SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2016

 

Artigo original

 

Urgências e emergências médicas em odontologia: avaliação da capacitação e estrutura dos consultórios de cirurgiões-dentistas

 

Urgency and medical emergencies in dentistry: evaluation of training and structure of dentists offices

 

Rayane Del Puppo HaeseI; Martina Renata Pittella CançadoII

 

I Aluna da Universidade Federal do Espírito Santo
II Doutora em Odontologia, Professora da Universidade Federal do Espírito Santo

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Urgências e emergências médicas (UEMs), mesmo que raras, podem ocorrer na prática profissional de qualquer cirurgião-dentista (CD). Devido ao aumento gradativo do número de indivíduos acometidos sistemicamente, as chances de ocorrerem situações emergenciais durante a prática odontológica crescem substancialmente. O profissional deve estar preparado para todos os episódios que possam vir a acontecer durante sua atuação clínica. O objetivo do estudo foi avaliar o conhecimento científico na intervenção das UEMs e a estrutura dos consultórios de estudantes de pós-graduação para atendimento desta. A amostra foi composta por 95 profissionais; os dados foram coletados mediante um questionário contendo 21 questões. A maioria dos entrevistados não possuía treinamento em suporte básico de vida (56,8%); 52,6% não se julgaram capacitados para diagnosticar uma UEM ocorrendo no seu consultório, e grande porcentagem (72,6%) não se sente apto para intervir; 61% dos entrevistados afirmaram ter vivenciado algum tipo de UEM durante sua prática profissional; destes, 86,2% sentiram-se preparados para intervir quando esta ocorreu, e 84,2% afirmaram não possuir equipamentos e medicamentos para emergência nos consultórios. Portanto, os profissionais não estão adequadamente capacitados e equipados para atuarem, caso ocorra uma UEM em seu consultório.

Palavras-chave: Dentista; Drogas; Emergências; Medicina de Emergência; Urgências.


 

ABSTRACT

Urgency and medical emergency (UMEs), even though rare, can occur in professional practice of any dentist (CD). Due to the gradual increase in the number of individuals affected systemically, the chances of occurrence of emergency situations during dental practice grow substantially. The professional should be prepared for all episodes that may arise during its clinical performance. The aim of the study was to evaluate the scientific knowledge in the intervention of the UMEs and the structure of graduate students to meet the same offices. The sample consisted of 95 professionals; Data were collected through a questionnaire containing 21 questions. Most respondents did not have training in basic life support (56.8%); 52.6% were not deemed qualified to diagnose an UME taking place in his office and large percentage (72.6%) did not feel able to intervene; 61% of respondents said they had experienced some form of UME during their professional practice, of these, 86.2% have felt prepared to intervene when it occurred and 84.2% said they did not have equipment and drugs for emergencies in clinics. Therefore, professionals are not adequately trained and equipped to work in the event of an UME in his office.

Key words: Dentist; Drugs; Emergencies; Emergency Medicine.


 

INTRODUÇÃO

Emergência e urgência são situações, que exigem ações rápidas e corretas para minimizar as sequelas e salvar a vida do paciente1, sendo que, nas urgências, há tempo de o profissional se planejar, podendo relembrar o protocolo indicado para aquela situação específica. Por outro lado, as emergências surgem de forma inesperada2, necessitando de uma intervenção imediata, ou seja, não podem se prolongar por apresentarem risco de morte do paciente1.

Profissionais da saúde devem estar aptos e seguros para o manejo de uma emergência. Pesquisas realizadas mostram que o profissional da Odontologia, no geral, não se encontra capacitado para tal procedimento, ficando, assim, dependente, exclusivamente, da presença médica para poder socorrer seu paciente3,4.

Tanto os acadêmicos em Odontologia quanto os profissionais precisam estar cientes que, para atuarem na profissão devem assumir responsabilidades que vão muito além de um tratamento odontológico. O cirurgião-dentista (CD) deve tomar consciência de que, ao restringir sua atuação apenas para a cavidade oral, sem considerar o estado geral de saúde do seu paciente, poderá estar aumentando, significativamente, as chances de ocorrência de um evento emergencial. Esse fato, associado à falta de conhecimento adequado sobre o assunto, poderá gerar consequências negativas e, até mesmo, fatais à vida do seu paciente5.

O CD não está livre de ter seus pacientes acometidos por uma situação de emergência durante seus atos clínicos. A ocorrência dos eventos emergenciais durante a prática odontológica é rara, porém alguns fatores podem facilitar o seu aparecimento5.

Com o avanço da Medicina, pacientes que apresentam enfermidades sistêmicas importantes agora têm uma melhora em sua qualidade de vida e, com isso, está ocorrendo um aumento da diversidade de pacientes que procuram o tratamento odontológico. Pacientes que antes não frequentavam o consultório, por restrições médicas, estão cada dia mais preocupados com sua saúde oral6.

Com isso, há uma presença maior no consultório odontológico de indivíduos diabéticos, hipertensos, cardiopatas, asmáticos ou portadores de desordens renais e hepáticas, obrigando o profissional a adotar certas precauções antes de iniciar o tratamento clínico propriamente dito7. Além disso, procedimentos mais invasivos e extensos são cada vez mais rotineiros, e, nesSas intervenções, associadas com maior manipulação do paciente, as complicações clínicas sistêmicas são mais prováveis8.

Sem dúvida, prevenir se constitui a melhor maneira de se tratar uma urgência e emergência médica (UEM)6,9. Para tanto, obter o diagnóstico precoce das alterações sistêmicas que atingem o paciente é de grande importância para minimizar os riscos de ocorrência de uma UEM durante o atendimento odontológico. Uma anamnese adequada, um exame físico bem conduzido e ter conhecimento dos medicamentos que ele costuma usar diariamente contribuirá positivamente na identificação de um ou mais fatores de risco que acometam o paciente. Adotar essas medidas simples de prevenção pode aumentar significativamente a segurança clínica durante a realização do procedimento10,11.

A possibilidade de ocorrência de situações de UEM, durante o atendimento odontológico, é real e, portanto, torna-se fundamental que o CD como profissional de saúde responsável integralmente pela saúde do paciente no momento da consulta odontológica esteja apto para reconhecer e tratar imediatamente esses quadros clínicos8.

Assim, é de vital importância que os odontólogos estejam aptos a realizar manobras básicas para que seja garantida a saúde e a integridade dos seus pacientes, até que eles possam receber atendimento especializado.

Como foi observada uma limitação sobre o tema na odontologia, este trabalho tem como objetivo geral avaliar o conhecimento científi co na intervenção das UEMs e a estrutura dos consultórios odontológicos de estudantes de pós- graduação para atendimento destas. Com isso, propusemo-nos a determinar:

• a prevalência dos CDs que se consideram preparados e aptos para lidar com as situações de emergência na prática odontológica;

• a frequência com que os profi ssionais aferem a pressão arterial (PA) de seus pacientes;

• a prevalência dos aparelhos e medicamentos para emergências no consultório;

• o momento (graduação, pós-graduação ou congressos) em que obtiveram formação para atendimento das UEMs;

• as situações emergenciais mais prevalentes vivenciadas pelos profi ssionais.

O momento do atendimento clínico em que as UEMs ocorreram.

 

METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de um levantamento epidemiológico tradicional, quantitativo e descritivo, com uma amostra aleatória de 95 CDs estudantes de pós-graduação da instituição de ensino São Leopoldo Mandic, unidade de Vila Velha, ES.

Os profissionais foram submetidos a um questionário contendo 21 questões fechadas com respostas sim ou não e múltipla escolha, lidas e respondidadas pelos próprios, e um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) garantindo a sua confi dencialidade. Tais questionários e TCLE foram submetidos juntamente com o respectivo projeto ao CEP/ CCS/UFES, sendo aprovado sob o número 833.874, em 28 de outubro de 2014. Deve-se destacar o campo contendo dados do perfi l do pesquisado. Este não teve a inserção de campo para nomes, visando poder remover os dados a qualquer momento e preservar a identidade dos participantes da pesquisa. O TCLE e o questionário foram identifi cados por números.

O questionário continha questões referentes à ocorrência de UEMs no consultório, ao conhecimento dos CDs sobre a presença de equipamentos e medicamentos e manobras desenvolvidas para driblar tais situações.

As perguntas apresentadas pelo questionário foram comparadas ao tempo de graduação dos entrevistados, se possuíam ou não especialidade e se possuíam treinamento em SBV sendo para isso utilizado o programa SPSS 20 mediante teste de associação de duas variáveis, teste qui-quadrado, exato de Fisher e da razão de verossimilhanças, considerando-se signifi cativo um p ≤ 0,05. Os dados descritivos também foram analisados por distribuição de frequências absoluta (n) e relativa (%).

 

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 95 CDs estudantes de pós-graduação, dentre eles, 71 (74,7%) eram do gênero feminino e 24 (25,3%) do gênero masculino, com a média de idade de 31,8 anos. Em relação ao tempo de exercício profi ssional, a maior prevalência foi de profi ssionais com até 5 anos de profi ssão (40% dos entrevistados).

Dentre os profissionais que participaram da pesquisa, 53,7% afi rmaram serem especialistas, e 46,3%, clínico geral, sendo que a maioria (81%) trabalhava em consultórios, e nenhum dos participantes atuava em hospitais.

Em relação à avaliação clínica do paciente, 90,5% afirmaram incluir nela a anamnese, 93,7% acrescentam a queixa principal, e, apenas, 8,4%, realizaram a revisão dos sistemas (Gráfico 1).

 

 

 

A PA era aferida por 53,7%, representando 51 entrevistados, sendo a maior frequência antes da realização de procedimentos cirúrgicos (33,3% destes 51) (Gráfico 2).

 

 

 

Quando questionados quanto à segurança no atendimento a pacientes comprometidos sistemicamente, 57,9% afirmaram que sim. A maioria dos participantes não possuía treinamento em Suporte Básico de Vida (SBV) (56,8%), entretanto muitos receberam esses conhecimentos sobre SBV na graduação (58,9%) e pós-graduação (55,8%). Os profissionais que possuíam treinamento em SBV tiveram esses conhecimentos mediante de cursos extracurriculares, com um p= 0,016. Alguns profissionais (15,8%) afi rmaram que não tiveram esses conhecimentos, e apenas um profissional afirmou ter feito o curso de SBV. Profissionais com menos de 05 anos receberam mais conhecimentos sobre emergências na graduação do que aqueles com mais de 05 anos de formados, com um p = 0,008.

Dentre os respondentes, 40 (42,1%) acreditam que o profissional deve se reciclar e refazer um curso de SBV todo ano, e 18 (19%), a cada 2 anos.

Pouco mais da metade dos profissionais não se julgaram capacitados para diagnosticar uma UEM ocorrendo no seu consultório (52,6%), sendo que os que possuíam treinamento em SBV sentiram- se mais capazes de diagnosticar uma UEM, com um p= 0,017. E grande porcentagem (72,6%) não se sentia apto para intervir, caso ocorra uma emergência durante um atendimento clínico.

A maioria (89,5%) das equipes dos profissionais entrevistados não era treinada para uma eventual UEM, que possa ocorrer no consultório odontológico.

Ao longo de sua prática profissional, 61% dos entrevistados afi rmaram ter vivenciado algum tipo de UEM. Destes, 86,2% sentiram-se preparados para intervir. A UEM mais prevalente vivenciada pelos participantes, foi a lipotímia (31,6%) (Gráfico 3). Profissionais com menos de 05 anos de profi ssão presenciaram mais casos de lipotímia, com um p = 0,003, entretanto os profi ssionais com mais de 10 anos de formados vivenciaram mais convulsões, com um p= 0,041, tendo a maioria dessas emergências ocorrido durante os procedimentos cirúrgicos (43,1%) e anestesia (22,4%) (Gráfico 4).

 

 

 

 

 

Os participantes também foram questionados se possuíam equipamentos e medicamentos para emergências em seu consultório e/ou clínica, tendo 84,2% afi rmado que não. 87,4% não se sentiam aptos para a sua utilização.

Dentre os aparelhos presentes no consultório dos participantes, a maioria possuía estetoscópio (60%) e esfi gmomanômetro (57,9%). Em relação aos medicamentos, o analgésico (52,6%) foi a droga mais presente no consultório dos entrevistados. Nenhum participante relatou possuir amônia e salbutamol (Gráfico 5), e, quando questionados se já tenham feito uso de algum dos medicamentos citados em caso de emergência, 87,4% responderam que não.

 

 

 

A maioria dos participantes da pesquisa não possuía kit de emergência em seu consultório (80%). Dos 20% que os possuíam, 15,8% haviam eles próprios construído o seu próprio kit e 4,2% compraram. Destes, 73,7% realizava uma checagem periódica para verificar a validade dos seus produtos, a maioria (57,2%) a realizam a cada 6 meses. Os profissionais que possuíam treinamento em SBV estabeleciam um sistema de checagem da validade dos kits com um p= 0,045.

Para o controle da ansiedade do paciente, grande parte dos profissionais declarou realizar afirmações verbais frequentes (81%), como também conversação, com o intuito de promoveu distração (73,7%). Os profissionais especialistas utilizam essa última com maior frequência, com um p= 0,028.

Nenhum entrevistado realizava sedação consciente com óxido nitroso. Nenhum dos participantes da pesquisa possuía convênio com serviço médico de remoção de pacientes.

 

DISCUSSÃO

O CD, como profissional da área da saúde, não está livre de ter os seus pacientes acometidos por uma situação de emergência durante sua atuação clínica5. Ele deve ter a consciência de que está lidando com vidas humanas e, com isso, assumir os riscos e as responsabilidades inerentes à profissão6. É de vital importância que esses profissionais estejam aptos a realizar manobras básicas frente a certas intercorrências, para garantir a saúde e a integridade dos seus pacientes, até que eles possam receber atendimento especializado12.

O preparo dos profissionais deve iniciar durante o período da graduação e, ainda, esse conhecimento deve ser reciclado em cursos de pósgraduação e aprimorado em cursos específicos de SBV1.

Portanto, é preciso que o odontólogo seja treinado para executar as manobras de SBV, afim de manusear aparelhos e ter conhecimento clínico de medicamentos necessários a urgências, uma vez que, na maioria das vezes, as UEMs são raras de ocorrer no consultório odontológico, embora possam existir.

Para Haas9 (2010), o papel do dentista na gestão de qualquer UEM começa com a prevenção. Para tal, o profissional deve obter o máximo de informação sobre o estado de saúde dos seus pacientes antes de iniciar qualquer tratamento dentário, isso é possível mediante uma avaliação clínica, incluindo uma anamnese detalhada e exame físico, com avaliação dos sinais vitais em todas as consultas para todos os pacientes, a fim de reconhecer situações de riscos e evitar possíveis UEMs no consultório13.

No presente estudo, foi observado que a maioria dos profissionais inclui, na sua avaliação clínica, a queixa principal e a anamnese (93,7% e 90,5%, respectivamente), porém uma menor porcentagem (28,4%) realiza a avaliação dos sinais vitais. Entre aqueles que avaliam os sinais vitais, a maioria (53,7%) afirma que afere a PA de seus pacientes previamente aos procedimentos odontológicos, com maior frequência antes de procedimentos cirúrgicos (33,3%). Na variável revisão dos sistemas podemos afirmar que, quando possuem especialização, os CDs fazem, com mais frequência, esse tipo de avaliação clínica (p= 0,007)

Foi percebido que a maior porcentagem (56,8%) dos profissionais não possuía treinamento em SBV, contrariamente aos estudos de Caputo1 (2009) e Fiuza et al.5 (2013) (56,6% e 54%, respectivamente). Embora não tenham treinamento, muitos adquiriram conhecimento sobre SBV na graduação (58,9%) e pós-graduação (55,8%). Alguns participantes (15,8%) afirmaram não ter recebido esses conhecimentos. Esses dados nos alertam para o despreparo dos CDs participantes desta pesquisa na qual a maioria possuía um conhecimento teórico sobre o assunto, embora não tenha vivenciado a prática no aprendizado.

Ainda, os profissionais não se julgaram capacitados para diagnosticar uma UEM ocorrendo em seu consultório (52,6%), corroborando os resultados de Santos e Rumel7 (2006) (76,9%) e Arsati et al.14 (2010) (50,2%) e contrariamente os resultados de Fiuza et al.5 (2013), em que 60% das respostas informavam que os CDs sentiam-se aptos para o diagnóstico. Sendo que os profissionais que possuíam treinamento em SBV sentiram-se mais capacitados de diagnosticar uma UEM (p= 0,017). Um valor ainda mais expressivo (72,6%) nos alerta que os dentistas não se sentiam aptos para intervir, caso ocorra uma UEM no seu consultório, sendo essa porcentagem, ainda, consideravelmente maior que os profissionais sem treinamento em SBV e que se julgam capacitados para diagnosticar uma emergência.

Igualmente ao encontrado em outros estudos5,7, a equipe dos profissionais entrevistados não é treinada para uma eventual emergência (89,5%). Para Wilson et al.15 (2009), os funcionários devem passar por treinamento na gestão de situações de emergência, em um nível baseado nas, suas responsabilidades clínicas. Deve-se destacar a importância do treinamento e da capacitação dos auxiliares, para que os membros da equipe de atendimento odontológico possam ser capazes de reconhecer e ajudar a solucionar qualquer UEM7.

Embora seja um evento incomum durante a prática odontológica, 61% dos participantes da pesquisa vivenciaram algum tipo de UEM, como encontrado nos estudos de Caputo1 (2009) (63,2%) e Fiuza et al.5 (2013) (57%), em que a maioria dos dentistas entrevistados presenciaram um evento emergencial durante o atendimento, ao contrário das informações obtidas por Hanna et al.16(2014), quando 65,1% responderam que nunca haviam enfrentado situações de emergência. Acreditamos que essa divergência de resultados ocorra, pois sendo as EMs raras, quando se aumenta a amostra observamos um aumento do número de profissionais que não vivenciaram UEM.

No presente estudo, os episódios mais comuns foram lipotímia (31,6%), hipoglicemia (29,5%), hipotensão postural ortostática (17,9%) e síncope (14,7%), semelhante a outros estudos1,5,7,15,16, sendo que 86,2% sentiram-se preparados para intervir. Comparativamente aos resultados anteriores em que a maioria dos participantes afirmou não possuírem treinamento em SBV, não serem capacitados para diagnosticar e não se sentirem aptos para intervir, caso ocorresse uma UEM, aquele resultado pode ser justificado pelo baixo grau de complexidade e alta resolubilidade dos eventos presenciados.

Nas emergências menos frequentes, encontra-se acidente vascular cerebral (AVC), coma diabético, crise aguda de asma, óbito e parada cardiorrespiratória, não tendo sido nenhuma delas vivenciada pelos profissionais participantes da pesquisa, levando-nos à conclusão de que, ocorrência de emergências é rara, da mesma forma que Arsati et al.14 (2010) observaram em seu estudo, sendo mais comuns episódios de urgências.

Em 1993, Malamed17 afirmou que as emergências ocorrem durante ou imediatamente após a administração do anestésico local ou durante o tratamento dental, sendo que, nestes casos, cerca de 38% das emergências ocorrem durante o procedimento de extração e 26% durante o procedimento de extirpação pulpar, dois procedimentos que necessitam de um adequado controle da dor, frequentemente difícil de se obter. Percebe-se então, que os procedimentos responsáveis pela maioria das UEMs são aqueles que provocam mais tensão e possivelmente dor nos pacientes12. Da mesma maneira constatado em outros1,5 e no nosso estudo, no qual 43,1% das emergências ocorreram durante procedimentos cirúrgicos, e 22,4% ,durante a administração do anestésico local.

A American Dental Association18 (ADA), em 2002, por meio do seu Conselho Científico, determinou que todos os consultórios odontológicos possuam, pelo menos, as drogas e os equipamentos básicos de emergência recomendados. O conteúdo e a configuração desses kits deve ser baseado no treinamento de cada profissional e nas necessidades individuais. Portanto, o Conselho sugere que, no mínimo, os seguintes fármacos sejam incluídos no kit:

Adrenalina/Epinefrina 1: 1000 (injetável); Cloridrato de difenidramina (anti-histamínico - injetável); Cilindro de oxigênio tamanho E; Nitroglicerina (comprimido sublingual ou spray); Salbutamol (broncodilatador - spray); Glicose (suco de laranja, refrigerantes ou tabletes de açúcar) e ácido acetilsalicílico (comprimidos).

Em relação aos equipamentos, Malamed19 (2003) sugere que existam, nos consultórios odontológicos, os seguintes: desfibrilador automático externo, máscaras faciais (pediátricas e para adultos), seringas (2 mL), agulhas (calibre 20) e espaçador para inalação de broncodilatadores. Dym20 (2008) acrescenta, ainda, estetoscópio e esfigmomanômetro.

Muitos dos participantes (84,2%), quando questionados se possuíam equipamentos e medicamentos para emergências em seu consultório, responderam que não, desconsiderando o estetoscópio e o efigmomanômetro assim como alguns medicamentos, como os analgésicos. Uma grande maioria (87,4%) não se sentia apto para a sua utilização, já que a maior parte não os possui o que significa que poucos profissionais estão devidamente equipados com medicamentos e equipamentos necessários para intervenção em uma UEM1,6. Alguns participantes, mesmo possuindo os equipamentos e medicamentos, não sabem utilizá-los.

Nosso estudo verificou que os analgésicos (52,6%), estetoscópio (60%) e esfigmomanômetro (57,9%) foram os medicamentos e equipamentos, respectivamente, mais encontrados nos consultórios dos CDs participantes da pesquisa. Não tivemos conhecimento do porquê de dois profissionais possuírem apenas, o estetoscópio.

Estatisticamente, independentemente do tempo de graduação do profissional, entre não se sente apto para intervir, caso ocorra uma emergência, não possuindo, em seu consultório, equipamentos e medicamentos para emergência.

Para Victorelli et al.13 (2013), o profissional, além de possuir um kit básico de primeiros socorros, deve estar familiarizado com os equipamentos, medicamentos e vias de administração. E ainda ter conhecimento sobre as indicações, contraindicações e dosagens18. Para Wilson et al.15 (2009), todos os medicamentos devem ser armazenados em um local designado, identificado de forma adequada e de fácil acesso, estarem na validade e serem submetidos a verificações semanais assim como os equipamentos.

Não houve qualquer participante da pesquisa que possuísse convênio com serviço médico de remoção de pacientes, sendo que, em todos os casos de emergência, o profissional não deve dispensar o atendimento médico especializado.

Acreditamos que dentistas brasileiros não estão totalmente preparados para gerenciar UEMs no consultório odontológico, devido a uma falha existente nos currículos das graduações e pós-graduações, uma vez que não há uma obrigatoriedade da disciplina específica de UEM na graduação. Entretanto, nos cursos de pósgraduação, a partir de 2001, através da Resolução CFO 22/2002, do Conselho Federal de Odontologia (CFO), a disciplina de UEM consta da área conexa de todos os cursos de especialização, tendo como carga horária mínima 15 horas (Resolução CFO 25/2002)6, referente a aulas teóricas, não priorizando o treinamento prático dos estudantes.

 

CONCLUSÕES

Com este trabalho, podemos concluir que:

• Os CDs participantes da pesquisa não se sentiam preparados para diagnosticar (52,6%) e intervir (72,6%), caso corrosse uma UEM na sua prática odontológica;

• Pouco mais da metade (53,7%) dos profissionais aferiam a PA de seus pacientes anteriormente ao atendimento clínico, com maior frequência antes da realização de procedimentos cirúrgicos (33,3%);

• Os profissionais não possuíam medicamentos e equipamentos (84,2%) em seus consultórios, necessários para a gerência de uma UEM, visto que não são treinados para o seu manuseio;

• Os participantes adquiriram conhecimento sobre SBV durante a graduação (58,9%) e pós-graduação (55,8%), por meio de aulas teóricas, sendo que apenas um profissional possuía formação em SBV;

• A situação emergencial mais vivenciada pelos CDs participantes foi a lipotímia (31,6%);

• As UEMs ocorreram com maior frequência, durante a realização de procedimentos cirúrgicos.

Com esta lacuna significativa existente na educação odontológica, são sugeridas novas investigações e mudanças na formação dos CDs, para melhorar o seu conhecimento sobre os procedimentos e as questões de UEM. Uma análise dos currículos das graduações e pós-graduações se faz necessária, para determinar onde essa formação pode ser melhorada e possibilitar um preparo adequado dos profissionais da Odontologia.

Sendo assim, é de vital importância uma análise curricular dos cursos de graduação e uma reformulação das aulas sobre UEM na pósgraduação, possibilitando que o aluno tenha uma vivência prática sobre o assunto, proporcionando uma formação de maior qualidade aos profissionais.

 

REFERÊNCIAS

1. Caputo IGC. Emergências médicas em consultório odontológico: implicações éticas e legais para o cirurgiãodentista [dissertação]. Piracicaba: UNICAMP/FOP; 2009. [acesso em 2014 set 10]. Disponível em: http:// www.bibliotecadigital.unicamp.br/ document/?code=000440077&fd=y

2. Andrade ED, Ranali J, Neisser MP. Emergências Médicas em Odontologia. 3. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2011.

3. Gonzaga HFS, Buso L, Jorge MA, Gonzaga LHS, Chaves MD, Almeida OP. Evaluation of knowledge and experience of dentists of São Paulo satate, Brazil about cardiopulmonary resuscitation. Braz Dent J. 2003; 14(3)220-22. REFERÊNCIAS

4. Marzola C, Griza GL. Profissionais e acadêmicos de odontologia estão aptos para salvar vidas? JAO. 2001; 27:19-27.

5. Fiuza MK, Balsan ST, Pretto JLB, Cenci, RA, Conto, F. Avaliação da prevalência e do grau de conhecimento do cirurgião-dentista em relação às emergências médicas. RFO. 2013; 18(3):295-301.

6. Caputo IGC, Bazzo GJ, Silva RHA, Daruge JE. Vidas em risco: emergências médicas em consultório odontológico. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac. 2010; 10(3):51-8.

7. Santos JC, Rumel D. Emergência médica na prática odontológica no Estado de Santa Catarina: ocorrência, equipamentos e drogas, conhecimento e treinamento dos cirurgiões-dentistas. Ciência e Saúde Coletiva. 2006; 11(1):183-90.

8. Merly F. O cirurgião-dentista e as emergências médicas no consultório: Será que estamos preparados para enfrentar este problema? Rev. bras. odontol. 2010; 67(1): 6-7.

9. Haas DA. Preparing dental office staff members for emergencies. Developing a basic action plan. JADA. 2010 (may); 141:8-13.

10. Gaetti-Jardim EC, Pereira FP, Fattah CMRS, Aranega AM. Prevalência e perfil epidemiológico das alterações sistêmicas em pacientes atendidos pelo serviço de cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial da Faculdade de Odontologia do Campus de Araçatuba – UNESP. Rev Odontol UNESP. 2008; 37(2):191-6.

11. Pimentel ACSB, Cappai A, Júnior JRF, Grossamann SMC, Magalhães SR. Emergências em Odontologia: Revisão de literatura. Revista de Iniciação Científica da Universidade Vale do Rio Verde. 2014; 4(1):105-13.

12. Monnazzi MS, Prata DM, Vieira EH, Gabrielli MAC, Carlos E. Emergências e Urgências Médicas. Como Proceder? RGO. 2001; 49(1)7-11.

13. Victorelli G, Ramacciato JC, Andrade ED, Ranali J, Motta RHL. Suporte Básico de Vida e Ressuscitação Cardiopulmonar em adultos: conceitos atuais e novas recomendações. Rev assoc paul cir dent. 2013; 67(2):124-8.

14. Arsati F, Montalli VA, Flório FM, Ramacciato JC, Cunha FL, Cecanho R, Andrade ED, Motta RHL. Brazilian Dentists' Attitudes About Medical Emergencies During Dental Treatment. J. Dent. Educ. 2010; 74(6):661-6.

15. Wilson MH, McArdle NS, Fitzpatrick JJ, Stassen LFA. Medical emergencies in dental practice. Journal of the Irish Dental Association. 2009; 55(3):134- 43.

16. Hanna LMO, Alcântara HSC, Damasceno JM, Santos MTBR. Conhecimento dos Cirurgiões Dentistas diante Urgência/ Emergência Médica. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac. 2014; 14(2):79-86.

17. Malamed SF. Managing medical emergencies. J Am Dent Assoc. 1993; 124(8):40-53.

18. American Dental Association. Council on Scientific Affairs. Office emergencies and emergency kits. J Am Dent Assoc. 2002; 133:364-5.

19. Malamed SF. Emergency Medicine in Pediatric Dentistry: Preparation and Management. CDA Journal. 2003 (oct); 31(10):749-55.

20. Dym H. Preparing the dental office for medical emergencies. Dent. Clin. North Am. 2008; 52(3):605-8.

 

 

Endereço para correspondência:
Universidade Federal Do Espírito Santo
São Leopoldo Mandic, Unidade Vila Velha, Es
Rua Armando Antônio Walsh, 155
29255-000, Centro, Marechal Floriano, ES
e-mail: rayane_delpuppo@hotmail.com

 

Recebido: 12/08/2016
Aceito: 25/02/2016