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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2016

 

Artigo Caso Clínico

 

Fístula oronasal após palatoplastia em pacientes fissurados

Oronasal fistula after palatoplasty in cleft patients

 

Isadora Mello Vilarinho SoaresI; Priscila Ferreira TorresII; Natália Silva AndradeIII; Regina Ferraz MendesIV; Raimundo Rosendo Prado JúniorV; Lúcia Rosa Reis de Araújo CarvalhoVI

 

I Mestre em Odontologia pelo Programa de Pós-Graduação em Odontologia - Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
II Mestre em Odontologia pelo Programa de Pós Graduação em Odontologia - Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
III Aluna do Programa de Pó-Graduação em Odontologia - Mestrado - Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil

IV Profa. Doutora em Dentística - Departamento de Odontologia Restauradora - Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
V Prof. Doutor em Dentística - Departamento de Odontologia Restauradora - Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
VI Profa. Mestre em Ciências da Saúde - Departamento de Patologia e Clínica Odontológica - Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A fístula oronasal (FON) consiste na principal sequela pós-cirúrgica da palatoplastia podendo levar a problemas funcionais, como a fala hipernasal e regurgitação de alimentos pelo nariz. Essa condição compromete o resultado do tratamento da fissura labiopalatina, e seu reparo torna-se um desafio para a equipe multidisciplinar. Este trabalho relata três casos de pacientes com fissura lábio-palatina que apresentaram FON após palatoplastia. Nos casos, foram diagnosticadas FON tipo VII (alveolar na região labial), provocadas pela tensão muscular excessiva sobre a sutura após palatoplastia. O tratamento consistiu em uma cirurgia para fechamento da fístula através da técnica de retalho mucoperiosteal, realizada por um cirurgião bucomaxilofacial. É essencial um planejamento cirúrgico adequado a fim de promover o melhor prognóstico para o paciente, visando a uma melhor qualidade de vida.

Palavras-chave: Fenda labial; Fissura palatina; Fístula; Fistula bucal; Hereditariedade.


 

ABSTRACT

The oronasal fistula (ONF) is the main postoperative sequel of palatoplasty and can leads to functional problems such as hypernasality of voice and regurgitation of food through the nose. This condition affects the outcome of treatment of cleft palate and is challenging for the multidisciplinary team. This paper reports three cases of patients with cleft lip and palate who presented ONF after palatoplasty. In these cases, type VII ONF (alveolar in the labial region) were diagnosed, and were caused by excessive muscle tension on the suture after palatoplasty. The treatment consisted of a surgery for closure of the fistula through the mucoperiosteal flap, which was carried out performed by a maxillofacial surgeon. It is essential an appropriate surgical planning in order to promote better prognosis for the patient aiming better quality of life.

Key words: Cleft lip; Cleft palate; Fistula; Oral fistula; Heredity.


 

INTRODUÇÃO

A fissura labiopalatina é a malformação congênita da cabeça e pescoço mais frequente, com envolvimento de fatores genéticos, ambientais e um importante caráterhereditário. Atinge 1:500 a 1:2000 nascidos vivos, podendo trazer diversos problemas estéticos, funcionais e sociais1,2.

Dentre os procedimentos cirúrgicos de reabilitação das fissuras labiopalatinas, a palatoplastia visa oferecer uma melhor qualidade na fala e a possibilidade de desenvolvimento ósseo crânio facial próximo ao normal. Trata-se de uma intervenção delicada, que exige habilidade profissional,cuja principal complicação cirúrgica é a fístula oronasal (FON). A FON compromete o resultado do tratamento, e seu reparo torna-se um desafio para a equipe multi-profissional. Embora tenham sido feitas várias tentativas para se reduzir a incidência de FON no pós-operatório, ela tem variado de 3% e 60%3.

Fístulas oronasais, muitas vezes, resultam do fechamento cirúrgico inadequado do disco palatal, que tem um impacto negativo sobre o desenvolvimento normal da fala. Consequentemente, essas fístulas levam a problemas funcionais, como a fala hipernasal, emissão nasal e regurgitação de alimentos pelo nariz. A reparação da fissura sob tensão muscular excessiva sobre a sutura é considerada a principal causa de FON, embora deficiência de irrigação sanguínea e infecção também podem estar associadas ao desenvolvimento dessa complicação4,5.

Este artigo descreve o tratamento de três pacientes com fístula oranasal e os respectivos tratamento e prognóstico.

 

RELATO DE CASO

Os pacientes foram atendidos no Serviço Integrado de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais do Hospital São Marcos, Teresina – Piauí – Brasil, centro de referência para tratamento de fissuras labiopalatinas. Nesse serviço, após exames clínicos e orientações sobre o tratamento, os pacientes são encaminhados para a realização de queiloplastia e, em seguida, palatoplastia. Após esse procedimento, é necessário ficar atento ao aparecimento de FON. Sua correção cirúrgica pode exigir a combinação com enxertos ósseos. O período ideal para o fechamento das fístulas ocorre entre 9 a 12 anos de idade, ou seja, no período de erupção do canino superior. Porém, quando sintomáticas, estas podem ser fechadas cirurgicamente assim que diagnosticadas. Em seguida, esses pacientes são orientados a buscar tratamento ortodôntico e, aos 16 ou 17 anos, são encaminhados para rinoplastia.

Nos casos aqui relatados, foram diagnosticadas FON tipo VII (alveolar na região labial)6, provocadas pela tensão muscular excessiva sobre a sutura, após palatoplastia. Exames préoperatórios para a avaliação da situação sistêmica dos pacientes (hemograma, coagulograma, taxa de glicose em jejum e creatinina) foram solicitados, e os pacientes apresentaram condições satisfatórias para se submeterem a uma intervenção cirúrgica sob anestesia geral.

A técnica utilizada consistiu de incisões para preparo do plano nasal e sutura, seguidas da rotação do retalho mucoperiosteal para fechamento da fístula com nova sutura (variante Langenbeck)3. Após entubação orotraqueal, foi realizada antissepsia do campo operatório com clorexidina 2% (Rioquímica, São Paulo, Brasil), colocação de tampão orofaríngeo, anestesia infiltrativa com xilocaína a 2% (Dentsply Pharmaceutical, São Paulo, Brasil) na região da fístula, irrigação com soro fisiológico a 0,9% (Adv, São Paulo, Brasil), incisão nos bordos da fístula, descolamento do tecido mucoperiosteal com preparo do plano nasal, hemostasia e sutura com fio de sutura vicril 4.0 (Ethicon, São Paulo, Brasil). Em seguida, foi realizada incisão no bordo alveolar, compreendendo toda a extensão da fístula, da mesial do primeiro molar direito à mesial do primeiro molar esquerdo, onde são realizadas as incisões relaxantes, descolamento mucoperiosteal, hemostasia, sutura com fio de nylon 4.0 (Technofio, Goias, Brasil), iniciando do bordo alveolar e terminando nas incisões relaxantes.

Prescreveu-se, no pós-operatório imediato, analgésico (dipirona sódica), anti-inflamatório (cetoprofeno), hidratação com soro glicosado a 0,5% (Sanobiol, Minas Gerais, Brasil) e fisiológico a 9% (Adv, São Paulo, Brasil) por via endovenosa. A alta hospitalar aconteceu no dia seguinte à cirurgia. Como orientações pós-operatórias, prescreveu-se dieta líquida/pastosa e fria após seis horas, dieta pastosa por duas semanas, limpeza da ferida cirúrgica com clorexidina 0,12% e escovação com dentifrício três vezes ao dia, além de repouso relativo por duas semanas. A sutura da mucosa bucal foi removida após sete dias da cirurgia. Os três casos apresentados não apresentaram recidiva após dois anos de acompanhamento.

 

CASO I

Paciente V.E.S.N., do gênero feminino, brasileira, sete anos de idade, sem alterações sistêmicas iniciou o tratamento da fissura labiopalatina completa bilateral com um ano e dois meses de idade. Um ano e 8 meses após a palatoplastia retorna para consulta com fístulas oronasais anteriores bilaterais, quando foi então planejado e realizado o procedimento do fechamento das fístulas (Figura 1). Após 30 dias da reparação tecidual e boa evolução da cirurgia, a paciente foi referenciada a fim de iniciar o tratamento ortodôntico para avaliar a necessidade de enxerto ósseo visando à erupção do canino ou colocação de implante.

 

 

 

CASO II

Paciente R. S. L., do gênero feminino, 15 anos iniciou o tratamento da fissura labiopalatina completa unilateral esquerda com um ano e seis meses de idade. Após oito anos da palatoplastia, paciente retornou visando à rinoplastia (Figura 2A), porém foi diagnosticada fístula anterior unilateral esquerda (Figura 2B). Foi, então, realizado procedimento cirúrgico para seu fechamento (Figura 2C). Depois de nove dias pós-operatórios, paciente apresentou deiscência da cirurgia, por não seguir as recomendações e cuidados pós-operatórios (Figura 2D). Após 30 dias, a cirurgia apresentava boa evolução, e a paciente foi referenciado para iniciar o tratamento ortodôntico.

 

 

 

CASO III

Paciente R. S. S., gênero masculino, 18 anos submeteu-se a tratamento cirúrgico da fissura labiopalatina completa unilateral direita, iniciado em 2001. Após um ano e dez meses da reconstrução cirúrgica do palato, o paciente apresentava-se com fístula anterior unilateral direita (Figura 3A). Foi necessário enxerto ósseo autógeno para correção do defeito, com osso da região do mento e fixado com placa e parafuso de titânio de 1,5 mm (Figura 3B). Paciente apresentou resultados pós-operatórios satisfatórios após 90 dias de acompanhamento e, assim, foi referenciado para iniciar o tratamento ortodôntico.

 

 

 

DISCUSSÃO

O tratamento da fissura labiopalatina é multiprofissional e envolve vários procedimentos cirúrgicos. A primeira intervenção cirúrgica visa o reparo do lábio e deve ser realizada quando a criança pode ser submetida à anestesia geral de forma segura, geralmente com idade superior a 10 semanas. Além disso, idealmente a criança deve estar acima de 4,5Kg, e a hemoglobina, maior que 10mg/dL. Em seguida, a cirurgia do palato acontece entre 6 a 18 meses de idade. Após o reparo primário, em 3% a 60% dos casos, podem ocorrer fístulas nasolabiais e palatinas ou oronasais, sendo necessário intervenção cirúrgica3. O início do tratamento odontológico ocorre por volta dos seis anos. Enxerto ósseo alveolar, quando indicado, usualmente é realizado na idade de 9 a 12 anos, e, aos 15 anos, está indicada a rinoplastia7. Nos pacientes relatados, o tratamento da fissura labiopalatina foi realizado seguindo esse protocolo.

Há uma associação entre o tipo de fissura labiopalatina e a necessidade de cirurgia secundária devido à ocorrência de fístulas oronasais8. Eberlinc et al.9, (2012) verificaram que as FON foram mais frequentes em crianças com fissura labiopalatina bilateral e unilateral. Em 10 casos (30,3%), a fístula oronasal permaneceu no rebordo alveolar, em 11 casos (33,3%) na parte anterior do palato duro, em 11 casos (33,3%) na junção dos palatos duro e mole, e, em um dos casos (3%), os registros foram perdidos. Os casos aqui relatados apresentaram fístulas no rebordo alveolar.

Essa relação entre o tipo de fissura e a ocorrência de fístula oronasal após palatoplastia também foi observada no presente relato, em que o primeiro paciente apresentava fissura labiopalatina completa bilateral e fístulas oronasais anteriores bilaterais; no segundo, com fissura labiopalatina completa unilateral esquerda, desenvolveu-se fístula anterior unilateral esquerda e no terceiro, com fissura labiopalatina completa unilateral direita, uma fístula anterior unilateral direita.

Várias técnicas têm sido descritas para o reparo das FON, como retalho mucoperiosteal, aba temporoparietal, retalho faríngeo e retalhos de língua10. O fechamento dessa comunicação, de preferência, deve ser realizado com retalhos de espessura total (duas camadas). Ambas as camadas devem ter o tecido bem vascularizado, e a sutura deve ser livre de tensão, em virtude das altas taxas de recorrência4.

Para diminuirem a incidência de fístulas pós-operatórias após palatoplastia, Stewart et al.3, (2009) modificaram a técnica de Von Langenbeck, em que um retalho triangular anterior é utilizado como uma aba de rotação para permitir o fechamento do plano nasal anterior. Os autores realizaram uma análise retrospectiva de 2000 a 2007 de pacientes que tinham fendas palatinas isoladas que se submeteram ao procedimento de Von Langenbeck modificado. Esses foram avaliados de 4 a 8 semanas após a cirurgia, para verificar a presença de fístulas oronasais, e observouse que nenhum dos 182 pacientes desenvolveu fístulas. Essa técnica porém, pode comprometer o crescimento devido às interferências musculares e bridas cicatriciais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário avaliar as opções de técnicas de palatoplastia disponíveis a fim de se evitar FON. Para o seu tratamento, o cirurgião buco-maxilofacial responsável pelo tratamento deve fazer o planejamento cirúrgico adequado, com vista a proporcionar melhor prognóstico para o paciente, tendo em vista sua melhor qualidade de vida.

 

REFERÊNCIAS

1. Leslie EJ, Marazita ML. Genetics of cleft lip and cleft palate. Am J Med Genet Part C Semin Med Genet 2013;163(4):246-258.         [ Links ]

2. Gomes AAR, Soares FVC, Pessoa SGP. Modelo de treinamento em palatoplastia. Rev Bras Cir Plást 2011; 26(4):691-695.

3. Stewart TL, Fisher DM, Olson JL. Modified von langenbeck cleft palate repair using an anterior triangular flap: decreased incidence of anterior oronasal fistulas. Cleft Palate Craniofacial Journal 2009; 46(3):299-304.

4. Sadhu P. Oronasal fistula in cleft palate surgery. Indian J PlastSurg 2009;42(Suppl):S123-S128.

5. Landheer JA, Breugem CC, Molen ABM. Fistula incidence and predictors of fistula occurrence after cleft palate repair: twostage closure versus one-stage closure. Cleft Palate Craniofac J 2010;47(6):623-630.

6. Smith DM, Vecchione L, Jiang S, Ford M, Deleyiannis FW, Haralam MA et al. The Pittsburgh fistula classification system: a standardized scheme for the description of palatal fistulas. Cleft Palate Craniofac J 2007;44(6):590-594.

7. Alonso N, Tanikawa DYS, Lima Junior JE, Rocha DL, Sterman S, Ferreira MC. Fissuras labiopalatinas: protocolo de atendimento multidisciplinar e seguimento longitudinal em 91 pacientes consecutivos. Rev Bras Cir Plást 2009;24(2):176-181.

8. Owusu JÁ, Liu M, Sidman JD, Scott AR. Does the type of cleft palate contribute to the need for secondary surgery? a national perspective. Laryngoscope 2013;123(10):2387-2391.

9. Eberlinc A, Kozelj V. Incidence of residual oronasal fistulas: a 20-year experience. Cleft Palate Craniofac J 2012;49(6):643-648.

10. Garner JM, Wein RO. Use of the palatal flap for closure of an oronasal fistula. Am J Otolaryngol 2006;27(4):268-270.

 

Endereço para correspondência:
Lúcia Rosa Reis de Araújo Carvalho
Endereço: Rua Crescêncio Ferreira, 1752
Morada do Sol – Teresina, PI, Brasil

e-mail:
rosa-reis@uol.com.br

 

Recebido: 22/05/2015
Aceito: 05/12/2015