SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2016

 

Artigo Caso Clínico

 

Abordagem cirúrgica em paciente portador da disostose cleidocraniana

 

Surgical approach in patient with dysostosis cleidocranial

 

Rennan Luiz Oliveira dos SantosI; Priscilla Flores SilvaII; Ayran Luzzi di FonzoIII; Aline Mayara de França SilvaIV; Antonio Figueiredo CaubiV

 

I Mestrando do Programa de Ciências Odontológicas com ênfase em Prótese Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - FOUSP
II
Mestranda em Odontologia pela Universidade Federal do Pará
III
Cirurgiã-Dentista graduada pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - FOUSP
IV
Cirurgiã-Dentista graduada pela Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco - FOP/UPE
V Professor Doutor da Disciplina da Cirurgia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia de Pernambuco da Universidade de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A disostose cleidocraniana (DCC) foi descrita e conceituada, pela primeira vez, em 1897, por Marie e Sainton. O padrão de herança é autossômico dominante, porém, em alguns casos, interferências externas no período fetal poderiam causar mutações genéticas, impedindo a transformação de células-tronco mesenquimais em osteoblastos. Essa patologia é caracterizada por malformações cranianas, anormalidades nas clavículas, dentes supranumerários e retenções dentárias. Estudos radiológicos e genéticos são extremamente importantes para o seu diagnóstico preciso. O presente trabalho objetiva apresentar um tratamento cirúrgico dentário em paciente portador dessa patologia.

Palavras-chave: Disostose cleidocraniana; Deformidades congênitas.


 

ABSTRACT

The Cleidocranial dysostosis (CCD) was described and conceptualized for the first time in 1897 by Marie and Sainton. The pattern of in heritance is autosomal dominant but, in some cases, externalinterference in the fetal period could cause genetic mutation preventing the transformation of mesenchymal stem cells into osteoblasts. This pathologyis characterized by cranial malformations, abnormalities of the clavicles, supernumerary teeth and dental retentions. Radiologicalstudies are extremelyimportanttoa precise diagnosis. Thisstudy aims to present a dental surgicaltreatment in patientswiththispathology.

Key words: Congenital deformity; Cleidocranial dysostosis.


 

INTRODUÇÃO

A disostose cleidocraniana foi descrita, pela primeira vez, por Martin em 1765, porém, só em 1897, Marie e Saiton descreveram quatro casos da doença e a associaram com padrões de hereditariedade. Entretanto, em 1946, Lasker concluiu que essa patologia tinha transmissão autossômica dominante, sendo que, em alguns casos, as interferências externas no período fetal poderiam causar mutações no gene CBA1 (Core Binding Factor A1), situado no cromossomo 6p21, impedindo a transformação de células-tronco mesenquimais em osteoblastos1.

Essa patologia se caracteriza por ser uma desordem rara, com prevalência de um por milhão, envolvendo o tecido esquelético2. As principais características da disostose cleidocraniana são: presença de clavículas hipoplásicas ou aplásicas, atraso ou fechamento tardio das suturas cranianas, malformações nos ossos wormianos, sínfise púbica alargada, baixa estatura, anomalias dentárias e outras alterações esqueléticas3.

As costelas podem apresentar alterações de forma e posição devido ao atraso de ossificação do esterno e das vértebras. Isso acarreta no estreitamento da caixa torácica, havendo, assim, a tendência de luxações, desconfortos e infecções respiratórias. Por outro lado, as alterações na ossificação da pelve acarretam alargamento da sínfise púbica, hipoplasia das asas ilíacas e alterações do acetábulo3.

A grande maioria dos pacientes portadores da disostose cleidocraniana apresentam uma tríade patognomônica de lesões: múltiplos dentes supranumerários, hipoplasia ou ausência das clavículas e as suturas sagitais e fontanelas abertas. Quando uma das características da síndrome não está presente, é necessário o diagnóstico diferencial com outras condições, como a hidrocefalia, a osteogênese imperfeita, a osteopetrose e a picnodisostose4,5.

As radiografias realizadas na região de cabeça, maxilares e porção superior e inferior do corpo permitem a obtenção de informações importantes para o fechamento do diagnóstico6. Os exames radiográficos mais solicitados para confirmação dessa disostose são as radiografias de tórax e as radiografias panorâmicas, porém outros exames de imagem podem ser requisitados, como a telerradiografia, tomografias computadorizadas, radiografias da pélvis e de ossos longos4,7,8.

Nesses indivíduos, a cabeça é desproporcional ao restante do corpo, com proeminências frontal e parietal aumentadas. A face é curta em consequência do pouco desenvolvimento vertical de seus ossos, os seios paranasais são pequenos ou ausentes, não há células pneumáticas nas apófises mastoides e geralmente apresentam aspecto de prognata devido ao crescimento deficiente da maxila. Frequentemente são portadores de hipertelorismo ocular, de uma ampla base do nariz e de uma ponte nasal deprimida9.

A ausência bilateral das clavículas, que ocorre em 10% dos casos ou a sua formação parcial permite aos seus portadores uma hipermobilidade anterior dos ombros. Esse indicativo clínico é bastante norteador do diagnóstico, visto que, em caso de suspeita da patologia, pode-se solicitar ao indivíduo que tente aproximar os ombros até a linha média do corpo, e este o fará, sem que haja qualquer desconforto4.

As manifestações orais são bastante características na disostose cleidocraniana. Os dentes decíduos erupcionam normalmente, entretanto, apesar da presença dos germes dos dentes permanentes, eles se mantêm retidos1. Além da retenção prolongada dos dentes decíduos, há uma grande quantidade de dentes supranumerários, principalmente na mandíbula. Os molares permanentes que não têm antecessores decíduos geralmente erupcionam em suas posições normais, embora essa erupção seja retardada1,10.

O tratamento dos problemas dentários associados à essa patologia inclui as opções da exodontia de todos os dentes, seguida da fabricação de próteses, autotransplantação dos dentes impactados selecionados ou remoção de dentes decíduos e supranumerários, seguida da exposição dos dentes permanentes, extruídos ortodonticamente7,9.

Quanto aos implantes, ainda hoje há poucos casos documentados sobre sua utilização nesses pacientes. Embora a disostose cleidocraniana seja um distúrbio ósseo causado por um defeito no gene que orienta a diferenciação osteoblástica e a formação óssea, a utilização de implantes em tal caso parece lógico, já que foram documentados casos de formação óssea ao redor dos dentes erupcionados ortodonticamente, nesses pacientes9.

O presente artigo relata um caso de um paciente afetado pela disostose cleidocraniana, visando ao seu diagnóstico e ao tratamento.

 

RELATO DE CASO

Paciente M.C.R.S; gênero feminino, 20 anos, natural de Recife, apresentou-se ao ambulatório da Cirurgia Bucomaxilofacial, encaminhado pelo cirurgião-dentista clínico geral para a avaliação devido às retenções dos dentes decíduos e às múltiplas unidades dentárias impactadas.

 

 

 

Notou-se acentuado hipertelorismo, baixa estatura, distância intercantal e base nasal aumentada. A partir disso, foi solicitada à paciente a tentativa de união dos ombros e notou-se a íntima aproximação destes em direção à linha média do corpo, sugerindo hiploplasia clavícular, sendo confirmada por radiografia de tórax em projeção ântero-posterior.

 

 

 

Diante do quadro, a paciente foi encaminhada a um centro de referência em Genética Médica do Hospital Oswaldo Cruz onde foi confirmado o diagnóstico de disostose cleidocraniana. A partir disso, foi planejada cada etapa do tratamento.

Foi observado radiograficamente que dos vinte e três eram dentes inclusos, catorze deles faziam parte da dentição permanente e nove dentes supranumerários. Com isso, foi realizada a exodontia de todos os dentes supranumerários e optou-se, juntamente com um cirurgião-dentista especialista em ortodontia, pelo tracionamento dos dentes que faziam parte da dentição permanente.

 

 

 

A paciente foi, então, encaminhada a um centro de Ortodontia para instalação de aparelhagem ortodôntico, tracionamento e alinhamento dos dentes permanentes.

 

DISCUSSÃO

Como mencionado, os problemas orais, advindos da Displasia Cleidocraniana, incluem a retenção prolongada de dentes decíduos, retardo da erupção dos permanentes e, também, a presença de supranumerários.

Becker, em 1997, sugeriu um protocolo de tratamento que envolve técnicas cirúrgicas para extração dos supranumerários e tracionamento ortodôntico dos dentes permanentes, usando forças ortodônticas leves. 12,13

Paul S. Arun, em 2015, relata um protocolo de tratamento odontológico dessa patologia, indicando outra solução, além das propostas criadas por Becker, visando à exodontia de múltiplos dentes com posterior reabilitação protética por overdenture.6

Rocha, em 2014, acompanhou a evolução do tratamento em paciente adulto que realizou a exodontia dos supranumerários e exposição dos permanentes para tracionamento ortodôntico. Seus resultados mostraram a resolução da maloclusão, alinhamento das arcadas dentárias, sem que houvesse reabsorções radiculares e boa relação maxilomandibular em grande parte dos pacientes. 13

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para os pacientes acometidos pela disostose cleidocraniana: um exame clínico minucioso, uma análise por exames de imagem e a análise genética são imprescindíveis à conclusão do seu diagnóstico. Como as manifestações bucais e faciais são marcantes, o cirurgião-dentista talvez seja o primeiro a detectá-las, devendo portanto, referenciar o paciente para o tratamento mais adequado. Vários tratamentos são descritos na literatura, cabendo ao profissional preconizar o melhor para o paciente visando à sua estética e funcionalidade.

 

REFERÊNCIAS

1. Ana Claudina Prudêncio Serratineet al, Displasia Cleidocraniana – apresentação de um caso clínico, Arquivos Catarinenses de Medicina. 2007, 36(1).

2. Victor Hugo Rocha Marussi et al, Disostose Cleidocraniana: relado de caso, Ver Imagem 2008;30(2) : 79-82.

3. Pedro Junqueira de Godoy Pereira, Displasia cleidocraniana: relato de doze pacientes, Pediatria (São Paulo) 2009;31(2): 81-6.

4. Tanaka, Jefferson LO, et al. "Cleidocranial dysplasia: importance of radiographic images in diagnosis of the condition." Journal of oral science48.3 (2006): 161-166

5. Nuvart e Setian et al, Caso em Foco,Pediat. (S.Paulo) 1981, 3: 64-67.

6. Paul, S. Arun et al. "A Review of Clinical REFERÊNCIAS and Radiological Features of Cleidocranial Dysplasia with a Report of Two Cases and a Dental TreatmentProtocol." Journal of Pharmacy & Bio allied Sciences 7.Suppl 2 (2015): S428–S432.

7. Mendoza-Londono R, Lee B. Cleidocranial Dysplasia. 2006 Jan 3 [Updated 2013 Aug 29]. In: Pagon RA, Adam MP, Ardinger HH, et al., editors. Gene Reviews®

8. Dhiman, Neeraj Kumar, et al. "Cleidocranial dysplasia." National jornal of maxillofacial surgery 5.2 (2014): 206.

9. Vicki C. Petropoulos, DMD ,MS, Treatment of a Patient with Cleidocranial Dysplasia Using Osseointegrated Implants : A Patient Report. 2009, 14(2).

10. Sberna, M. T., et al. "Oral manifestation of cleidocranial displasia." Minerva stomatologica 61.10 (2012): 421-429.

11. Becker, Adrian et al. Cleidocranial dysplasia: Part 2-Treatment protocol for theorthodonticandsurgicalmodality. American jornal of orthodontics and dento facial orthopedics. 1997:111(2) 173-183.

12. Becker, Adrian et al. Cleidocranial dysplasia: Part 1–General principles of the orthodontic and surgical treatment modality. American jornal of orthodontics and dento facial orthopedics. 1997, 111(1) 28-33. Rocha, Roberto et al. Orthodontic traction in a patient with cleidocranial dysplasia: 3 years of follow-up. American Journal of Orthodontics and Dento facial Orthopedics. 2014, 146(1) 108-118.

 

 

Endereço para correspondência:
Rennan Luiz Oliveira dos Santos
Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia maxilofaciais - FOUSP
Avenida Professor Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária, São Paulo - SP
05508-000.

Recebido: 28/11/2015
Aceito: 24/02/2016