccionadas em resina acrílica a partir da moldagem da cavidade de cada paciente1,4.

É evidente que atualmente a preocupação em reabilitar mutilados tem um significado mais amplo, pois se entende que saúde é definida por uma tríade em que o bem-estar físico, psíquico e social devem permanecer equilibrados para compor um indivíduo saudável. Tendo em vista a importância da reabilitação protética na melhora de qualidade de vida dos pacientes, o objetivo deste trabalho é apresentar dois casos clínicos com distintas etiologias de ausência ocular em que os pacientes foram reabilitados com oftalmopróteses individualizadas.

 

RELATO DE CASO

CASO 1 - Paciente de 5 anos, sexo masculino, melanoderma, encaminhado à Clínica de Prótese Bucomaxilofacial da FOP/UPE. Nunca tinha sido reabilitado após enucleação do olho esquerdo causada por retinoblastoma congênito. Por ser proveniente de uma familia com baixos recursos financeiros e por desconhecimento das próteses oculares, o paciente não havia passado por uma avaliação de um protesista bucomaxilofacial. A futura inserção escolar foi a principal causa da procura para a reabilitação (Figura 1A).

 

 

 

CASO 2 – Paciente de 47 anos, sexo feminino, melanoderma, encaminhada à Clínica de Prótese Bucomaxilofacial da FOP/UPE por ter uma prétese ocular não harmônica. A paciente sofreu evisceração do globo ocular esquerdo em decorrência de um trauma por objeto perfurante ainda na infância e foi reabilitada; no entanto, queixava-se da não adaptação da prótese pelo fato de o tamanho ser menor que o ideal e da cor incompatível da parte escleral. A paciente apresentava-se tímida e relatou não se sentir à vontade em público. (Figura 1B)

Após a anamnese e exame físico sistemático, o planejamento foi realizado, e os pacientes foram esclarecidos sobre os procedimentos e suas limitações. Antes de qualquer procedimento a pintura da íris foi realizada com tintas acrílicas e pincéis ultrafinos em discos de cartolina branca. Para a caracterização ideal das íris, o método empregado foi de tentativa e erro, até a obtenção de uma cor semelhante às íris remanescentes dos pacientes.

Obtidas as íris, foi realizada a moldagem das cavidades anoftálmicas com hidrocoloide irreversível (Alginato Dustless Jeltrate; Dentsply International, York, PA, EUA), utilizando-se moldeiras de estoque e uma seringa do tipo Luer para injeção do alginato fluido. O procedimento de moldagem não diferiu para os dois casos, apesar de o caso 1 tratar-se de uma criança e o caso 2 de um adulto. Os moldes diferiram pelo fato de o caso 2 ter sofrido uma evisceração e haver remanescente ocular e o caso 1 ter uma cavidade anoftálmica.

Com as moldagens finalizadas, cada molde foi incluído em mufla número 2 com gesso, pedra especial para impressão da câmara de molde, em que depois de vertido cera liquefeita obtiveram-se os padrões ceroplásticos dasfuturas oftalmopróteses. As peças ceroplásticas foram adaptadas e provadas na cavidade ocular antes da acrilização da prótese em resina. Depois de acrilizadas e testadas às adaptações, as próteses sofreram um desgaste para caracterizações das escleras de acordo com o olho remanescente dos pacientes. Por fim, uma nova camada de resina incolor foi incluída e polimerizada. Após o acabamento e polimento, as próteses foram inseridas nos dois pacientes, e foi observada estabilidade, adaptação, mobilidade e estética final. Aos pacientes reabilitados (Figuras 2A e 2B), foram passadas orientações sobre a higienização das próteses e recomendações sobre a necessidade de retornos periódicos para avaliação e acompanhamento da reabilitação.

 

 

 

DISCUSSÃO

As oftalmopróteses individualizadas em resina acrílica, confeccionadas a partir de uma moldagem, têm por finalidade aumentar a fidelidade de adaptação à cavidade, proporcionar maior amplitude de movimento, apresentar maior caracterização e fidelidade ao olho remanescente, proporcionando maior conforto, o que evita a deformidade da cavidade. Por outro lado, as próteses oculares industrializadas, mesmo confeccionadas em resina acrílica, promovem má acomodação e pontos de pressão na cavidade, o que pode gerar desconforto, irritação e até evoluir para algum dano. Além disso, as próteses industrializadas comprometem a mobilidade e tonicidade muscular 5-7.

Tendo em vista os melhores benefícios na reabilitação, foram confeccionadas oftalmopróteses individualizadas para os pacientes, pois são evidentes os melhores resultados, quando comparados com as próteses industrializadas.

A reabilitação é fundamental para a manutenção das estruturas periorbitais, o que irá conferir um resultado estético e funcional favorável ao paciente1-5. No caso 1, o paciente apresentava uma perda da tonicidade muscular, porque a perda ocular ocorreu no primeiro ano de vida, e a reabilitação protética só aconteceu quatro anos após. Ainda em idade pré-escolar, a reabilitação desse paciente tem o fator positivo de impedir dificuldades no estabelecimento de suas relações interpessoais e no desenvolvimento psicossocial2.

Há relatos na literatura de que a reabilitação protética bucomaxilofacial pode ser especialmente difícil em uma criança pequena não cooperativa, no entanto a não reabilitação pode resultar em atraso ao desenvolvimento psicossocial e resultar na desfiguração facial. Goel et al. (2012)8 descrevem os desafios enfrentados durante a reabilitação de uma criança de 6 meses de idade, com uma cavidade anoftálmica devido à enucleação por causa de retinoblastoma, sendo confeccionada uma prótese ocular, em resina acrílica de forma mais confortável e atraumática possível, com o objetivo de evitar a atrofia dos músculos e ossos da órbita. O caso foi um sucesso e ressalta o valor de uma abordagem multidisciplinar para o tratamento de crianças com necessidades especiais 8-11.

O trauma na região facial é a principal causa de deformidades, como descrito no caso 2, em que a perda ocular foi decorrente de uma lesão por objeto perfurante. O trauma foi descrito por Goulart et al. (2011)9como a etiologia mais prevalente da perda ocular adquirida, desses de 60,71% dos pacientes usuários de oftalmopróteses.

No caso 2, a paciente encontrava-se com uma prótese mal adaptada, havendo necessidade imediata de uma nova prótese para que as funções fossem mantidas. Tais funções consistem em manter a forma da cavidade anoftálmica, evitar o colapso ou a perda do formatopalpebral, estimular ação muscular adequada das pálpebras, impedir a acumulação de secreção lacrimal na cavidade, manter abertura palpebral semelhante ao olho natural, assemelhar a coloração e textura do olho natural e fazer com o olhar do paciente ser semelhante ao olhar natural4,6,10.

Nos dois casos apresentados, tanto o restabelecimento da harmonia facíal e o bemestar psicossocial foram objetivos do tratamento reabilitador. A estética facial, quando alcançada, gera melhorias no comportamento do paciente e restabelece o bem estar psicológico. A queixa principal de ambos os pacientes foi solucionada, principalmente no caso 2 em que a percepção da perda já existia. Tendo em vista que, no caso 1, por se tratar de uma criança em idade pré-escolar, a percepção social e estética ainda não eram fatores relevantes em seu dia a dia, mas salienta-se a importância da reabilitação antes da instalação de mal-estar físico, psíquico e social da criança2,9,11,12.

Com relação à reabilitação protética, quando sanados os sentimentos de vergonha, timidez, insegurança, tristeza e medo, observou-se o quanto significativo foi para a melhoria do bemestar dos pacientes afetados, o que corrobora a literatura2,4,6,9-12.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prótese ocular é de fácil confecção, de baixo custo, e os procedimentos para obtê-la podem ser realizados em um ambienteclínico comum. Tal procedimento reabilitador confere ao paciente uma aparência próxima do natural que ajuda a soerguer e restabelecer a estética, além da melhora no bemestar do indivíduo.

 

REFERÊNCIAS

1. Fonseca EP, Prótese ocular. São Paulo: Panamed Editorial; 1987.         [ Links ]

2. Goiato MC, Dos Santos DM, Bannwart LC, Moreno A, Pesqueira AA, Haddad MF, Dos Santos EG. Psychosocial impact on anophthalmic patients wearing ocular prosthesis. Int J Oral Maxillofac Surg. 2012; YIJOM-2439.

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9. Goulart DR, Queiroz E, Fernandes AUR, Oliveira LM. Psychosocial aspects in the rehabilitation of patients with anophthalmic socket: implications of the use of ocular prosthesis. Arq. Bras. Oftalmol. 2011 Oct; 74(5): 330-334.

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11. Cardoso MS, Araújo PG, Cardoso AJ, Cardoso SM, Morais LC. Implicações psicossociais em pacientes com perda do globo ocular. Rev Cir TraumatolBucomaxilo- fac. 2007;7(1):79-84.

12. Loretto NRM, Cardoso MSO, Cardoso SMO, Cardoso AJO, Morais LC. Importance of rehabilitation of the prosthetic region óculo-palpebral: case report. Odontologia. Clín.-Científ. 2008 Jun; 7(2): 151-155.

 

 

Endereço para correspondência:
Rennan Luiz Oliveira dos Santos -
Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia maxilofaciais - FOUSP
Avenida Professor Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária, São Paulo - SP
05508-000

 

Recebido: 26/06/2015
Aceito: 11/11/2015