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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.58 no.2 Porto Alegre Abr./Jun. 2010

 

REVISÃO REVIEW

 

Fagoterapia como alternativa no combate às infecções endodônticas

 

Phage therapy as an alternative in the fight against endodontic infections

 

 

Adriana Fernandes Paisano*; Antonio Carlos Bombana**

Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia, Departamento de Dentística. Av. Lineu Prestes, 2227, Butantã, 05508-000, São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

O uso de diferentes tipos de medicação intracanal para o controle do processo infeccioso, principalmente nos casos em que há presença de micro-organismos resistentes às manobras de desinfecção, tem sido alvo de muitas pesquisas. Os micro-organismos resistentes foram selecionados à medida que a prescrição de antibióticos passou a ser indiscriminada pelos próprios profissionais das áreas da saúde. Apesar de centros de pesquisas nos Estados Unidos da América do Norte, França e Repúblicas Soviéticas continuarem os estudos sobre fagoterapia, somente na década de 1980 ela foi redescoberta, despertando novamente o interesse da comunidade científica mundial. A fagoterapia poderá ser usada, no futuro, isoladamente na eliminação de bactérias resistentes aos antibióticos, ou associada à antibioticoterapia, em casos nos quais há presença de bactérias ainda suscetíveis às drogas. O irreversível e preocupante aumento da resistência bacteriana aos quimioterápicos abriu um novo caminho à fagoterapia, principalmente em casos em que já se esgotaram as alternativas para controle de sinais e sintomas característicos dos processos infecciosos refratários.

Termos de indexação: bacteriófagos; endodontia; farmacorresistência bacteriana.


ABSTRACT

Many studies have investigated diverse intracanal medications to control the infectious process, especially in cases of microorganisms that are resistant to disinfection procedures. Drug-resistant microorganisms have been proliferating because of the indiscriminate use of antibiotics by healthcare professionals. Although research centers in the United States, France, and former Soviet States never stopped conducting studies on phage therapy, this concept was only rediscovered in the 1980s, again drawing the interest of the global scientific community. In the future, phage therapy may be used alone to eliminate antibiotic-resistant bacteria, or together with antibiotic therapy in cases where antibiotics still work. The irreversible increase in drug-resistant bacteria is cause for concern and has created a new role for phage therapy, especially in cases where the alternatives to control the signs and symptoms of drug-resistant infectious processes have been exhausted.

Indexing terms: bacteriophages; endodontics; drug resistance bacterial.


 

 

INTRODUÇÃO

Um dos objetivos da terapia endodôntica constitui na desinfecção do sistema de canais radiculares. A permanência de grande número de micro-organismos viáveis em associação a condições favoráveis a seu crescimento impede a reparação e, por tal, habitualmente determinam o fracasso do tratamento.

Em estudo desenvolvido por Kakehashi et al.1 observou-se serem micro-organismos e seus subprodutos os agentes etiológicos primários da necrose pulpar e da lesão periapical, verificando-se ser característica desses processos infecciosos o perfil polimicrobiano.

Micro-organismos que sobrevivem ao preparo químico-cirúrgico podem rapidamente aumentar em número entre as sessões de tratamento, sinalizando para a utilização de medicações antimicrobianas, principalmente em situações clínicas refratárias aos procederes habituais, ou nas reintervenções endodônticas2.

A resistência de micro-organismos a ações quimioterápicas compõe problema que vem crescendo dia após dia. Os micro-organismos resistentes foram selecionados na proporção em que a prescrição de antibióticos tornou-se indiscriminada, contribuindo muito para isso os próprios profissionais de áreas da saúde. O uso de antibióticos está indicado para o controle de quadros infecciosos, porém, quando o número de micro-organismos resistentes for suficiente para manter a infecção, esta continuará presente3.

Considerando o atual estágio da questão da resistência de micro-organismos aos antibióticos, pode-se observar: os - eventualmente elevados - custos de uma terapia com esses fármacos; os sempre inconvenientes efeitos paralelos derivados do uso de antibióticos; e, por diversas outras razões, configuraram-se novos interesses pela terapia bacteriofágica.

Os bacteriófagos constituem formas virais que foram descobertas durante o período da Primeira Guerra Mundial e, à época, considerados uma esperança para prevenção ou cura de doenças infecciosas.

A descoberta dos antibióticos a partir da década de 1940 e seu desenvolvimento a partir de então, forçou certo nível de interrupção na pesquisa com fagos. Contudo, estudos das propriedades genéticas básicas desses vírus inauguraram novos segmentos científicos na Microbiologia e noutros setores das ciências médicas como, por exemplo, a Biologia Molecular4.

A terapia bacteriofágica foi tema de publicação científica pela primeira vez em 1933, mas já era estudada desde 1915, constando o uso, já a essa época, de produtos a base de bacteriófagos para tratamento de infecções4.

O uso de fagos no controle da infecção apresenta algumas vantagens. São administráveis em dose única, já que se reproduzem dentro da bactéria alvo e permanecem na região enquanto houver infecção. Os antibióticos, por outro lado, requerem múltiplas doses, dias ou semanas de tratamento5.

Outra grande vantagem reside na ausência de efeitos paralelos e indesejáveis, como a destruição de bactérias úteis ao organismo ou que competem com bactérias nocivas, o que ocorre muitas vezes com o uso de tratamentos com antibióticos5.

Por outro lado, embora sendo os fagos altamente específicos para cada espécie de micro-organismo, não é totalmente conhecido o quão efetivo seu uso pode ser em cada uma das situações em que poderiam ser empregados como recurso terapêutico.

Microbiota das infecções endodônticas persistentes

Quando há o desenvolvimento ou a persistência de um quadro infeccioso, durante ou após o desenvolvimento de terapia endodôntica adequada, terapias medicamentosas coadjuvantes têm sido pesquisadas no intuito de auxiliar a resolução desses processos.

Heintz et al.6 estudaram a sensibilidade antibiótica de enterococos que resistiram ao preparo e à medicação do canal radicular. Durante um período de 18 meses foram feitas culturas positivas obtidas de dentes instrumentados e medicados e selecionados pela presença de enterococos. Das culturas examinadas, 44% continham Streptococcus faecalis ou uma de suas variedades. Mais de 90% foram também sensíveis à eritromicina. Todos os micro-organismos foram parcialmente ou completamente resistentes à clindamicina, penicilina, estreptomicina e sulfa tripla.

Haapasalo et al.7 relataram dois casos, nos quais a terapia endodôntica convencional falhou. Em nenhum dos casos respondeu à terapia endodôntica ou ao uso de penicilina, e penicilina com eritromicina. Pesquisas bacteriológicas foram feitas para identificação da microbiota presente. Em um dos casos foi isolado somente Enterobacter cloacae. No segundo caso, havia presença de enterococos e Klebsiella pneumoniae. Os autores observaram que a frequência de bacilos entéricos facultativos Gram-negativos obtidos a partir de amostras de canais infectados, não excede aos 5%, entretanto consideraram a relação dessas bactérias com infecções persistentes.

Abou-Rass & Bogen8 investigaram a flora bacteriana de lesões periapicais persistentes em dentes tratados endodonticamente e clinicamente isoladas de comunicação direta com meio bucal. Treze lesões foram examinadas e amostras bacteriológicas colhidas. Todos os ápices apresentaram culturas positivas, sendo que bactérias anaeróbias estritas estavam presentes em 63,6% das amostras, enquanto 36,4% eram constituídas por anaeróbias facultativas. Os micro-organismos mais prevalentes foram: Actinomyces sp. (31,8%), Propionibacterium sp. (22,7%), Streptococcus sp. (18,2%), Staphylococcus sp. (13,6%) e Gram-negativos entéricos (4,6%). Com esses dados, os autores puderam concluir que esse tipo de lesão estudada, associada à dentes calcificados ou portadores de quadro clínico refratário, pode abrigar micro-organismos. A dificuldade na sua eliminação durante a terapia endodôntica favorece a colonização do ápice e periápice, interferindo no processo de reparação.

Em 1998, Sundqvist et al.9 estudaram a composição da flora microbiana em dentes obturados, com persistência de lesão periapical. Após a remoção do material obturador, amostras foram coletadas para cultura e identificação de micro-organismos. Casos nos quais se constatou a presença de Enterococcus faecalis, não foram isolados outros micro-organismos. O índice de sucesso do tratamento atingiu 74%, mas os dentes nos quais foram isolados E. faecalis na primeira vez obtiveram o índice de 66%. Na consulta de obturação, seis dentes apresentaram persistência de bactérias nas amostras, quatro deles não obtiveram cura, três acusaram presença de Enterococcus faecalis e Actinomyces israelli. Os achados mostraram que o tamanho inicial da lesão parece influenciar os resultados, uma vez que lesões maiores obtiveram o menor índice de cura. Enterococcus faecalis, Candida albicans e Actinomyces israelli mostraram resistência à terapia antimicrobiana e foram capazes de sobreviver em ambientes com nutrição restrita.

A pesquisa de Dahlén et al.10 identificou espécies de enterococos em 29 casos de infecção endodôntica, após o preparo do canal e aplicação de medicação a base de hidróxido de cálcio. Foi feito estudo in vitro da sensibilidade antimicrobiana das cepas isoladas diante da benzilpenicilina, ampicilina, clindamicina, metronidazol, tetraciclina, eritromicina e vancomicina. Os enterococos foram isolados em todas as amostras, sendo 79,3% em forma de monoinfecção. Enterococcus faecalis foi isolado em 26 amostras, enquanto Enterococcus faecium, em apenas três. Os resultados mostraram que todas as espécies foram sensíveis à vancomicina e à eritromicina, porém resistentes aos outros agentes testados. Os autores concluíram que, devido à baixa sensibilidade aos agentes antimicrobianos, os enterococos podem ser selecionados após terapia endodôntica convencional, contribuindo significativamente para o insucesso do tratamento de canais infectados.

Dados obtidos a partir de experimentos com Enterococcus faecalis mostram que esse micro-organismo desempenha importante papel no desenvolvimento de doenças crônicas, relacionadas aos tratamentos endodônticos mal sucedidos11. Sua capacidade de sobreviver em forma de monoinfecção e sua resistência à medicação intracanal estimularam Love12 a desenvolver um estudo que explicasse um possível mecanismo que pudesse tornar viável sua sobrevivência no interior dos túbulos dentinários, provocando a reinfecção do canal radicular obturado. Foi estudado o comportamento de três diferentes espécies bacterianas (Streptococcus gordonii, Streptococcus mutantes e Enterococcus faecalis) quanto à invasão de túbulos dentinários e fixação no colágeno, na presença de soro humano. O estudo demonstrou que E. faecalis permanece viável após a invasão dos túbulos dentinários e aderência ao colágeno, principalmente na presença de soro humano.

Os aprimoramentos de técnicas laboratoriais de cultivo de bactérias anaeróbias vêm permitindo maior entendimento dos mecanismos de sobrevivência desses micro-organismos nas doenças pulpares e periapicais. Lana et al.13 analisaram microbiologicamente 31 canais infectados antes e depois da manobra de instrumentação. Em 24 canais foram encontradas bactérias anaeróbias estritas (88,9%), cinco diferentes espécies microbianas em média por canal. Os gêneros mais encontrados foram Prevotella, Fusobacterium, Lactobacillus, Streptococcus, Clostridium, Peptostreptococcus, Candida e Saccharomyces. Outro achado importante foi a permanência de anaeróbios facultativos em dois casos e leveduras em três canais estudados, mesmo após a instrumentação e uso do hidróxido de cálcio como medicação intracanal. Ao final do tratamento, micro-organismos foram isolados de sete canais, cinco desses infectados por anaeróbios facultativos e um por levedura. Quanto à suscetibilidade aos antimicrobianos, os autores observaram a ineficácia da eritromicina frente aos gêneros Veillonella, Peptostreptococcus e Fusobacterium, confirmando assim, sua baixa atividade na inibição do crescimento desse grupo de micro-organismos frequentes nas infecções endodônticas. A resistência de anaeróbios facultativos também ao metronidazol alerta para a escolha de uma terapia antimicrobiana específica, com o objetivo de minimizar ao máximo o aumento dessa resistência entre os micro-organismos.

Pinheiro et al.14 avaliaram a microbiota de 30 canais obturados com lesão periapical persistente, partindo da premissa que existem diferenças marcantes quando comparada à microbiota de dentes com polpa necrosada. Utilizando técnicas específicas para o resgate de espécies anaeróbias, foram isoladas 55 espécies bacterianas, sendo 80% de Gram-positivas e 58% de micro-organismos anaeróbios facultativos. Os gêneros mais isolados foram: Enterococcus, Streptococcus e Peptostreptococcus. Todas as espécies foram suscetíveis a benzilpenicilina, amoxacilina e amoxacilina combinada com o clavulanato. Entretanto, 20% das cepas de E. faecalis foram resistentes a eritromicina e 60% a azitromicina. Os autores destacaram ainda, no caso de pacientes alérgicos às penicilinas, que a antibioticoterapia fica bastante restrita no caso de infecções por Enterococcus faecalis.

Com a proposta de detectar enterococos, enterobactérias e leveduras, todos os micro-organismos superinfectantes, a partir de infecção endodôntica primária, Ferrari et al.15 investigaram 25 dentes unirradiculares com necrose pulpar e câmara coronária intacta. Amostras coletadas em diversas fases da terapia endodôntica foram analisadas microbiologicamente. Sete dias após o preparo químico-cirúrgico, sem qualquer medicação intracanal, 100% dos canais estavam colonizados por micro-organismos, sendo 52% desses representados pelos oportunistas pesquisados. No entanto, após o emprego da medicação intracanal PRP (paramonoclorofenol, polietilenoglicol 400 e Rinossoro) durante sete dias, bacilos entéricos e leveduras não foram mais detectados, com exceção dos enterococos, especialmente E. faecalis e E. faecium, que sobreviveram aos procedimentos endodônticos em três casos.

O objetivo da pesquisa de Vivacqua-Gomes et al.16 foi avaliar in vitro a presença de Enterococcus faecalis após a realização da terapia endodôntica em uma ou mais sessões. Quarenta e cinco dentes foram infectados experimentalmente por um período de 60 dias com inóculo de E. faecalis e divididos em cinco grupos de acordo com o tempo decorrido entre a instrumentação e a obturação do canal, substância química utilizada e uso de medicação intracanal a base de hidróxido de cálcio. Os autores concluíram que o E. faecalis não foi completamente eliminado em nenhuma das situações experimentais e que, mesmo após 60 dias da obturação endodôntica, permaneciam viáveis principalmente no grupo no qual não foi utilizado o cimento endodôntico na obturação.

A questão da resistência apresentada por Enterococcus faecalis em ambientes ácidos ou alcalinos foi investigada por Nakajo et al.17. Nesse estudo foram pesquisados mecanismos bioquímicos que conferem essa propriedade ao E. faecalis quando comparado ao Streptococcus mutans. Os resultados mostraram que o crescimento do E. faecalis ocorreu em pH entre 4,0 e 11, enquanto o S. mutans cresceu em pH entre 4,0 e 9,0. As duas espécies mostraram-se resistentes em ambas as situações, sendo que o E. faecalis manteve seu pH interno entre 7,5 e 10. Além disso, sua membrana externa mostrou-se resistente ao meio ácido, mantendo seu pH próprio para o crescimento, mesmo frente a valores de pH abaixo de 5. A maior resistência em meio extremamente alcalino, como aquele oferecido pela presença de hidróxido de cálcio, foi apresentada pelo E. faecalis, devido à capacidade de sua membrana em manter o pH interno relativamente neutro.

Fagoterapia

A terapia bacteriofágica vem sendo estudada desde o início do século XX e utiliza fagos, vírus que infectam bactérias, no controle de infecções. O sucesso do uso dos antibióticos desestimulou o desenvolvimento da fagoterapia durante muitos anos.

Fagos para Lactobacillus, bactérias conhecidas por seu envolvimento no processo da cárie dental, foram investigados por Meyers et al.18. Os autores sugerem, ao final do estudo, que existe uma possível relação entre a presença de bacteriófagos na cavidade oral e infecções orofaríngeas.

Com a proposta de estudar a patogenicidade de estreptococos, Greer et al.19 isolaram fagos a partir Streptococcus mutans e Streptococcus salivarius. Foram isoladas amostras da cavidade oral de indivíduos com presença ou não de cáries. Os resultados do estudo apontaram para uma participação desses fagos no processo cariogênico, ou mesmo no controle epidemiológico dessas cepas quando estabelecidas na cavidade oral de seres humanos.

Considerando a complexidade da microflora presente, temperatura em torno de 37ºC e consistência semi-sólida da placa bacteriana formada na superfície dos dentes, a cavidade oral oferece um dos melhores habitats naturais para propagação dos fagos. Durante o estudo da ultra-estrutura da placa bacteriana através de microscopia eletrônica, Halhoul & Colvin20 observaram imagens com densidades e morfologias semelhantes a vírus, o que sugeriu a presença de fagos na placa dental. O estudo das imagens mostrou que essas partículas virais apresentavam morfologia uniforme, hexagonal de diâmetro em torno de 50nm, consistente com o tamanho de bacteriófagos. Algumas imagens mostraram bacilos com citoplasma preenchido por fagos e outros lisados, sugerindo que essas bactérias estavam sofrendo ruptura característica do processo de infecção por fagos líticos. O estudo mostrou que a associação destes fagos no controle natural do crescimento bacteriano influencia o metabolismo e sobrevivência de certas espécies presentes na placa dental.

Brady et al.21 investigaram a ultra-estrutura da placa bacteriana empregando Microscopia Eletrônica de Transmissão (MET). Foram feitas coletas de placa bacteriana de diferentes áreas do sulco gengival de um mesmo indivíduo e processamento desse material para exame em MET. As micrografias revelaram uma mistura de micro-organismos e células epiteliais comumente encontradas nesse material, incluindo cocos, pequenos bacilos, organismos fusiformes e bactérias filamentosas. Um exame mais detalhado mostrou citoplasma dos organismos fusiformes preenchido por partículas radiolúcidas de formato hexagonal, apontando para uma infecção desses micro-organismos por bacteriófagos. Os autores concluíram que seus achados provam que micro-organismos presentes na placa bacteriana são suscetíveis à infecção por bacteriófagos específicos.

Tylenda et al.22 estudaram a presença de bacteriófagos para Actinomyces viscosus e Streptococcus sanguis, isolados a partir de amostras de placa bacteriana obtidas do sulco gengival de pacientes em tratamento odontológico de rotina. Uma mistura de placa bacteriana sub e supra gengival foi coletada das superfícies dentais de indivíduos. Das 336 amostras estudadas, nenhuma acusou a presença de fagos para S. sanguis, enquanto dez dessas mesmas amostras continham fagos líticos para A. viscosus. Este estudo mostrou que talvez os fagos para Actinomyces sp. façam parte da microbiota normal da cavidade oral, sendo a placa bacteriana uma boa fonte para sua detecção e isolamento.

Smith et al.23 investigaram a ação de sete fagos na cura de infecção severa por Escherichia coli experimentalmente induzida em bezerros. Os fagos isolados a partir de água de esgoto mostraram-se altamente capacitados na eliminação de diferentes cepas de E. coli, tanto in vivo como in vitro. Uma única dose de fagos (105 organismos viáveis) foi suficiente para a cura da diarreia nos bezerros infectados. A prevenção da doença foi também atingida quando uma suspensão aquosa de fagos (apenas 102 organismos viáveis) foi esborrifada nos cercados ocupados anteriormente por animais doentes. Isso mostra que o uso tópico de soluções a base de fagos são efetivas no combate e na prevenção de infecções.

Outro estudo que evidencia a ação antimicrobiana tópica foi realizada por Cislo et al.24, que estudaram 31 casos de pacientes portadores de infecção crônica supurativa de pele, causada por Pseudomonas sp., Staphylococcus sp., Klebsiella sp., Proteus sp. e Escherichia sp. Em 16 casos foi obtido excelente efeito terapêutico, em outros sete casos houve uma melhora significante e em dois casos houve uma melhora transitória.

Perepanova et al.25 pesquisaram a eficácia da terapia com fagos em casos de infecções urinárias, sendo uma das infecções hospitalares mais frequentes. A terapia antibiótica promovia a seleção e disseminação de cepas de micro-organismos polirresistentes, reduzindo a defesa intestinal. Um total de 293 cepas foi analisado. Os preparados bacteriofágicos foram usados tanto topicamente como por via oral em 46 pacientes portadores de inflamação urogenital aguda e crônica. A efetividade da terapia se deu em 84% dos casos, enquanto a eficácia clínica alcançou 92%. Esses resultados provaram que a terapia bacteriofágica é efetiva e segura no tratamento de infecções urinárias, tanto usada isoladamente quanto associada a antibióticos.

Como muitos pesquisadores, preocupados com o aumento de espécies bacterianas resistentes a diversos agentes antimicrobianos, Merril et al.26 estudaram os principais fatores que dificultam a aplicação da terapia bacteriofágica. Os autores relacionaram três principais fatores que dificultam o uso dessa terapia: a) o espectro de hospedeiros bacterianos relativamente estreito; b) a presença de toxinas nos lisados brutos; e c) a eliminação rápida de partículas fágicas da circulação sanguínea, principalmente através do sistema reticuloendotelial. O experimento desenvolvido em ratos utilizou dois tipos de fagos e suas cepas bacterianas correspondentes, Escherichia coli e Salmonella typhimurium. Os resultados mostraram que o uso de bacteriófagos específicos para cada cepa bacteriana usada na infecção experimental, além da aplicação de métodos de purificação dos lisados brutos, eliminando toxinas bacterianas, aumentou significativamente a eficácia do tratamento. Quanto à eliminação dos fagos da circulação sanguínea, os autores relataram que esse processo ocorre devido ao reconhecimento de proteínas que compõem a superfície do vírus, através do sistema de defesa do hospedeiro. Selecionando fagos mutantes, que não podem ser retidos pelo sistema reticuloendotelial, os pesquisadores conseguiram melhorar a interação entre fagos e bactérias, aumentando a eficácia antibacteriana dos vírus testados. Os autores concluíram que o aumento dessa eficácia é viável, tornando a terapia bacteriofágica uma possível arma no combate às infecções.

Pseudomonas aeruginosa é um micro-organismo oportunista presente em diversas doenças nos seres humanos e cuja infecção se apresenta muitas vezes resistente aos tratamentos convencionais. A formação de biofilmes espessos por essa espécie bacteriana constitui uma barreira à penetração de quimioterápicos.

Hanlon et al.27 investigaram a questão da penetração desse biofilme por bacteriófagos específicos que atravessam essa camada formada por exopolissacarídeos para alcançar a superfície bacteriana. Após a formação de diferentes espessuras de biofilme, os discos foram expostos a uma suspensão de fagos líticos específicos para a espécie estudada, na proporção fago/célula bacteriana de 100:1 e 1000:1. Decorridas 24 horas de incubação, houve redução da quantidade de bactérias em todos os discos, inclusive no grupo de 20 dias de incubação, o qual mostrou uma redução de 2 logaritmos após a aplicação dos fagos. Esse resultado sugere que os fagos, apesar de não apresentarem motilidade na massa constituída por exopolissacarídeos, conseguem de certa forma reduzir sua viscosidade, permitindo posterior lise bacteriana.

O estudo sugere que essa migração conseguida pelos fagos através da camada de exopolissacarídeos, com o intuito de alcançar bactérias alvo, pode ser facilitada pela redução de sua viscosidade por meio da ação de enzimas produzidas pelas próprias bactérias hospedeiras, quando expostas aos fagos.

Barrow28 apresentou um breve histórico sobre o uso de bacteriófagos líticos no combate às doenças infecciosas, considerando seu uso tanto em animais como em seres humanos. Baseando-se nos resultados de suas pesquisas com animais infectados por Escherichia coli, o autor concluiu que a fagoterapia mostrou melhor efetividade profilática e terapêutica quando comparada à antibioticoterapia. Deixou claro que enquanto houver antibióticos disponíveis e bactérias suscetíveis a essas drogas, a terapia com fagos não será o tratamento de escolha. Contudo, infecções nas quais há presença de micro-organismos resistentes, como Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e Enterococcus faecalis, o uso da fagoterapia deve ser considerado.

Em 2003, Inal29 faz uma revisão da literatura sobre fagoterapia, analisando as vantagens e desvantagens de sua aplicação em relação aos antibióticos, bem como sua utilização em animais e seres humanos. Em relação às vantagens o autor citou a alta especificidade, sua administração em dose única, atenuação da virulência das bactérias após o seu uso, rápido isolamento de um novo fago e baixo custo, enquanto a antibioticoterapia apresenta amplo espectro, não necessitando de identificação prévia das bactérias envolvidas na infecção. Quanto às desvantagens ele reconhece a necessidade da identificação prévia das bactérias envolvidas na infecção para isolamento de fagos específicos, enquanto a antibioticoterapia apresenta as seguintes desvantagens: administração em múltiplas doses, associadas a efeitos colaterais e surgimento de possíveis infecções secundárias por fungos, aumento da resistência bacteriana, destruição da flora comensal, o alto custo e longos períodos de tempo para o desenvolvimento e comercialização de uma nova droga.

O autor ainda descreve as soluções para os principais obstáculos apresentados pela fagoterapia. Quanto à presença de anticorpos que possam eliminar os fagos administrados em animais e seres humanos, o uso de suspensões a base de diferentes partículas virais isoladas para uma mesma espécie bacteriana, facilitaria sua aplicação sistêmica. O texto aborda ainda a preocupação na utilização de uma medicação viva, mas lembra que vacinas, tão difundidas nos dias de hoje, também consistem de micro-organismos vivos atenuados. Além disso, os fagos estão presentes naturalmente em alimentos consumidos, água potável, oceanos, rios e mesmo no trato gastrintestinal de seres humanos.

A presença de fagos para enterococos em saliva humana foi observada por Bachrach et al.30. Os autores coletaram amostras de saliva de 31 doadores, buscando por fagos para Streptococcus sobrinus, Streptococcus mutans, Streptococcus salivarius, Actinomyces viscosus e Enterococcus faecalis, micro-organismos que fazem parte da ecologia da cavidade oral e de canais radiculares. Foram feitas duas coletas subsequentes com intervalos de um mês e um ano. Somente fagos para E. faecalis foram encontrados em sete amostras e continuaram presentes na segunda (1 ano após a primeira). Os autores puderam concluir que a presença e estabilidade dos fagos para E. faecalis em saliva humana aponta para uma participação direta desses na microbiota da cavidade oral e que devam ser considerados na prevenção de insucessos dos tratamentos endodônticos, já que E. faecalis está diretamente associado às infecções persistentes do sistema de canais radiculares. A incidência relativamente alta (22%) de fagos para esse micro-organismo em saliva humana mostra que esses fagos controlam a população dessa bactéria oportunista, modulando sua disseminação para outros locais.

Existe ainda na literatura, um número restrito de trabalhos sobre o isolamento de fagos a partir da cavidade oral. Hitch et al.31 estudaram a presença de fagos líticos em saliva e placa bacteriana dental, em seres humanos sadios e outros, portadores de doença periodontal. Apesar dos resultados mostrarem a presença de um baixo número de fagos, os pesquisadores conseguiram isolar bacteriófagos para Proteus mirabilis em cultura pura e observaram ainda, que os fagos não participaram diretamente na seleção ou modulação da microbiota da cavidade oral. Os autores destacaram que os bacteriófagos devem ser considerados agentes terapêuticos em potencial, principalmente por sua propriedade de penetração e desorganização da placa bacteriana formada por micro-organismos produtores de exopolissacarídeos, característica essa, conferida pela presença de enzimas específicas (polissacarídeos depolimerase), que interferem nos processos patogênicos associados à presença de biofilme.

Paisano et al.32 investigaram in vitro a ação antimicrobiana de bacteriófagos em dentina humana infectada por Enterococcus faecalis. Foram utilizados 20 dentes unirradiculares humanos. Os espécimes foram esterilizados e infectados por uma suspensão de E. faecalis ATCC 29212. Em três grupos foi empregada uma suspensão do vírus obedecendo às seguintes proporções bactéria-fago: Grupo I - 1:1; Grupo II - 1:10; Grupo III - 10:1. Um quarto grupo (Grupo IV) foi inoculado com a cultura dos micro-organismos e mantido a 37ºC por 24 horas. Decorrido esse período, os espécimes desse grupo foram inoculados com meio de cultura Luria-Bertani (LB) diariamente, durante seis dias, com o propósito de manter condições apropriadas para a penetração das bactérias para o interior dos túbulos dentinários. Em seguida, esses espécimes foram inoculados com a suspensão de fagos e novamente incubados a 37ºC por 24 horas. Cada grupo foi formado por cinco raízes, sendo duas delas utilizadas como controle positivo e negativo. No Grupo IV, todos os espécimes foram inoculados novamente com meio de cultura LB, diluições seriadas e semeadura foram realizadas após 24 e 48 horas de incubação a 37ºC. Os resultados mostraram 98,7 até 100% de redução do crescimento bacteriano nos espécimes que receberam a suspensão de fagos em comparação a seus respectivos controles positivos, em todos os grupos estudados. Diante desses resultados, concluiu-se que os bacteriófagos foram eficazes na eliminação do micro-organismo teste.

A preocupação quanto à interação entre bacterió-fagos e células eucarióticas foi analisada por Dabrowska et al.33 em uma revisão sobre fagoterapia. Uma das propostas dessa revisão, embasada em estudos feitos desde 1940, foi desmistificar o uso da fagoterapia em seres humanos, formados por células mais complexas do que organismos unicelulares. Sabe-se que fagos não infectam células eucariotas, devido às grandes diferenças moleculares tanto na sua superfície externa (receptores), como na maquinaria interna necessária para que aconteça a replicação desses vírus. Apesar disso, os autores relatam que se valendo da engenharia genética é possível modificar fagos para que esses interajam e mesmo infectem células de organismos superiores, com o objetivo de introduzir uma sequência de genes capazes de codificar uma nova característica ou função. Embora essa infecção ocorra, nunca foi observada replicação de fagos no interior dessas células. Os autores ainda destacam que animais e seres humanos são fortemente expostos a inúmeros fagos durante toda a vida, dado confirmado pela presença de anticorpos contra esses vírus na circulação e tecidos de diversos órgãos. Isso mostra que o meio oferecido por esses organismos é favorável ao ciclo lítico dos fagos e que a fagoterapia pode ser considerada como método de tratamento, principalmente nos casos de infecções provocadas por micro-organismos resistentes aos antibióticos.

Tendo em conta o exposto parece bastante aceitável o desenvolver de estudos sobre a possibilidade de aplicação de terapia bacteriofágica em Odontologia e especificamente, no caso desta pesquisa, de aplicação ao tratamento endodôntico.

A principal vantagem do uso dos bacteriófagos em comparação aos quimioterápicos está na sua grande capacidade de replicação. Como qualquer outro vírus, cada célula infectada libera uma grande quantidade de novos vírus capacitados para infectar outras bactérias5,26. Essa característica sugere que uma única dose de fagos pode ser suficiente no combate a uma infecção. Além disso, o uso da fagoterapia proporciona redução no aparecimento de novas cepas resistentes aos antibióticos e, dado o seu mecanismo de ação, elimina somente cepas bacterianas específicas, não ocorrendo alterações na flora presente26,34.

Por outro lado, essa mesma característica é desvantajosa, já que a maioria dos fagos não atua em casos de infecção mista. Contudo, técnicas de engenharia genética podem modificar as características dos fagos, tornando-os mais efetivos ou polivalentes5.

Os fagos podem se multiplicar por dois mecanismos alternativos: o ciclo lítico ou o ciclo lisogênico. O ciclo lítico termina com a lise e a morte da célula hospedeira, enquanto que no ciclo lisogênico a célula permanece viva3.

Portanto, as chances de se obter sucesso no emprego da fagoterapia, aumentam quando se utiliza suspensões de fagos líticos, ou também chamados de fagos virulentos.

Pesquisas com fagoterapia in vivo despertam muito interesse, especialmente por descreverem casos em que todo tipo de terapia antibiótica já foi utilizado sem sucesso.

Estudos mostram que, após o uso da fagoterapia, há o surgimento de bactérias resistentes a alguns fagos, mas que apresentam virulência muito menor em comparação a das cepas iniciais34-35.

Em 1958, Meyers et al.18 publicaram um dos primeiros estudos sobre o isolamento de fagos líticos para Lactobacillus, a partir da cavidade oral, sugerindo sua participação nessa microbiota. Hiroki et al.36 chegaram a isolar um total de 25 diferentes fagos para Veillonella, a partir da cavidade bucal e placa dental. Outros trabalhos, que evidenciaram a presença de fagos na cavidade oral, saliva, cárie, placa dental e sulco gengival, sugerem o possível uso da fagoterapia na Odontologia19-22,30.

A investigação conduzida por Bachrach et al.30 isolou fagos para Enterococcus faecalis a partir da saliva humana, confirmando sua presença mesmo após um ano da coleta inicial. Isso mostra que esses fagos participam da microbiota oral normal e que seu uso na prevenção de insucessos endodônticos parece ser plausível.

Os bacteriófagos apresentam ainda dimensões bem menores quando comparados às bactérias3, facilitando sua penetração nos túbulos dentinários, no caso de infecções endodônticas.

Porém, na maior parte das infecções do sistema de canais radiculares, as bactérias estão presentes em forma de biofilme, protegidas da ação dos antimicrobianos, quimioterápicos e defesas do próprio hospedeiro37-38. No entanto, os fagos conseguem eliminar essas bactérias albergadas nesse material formado por lipopolissacarídeos, valendo-se de enzimas específicas que desorganizam esse micro ecossistema27,31.

O uso da fagoterapia implica na identificação das bactérias envolvidas na infecção, já que os fagos são altamente específicos3-4. A solução para essa desvantagem seria a aplicação de preparados polivalentes, formados por diferentes fagos, que possam eliminar uma maior variedade de gêneros e espécies microbianas39, sobretudo em infecções mistas.

O uso de uma medicação viva, a base de vírus, seria uma outra preocupação no caso do uso da fagoterapia em seres humanos. No entanto, em revisão publicada por Dabrowska et al.33, os autores analisaram os mecanismos biológicos da ação dos fagos e, embasados em trabalhos científicos, afirmaram que estes não são capazes de interagir com células eucarióticas, a menos que sejam modificados geneticamente. Contudo, mesmo quando ocorre essa interação, nunca foi observada a replicação viral no interior dessas células. Os autores ainda sugerem o uso da fagoterapia, já que os animais e seres humanos são expostos aos fagos durante toda a vida, principalmente nos casos de infecções provocadas por micro-organismos resistentes aos antibióticos, e lembram que as vacinas, usadas em grande escala atualmente, também carregam micro-organismos vivos em sua composição29.

Portanto, casos de infecção endodôntica que não respondem aos tratamentos convencionais poderiam usar uma suspensão de fagos como medicação tópica intracanal ou como substância irrigadora.

O estudo de Paisano et al.32 analisou o efeito antimicrobiano de uma suspensão composta por fagos específicos para Enterococcus faecalis ATCC 29212, quando presentes na luz do canal radicular e no interior dos túbulos dentinários, em dentes humanos. Devido à multiplicação exponencial do fago, titulações mais baixas em relação ao número de bactérias podem ser suficientes na eliminação das bactérias alvo4,32. Contudo, especialmente na fagoterapia, são utilizadas altas concentrações de fagos para um melhor efeito antimicrobiano. Nos experimentos realizados, a titulação 108 ufp/ml foi utilizada, na tentativa de se aplicar um número de fagos proporcional ao número de bactérias presentes, após a infecção dos espécimes. Os resultados mostraram que houve uma redução de 100% no crescimento bacteriano restrito à luz do canal, em todos os grupos experimentais. Isso mostra que o ambiente oferecido pelo interior do canal radicular, não interferiu na ação bactericida da suspensão de fagos, diferente de alguns agentes antimicrobianos usados na terapia endodôntica, como o hipoclorito de sódio, a clorexidina, o hidróxido de cálcio e o MTAD, que apresentam essa capacidade reduzida em contato com a dentina e seus componentes40-41.

Contudo, a preocupação atual nos casos de canais infectados é a eliminação das bactérias do interior dos túbulos dentinários, principalmente nos casos em que o tratamento endodôntico convencional não obteve sucesso.

Isso sugere que espécies bacterianas resistentes, que sobrevivem ao preparo químico-cirúrgico e até a aplicação de variadas formas de medicação intracanal, requerem métodos alternativos para sua eliminação.

Em um segundo experimento da investigação de Paisano et al.32, os espécimes foram inoculados por 7 dias, favorecendo assim a infecção dos túbulos dentinários. Segundo Waltimo et al.42, o Enterococcus faecalis é capaz de penetrar na massa dentinária rapidamente (1 a 5 dias), devido ao tamanho das células envolvidas. Decorrido o período de infecção, um preparado dos diferentes fagos isolados ou lisado híbrido polivalente foi aplicado por um período de 24 horas e novas amostras colhidas. Houve uma significativa redução do crescimento bacteriano, mesmo 48 horas após a retirada da suspensão de fagos e preenchimento dos canais com meio de cultura. Essa manobra favoreceria a reinfecção da luz do canal43 e, consequentemente, o crescimento bacteriano nas semeaduras, o que ocorreu significativamente menos em comparação aos controles positivos.

É importante ressaltar, que os canais foram expostos por 7 dias aos enterococos, tempo suficiente para a formação de biofilme bacteriano44. Hanlon et al.27 estudaram a ação lítica de fagos específicos diante de biofilmes de Pseudomonas aeruginosa, demonstrando que apesar de não apresentarem motilidade, os fagos conseguiram alcançar as bactérias albergadas na massa polissacarídica, reduzindo sua viscosidade por meio da ação de enzimas produzidas no interior das próprias bactérias hospedeiras, estimuladas quando expostas aos lisados específicos. A proposta deste estudo foi avaliar o efeito antimicrobiano somente dos fagos, não sendo utilizadas manobras de instrumentação, irrigação com substâncias químicas, ou qualquer tipo de medicação intracanal, agitação mecânica ou ultra-sônica (que segundo Sena et al.44, aumenta a ação dos agentes antimicrobianos), procedimentos esses, que poderiam desorganizar o biofilme bacteriano, bem como eliminar os micro-organismos, mecânica ou quimicamente. Outro fator que contribuiu para o crescimento bacteriano foi o preenchimento dos canais, no segundo experimento, com meio de cultura após a aplicação dos fagos, manobra que estimula demasiadamente sua reinfecção. Diante disso, conclui-se que apesar dos resultados mostrarem significativa redução no crescimento bacteriano posterior à aplicação dos fagos, manobras rotineiras, como a instrumentação dos canais e a aplicação de medicação tópica, seriam complementadas positivamente pela fagoterapia.

Quanto à sua eliminação do interior dos canais, os fagos são neutralizados na presença de formaldeído ou hipoclorito de sódio45, substâncias comuns do arsenal endodôntico.

O desenvolvimento de uma coleção de fagos isolados ou suspensões híbridas correspondentes aos micro-organismos responsáveis por infecções resistentes aos quimioterápicos representa uma importante alternativa para a cura desses processos. Para isso, técnicas como o congelamento em baixas temperaturas e a liofilização são usados para a estocagem e manutenção da viabilidade dos fagos. Com base em técnicas como a liofilização, os fagos podem também ser administrados em forma de comprimidos via oral, o que facilita sua comercialização, bem como o controle quanto à concentração utilizada.

Para que a fagoterapia se torne uma das alternativas nos casos de reintervenções ou processos infecciosos refratários, outras pesquisas in vitro, quanto ao seu espectro de ação, farmacodinâmica (uso de veículos que melhorem seu desempenho) e citotoxicidade, são necessárias, já que há uma grande variedade no padrão morfológico e comportamental desses vírus.

Em comparação ao uso de quimioterápicos, os fagos apresentam vantagens como serem administrados em dose única, não eliminar a flora comensal e dificilmente causar efeitos colaterais após sua administração46. Além do baixo custo envolvido em sua produção, novas suspensões podem ser produzidas rapidamente quando surgirem cepas resistentes5,29.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, a fagoterapia parece promissora, não só na Endodontia, com a irrigação e medicação dos canais, mas também em outras áreas da Odontologia, nas quais suspensões a base de fagos podem ser usadas como colutórios ou mesmo durante os procedimentos cirúrgicos, na prevenção de infecções47.

Barrow28 relatou que a fagoterapia deve ser considerada principalmente nos casos de infecções em que há presença de bactérias resistentes, como Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis.

Os fagos poderão ser usados, no futuro, isoladamente na eliminação de bactérias resistentes aos antibióticos, ou associados à antibioticoterapia, em casos nos quais há presença de bactérias ainda suscetíveis às drogas5.

Metodologias científicas modernas que utilizam a engenharia genética e a biologia molecular tornam promissor o uso dos bacteriófagos no combate às infecções48, porém enquanto houver antibióticos disponíveis e bactérias suscetíveis, os fagos provavelmente não serão a terapia de primeira escolha. Contudo, o irreversível e preocupante aumento da resistência bacteriana aos quimioterápicos abriu um novo caminho à fagoterapia, principalmente em casos onde já se esgotaram as alternativas para controle de sinais e sintomas característicos dos processos infecciosos refratários.

 

Colaboradores

AF PAISANO e AC BOMBANA participaram de todas as etapas da elaboração do artigo.

 

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Recebido em: 11/1/2009
Aprovado em: 26/8/2009

 

 

* Correspondência para / Correspondence to: AF PAISANO. E-mail: <apaisano@terra.com.br>
** in memorian.