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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.58 no.2 Porto Alegre Abr./Jun. 2010

 

ORIGINAL ORIGINAL

 

Percepção materna sobre atenção odontológica e fonoaudiológica na gravidez

 

Maternal perception of dental, speech and hearing care during pregnancy

 

 

Juliana Rodrigues Praetzel*; Fabiana Vargas Ferreira; Tathiane Larissa Lenzi; Gliciana Piovesan de Melo; Luana Severo Alves

Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Estomatologia. Rua Floriano Peixoto, 1184, Centro, 97015-663, Santa Maria, RS, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Conhecer a percepção das gestantes atendidas no Pré-Natal Obstétrico do Hospital Universitário de Santa Maria (RS) sobre a atenção odontológica e fonoaudiológica durante a gravidez.
MÉTODO: Foram entrevistadas 75 gestantes por meio de questionário contendo perguntas relacionadas à saúde materna e do bebê. A análise foi de natureza descritiva.
RESULTADOS: Apenas 58,7% das gestantes frequentaram o consultório odontológico durante a gestação, embora todas as entrevistadas consideram importante cuidar da saúde bucal durante este período. A maioria das grávidas apresentou dúvidas sobre até que período o bebê deveria ser amamentado e qual o momento adequado para o desmame. A maioria (96,0%) informou que é necessário realizar a higiene bucal do recém-nascido, porém houve inúmeras dúvidas com relação ao modo de como fazê-la. Um número significativo de gestantes (77,0%) considerou prejudicial beijar o filho na boca assim como provar o leite e a comida. Sessenta e dois por cento tiveram controle da ingestão de açúcar durante o período gestacional e 92,0% das gestantes nunca ouviram falar do teste da orelhinha.
CONCLUSÃO: Pôde-se observar que as gestantes detêm algum conhecimento sobre as questões abordadas, no entanto, alguns pontos precisam de maiores esclarecimentos, sobretudo em saúde, com enfoque odontológico e fonoaudiológico, propiciando uma atenção holística para o binômio mãe-bebê.

Termos de indexação: cuidado pré-natal; gestantes; saúde bucal.


ABSTRACT

OBJETIVE: The objective of this study is to investigate how pregnant women seen at the Prenatal Obstetric Clinic of the University Hospital in Santa Maria perceive dental, speech and hearing care.
METHODS: A questionnaire was administered to 75 pregnant women with questions related to mother and baby health. The analysis was of a descriptive nature.
RESULTS: Only 58.7% of the pregnant women saw a dentist on a regular basis during pregnancy, although all interviewees believed that oral care during this period was important. The majority of the pregnant women were uncertain about how long to breastfeed and when to wean. Most of them (96%) stated that oral hygiene of the newborn was necessary, but there were many doubts on how to do it. A significant number (77%) of pregnant women thought kissing the baby's mouth or tasting his or her milk or other foods was harmful. More than half (62%) of the women controlled their sugar intake during pregnancy and 92% of them had never heard of the ear test.
CONCLUSION: The results showed that pregnant women have some knowledge of the issues discussed; however, some points need clarification, especially health issues. There should be a focus on teeth, speech and hearing so as to provide a holistic care for the mother-child dyad.

Indexing terms: pre-natal care; pregnant women; oral health.


 

 

INTRODUÇÃO

A maternidade representa um momento único no ciclo vital feminino, no qual a mulher apresenta-se mais propensa e receptiva a novos conhecimentos e a mudar padrões, o que a torna uma formadora de opiniões e determina o seu papel preponderante no núcleo familiar em relação à saúde.

Partindo do pressuposto que os hábitos apresentados pela mãe influenciam na geração dos hábitos de seus filhos, uma gestante informada e motivada sobre a sua saúde, geral e bucal, é o primeiro passo para uma população livre de doenças, tais como a cárie dentária e problemas periodontais. Portanto, essa paciente deveria ser priorizada nos programas de atenção e assistência à saúde bucal.

Programas odontológicos e fonoaudiológicos voltados ao bebê visam despertar a consciência de pais e/ou responsáveis sobre os fatores nocivos e prejudiciais aos seus filhos desde o nascimento, de forma que todos os cuidados necessários para favorecer as boas condições de saúde possam ser aprendidos para serem colocados em prática. Desta forma, em consonância com Konishi & Konish1 ao afirmarem que, em nenhum outro período da vida, os pais estarão abertos a informações como no período pré-natal.

A atenção e a assistência integral à gestante unem áreas afins (Odontologia e Fonoaudiologia) por se relacionarem a um mesmo sistema mastigatório ou estomatognático (SEG). O sistema mastigatório ou estomatognático é responsável pelo desempenho de inúmeras funções vitais do homem, como respiração, deglutição, sucção, mastigação, fonação, paladar e expressão facial. Sabe-se que desvios nos padrões normais de origem muscular, dentária ou respiratória, entre outras, poderão gerar alterações no crescimento facial e interferir no correto estabelecimento e desenvolvimento destas funções no bebê que está por vir.

Orientar a gestante é fundamental para prevenir alterações nocivas ao sistema mastigatório ou estomatognático, por exemplo, o estabelecimento precoce do aleitamento artificial, que causará um padrão incorreto da respiração e deglutição, e estas funções alteradas, a uma atresia maxilar, com ou sem comprometimento da mordida, que poderá cruzar na região posterior, ou seja, consequências que se sobrepõem. Outro aspecto a se considerar sobre a orientação é o fato de poder contribuir para o não desenvolvimento de hábitos bucais deletérios (sucção de chupeta e/ou dedo) evitando as sequelas estruturais e foniátricas que poderá gerar ao sistema mastigatório ou estomatognático. Os eventos surgem como consequências uns dos outros, sendo impossível separar estas duas áreas da saúde intimamente relacionadas e interdependentes.

A partir do exposto, este estudo se propôs a analisar a percepção das gestantes atendidas no Pré-Natal Obstétrico do Hospital Universitário de Santa Maria (RS) sobre a atenção odontológica e fonoaudiológica durante a gravidez, uma vez que é neste período em que a mulher encontra-se mais receptiva à adoção de hábitos saudáveis.

 

MÉTODOS

Este estudo foi realizado no Hospital Universitário de Santa Maria (RS), envolvendo gestantes, durante o pré-natal obstétrico, independentemente do período gestacional, do número de gestações e da faixa etária. Antes da realização da pesquisa, todas as gestantes tiveram esclarecimentos e informações a respeito do trabalho e, aquelas que participaram, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Elas responderam um questionário pré-avaliado em estudo piloto realizado com o objetivo de adequar a linguagem e possibilitar a aplicação do mesmo. No total, 75 gestantes participaram do estudo para avaliar a sua percepção sobre a saúde atenção odontológica e fonoaudiológica, por meio de perguntas tematizando a inter-relação entre essas duas áreas (amamentação, uso da chupeta, teste da orelhinha, etc.).

Os dados foram armazenados em banco de dados no programa Microsoft Excel 2003 e posteriormente analisados utilizando o software Statistical Package of the Social Science (SPSS), sendo apresentados por análise descritiva. Seguindo os preceitos da Bioética, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (RS), sob o protocolo 0011.0.246.000-0/ 2005.

 

RESULTADOS

A amostra de conveniência foi constituída por gestantes atendidas em pré-natal obstétrico das quais somente 30 (43%) compareceram ao consultório dentário durante o período gestacional.

Em relação à importância atribuída à amamentação, todas as gestantes afirmaram que a prática do aleitamento materno é importante. O leite materno é o alimento específico e essencial para o crescimento e desenvolvimento adequados, fornecendo efeitos a longo prazo para a criança2-4. Dentre os motivos mencionados, os considerados mais importantes foram: o leite materno que protege o bebê contra doenças (n=58), a própria mãe oferece o melhor alimento para o bebê (n=45), a amamentação auxilia no crescimento do bebê (n=42) e aproxima a mãe do filho (n=33). O motivo considerado menos importante pelas grávidas foi o fato de o leite materno ser um alimento mais econômico, referido por apenas seis delas. Outros motivos também relacionados foram a transferência da imunidade e mais saúde para o bebê (Figura 1).

 

 

Quando questionadas sobre até quando o bebê deverá ser amamentado, 80% das gestantes relataram que o período ideal é igual ou maior que seis meses e somente 20% delas relataram período inferior ao ideal.

As gestantes (n=15) acreditam que a papinha deva ser introduzida na alimentação da criança aos 6 meses de idade (Figura 2).

 

 

Todas as gestantes afirmam que existe relação entre a sua alimentação durante a gravidez e o desenvolvimento do bebê, sendo que aproximadamente 63% das gestantes (n=47) responderam que têm controle sobre a ingestão de açúcar artificial durante a gravidez enquanto que aproximadamente 38% (n=28) não apresentam este tipo de atenção (Quadro 1).

 

 

Quando perguntado se as gestantes eram a favor do uso da chupeta, aproximadamente (47%) responderam que sim, enquanto 53% responderam ser contrárias ao seu uso. A principal justificativa relatada pelas mães favoráveis ao uso foi o fato de que a mesma acalma o bebê. Àquelas que são contra justificam argumentando que a mesma poderá prejudicar a formação da arcada dentária (Quadro 1).

A respeito da transmissibilidade de micro-organismos da mãe para o recém-nascido, foram realizadas duas perguntas. A primeira delas questionou se a gestante achava prejudicial beijar o bebê na boca. A maioria delas (77%) acreditam ser prejudicial, enquanto 23% não acreditam trazer prejuízos. Quando foi questionado se provar o leite e a comida do bebê pode trazer algum prejuízo ao mesmo, 40 responderam que sim, 34 responderam que não e uma não respondeu (Quadro 1).

A maioria das gestantes (94%) consideram importante conversar com o bebê e 92% delas desconheciam o teste da orelhinha (Quadro 1).

A maioria das futuras mães afirmaram que deve se realizar a higiene da boca do recém-nascido (96%), enquanto apenas 4% acreditam que não seja necessário realizá-la (Figura 3).

 

 

DISCUSSÃO

A atenção e assistência à gestante, sobretudo na área odontológica, ainda representa um desafio, uma vez que o período de maternidade está associado a crenças e mitos não justificados não só por parte das gestantes, mas também de cirurgiões-dentistas e isso pode explicar o índice de apenas (41,33%) das mesmas de comparecerem ao consultório dentário. Por isso, deve-se orientar o binômio paciente-profissional sobre a importância da atenção à saúde bucal da mãe, durante o pré-natal obstétrico para a aquisição de hábitos saudáveis. Somado a isso, convém salientar que a presença de odontológos e fonoaudiólogos são inexistentes no pré-natal, fazendo com que não haja uma melhor compreensão do processo saúde-doença, bem como não possibilita uma visão mais ampla da atuação de outros profissionais da área; além de não oferecer à gestante e ao futuro bebê condições plenas de atenção e assistência.

Considerando-se que o obstetra é o primeiro profissional da saúde a entrar em contato com a mulher grávida para orientá-la e monitorá-la durante a gestação, cabe a ele o papel de encaminhá-la aos demais profissionais, para que o pré-natal seja o mais completo possível em atenção e assistência à saúde. Fatos que se associam ao estudo desenvolvido por Maeda et al.2, no qual obtiveram que apenas 35,14% dos médicos ginecologistas-obstetras recomendavam sempre a visita ao cirurgião-dentista e isso gera, inevitavelmente, uma população de gestantes bem menos assistidas, além de não haver o cumprimento do papel promotor de saúde por parte do profissional que primeiro entra em contato com a gestante.

Em relação à importância atribuída à amamentação, todas as gestantes afirmaram que a prática do aleitamento materno é importante. O leite materno é o alimento específico para crianças, é essencial para o crescimento e desenvolvimento adequados, fornecendo efeitos a longo prazo3-4.

As vantagens do aleitamento materno incluem: praticidade, economia, maior facilidade de absorção pelo trato digestivo, menor ocorrência de alergias nutricionais, favorecimento do sistema imunológico, desenvolvimento cognitivo e emocional mais favorável, estabelecimento da relação afetiva entre mãe e filho e êxtase oral5-12. Além disso, a amamentação, sob o ponto de vista odontológico, promove o correto desenvolvimento das estruturas do sistema mastigatório ou estomatognático, pois ao sugar o peito, a criança estabelece o padrão correto de respiração nasal e deglutição, dando condições favoráveis para que haja harmonia facial, muscular e esquelética4-8. Assim, a criança que suga o peito da mãe mantém os lábios fechados, posiciona corretamente a língua, desenvolve corretas funções bucais e estabelece o padrão fisiológico e favorável de respiração, ao contrário do que acontece com o uso da mamadeira5. Assim como a prática e o tempo adequado de aleitamento materno propicia menores probabilidades para o desenvolvimento de hábitos bucais deletérios, como sucção sem fins nutritivos (chupeta, dedo), onicofagia e respiração bucal9-11.

Quando questionadas sobre até quando o bebê deve ser amamentado, a maioria das gestantes afirma que o período ideal é igual ou superior a seis meses (80%). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o aleitamento materno exclusivo desde o nascimento até os quatro-seis meses de idade e o aleitamento materno complementado até os dois anos ou mais12. No entanto, Ragazzi13 sugere que a partir de um ano de vida, deve-se iniciar a utilização gradual de copo (para líquidos), bem como a colher para alimentos sólidos, estimulando, assim, as estruturas bucofaciais, com repercussões benéficas para a linguagem, para a erupção dentária e para a o padrão respiratório. Deve-se recomendar que o processo de desmame seja realizado gradativamente, de acordo com a maturidade emocional e habilidade física de cada criança.

As gestantes (n=15) acreditam que a papinha deva ser introduzida na alimentação da criança até os 6 meses de idade (Figura 2). Contrapondo-se ao seu papel único e exclusivo até o sexto mês de vida, a partir daí, o leite materno torna-se insuficiente para suprir a demanda nutricional do organismo do bebê, necessitando ser complementado pelos alimentos que contenham vitaminas D e K para evitar a deficiência de ferro8.

Todas as gestantes afirmaram que existe relação entre a sua alimentação durante a gravidez e o desenvolvimento do bebê, sendo que aproximadamente 63% das gestantes (n=47) responderam que têm controle sobre a ingestão de açúcar artificial durante a gravidez, enquanto que 38% (n=28) não apresentaram este tipo de atenção (Quadro 1). O consumo de açúcar artificial em excesso é prejudicial para a saúde geral da mãe, sendo uma das principais causas de obesidade e constipação intestinal, também é nocivo à saúde oral da mesma, visto que, a sacarose é o substrato indispensável para a produção de ácidos pela flora cariogênica. Além de ser importante para a saúde da gestante e do feto, o baixo consumo de açúcar durante a gestação também possui consequências na vida pós-natal, pois interfere na formação do paladar do neonato. O desenvolvimento das papilas gustativas do feto começa a se instalar por volta da décima quarta semana. O bebê fica em contato gustativo com o líquido aminiótico.

A alimentação da grávida modifica a qualidade do líquido para mais ou menos doce. O bebê pode se acostumar com a alta taxa de glicose do sangue da mãe e quando nasce já pode ter o paladar com preferência pelo açúcar1. Um estudo realizado em bebês recém-nascidos, que foram testados com diferentes estímulos gustatórios, na modalidade doce, amargo, salgado e azedo, demonstrou que o aparelho gusto-sensorial do recém-nascido já é bastante aguçado e que neonatos são capazes de discriminar sabores14. O açúcar natural dos alimentos é suficiente para suprir as necessidades da mãe e do feto e assegurar o desenvolvimento integral do bebê1. Sendo a dieta uma das únicas variáveis da etiologia da cárie dentária que o indivíduo pode modificar15, é conveniente que o consumo de açúcar, notadamente o artificial, seja controlado e supervisionado durante a gestação. Assim, poder-se-a minimizar as chances do recém-nascido possuir uma predisposição genética a ter seu paladar mais ávido por doces, o que futuramente poderá ser um fator de risco para o desenvolvimento de lesões de cárie16.

Para que a completa formação das dentições decídua e permanente, que se iniciam, respectivamente, na 6ª semana de vida embrinária17 e 5º mês de vida intra-uterina1, ocorra de maneira correta, é indispensável que a gestante adote uma dieta adequada. A dieta deverá ser rica em cálcio, essencial para a mineralização das estruturas calcificadas do bebê. Ressalta-se que o cálcio é suprido pela alimentação e pelas reservas da mãe, e não pelos seus dentes, desmistificando a ideia de que os dentes da gestante enfraquecem durante a gravidez. Porém, foi observado que o efeito da deficiência da vitamina D no metabolismo do cálcio durante a gestação induz uma hipocalcemia severa devido à absorção intestinal reduzida do cálcio e da elevada demanda fetal para o cálcio18, o que vem atestar a importância da orientação dietética da gestante.

Os fonoaudiólogos e odontólogos recomendam a remoção dos hábitos de sucção não-nutritiva por volta dos dois anos e meio de idade, sobretudo para a prevenção da deglutição atípica, de dislalias e de más-oclusões3.

Em poucas horas após o nascimento a cavidade bucal do bebê é infectada pela microbiota das pessoas mais próximas, porém a contaminação por micro-organismos cariogênicos, como o Streptococos mutans, só será detectada após a erupção dos primeiros dentes decíduos. Parece existir correlação entre a colonização precoce por mutans e a experiência de cárie do indivíduo19-22.

Na presente pesquisa, a maioria das gestantes (94%) considera importante conversar com o bebê. Basicamente, a primeira comunicação da criança com a mãe é feita por gestos, olhares, toques suaves e sensação de odor e calor. No início do desenvolvimento linguístico, a criança recebe os sons que vêm do exterior, assim como incorpora os sons que ela mesma exprime. A linguagem é uma troca: receber impulsos e enviar mensagens23. O hábito de a gestante conversar com o neonato desde o início da gravidez, torna-se importante para estabelecer o elo entre mãe e filho e estimular o desenvolvimento da linguagem e da comunicação (Quadro 1).

Em relação à questão sobre o teste da orelhinha, 92% das gestantes o desconheciam e apenas 8% sim (Quadro 1). A audição é a chave para a linguagem oral e uma forma de sentir o mundo. Pode-se perceber que sem ela, o indivíduo perde parte do mundo real, passando a ter problemas emocionais e sociais. Qualquer sujeito que não é exposto à estimulação de linguagem nos primeiros anos de vida apresentará uma defasagem em seu desenvolvimento linguístico23. Logo que o bebê nasce, é recomendada a realização da Triagem Auditiva Neonatal (teste da orelhinha). Os primeiros anos de vida têm sido considerados como o período crítico para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. Esse é o período de maior plasticidade neuronal da via auditiva. Nesse período, o sistema nervoso auditivo central pode ser modificado de maneira positiva ou negativa, dependendo da quantidade e qualidade dos estímulos externos captados. Além disso, o período de recepção dos símbolos linguísticos auditivos é um pré-requisito para a formulação da expressão verbal. O diagnóstico audiológico realizado durante o primeiro ano de vida possibilita a intervenção médica e/ou fonoaudiológica, ainda nesse período crítico, permitindo um prognóstico mais favorável em relação ao desenvolvimento global da criança23.

Nesta pesquisa, a maioria das futuras mães afirmou que deve se realizar a higiene bucal do recém-nascido (96%), enquanto apenas 4% acreditam que não seja necessário realizá-la. Orienta-se que a limpeza da boca do bebê deve ser feita antes mesmo da irrupção dos dentes, utilizando-se gaze ou fralda umedecida em água fervida e, quando nascerem os primeiros dentes, convenciona-se a utilização de escovas dentais compatíveis com o tamanho da cavidade bucal do bebê, cerdas macias e sem uso de dentifrícios. Essa concepção é uma realidade dentro do grupo pesquisado, visto que 96% das gestantes irão praticar alguma forma de higiene bucal em seu bebê. Às gestantes que responderam afirmativamente, foi questionado de que forma iriam higienizar a cavidade bucal do bebê. Sessenta e três por cento não souberam explicar, 12% utilizará fralda, 9% fará com gaze, 7% fará com algodão, 4% com cotonete, 1% com bicarbonato e 4% não responderam (Figura 3). A realização da higiene bucal no bebê tem por finalidade a retirada de restos alimentares e a manutenção da saúde da cavidade bucal e dos dentes hígidos3,15,24.

A escovação deve ser introduzida na rotina do bebê assim que os primeiros dentes decíduos irrompem na cavidade bucal, com o objetivo de evitar a formação do biofilme dentário, fator que possibilita o desenvolvimento de lesões de cárie, quando associados aos outros fatores etiológicos. Sabe-se que até a erupção dos primeiros dentes, a microbiota da cavidade bucal é transitória, uma vez que não possui substrato sólido para se agregar. Quando os dentes decíduos irrompem, ela se modifica, mostrando-se mais madura e organizada, pois nessa situação já possui as estruturas dentárias para se fixar. Esta evolução da microbiota justifica a necessidade de escovação dos dentes decíduos, apesar da tenra idade do bebê3,15,22.

 

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados obtidos, pôde-se verificar que as gestantes apresentam um conhecimento adequado quanto aos cuidados e hábitos relacionados à saúde bucal, no entanto, algumas atitudes devem ser modificadas e melhor esclarecidas.

Em virtude desse quadro, enfatiza-se a importância da realização de um pré-natal obstétrico com a participação dos profissionais da área odontológica e fonoaudiológica, uma vez que os eventos em saúde bucal relacionados a essas duas áreas estão inter-relacionados exigindo uma atuação transdisciplinar, para acompanhar o crescimento e o desenvolvimento, tanto da mãe quanto do bebê, buscando uma melhor qualidade de vida para ambos.

 

Agradecimentos

À Profa. Rachel Rocha pela análise estatística do estudo e também as fonoaudiólogas Clarissa Flores de Oliveira e Juliana Cunha da Costa pelo suporte e orientação fonoaudiólogica durante a aplicação do trabalho

 

Colaboradores

JR PRAETZEL foi responsável pela ideia central do artigo e orientou todas as etapas subsequentes. F VARGAS-FERREIRA, TL LENZI, GP MELO e LS ALVES foram responsáveis pela revisão de literatura e pela redação do artigo.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 23/12/2008
Versão final reapresentada em: 30/3/2009
Aprovado em: 13/7/2009

 

 

* Correspondência para / Correspondence to: JR PRAETZEL. E-mail: <praetzel@uol.com.br>