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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2016

 

 

Correlação clínica e histopatológica de cistos e granulomas periapicais

 

A clinical and histopathological correlation of periapical cysts and granulomas

 

 

Emerson Filipe de Carvalho NogueiraI; Elder Gyress Feitosa FariasII; Daniela Siqueira LopesIII; Emanuel Sávio de Souza AndradeIV; Gerhilde Callou SampaioV

 

I Cirurgião-dentista, mestrando em CTBMF pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP/UPE)
II Cirurgião-dentista
III Cirurgiã-dentista, Mestre em Odontologia pela UFPE
IV Cirurgião-dentista, Doutor em Patologia Oral, PhD, Professor associado da Disciplina de Patologia Bucal da FOP/UPE
V Cirurgião-dentista, Doutora em Odontologia, Professora adjunta da Disciplina de Patologia Bucal da FOP/UPE

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Cistos e granulomas periapicais estão entre as lesões radiolúcidas mais prevalentes. Porém, há situações em que os padrões clínicos e radiográficos se misturam e, portanto, o estudo histopatológico fazse necessário para o diagnóstico definitivo. O objetivo deste estudo foi avaliar a correlação clínica e histopatológica no diagnóstico de cistos e granulomas periapicais. Para isso, foram selecionadas amostras obtidas no Laboratório de Patologia Cirúrgica da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE, no período de 11/2005 a 05/2008. Um total de 37 lesões, distribuídas entre cistos e granulomas periapicais, foram incluídas no estudo. Baseadas nos aspectos clínico-radiográfico e transoperatório, cirurgiões-dentistas forneceram hipóteses diagnósticas, as quais foram comparadas aos exames histopatológicos. Achados clínicos revelaram 28 casos (75,7%) de cistos, 4 casos (10,8%) de granulomas, 4 casos (10,8%) com características de ambas lesões, e 1 caso (2,7%) no qual o dentista não forneceu o diagnóstico. Entretanto, os achados histopatológicos revelaram 21 (56,8%) e 16 (43,2%) casos de cistos e granulomas, respectivamente. Os resultados mostraram uma correlação de 45,9% entre os achados para os cistos e de 8,1% para os granulomas. Diante do exposto, a discrepância observada dos achados clínicos quando comparados aos histopatológicos deve ser discutida quanto aos critérios diagnósticos que vêm sendo utilizados atualmente.

Palavras-chaves: Cisto radicular; Granuloma periapical; Histopatologia; Diagnóstico.


ABSTRACT

Cysts and periapical granulomas are among the most prevalent radiolucent lesions. However, there are situations where the clinical and radiographic patterns are mixed and therefore the histopathological study is necessary for definitive diagnosis. The aim of this study was to evaluate the clinical and histopathological correlation in the diagnosis of periapical cysts and granulomas. For this, samples were selected obtained from histopathological reports of Pathology Laboratory, Faculty of Dentistry of Pernambuco, FOP / UPE, during the period from 11/2005 to 05/2008. A total of 37 lesions distributed among periapical cysts and granulomas, were included in the study. Based on clinical, radiographic and intraoperative lesions, dentists provided diagnostic hypotheses, which were compared to histopathological diagnostic. Clinical findings revealed 28 cases (75.7%) of radicular cysts, 4 cases (10.8%) of granulomas alone, 4 cases (10.8%) with characteristics of both lesions, and 1 case (2.7 %) in which the dentist has not provided the diagnosis. However, the histopathological findings revealed 21 (56.8%) and 16 (43.2%) cysts and granulomas images, respectively. The results showed a 45.9% correlation between the findings for periapical cysts and 8.1% for periapical granulomas. Given the above, the discrepancy observed clinical findings compared to histopathology should be discussed as to the diagnostic criteria that have been used nowadays.

Keywords: Periapical Cyst; Periapical Granuloma; Histopathology; Diagnosis.


 

 

INTRODUÇÃO

O canal mandibular localiza-se no interior do ramo e corpo da mandíbula, percorrendo um trajeto que tem início no forame mandibular, exteriorizando-se no forame mentual, podendo ou não continuar seu trajeto intraósseo em direção à região do mento como um canal único. Apresentando-se curvo de posterior para anterior, esse canal cruza obliquamente todo o corpo mandibular. Topograficamente, está localizado mais próximo da lâmina óssea interna até atingir a face mesial do primeiro molar, aproximando-se da lâmina óssea externa até alcançar o forame mentual.1

O aspecto radiográfico do canal mandibular é caracterizado por uma faixa radiolúcida, delimitada por duas linhas radiopacas,2 geralmente como estrutura ímpar, assumindo diferentes posições no interior do corpo da mandíbula, tanto no sentido súpero-inferior como no sentido médio-lateral, podendo apresentar ainda duplicações ou bifurcações em seu trajeto3 e, em alguns casos, trifurcações.4

Na maioria das vezes, o canal mandibular apresenta-se como um conduto único. No entanto, em certos casos, a presença de um canal acessório pode ser identificada, sendo chamado de bífido. Segundo Langard et al.5, o canal mandibular pode variar em formato como oval, circular ou piriforme. Muitos cirurgiões-dentistas desconhecem a existência de variâncias anatômicas desse canal e, assim, não conseguem visualizá-las nas incidências radiográficas panorâmicas e tomográficas. Como consequência, podem ocorrer complicações cirúrgicas trans e pós-operatórias, insucessos na colocação de implantes. A identificação dessas estruturas possibilita a prevenção de potenciais acidentes e complicações3. Por causa dessa considerável variação em seu curso, é difícil prever a posição exata do nervo alveolar inferior.6

O presente trabalho objetivou verificar a prevalência e classificação das alterações do canal mandibular por meio de exames de tomografia computadorizada de feixe cônico.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, descritiva, transversal e retrospectiva. Para o presente estudo foi utilizada uma amostra por conveniência, obtida a partir de laudos histopatológicos de granulomas periapicais e cistos radiculares dos arquivos do Laboratório de Patologia Cirúrgica Prof. Rildege Accioly, da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/ UPE, no período compreendido entre 11/2005 a 05/2008. Dos casos analisados foram selecionados 16 de granulomas e 21 de cistos radiculares. As amostras foram selecionadas com base nos laudos já estabelecidos pelo laboratório. Entretanto, para se obter maior controle da amostra, todos os casos foram revistos por um patologista para confirmação dos mesmos. Para obtenção dos dados demográficos (idade, sexo e cor da pele), foram utilizadas as fichas clínicas de encaminhamento de biópsia constantes nos arquivos do referido laboratório.

Para o estudo histopatológico, os fragmentos foram fixados em parafina, seccionados em cortes de 5μm de espessura, os quais foram estendidos em lâmina de vidro, e corados pela hematoxilina e eosina. As hipóteses diagnósticas foram fornecidas por cirurgiões-dentistas após exame clínico, radiográfico e transoperatório durante a biópsia excisional das lesões.

Na análise dos dados foram obtidas as medidas estatísticas: média, mediana, desvio padrão, coeficiente de variação, valor mínimo e valor máximo e distribuições absolutas e percentuais (Técnicas de estatística descritiva) e foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson (Técnicas de estatística inferencial).

 

RESULTADOS

A idade dos pacientes analisados variou de 18 a 69 anos, cuja média foi de 38,53 anos; mediana de 37,50 anos; desvio padrão de 13,41 anos e coeficiente de variação de 34,80% (Tabela 1).

 

 

 

Para o diagnóstico clínico, os resultados apresentaram-se variáveis, com a identificação de 28 casos de cisto radicular, 4 de granuloma periapical, 4 com as duas apresentações patológicas e 1 caso em que o cirurgião-dentista não forneceu a informação (Tabela 2). O exame histopatológico revelou 37 casos de lesões periapicais, das quais 21 foram de cistos e 16 granulomas.

 

 

 

O diagnóstico clínico, fornecido pelo cirurgião-dentista, de cisto radicular, coincidiu com o laudo histopatológico em 45,9% dos casos. Já nos granulomas periapicais a coincidência ocorreu em 8,1% dos casos (Tabela 3).

 

 

 

DISCUSSÃO

Os achados da presente pesquisa revelaram maior percentual de cistos a granulomas, no entanto, contrastes foram identificados em alguns estudos da literatura, a exemplo de Carrillo et al.14 (2008), os quais avaliaram histologicamente e compararam ao diagnóstico clínico de 70 casos, os quais observaram histopatologicamente um percentual de 66,5% de granulomas periapicais e 8,6% de cistos radiculares. Mirkovic et al.15 (2012) avaliaram histológica e radiograficamente imagens de lesões periapicais, os quais revelaram percentuais de 47% de cistos e 53% de granulomas periapicais na análise histopatológica.

Saraf et al.16 (2014) ao analisarem 30 imagens de lesões periapicais, identificaram, através do perfil histopatológico a presença de 66,66% de granulomas periapicais, 10% de cistos radiculares e 16,67% granulomas com potencial evolução cística, contrastando com os valores obtidos nesse estudo. No entanto, a correlação histopatológica e radiográfica foi encontrada em 30% destes casos, o que se aproxima dos valores de coincidência obtidos com o presente estudo, a qual foi identificada com considerável grau de discrepância.

Já os estudos de Ricucci et al.17 (2004) foram próximos aos percentuais obtidos no presente estudo, onde encontraram-se valores de 48% e 45%, respectivamente para cistos radiculares e granulomas periapicais. Outro estudo clínico abrangeu 164 pacientes com processos crônicos periapicais e constataram a presença de cistos em 54,88% dos casos e granulomas periapicais em 45,12% dos casos18. Safi et al.11 (2008) também revelaram resultados coincidentes da presente pesquisa, com a prevalência de 84,1% para cistos e 15,9% para granulomas.

Em 10,8% dos casos do presente estudo, os profissionais preferiram colocar ambas as lesões como hipóteses diagnósticas nos seus diagnósticos clínicos. Tais resultados remetem a uma reflexão elaborada por Neville, Damm, Allen et al.4 (2009) de que a grande disparidade quanto à prevalência destas lesões muito provavelmente está relacionada aos critérios diagnósticos usados em estudos específicos. Continuam estes autores a defender que "alguns pesquisadores acreditam que o diagnóstico de um cisto pode ser feito apenas após a lesão ter sido examinada in totum, em exames seriados dos espécimes". Em revisões de granulomas periapicais fragmentados e epitelizados, realizadas com lâminas escolhidas ao acaso, é possível pensar-se existir uma cavidade delimitada por epitélio, que não existe na realidade. Quando são usados critérios restritos, a prevalência dos cistos radiculares parece ser de aproximadamente 15%4.

Embora a presença da cavidade cística com revestimento epitelial é considerado como sendo diagnóstico de cisto radicular, a presença de proliferação epitelial sem cavidade cística também é considerado como potencial para transformar-se em cisto radicular. Um subconjunto de granuloma periapical com epitélio é designado como alterações císticas antecipadas ou potenciais transformações císticas. Têm sido feitas tentativas a este respeito para elucidar a natureza do epitélio utilizando vários marcadores imunohistoquímicos como citoqueratinas15.

A grande variação quanto ao percentual de identificação de um granuloma pode ser atribuída a diferenças nos métodos de coleta de biópsia e critérios histológicos utilizados para o diagnóstico de lesões periapicais, ou ao menor tamanho da amostra utilizado.

Outro fator considerado no diagnóstico dos granulomas periapicais e de cistos radiculares é o da interpretação radiográfica. É particularmente importante o exame radiográfico no diagnóstico, para isso, se faz necessária a experiência clínica para a sua interpretação. O problema da falta de confiabilidade na interpretação radiográfica das lesões periapicais foi abordada por numerosos estudos16,19,20 os quais obtiveram o diagnóstico definitivo somente com a análise histopatológica das mesmas após sua remoção cirúrgica.

As respostas dos tecidos periapicais podem variar e a avaliação de uma imagem radiolúcida persistente pode ser difícil, a menos que a biópsia seja realizada. A radiolucidez que persiste após o tratamento endodôntico pode ser devido ao sistema de canais radiculares ainda estarem infectados, uma infecção extra-radicular, um cisto periapical verdadeiro ou uma cicatriz periapical5. Por isso, é prudente submeter a peça cirúrgica a exame histopatológico para obtenção de um diagnóstico definitivo.

O equilíbrio mantido entre a capacidade reacional do organismo e a patogenicidade do agente agressor devem determinar, em muitos casos, o padrão do aspecto radiográfico de tal forma que, uma queda da resistência do organismo ou um aumento da virulência dos microrganismos do canal radicular, pode alterar o quadro histológico da lesão, com envolvimento do tecido ósseo e dos seus aspectos radiográficos21.

Outro dado observado no presente estudo foi em relação à idade dos pacientes. A média dos casos estudados foi de 37,5 anos. Dos quais 56,2% (18 casos) estavam compreendidos na faixa etária de 18 a 40 anos, e 43,8% (14 casos) possuíam idade superior a 40 anos. A média dos valores obtidos foram concordantes com os dados relatados na literatura vigente11,13-20. De acordo com Regezi (2000)12, o pico de distribuição por idade vai da terceira à sexta década de vida.

Por fim, e ainda sobre os dados clínicos, nesta pesquisa, a raça branca foi a mais acometida (60,9%), e o sexo feminino foi o mais afetado (62,2%). Vale ressaltar que no nosso país, pela miscigenação do nosso povo, o aspecto, raça, apresenta-se com elevada subjetividade. E que os pacientes do sexo feminino se cuidam mais que os do sexo masculino, o que pode ter influenciado em tal resultado.

O fato de essas lesões periapicais apresentarem caracteristicas clínicas semelhantes e histopatológicas diferentes faz com que surjam certas dúvidas quanto à relação existente entre esses diversos tipos de lesões, se elas seriam entidades patológicas independentes ou apenas representam diferentes estágios evolutivos de um processo único. Além disso, o subdiagnóstico aliado aos critérios utilizados para análise histopatológica deve ser considerado.

 

CONCLUSÕES

Conclui-se, portanto, que a diferenciação no diagnóstico dos cistos e granulomas periapicais através de análises clínico-radiográficas ainda são de baixa confiabilidade, reforçando ainda mais a importância dos exames histopatológicos na obtenção do diagnóstico definitivo dessas lesões.

 

REFERÊNCIAS

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