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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2016

 

Artigo original

 

Plantas medicinais x raizeiros: uso na odontologia

 

Medical plants x herbalists: use in dentistry

 

Gleicy Fátima Medeiros de SouzaI; Martina Raquel Araújo da SilvaII; Elineide Torres da MotaIII; Andreza Maria La TorreIV; Josemaira Pereira GomesV

 

I Professora Doutora da Faculdade de Odontologia de Pernambuco/ Universidade de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil
II Cirurgiã dentista graduada pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco/Universidade de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil
III Cirurgiã dentista graduada pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco/Universidade de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil
IV Cirurgiã dentista graduada pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco/Universidade de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil

V Cirurgiã dentista graduada pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco/Universidade de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O desenvolvimento da indústria de medicamentos, urbanização, mudanças culturais e sociais, têm contribuído para a perda do conhecimento popular sobre as plantas medicinais. O presente trabalho objetivou identificar as principais plantas medicinais e conhecimentos sobre as formas de uso e toxicidade referidas por raizeiros para doenças bucais. Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa/UPE n° 115/10. Foram aplicados 21 questionários a raizeiros atuantes nos mercados Públicos do Recife. A maioria era do sexo feminino, acima de 50 anos, com baixa escolaridade e tempo de atuação acima de 05 anos. A transmissão familiar foi a forma de aquisição do conhecimento mais referida. Dentre as plantas mais citadas para tratar afecções bucais destaca-se a aroeira, barbatimão, quixaba, romã, caju roxo, tanchagem e juá, todas devido as suas propriedades anti-inflamatórias, exceto o juá que seria clareador dental e o barbatimão por exibir adicionalmente ação cicatrizante. As partes mais recomendadas para uso foram casca, tronco, talo e caule, preparadas sob a forma de chá. A maioria dos entrevistados referiu informar aos compradores das plantas sobre a higienização, especialmente com água corrente, sua toxicidade e contraindicações. Porém, não atribuíram nenhum efeito tóxico ou risco de uso das plantas mais recomendadas. Verifica-se pouca valorização de informações acerca das formas adequadas de preparo das partes, higiene prévia do material e toxicidade das plantas medicinais indicadas para afecções bucais. A indicação e orientação adequada sobre o preparo, higienização, toxicidade e risco de uso das plantas constituíse uma garantia da sua correta utilização e efetividade, minimizando a probabilidade de efeitos adversos ou outros agravos à saúde.

Palavras-chave: Odontologia; Doenças bucais; Plantas Medicinais; Toxicidade.


 

ABSTRACT

The drug industry's development, urbanization, cultural and social changes have contributed to the loss of popular knowledge about medicinal plants. The present study aimed to identify the main medicinal plants and knowledge about ways to use and toxicity referred to by herbalists for oral diseases. Approved by the Committee of ethics in research/UPE n° 115/10. 21 questionnaires were applied to herbalists that works in Recife Public markets. Most were female, over 50 years, with low educational level and time of work experience over 05 years. The family transmission was the form of acquisition of knowledge. Among the most cited plant to treat oral diseases the aroeira, barbatimão , quixaba , pomegranate , purple cashew, tanchagem and juá , all due to its anti-inflammatory properties , except juá would whitening dental and barbatimão to display further healing action. The most recommended for use were bark, stem, stalk and stem, prepared in the form of tea. Most of the interviewees mentioned informing of the plants buyers about your hygiene, especially with running water, toxicity and contraindications. However, they did not attributed any toxic effects or risk of use of plants recommended. There is little appreciation of information about appropriate ways in the preparation of the parties, the hygiene material and toxicity of the medicinal plants suitable for oral diseases. The indication and adequate guidance on the preparation, cleaning, toxicity and risk of use of plants constitutes itself a guarantee of their correct use and effectiveness while minimizing the likelihood of adverse effects or other harms to health.

Key words: Dentistry; Mouth diseases; Medicinal plants; Toxicity.


 

INTRODUÇÃO

O conhecimento sobre o uso das plantas na sociedade moderna e urbana tem passado de modo empírico, de geração em geração mediante os herboristas, popularmente conhecidos como raizeiros pessoas consagradas pela cultura popular, no que diz respeito ao conhecimento sobre o preparo, a indicação e comercialização das plantas medicinais. Porém, em função do desenvolvimento da indústria de medicamentos, do processo de urbanização e das mudanças culturais e sociais, esse conhecimento tem se perdido1,2. Segundo Brasileiro3, faz-se importante o resgate desse conhecimento, inclusive em áreas urbanas, tanto pelo seu valor histórico-cultural como pelas informações acerca do seu uso adequado.

Entretanto, salienta-se que muitas plantas podem exibir propriedades tóxicas e serem altamente danosas à saúde. O seu emprego, adequado e seguro requer sua identificação e correta classificação botânica, evitando, assim, erros de aquisição e utilização. A aplicação inadequada desses produtos, mesmo de baixa toxicidade, pode induzir a problemas graves, especialmente quando da coexistência de fatores de risco, tais como contraindicações ou uso concomitante de outros medicamentos. Um dos fatores que muito contribui para isso é a ideia de que as plantas medicinais, por serem naturais são inócuas e isentas de potencial tóxico, como também, a carência de conhecimento dos raizeiros acerca dos princípios ativos das ervas, suas indicações terapêuticas, toxicidade e processamento das plantas4,5.

Segundo França et al.5, há deficiência de conhecimento por parte dos raizeiros no tocante necessidade de se conhecerem à os princípios ativos das ervas e indicações terapêuticas bem como de orientar os usuários acerca do risco de interações farmacológicas, toxicidade e higienização desses produtos.

Dentro do contexto odontológico, observam inúmeras possibilidades de uso das plantas medicinais, porém isso tem sido pouco explorado. Estudos demonstram a efetividade do uso da bananeira (Musa sapienten Linn), da casca do cajueiro (Anacardium occidentale Linn) e das folhas da mangueira (Mangifera indica Linn) sobre aftas e úlceras bucais, bem como do pó da madeira do pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam) no combate à gengivite. Estudos in vitro têm demonstrado que tinturas de camomila (Matricaria chamomilla L.) e mirra possuem efeito sobre microrganismos formadores do biofilme dental comparável ao da clorexidina. Por sua vez, a sucupira, a romã e o barbatimão têm sido utilizados com sucesso no tratamento de doenças bucais, como aftas, candidíase, queilite angular, gengivite e herpes simples6,7,8,9,10,11.

Desse modo, o objetivo do presente estudo foi identificar as principais formas de uso, comercialização e o conhecimento acerca da toxicidade das plantas medicinais indicadas e comercializadas pelos raizeiros no combate a doenças bucais.

 

METODOLOGIA

Estudo de natureza quantitativa, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco n° 115/10. A presente pesquisa foi realizada com raizeiros atuantes nos principais mercados públicos da cidade do Recife, sendo selecionados aqueles que possuíssem pontos de venda de plantas medicinais. A amostra foi do tipo não aleatória intencional, na qual foram prédefinidos os entrevistados, os quais consistiram dos comerciantes raizeiros responsáveis por cada ponto de venda. As informações foram obtidas por meio da aplicação de um questionário semiestruturado.

Os dados obtidos constaram de informações quanto ao sexo, idade em anos, grau de escolaridade, tempo de atuação na atividade de raizeiro, forma de obtenção de informações sobre as plantas medicinais, principais plantas comercializadas e indicadas para doenças bucais, partes empregadas, formas de uso recomendadas, orientações quanto aos procedimentos de higienização das plantas, conhecimento acerca dos possíveis efeitos tóxicos das plantas e se essas informações são repassadas ao comprador.

Os indivíduos entrevistados foram agrupados em décadas de vida como proposto pela OMS e quanto ao grau de escolaridade, conforme sugerido por Alves, Silva e Alves12. O tempo na atividade como raizeiro agrupou os entrevistados em categorias: até 3 anos de atividade, acima de 3 até 5 anos, acima de 5 até 10 anos e acima de 10 anos1.

Para a análise dos dados, foram obtidas distribuições absolutas, percentuais e medidas estatísticas descritivas, sendo sua demonstração realizado mediante Gráficos e Tabelas.

 

RESULTADOS

Foram visitados todos os mercados públicos da cidade de Recife num total de doze, constatando-se ponto de vendas de plantas medicinais em nove, principalmente Mercado de São José, Afogados e Beberibe (Gráfico 1). Nestes, foram entrevistados vinte e um raizeiros, sendo 57,1% do sexo feminino e 42,8% masculino, constatando-se relação entre mulheres e homens de 1,3:1. A faixa etária predominante compreendeu indivíduos acima de 50 anos (47,6%), exibindo a maioria grau de escolaridade do ensino médio (42,8%), seguido do ensino fundamental 33,2%.

Gráfico 1. Distribuição dos entrevistados, segundo os Mercados Públicos onde atuam.

O tempo de atuação na atividade de raizeiro da maioria foi acima de 5 anos (90,4%). Dentre as formas de obtenção de conhecimento sobre plantas medicinais, verificou-se, na maioria, a transmissão familiar (38%), seguida da consulta a livros/ internet (33,3%) e da experiência pessoal (28,5%). A comercialização de plantas para doenças da boca foi referida por 95,2% dos entrevistados.

Dentre as principais plantas comercializadas para doenças da boca, constataram-se a aroeira, barbatimão, quixaba, romã, caju roxo, tanchagem e juá como as mais citadas (80,8%), a todas sendo atribuídas propriedades anti-inflamatórias, exceto o juá, que seria clareador dental. Por outro lado, o barbatimão teria adicionalmente ação cicatrizante (Tabela 1).

 

 

 

De acordo com as Tabelas 2 e 3, as partes das plantas mais referidas para utilização no combate às afecções bucais foram: casca, tronco, talo e caule, sendo as formas de preparo repassadas aos compradores por 95,2% dos raizeiros. Verificou-se o chá (90,5%), de um modo geral, como a forma mais indicada de uso pelos entrevistados, entretanto o seu uso específico como gargarejo foi referido por 23,8% dos entrevistados.

 

 

 

 

 

Cerca de 90,4% dos entrevistados informaram que as orientações de higienização das plantas são repassadas aos compradores no ato da compra. A lavagem com água corrente foi a forma mais citada (63,2%), seguida da lavagem com fervura (26,3%) e lavagem com solução de água e água sanitária (10,5%).

Segundo 95% dos entrevistados, as orientações quanto aos possíveis riscos tóxicos e/ou contra indicações são repassadas para os compradores. Entretanto, a maioria dos raizeiros (61,9%) não referiu efeitos tóxicos associados às plantas citadas como indicativas para doenças bucais. Porém, dentre os que citaram esses efeitos, a maioria referiu a ação abortiva ou a contraindicação de ingestão pela sua toxicidade, especialmente da aroeira, barbatimão, romã, caju roxo, tanchagem e urtiga.

 

 

 

RESULTADOS

Foram visitados todos os mercados públicos da cidade de Recife num total de doze, constatando-se ponto de vendas de plantas medicinais em nove, principalmente Mercado de São José, Afogados e Beberibe (Gráfico 1). Nestes, foram entrevistados vinte e um raizeiros, sendo 57,1% do sexo feminino e 42,8% masculino, constatando-se relação entre mulheres e homens de 1,3:1. A faixa etária predominante foi de indivíduos acima de 50 anos (47,6%), exibindo a maioria grau de escolaridade do ensino médio (42,8%), seguida do ensino fundamental 33,2%.

O tempo de atuação na atividade de raizeiro da maioria foi acima de 5 anos (90,4%). Dentre as formas de obtenção de conhecimento sobre plantas medicinais, verificou-se, na maioria, a transmissão familiar (38%), seguida da consulta a livros/ internet (33,3%) e da experiência pessoal (28,5%). A comercialização de plantas para doenças da boca foi referida por 95,2% dos entrevistados.

Dentre as principais plantas comercializadas para doenças da boca, constatou-se a aroeira, barbatimão, quixaba, romã, caju roxo, tanchagem e juá como as cinco mais citadas (80,8%), a todas sendo atribuídas propriedades anti-inflamatórias, exceto o juá, que seria clareador dental. Por outro lado, o barbatimão teria adicionalmente ação cicatrizante (Tabela 1). Tabela 1: Plantas medicinais comercializadas para afecções bucais citadas pelos entrevistados e suas indicações.

De acordo com as Tabelas 2 e 3, as partes das plantas mais referidas para utilização no combate às afecções bucais foram: casca, tronco, talo e caule, sendo as formas de preparo repassadas aos compradores por 95,2% dos raizeiros. Verificou-se o chá (90,5%), de um modo geral, como a forma mais indicada de uso pelos entrevistados, entretanto o seu uso específico como gargarejo foi referido por 23,8% dos entrevistados.

Tabela 2: Distribuição das partes das plantas medicinais e parte empregada para afecções bucais citadas pelos entrevistados.

Tabela 3: Distribuição das plantas medicinais comercializadas para afecções bucais, segundo a forma de preparo e uso.

Cerca de 90,4% dos entrevistados informou que as orientações de higienização das plantas são repassadas aos compradores no ato da compra. A lavagem com água corrente foi a forma mais citada (63,2%), seguida da lavagem com fervura (26,3%) e lavagem com solução de água e água sanitária (10,5%).

Segundo 95% dos entrevistados, as orientações quanto aos possíveis riscos tóxicos e/ou contra indicações são repassadas para os compradores. Entretanto, a maioria dos raizeiros (61,9%) não referiu efeitos tóxicos associados às plantas citadas como indicativas para doenças bucais. Porém, dentre os que citaram esses efeitos, a maioria referiu a ação abortiva ou a contraindicação de ingestão pela sua toxicidade, especialmente da aroeira, barbatimão, romã, caju roxo, tanchagem e urtiga.

 

RESULTADOS

Souza e Ribeiro1, afirmam que o conhecimento adquirido pelos raizeiros é transmitido, ao longo das gerações, por pessoas mais velhas, geralmente o pai, avô ou tio. Essas informações são passadas de um leigo para outro, sem questionamento, caracterizando o conhecimento popular/empírico. Constatações semelhantes às de Santos et al.2 e aos achados do presente estudo, quanto ao empirismo e transmissão popular do conhecimento sobre as plantas medicinais.

Segundo os trabalhos de Bhardwaja e Bhardwaj13 e Borba e Macedo14, as mulheres tendem a ser mais prevalentes na atividade de raizeiro e a apresentar um maior conhecimento sobre o uso das plantas medicinais, discordando quanto à prevalência do sexo, encontrado nos estudos de Souza e Ribeiro1. Evangelista et al.9, em seu estudo, verificaram idade média dos raizeiros de 50 anos, a maioria exibindo escolaridade de ensino médio e fundamental, sendo o conhecimento sobre plantas medicinais adquirido, em sua maioria, por meio de familiares e livros. Tais autores corroboram os achados da presente pesquisa no tocante ao sexo, idade elevada e baixo grau de escolaridade e, ainda, quanto ao empirismo do conhecimento demonstrado pelos raizeiros.

Nesta pesquisa, as plantas comercializadas e indicadas pelos raizeiros para doenças da boca foram: aroeira, barbatimão, quixaba, romã, caju roxo, tanchagem e juá por totalizar a maioria das citações. Todas por apresentarem propriedades anti-inflamatórias, exceto o juá, que seria clareador dental, e o barbatimão, que teria adicionalmente ação cicatrizante. Foram, ainda, citados como efetivos no combate à dor de dente o jaborandi, arruda, malva do reino, sassafrás e mulungu. Reforçando esses achados Santos et al. 2, Catão et al.7, Hotwani, Baliga e Sharma10 e Lins et al.11 constataram que as plantas utilizadas para afecções bucais são conhecidas pela sua atividade analgésica, cicatrizante e anti-inflamatória, especialmente o barbatimão, aroeira, cajueiro, quixaba, babosa e tanchagem. Outras, como a Romã (Punica granatum), tem o seu uso muito difundido na odontologia, demonstrando ação bactericida e bacteriostática sobre bactérias do biofilme dental, utilizadas em periodontites e estomatites.

O juá tem sido referido como clareador dental, além de ser utilizado popularmente, para a limpeza dos dentes, destacando-se sua ação anticárie e removedora de placa dental. Também são a ele atribuídas propriedades e ações analgésica, anti-inflamatória, antibacteriana, febrífuga e cicatrizante15.

A efetividade de diferentes partes de plantas no tratamento de afecções bucais, tais como a casca do cajueiro (Anacardium occidentale Linn) e folhas da mangueira (Mangifera indica Linn) para aftas e úlceras bucais e o pó da madeira do pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam) no combate à gengivite, tem sido verificada e corrobora o seu uso na medicina popular6,10.

No presente estudo, as partes das plantas mais citadas para serem utilizadas foram a casca, o tronco, talo e caule. Tais dados estão coerentes com os tipos de plantas mais citadas, como aroeira, barbatimão, quixaba, romã, caju roxo, tanchagem e juá, as quais apresentam as partes duras como detentoras dos princípios ativos terapêuticos. Por outro lado, a forma de preparo mais comumente citada pelos raizeiros no combate às afecções bucais o mais citado foi o chá, entretanto alguns indicaram o seu uso específico em bochechos e/ ou gargarejos.

Esses dados foram corroborados por Brasileiro et al.3 e Bhardwaj e Bhardwaj13, os quais apontam a preparação na forma de chá como principal meio de utilização das plantas medicinais. Verifica-se, ainda neste estudo, que a informação da orientação quanto ao modo de preparo é repassada ao comprador pela maior parte dos entrevistados. Fato importante, tendo em vista que o uso aleatório das plantas, suas partes e/ou quantidades podem levar à utilização de doses errôneas, com potencial inclusive tóxico16.

De acordo com a maioria dos entrevistados as orientações de higienização são repassadas aos compradores no ato da compra do produto, especialmente a limpeza com água corrente. Porém, observam-se as demais formas de higiene citadas como lavagem com fervura e com solução de água e água sanitária. Alerta-se para o risco do processo inadequado de higienização, o qual pode ser insuficiente para a remoção das sujidades e infestações de fungos e/ou parasitas ou capaz de alterar as características do produto. As plantas medicinais devem estar livres de impurezas, poeira, sujeiras, insetos e fungos, sendo a sua higienização pré-uso importante. Ressalta-se que o adequado processo e a manejo dessa etapa se fundamentam na necessidade da manutenção dos constituintes da planta, o que pode comprometer sua ação e acarretar riscos para o seu uso, sendo a figura do raizeiro importante para a difusão deste conhecimento5.

Esses dados contrariam Souza e Maciel17 e Agbor e Naidoo18, os quais referem que o manejo das culturas, colheita e, principalmente, acondicionamento e higienização dos materiais não são tratados como deveriam, afetando a qualidade da matéria-prima vegetal, com consequente perda dos princípios ativos, diminuição da sua eficácia e risco de toxicidade.

No mesmo sentido, Castro et al.19 verificaram que amostras de Sene e Boldo do Chile, provenientes de mercados públicos de campinas, apresentaram níveis de contaminação acima do estabelecido pela Vigilância Sanitária e destacam que a forma de conservação e tratamento do vegetal ou partes dele pode influenciar diretamente na contaminação.

Segundo a maioria dos entrevistados, as orientações quanto aos possíveis riscos tóxicos e/ou contra indicações são repassadas para os compradores, entretanto a maior parte não atribuiu nenhum efeito tóxico associado às plantas. Porém, dentre os poucos que citaram algum efeito, observaram o risco abortivo ou a contraindicação de ingestão pela sua toxicidade, especialmente da aroeira, barbatimão, romã, caju roxo, tanchagem e urtiga. Dados que chamam a atenção pela sua dualidade, por um lado a maioria dos raizeiros informou o repasse da informação, por outro não atribuiu nenhum efeito tóxico ou risco de uso das plantas citadas. Fato que denota desconhecimento ou descaso quanto a essas informações, o que é um risco potencial para quem adquire e usa o produto sem orientação.

Informes corroborados por França et al.5 salientam que, na indicação das preparações pelos raizeiros, na maioria das vezes, são desconsiderados os riscos, a exemplo das reações adversas, contraindicações, interações medicamentosas e patologias pré-existentes contrariando Souza e Ribeiro1 que verificam confiabilidade nas informações transmitidas por esses indivíduos.

Os raizeiros participantes desse estudo apresentaram conhecimento insuficiente acerca das plantas recomendadas para as afecções bucais, especialmente das suas indicações e formas de utilização específicas bem como da sua potenciaL toxicidade. Esse fato demonstra a desvalorização e a necessidade de capacitação destes profissionais quanto à utilização correta das informações acerca de sua indicação e preparo, contribuindo assim para a associação dos princípios ativos das plantas com suas indicações terapêuticas. Esse problema também constatado no que se refere aos riscos e contraindicações do uso desses produtos. Ressaltase que o modo de preparo e higienização mas também o armazenamento e tempo de vida útil das ervas são fundamentais para a manutenção e garantia do princípio ativo. Por sua vez, a indicação e orientação da toxicidade ou risco de uso das plantas constituí-se uma garantia da sua correta utilização e efetividade, minimizando a probabilidade de efeitos adversos ou outros agravos à saúde.

Muitas plantas contêm substâncias capazes de exercer a ação tóxica sobre organismos vivos e que estes, muitas vezes, são completamente desconhecidos A crença na sua "naturalidade inócua" é disseminada, e as evidências científicas da sua toxicidade dificilmente chegam ao alcance da população em geral, na maioria constituída por indivíduos de baixa escolaridade e conhecimento cultura14,16.

Castro et al.19 verificam que, apesar do uso disseminado de plantas medicinais, as pesquisas que avaliam sua toxicidade são escassas. Para um melhor entendimento do uso de plantas, é necessária a avaliação da relação risco/benefício do seu uso, por meio de estudos farmacodinâmicos e toxicológicos. Ressalta-se que o uso pela medicina popular, baseado no conhecimento tradicional, não é suficiente para validar as plantas medicinais como medicamentos eficazes e seguros, sendo importante o desenvolvimento de pesquisas que busquem evidências científicas que fundamentem com segurança sua utilização.

Segundo Santos e Dantas20, plantas, como a aroeira (Myracrodruom urundeuva), quixaba (Bumelia sartorum) e caju roxo (Anacardium occidentale), têm potencial abortivo, sendo contraindicados a mulheres grávidas. O caju roxo está associado a lesões de contato na pele devido ao potencial cáustico e corrosivo do óleo da casca da castanha. Por sua vez, o uso interno do Barbatimão (Pithecellobium avaremotemo) pode levar a inativação das enzimas digestivas, dificultando à digestão por causa dagrande quantidade de taninos

O crescente interesse e o uso das plantas medicinais na odontologia devem estar acompanhados de estudos que avaliem a sua segurança e eficácia para a utilização clínica6. A escassez de conhecimento sobre a efetividade e a toxicidade de espécies medicinais pode levar a consequências sérias, já que as plantas podem conter substâncias com potencial efeito lesivo ou tóxico, causando distúrbios ao organismo pelo contato ou ingestão. Daí a grande necessidade de um melhor conhecimento acerca do uso e dos riscos que esses produtos podem vir a desencadear.

Portanto, é imprescindível que os estudos com plantas medicinais sejam estimulados não só pelo esclarecimento à população que as utiliza mas também porque se tem, no Brasil, uma riqueza de espécies ainda não estudadas, constituindose em uma promissora fonte de novas drogas. A necessidade de se resgatar o conhecimento popular no tocante ao uso das plantas medicinais é de extrema importância para a preservação desse conhecimento. Entretanto, associado a esse processo, faz-se necessário o desenvolvimento de pesquisas que fundamentem suas aplicações clínicas e análise de suas contra indicações.

 

CONCLUSÕES

A maioria dos raizeiros entrevistados pertencia ao sexo feminino, acima de 50 anos, com baixa escolaridade e tempo de atuação na atividade acima de 05 anos, sendo a aquisição do conhecimento de modo empírico, principalmente, transmissão familiar. A aroeira, o barbatimão, o quixaba, a romã, o caju roxo, a tanchagem e o juá foram as plantas indicadas e comercializadas para doenças bucais, todas devido as suas propriedades anti-inflamatórias, exceto o juá que seria clareador dental e o barbatimão por exibir adicionalmente ação cicatrizante. Dentre as partes das plantas mais recomendadas pelos raizeiros, a casca, o tronco, o talo e o caule foram as mais constatadas, sendo o chá a forma mais comum de preparo recomendado. Os entrevistados informaram repassar aos compradores das plantas informações acerca da higienização das plantas, especialmente com água corrente, da toxicidade e contraindicação. Entretanto, não atribuíram nenhum efeito tóxico ou risco de uso para as plantas mais recomendadas, denotando desconhecimento ou desvalorização da informação, o que é um risco potencial para quem adquire e usa o produto sem orientação.

 

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Endereço para correspondência:
Gleicy Fátima Medeiros de Souza
Rua Edson Álvares, 115/1202
Casa Forte, Recife/PE, CEP: 52061-450
e-mail: gleicyfop@yahoo.com.br

 

Recebido: 01/12/2016
Aceito: 25/04/2016