SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número4 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2016

 

 

Diagnóstico precoce das doenças imunologicamente mediadas: relato de caso

 

Early diagnosis inimmunologically mediated diseases: case report

 

 

Lucas Souza CerqueiraI; Carlos Vinicius Ayres MoreiraII; Iuri Darlan Guerreiro PinheiroIII; Michelle Miranda Lopes FalcãoIV

 

I Residente Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial Hospital Geral Roberto Santos /Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
II Pós-graduando em Implantodontia pelo I nstituto Agenor Paiva de Pós-graduação
III Cirurgião-dentista
IV Mestrado em Saúde Coletiva, Professora do Curso de Odontologia da Universidade Estadual de Feira de Santana

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As doenças dermatológicas imunologicamente mediadas estão associadas à produção de anticorpos que agem contra estrutura específica da pele e mucosas. Essas desordens apresentam características inflamatória e crônica. A interação dos anticorpos com o próprio tecido resulta na formação de bolhas intraepidérmicas que acometem a pele e as mucosas. Esse processo patológico é denominado de doenças autoimunes vesiculobolhosas e as mais frequentes são o pênfigo, eritema multiforme, líquen plano e penfigóide. Esse artigo relata um caso de penfigóide cicatricial em paciente do sexo feminino, 36 anos de idade. O conhecimento dessa doença pelo cirurgião-dentista é importante ao diagnóstico precoce e melhor prognóstico do penfigóide cicatricial.

Palavras-chave: Diagnóstico precoce; Doenças autoimunes; Penfigóide.


ABSTRACT

The immune-mediated skin diseases are associated the production of antibodies against self-specific structures of the skin and mucous. These disorders have inflammatory and chronic characteristics. These interactions between the antibodies and the host tissue result in the formation of intraepidermal blisters affect the skin and mucous. This pathological process is referred to as autoimmune vesiculobullous disease and the most common diseases are pemphigus, erythema multiforme, lichen planus and pemphigoid. This paper presents a case report of cicatricial pemphigoid occurring in a 36 year-old female patient. The knowledge of this condition by the dentist is important of the early diagnosis to better prognosis the cicatricial pemphigoid.

Key Words: Early detection; Autoimmune diseases; Pemphigoid.


 

 

INTRODUÇÃO

Doenças autoimunes resultam da ação de autoanticorpos a proteínas de desmossomos presentes entre as células epiteliais, esta ação produz a formação de acantólise epitelial1. Os Penfigóides são doenças autoimune, inflamatória e crônica, em que há a presença de bolhas subepiteliais, resultantes da desinserção dos hemidesmossomos presentes na membrana basal2. Clinicamente, podem apresentar-se como vesículas e/ou bolhas3.

Os penfigóides afetam principalmente indivíduos com idade superior a60 anos, embora haja relatos que podem variar entre a terceira a nona década de vida3, e, raramente, é encontrada em crianças e bebês3. As mulheres são afetadas duas vezes mais que os homens4e não há predileção por raça ou localização geográfica3. A incidência anual é relatada em1,16 e 0,87 por milhões de habitantes, na França e Alemanha, respectivamente3.

A perda da integridade da superfície epitelial é encontrada em outras desordens como o Pênfigo5, e as lesões orais iniciais são de difícil diagnóstico6. Diferentemente do pênfigo, o penfigóide é uma doença auto-limitada que geralmente se resolve dentro de cinco anos3 e ao exame histológico revela uma fenda entre o tecido epitelial e o conjuntivo que exibe um infiltrado brando composto por células inflamatórias crônicas. O infiltrado inflamatório exibe um grande percentual de mastócitos e eosinófilos5.

As manifestações clínicas dessas desordens podem afetar fisica-social e psicologicamente os indivíduos7. As opções de tratamento e seus efeitos colaterais oferecem tambem um forte impacto no cotidiano dos pacientes. As principais dificuldades encontradas são referentes a textura e a temperatura dos alimentos ingeridos o que pode conduzir a elevado nível de estresse. Há relatos, também, sobre a imprevisibilidade da doença e os possíveis efeitos colaterias dos medicamentos utilizados em longo prazo3,4,7.

Apesar de pouco frequente, torna-se imperativo o diagnóstico definitivo dos penfigóides com o intuito de descartar outras desordens vesículo-bolhosas de caráter mais preocupante e evitar os longos períodos de intervenção5. Os indivíduos com lesões exclusivamente bucais apresentam um curso da doença com menor morbidade2. A maioria dos pacientes acometidos por penfigóides requerem terapia sistêmica que visam suprimir a inflamação e/ou a resposta imune, tendo como agentes mais comumente utilizados os corticosteroides e imunossupressores3.

Este trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico de penfigóide cicatricial com o intuito de revelar a importância do diagnóstico diferencial e precoce para instituição de terapêutica adequada e melhor prognóstico da doença. O acometimento da cavidade oral na maioria dos casos de penfigóide reforça a necessidade do conhecimento dessa condição pelo cirurgião-dentista.

 

RELATO DO CASO

Indivíduo do sexo feminino, 36 anos de idade compareceu ao Centro de Referência de Lesões Bucais (CRLB) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) com relato de aparecimento de lesão em boca, inicialmente, circunscrita, com posterior acometimento de toda mucosa oral e presença de sintomatologia dolorosa há mais de um mês.

Durante a anamnese, observou que a primeira manifestação espontânea das lesões deuse há cerca de um ano e o tratamento médico na época em outro serviço consistiu em uso de hidróxido de alumínio e acetonida de triancinolona, sem conclusão do diagnóstico. Segundo relato da paciente houve remissão das lesões após um mês de uso dos medicamentos. O exame físico revelou presença de linfadenopatia do lado direito, inúmeras lesões ulceradas em mucosa oral (Figura 1). O diagnóstico clínico sugerido foi de pênfigo vulgar.

 

 

 

A conduta adotada foi realização de biópsia incisional, após a verificação da condição sistêmica da paciente. Em seguida, houve a prescrição de Prednisona 60mg/dia que após um mês de uso foi associada ao bochecho de Dexametasona Elixir, devido ao surgimento de novas lesões. O resultado do exame histopatológico sugeriu o diagnóstico de penfigóide cicatricial. Após resultado do exame, a paciente foi encaminhada para tratamento médico, entretanto, continuou sendo acompanhada pelo serviço odontológico do CRLB.

A paciente está em fase de proservação há três anos através de consultas bimestrais no Hospital das Clínicas Professor Edgar Santos e CRLB. No momento, faz uso de Azitioprina 150mg/dia, Predinisolona 5mg/dia, Carbonato de Cálcio associado à Vitamina K 800mg/dia e não apresenta lesões bucais (Figura 2).

 

 

 

DISCUSSÃO

O aumento da incidência de desordens autoimunes pode estar relacionado ao aumento da idade da população e ao avanço de técnicas para diagnóstico8. Embora estas doençasacometam pacientesemtodas as faixas etárias, os idosos são particularmente suscetíveisàs doenças autoimunes bolhosas. A alta incidência dedoenças bolhosasem idosospode ser o resultadode vários fatores3, do tipo endógeno, dentre eles, os defeitos imunológicos, e exógenos, tais como a exposição aos vírus, drogas e agentes físicos9.

Em estudo realizado na Alemanha, em 2002, houve um total de 1.830 novos casos de pacientes com doenças autoimune bolhosas, com duplicação dos casos de penfigóide nos últimos dez anos e predileção por indivíduos adulto jovem8, situação que pôde ser verificada no caso relatado.

O prognósticode doenças bolhosa sem idosos é geralmente pior do que em indivíduosmais jovens. O curso e prognóstico dos penfigóides são variáveis, ao contrário do pênfigo vulgar, é uma doença auto-limitada, cuja resolutividade pode acontecer em cinco anos3, mas o tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico é relativamente curto10. O que diverge do caso mencionado onde o início das lesões ocorreu um ano antes do diagnóstico, apesar da procura pelo auxílio terapêutico ter ocorrido precocemente.

Os penfigóides apresentam quadro clínico heterogênio que pode variar de lesões vesículobolhosas à erosão progressiva com cicatrizes ou como eritema, edema ou úlceras crostosas4, entretanto, é descrito como uma doença tipicamente bolhosa3. No presente estudo, ao exame físico intraoral foram observadas inúmeras lesões ulceradas em mucosa oral e orofaringe. A visualização de vesículas ou bolhas em cavidade oral é muito difícil diante da característica friável da superfície desse tipo de lesões fundamentais em mucosa oral

Geralmente, as lesões do penfigóide iniciam na mucosa bucal2,3,5, situação observada nesse estudo e que ratifica a importância do preparo do cirurgião-dentista para o reconhecimento dessas lesões. O envolvimentoclínico pode estender-se ao olho ou mucosa ocular conjuntival, ou pode permanecer restrita à cavidade oral5, mas quando há o envolvimento da conjuntiva ocular, observa-se que, em 15% dos casos, há perda da visão devido à formação de fibrose subconjuntival, que progride para inflamação e erosão da conjuntiva2. No trabalho apresentado não houve acometimento da mucosa ocular.

A apresentação gengival é tipicamente eritematosa e dolorosa. Coma rupturadas vesículas, resultará em desconforto funcional e ocasionará em invasão por agentes patogênicos bacterianos3. Apesar do relato de sintomatologia dolorosa, no presente estudo não foi observado infecções secundárias e a dor referenciada relacionou-se à exposição de tecido conjuntivo nas úlceras apresentadas.

Doenças vesiculares, erosivas ou ulcerativas afetam a mucosa oral ou gengivas e podem ser de difícil diagnóstico, no entanto, é crucial estabelecê-lo precocemente10. O início das lesões é incidioso, muitas vezes aparecem como ulcerações inespecíficas que curam dentro de algumas semanas5.

O diagnóstico precoce é essencial para prever o curso e o prognóstico de uma dermatose bolhosa autoimune, atrasando ou mesmo impedindo a disseminação das lesões observadas3,10. Além disso, vai permitir a seleção do tratamento adequado10.

O exame histopatológico deve ser solicitado para confirmação do diagnóstico clínico2. Para isso, é fundamental que a biópsia incisional seja realizada em área que envolva a lesão, juntamente com o epitélio e tecido conjuntivo intactos2,10, conduta que foi adotada diante do caso apresentado.

Após o diagnóstico definitivo de penfigóide cicatricial, os pacientes devem ser encaminhados ao oftalmologista, mesmo que não apresentem quadro clínico de envolvimento ocular2. Apesar de dados muito limitados quanto ao envolvimento do otorrinolaringologista, tornase necessária a avaliação do profissional médico já que o envolvimentode laringe e da conjuntiva ocular podem ser potencialmente fatais4. No caso apresentado, após o diagnóstico de penfigóide cicatricial a paciente foi encaminhada para tratamento médico e continuou sendo avaliada pelo serviço odontológico do CRLB.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de fundamental importância o diagnóstico das doenças imunologicamente mediadas como o penfigóide cicatricial. O exame histopatológico associado ao exame físico são instrumentos que permitem estabelecer o diagnóstico. Torna-se necessário para o tratamento do penfigóide cicatricial que o cirurgião-dentista esteja capacitado a realizar o diagnóstico precoce dessa patologia, conhecendo seus sinais e sintomas, já que desempenha um importante papel no tratamento de tais pacientes dentro de uma equipe multidisciplinar.

 

REFERÊNCIAS

1- Endo H., Rees T D., Matsue M., Kuyama K., Nakadai, M., Yamamoto, H. Early Detection and Successful Management of Oral Pemphigus Vulgaris: A Case Report. J Periodontol. 2005; 76(1):154-60.         [ Links ]

2- Santos, T. S., Lima, F. T. B., Andrade, E. S. S., Silva, E. D. O. e, Gomes, A. C. A., A Importância do diagnóstico precoce do penfigóide cicatricial: Relato de caso. Odontol. Clín.-Cient. 2010; 9(1):83-87.

3- Mutasim, D. F., Autoimmune Bullous Dermatoses in the Elderly An Update on Pathophysiology: Diagnosis and Management. Drugs Aging. 2010; 27(1):1-19.

4-Trimarchi, M., Bellini, C., Fabiano, B., Gerevini, S., Bussi, M. Multiple mucosal involvement in cicatricialPemphigoid. ACTA OtorhinolaryngologicaItálica. 2009; (29):222-25.

5-Sciubba J J., Autoimmune Oral Mucosal Diseases: Clinical, Etiologic, Diagnostic, and Treatment Considerations. Dent Clin N Am. 2011; (55):89–103.

6-Ohta M., Osawa S., Endo H., Kuyama K., Yamamoto H., Ito T., Pemphigus Vulgaris Confined to the Gingiva: A Case Report. International Journal of Dentistry. 2011; (11):1-4.

7-Riordain, R. N., Meaney, S., McCreary, C. Impact of chronic oral mucosal disease on daily life: preliminary observations from a qualitative study. Oral Diseases. 2011; (17):265–69.

8-Schmidt E., Zilikens D., Diagnosis and Treatment of Patients with Autoimmune Bullous Disorders in Germany. DermatolClin. 2011; (29): 663–71.

9-Araújo D B., Simões C C., Araújo R P C., Manifestações bucais do pênfigo. R. Ci. méd. biol. 2006; 5(2):181-87.

10-Arisawa, E. A. L.,Almeida, J. D., Carvalho, Y. R.,Cabral, L. A. G. Clinicopathological analysis of oral mucous autoimmune disease: A 27-year study. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2008;13(2):94-7.

 

 

Endereço para correspondência:
Lucas Souza Cerqueira
Rua Alberto Nogueira, n° 87
Bairro Centro, Irará, BA
CEP 44255-000
e-mail: lucasscerqueira@yahoo.com.br