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    RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

      ISSN 1981-8637

    RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.58 no.3 Porto Alegre jul./sep. 2010

     

    REVISÃO REVIEW

     

    Terceira dentição: uma visão geral do seu desenvolvimento

     

    Third dentition: an overview of its development

     

     

    Felipe Perozzo DaltoéI; Lucyene MiguitaI; Andrea MantessoII, *

    IUniversidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia, Departamento de Patologia Bucal. São Paulo, SP, Brasil
    IIKing's College London, Department of Craniofacial Development Dental Institute Strand, London WC2R 2LS, England, UK

     

     


    RESUMO

    A odontologia moderna, mesmo usando as suas técnicas mais primorosas, na prática, ainda recupera a perda dental com implantes metálicos recobertos por coroas protéticas. Esses métodos, apesar de efetivos, estão longe de repor qualita e quantitativamente todas as estruturas biológicas perdidas. Nesse ínterim, há um empenho coletivo dos cientistas em criar técnicas de desenvolvimento dental que possibilitem a confecção de um dente natural - um biodente - fazendo uso de diferentes populações celulares e técnicas de engenharia de tecidos. Essas pesquisas, apesar de recentes, avançam e prometem revolucionar o futuro da odontologia, uma vez que trazem consigo a perspectiva do desenvolvimento da terceira-dentição em humanos. Apesar de ainda não haverem ensaios clínicos in vivo, já existem trabalhos primorosos revelando diferentes maneiras de se criar um elemento dental por completo em laboratório e de aplicá-lo em modelos animais. Atualmente, usam-se quatro principais técnicas para o desenvolvimento dos biodentes e são justamente sobre elas, suas vantagens, desvantagens e perspectivas de aplicabilidade clínica futura que esse artigo se compromete a fazer uma revisão da literatura.

    Termos de indexação: células-tronco; engenharia tecidual; odontologia.


    ABSTRACT

    Even using the best techniches available, modern dentistry still replaces lost with metal implants covered with prosthetic crowns. Although these methods are effective, they are far from reproducing, qualitatively and quantitatively, all the biological structures that were lost. Meanwhile, there is a collective effort of scientists to create techniques that allow a natural tooth (Bio-tooth) to be created, using different cell populations and tissue engineering techniques. Although these researches are recent, they are advancing and promise to revolutionize the future of dentistry, since they offer the possibility of developing the third dentition in humans. In vivo clinical assays are still inexistent but there are that show different ways of making a complete dental element in a laboratory in animal models. Currently, there are four major techniques available to make bio-tooth and this paper makes a literature review to expose them, their advantages, disadvantages and perspective of future applicability in the clinical setting.

    Indexing terms: stem cells; tissue engineering; dentistry.


     

     

    INTRODUÇÃO

    Nós os usamos todos os dias e os cuidamos periodicamente, mas, mesmo assim, os dentes ainda são perdidos total, ou parcialmente, com muita frequência. A cárie e a doença periodontal são as duas principais razões pra que isso ocorra, mas trauma e doenças genéticas também estão entre os fatores mais etiológicos prevalentes1.

    A perda dental leva aos problemas que vão muito além dos causados pela ausência física de um órgão. Os dentes têm influência direta e indireta no bem-estar físico, psicológico e no convívio social dos seres humanos.

    Os aspectos morfológicos e funcionais da dentição são reflexos diretos das características genéticas intrínsecas a cada espécie2. Os seres humanos, por exemplo, possuem duas dentições: a decídua e a permanente. A primeira, como o próprio nome sugere (do latin decidere = cair) está fadada a sua substituição. Já a segunda, quando perdida na espécie humana, não tem uma sucessora. Haja vista essa limitação da natureza, o ser humano tenta, há milênios, substituir os dentes perdidos pelos mais diversos tipos de materiais3. O melhor que se conseguiu fazer até o momento foi implantar pinos metálicos e revesti-los com coroas cerâmicas. Por mais apurado que essa técnica seja, há de se admitir que esteja longe de substituir na íntegra os tecidos perdidos tanto do ponto de vista biológico, estético ou funcional.

    Com os recentes avanços nas pesquisas com células-tronco e no desenvolvimento de técnicas de engenharia de tecidos4, assume-se agora a possibilidade de, em um futuro próximo, substituir um dente perdido por um órgão biológico capaz de representá-lo em todos os seus aspectos5-7. É sob tal perspectiva que voga a discussão científica e se consolida este trabalho.

    Engenharia de tecidos

    O conceito de engenharia tecidual surgiu, em 1993, no seio da Universidade de Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts quando o médico cirurgião Joseph P. Vacanti e o engenheiro químico Robert S. Langer buscavam maneiras de se manipular células em laboratório a fim de construir órgãos e tecidos para transplante4. Esses pesquisadores revelaram tentativas bem sucedidas de criação de tecidos em laboratório desde então8 e após firmarem parcerias com a pesquisadora Pamela C. Yelick, almejaram a possibilidade de também de construir dentes9.

    O interesse da engenharia tecidual voltada à confecção de dentes/tecidos dentais não se deu ao acaso. Neste nicho de pesquisa, os dentes apresentam duas grandes vantagens sobre os demais órgãos ou tecidos do organismo: são acessíveis e não essenciais para a vida10. Por esta e outras razões têm sido largamente utilizados a fim de se aprimorar as diferentes técnicas de engenharia tecidual e de se compreender como ocorrem as interações célula-célula e célula-organismo2,11.

    Concomitantemente ao desenvolvimento e refinamento de diversas técnicas de engenharia tecidual, descobriu-se, recentemente, que existem diferentes tipos de células-tronco nos diversos tecidos dento-maxilo-faciais, úteis não só para reparação e regeneração de estruturas dentais12-16, mas também para recuperar áreas perdidas ou danificadas de outros órgãos ou tecidos do corpo13,15,17-19.

    Como exemplo dessas fontes celulares promissoras, pode-se citar as células-tronco encontradas na polpa dental de dentes permanentes e decíduos20-21, no ligamento periodontal22, no folículo dental23 e na papila apical14,24-25. Todas estas células são portadoras de notável capacidade proliferativa e possuem diferente potencial de diferenciação representando, portanto, um recurso promissor para a regeneração parcial ou completa de tecidos humanos, sejam eles dentais ou não.

    Biodentes

    A expressão "desenvolvimento de terceira dentição" refere-se à confecção de substitutos biológicos (biodentes) para os dentes perdidos ou ausentes. Isso se dá por meio do uso de técnicas de engenharia tecidual e fontes celulares que, após terem sido corretamente manipuladas em laboratório, culminam com a formação de estruturas/tecidos dentais9,26.

    O primeiro passo para que as pesquisas em bioengenharia dental pudessem se iniciar foi entender o processo de desenvolvimento dental in vivo, tal qual ele ocorre em todos os vertebrados da natureza, para só então tentar reproduzi-lo em laboratório2.

    Assim sendo, sabe-se que os dentes se desenvolvem a partir de uma série de interações recíprocas entre células epiteliais (epitélio bucal) e mesenquimais (ectomesênquima derivado da crista neural) durante a embriogênese. A linguagem usada por esses tecidos envolve interações entre proteínas sinalizadoras e receptores específicos que, uma vez ativados, orquestram o desenvolvimento dental11. Fortes evidências sugerem que esse diálogo seja iniciado pelo epitélio bucal quando este envia os primeiros sinais para o mesênquima subjacente. O mesênquima, por sua vez, ao receber os sinais do epitélio odontogênico, passa a adquirir características odontogênicas e, como resposta, envia outros sinais ao epitélio que, por fim, resultam em mudanças cito-morfológicas e morfogenéticas no mesmo. A partir daí, células epiteliais se diferenciam em ameloblastos (células secretoras de esmalte dental) e as células ectomesenquimais se diferenciam em odontoblastos (células secretoras de dentina)27.

    Nesse momento, fica claro que o processo de confecção de biodentes se depara com a dificuldade de se reproduzir em laboratório algo que é feito pela natureza de maneira tão harmônica e complexa ao longo do desenvolvimento.

    Atualmente, quatro são as principais técnicas utilizadas e/ou especuladas pelos cientistas para se confeccionar um biodente, sendo que as duas primeiras citadas a seguir são as mais utilizadas e estão mais perto da aplicabilidade clínica futura.

    Técnica do uso de moldes biocompatíveis

    Esta técnica foi originalmente utilizada pela equipe de pesquisadores norte-americanos chefiada pelo cientista Joseph Vacanti, no ano de 1997, quando da necessidade de se aumentar à área de tecido intestinal sadio em pacientes com Síndrome do Intestino Curto. Foi realizado o cultivo de células epiteliais da mucosa gástrica sobre moldes de ácido poli-glicólico para posterior transplante das mesmas no intestino dos pacientes8. Desse experimento surgiu a ideia de se usarem esses mesmos tipos de moldes para colocar sobre eles células odontogênicas com a finalidade de formar tecidos dentais9. O primeiro passo consistiu então na confecção dos moldes que dariam a forma aos dentes. Estes foram feitos a partir de polímeros biodegradáveis, a exemplo do poliglicolato/poli-L-lactato (PGA/PLLA) e do poli-L-lactato-co-glicolato (PLGA).

    A segunda etapa foi plaquear, sobre esses moldes, células provenientes de germes dentais dissociados enzimaticamente, previamente cultivadas por seis dias. O conjunto moldeira/células odontogênicas foi colocado no omento de ratos imunocomprometidos com a finalidade de que estas células tivessem um lugar propício para o seu desenvolvimento (com um bom aporte sanguíneo e baixa imunidade). Após 20-30 semanas, análises histológicas revelaram a formação de pequenas coroas dentais (1-2mm) com evidente formação de esmalte, dentina e polpa dental9.

    Em 2008, esse mesmo grupo de pesquisadores28, após tentativas prévias29, conseguiu aprimorar suas técnicas e atingir um importante objetivo: criar não só uma coroa dental, mas, além dela o início da formação de uma raiz e ligamento periodontal28. Esse foi um importante passo que culminou, recentemente, com a também formação de cemento e osso alveolar5.

    Estudos como esses mostram a capacidade que as células epiteliais e mesenquimais têm de se auto-reagregarem e de se diferenciarem mesmo após terem sido extraídas do seu sítio anatômico, serem manipuladas em laboratório e colocadas aleatoriamente sobre moldes pré-fabricados.

    Apesar dos achados promissores, essa técnica ainda apresenta alguns problemas que, consequentemente, a distancia da aplicabilidade clínica em humanos atualmente. Dentre eles, podemos citar que, até o presente momento, os dentes formados não assumem fielmente o formato das molduras e que os moldes proporcionam um modelo estático de desenvolvimento. Isso fica mais claro quando visto que todas as células odontogênicas sofrem mudanças cito-morfogenéticas ao longo do desenvolvimento dental e os moldes, não respeitam/proporcionam esse modelo de desenvolvimento.

    Técnica da recombinação tecidual

    Esta técnica objetiva reproduzir na cavidade bucal de um indivíduo adulto o desenvolvimento dental tal qual ele ocorre durante a embriogênese, ou seja, a partir de uma série de interações recíprocas entre o tecido epitelial e mesenquimal26.

    Com esta finalidade, recombinam-se fontes celulares epiteliais (para dar origem ao esmalte dental) e mesenquimais (para formar a dentina, a polpa dental, o ligamento periodontal e os demais tecidos de suporte) capazes de interagir entre si e resultar no desenvolvimento de um elemento dental26.

    Até o presente momento, esses estudos ainda estão em caráter de pesquisa experimental e as fontes epiteliais mais usadas provêm de epitélio odontogênico da lâmina dental de embriões de ratos e camundongos e, o tecido mesenquimal, do próprio ectomesênquima subjacente ao epitélio odontogênico ou de outras fontes celulares mesenquimais não odontogênicas como, por exemplo, as da medula óssea7,29-31.

    A técnica de recombinação de tecidos dentais ganhou destaque no cenário mundial de pesquisa no ano de 2004 quando usada pela equipe de pesquisadores britânicos chefiada pelo professor Paul T. Sharpe que, a partir de células epiteliais odontogênicas de camundongos com 10 dias de vida embrionária e de células mesenquimais não odontogênicas (células embrionárias, células da crista neural e células da medula óssea), fizeram ensaios de recombinação tecidual, ou seja, associaram estes tecidos e avaliaram a forma como eles interagiriam. Após três dias de co-cultivo, foi possível identificar transcritos de genes envolvidos na odontogênese (Msx1, Lhx7, Pax9) em todas as fontes celulares não odontogênicas26. Isso é um indicativo de que o epitélio odontogênico interagiu com as fontes celulares não odontogênicas a ponto de estimular tais células a sintetizar proteínas que normalmente não produziriam, uma vez que se referem somente a dentes. Isso vai de encontro com a proposta dessa técnica que é justamente tentar reproduzir em laboratório as interações epitélio-mesenquimais tal qual ocorrem no processo natural de odontogênese. Quando esse conjunto de células epiteliais e mesenquimais foi transplantados sob a cápsula renal de camundongos adultos e mantidos neste sítio por 10-14 dias, pôde-se observar a formação de tecidos moles e ósseos em todos os casos de recombinação e naqueles onde a fonte mesenquimal eram células da medula óssea houve a formação de dentes com esmalte, dentina, polpa dental e osso alveolar26.

    Desde então, a técnica de recombinação tecidual veio sendo aprimorada. Trabalhos subsequentes buscaram avaliar até que ponto as células mesenquimais influenciavam a histogênese dental e descobriram que mesmo quando ambos os tecidos epiteliais e mesenquimais eram dissociados enzimaticamente para então serem recombinados, ocorria a formação de estrutura dentais30,32. Isso reforçou o potencial de auto re-agregação e de auto-reorganização que as células odontogênicas possuem mesmo após terem perdido a sua memória posicional.

    Em 2006, o desafio do desenvolvimento de ligamento periodontal e de raiz dental foi superado31. A confecção de um biodente dotado de raiz e a reprodutibilidade da articulação que existe entre o dente e o alvéolo (conhecida como gonfose) não havia sido possível até então e são feitos considerados até hoje como os principais indicativos de êxito do desenvolvimento de um biodente. O desenvolvimento de bioraiz dental por si só abre precedentes para inúmeras aplicabilidades clínicas das mesmas e a não anquilose desta já é um dos objetivos alcançados por essa técnica.

    Por fim, a técnica de recombinação tecidual culminou recentemente no desenvolvimento de um biodente dotado de todos os tecidos dentais e completamente funcional. Pesquisadores japoneses o implantaram em alvéolos dentais nos maxilares de ratos previamente submetidos a extrações dentais. Conforme mencionado, o êxito da técnica não se limitou ao desenvolvimento de um germe dotado de todos os tecidos dentais e peridentais; o biodente possuiu capacidade eruptiva a ponto de se colocar em oclusão e, ademais, o biodente respondeu à movimentação ortodôntica e mostrou resistência às forças mastigatórias similares aos dentes naturais7.

    Um dos principais desafios da técnica de recombinação tecidual ainda consiste em se achar substitutos celulares viáveis, principalmente de origem humana, como fontes celulares alternativas ao epitélio e ao mesênquima de germes dentais em fases iniciais de desenvolvimento. Para o componente mesenquimal, já é sabido que células-tronco de medula óssea podem ser utilizadas, mas para o componente epitelial, ainda se usa epitélio odontogênico embrionário6.

    Outro grande impasse dessa técnica é controlar a forma dental. Neste sentido, estudos recentes mostram que alterações gênicas podem modular o número de cúspides a ponto de resultar em incisivos multicuspidados e número adicional de cúspides em molares33.

    Um dos agravantes de se tentar reproduzir a forma dental é que além de existirem quatro principais morfologias dentais (incisivos, caninos, pré-molares, molares) os dentes ainda se apresentam de maneiras distintas de acordo com o quadrante bucal. Nesse ínterim, não basta apenas saber como desenvolver um desses órgãos; precisa-se ao menos de 16 principais diferentes morfologias pra se formar uma dentição completa.

    Construção dental "de novo"

    Esta técnica visa formar os diferentes tecidos dentais utilizando diferentes populações celulares com especialidades específicas.

    Conforme mencionado anteriormente, já se sabe, por exemplo, que as diferentes populações de células-tronco dentais34 e não dentais (células-tronco da medula óssea, por exemplo)6 possuem propriedades distintas. A idéia é aproveitar o melhor que cada fonte celular pode oferecer de si para formar os diferentes tecidos que compõem um dente. Um exemplo disso seria utilizar células-tronco da papila apical para formar dentina primária (uma vez que é sabido que essa fonte celular possui capacidade inata pra fazer isto25) em conjunto com uma outra fonte celular capaz de formar o ligamento periodontal com melhor eficiência, como é o caso das células-tronco extraídas do próprio ligamento periodontal22, por exemplo e outras fontes celulares para formar a polpa e o esmalte dental. Assim, cada grupo de células formaria os tecidos que mais lhe são peculiares e, juntas, dariam origem ao biodente.

    Sonoyama et al.35 se proveram dessa técnica para a confecção parcial de um biodente. Esses pesquisadores implantaram no alvéolo dental de animais um carreador (hidroxiapatita/tricálcio fosfato) permeado por células-tronco da papila dental e revestido por células-tronco do ligamento periodontal. Três meses após, observaram a formação de uma estrutura análoga a uma raiz dental e então construíram sobre ela uma coroa cerâmica. Os dentes foram preservados e analisados de um a seis meses após terem sido colocados em oclusão e o que pode ser observado nos cortes histológicos foi a formação completa de uma raiz dental, com um ligamento periodontal completamente regenerado35.

    O maior problema dessa técnica consiste em reunir as diferentes fontes celulares de tal maneira que elas interajam harmonicamente entre si e formem os respectivos tecidos desejados de tal maneira que componham um dente com forma e função apropriada.

    Apesar da dificuldade técnica do procedimento, a possibilidade de se ter um alto controle sobre a qualidade de cada um dos tecidos que formariam o biodente torna essa técnica bastante atrativa.

    Indução da terceira dentição

    Essa técnica se baseia no anseio de se descobrir mecanismos biomoleculares capazes de induzir a odontogênese em tecidos adultos. Nesse sentido, explora-se a possibilidade de após descobertos todos os fatores envolvidos no processo de desenvolvimento dental, aplicá-los no local onde se quer que ocorra a formação de um novo dente para que, desta forma, eles induzam a proliferação e a diferenciação das células do local e, consequente, formação do biodente.

    Achados recentes revelam a existência de genes específicos que controlam o número de dentes formados por um organismo. Sabe-se que quando a via de sinalização do Wnt/β-catenina está hiperativa em humanos, há uma maior incidência de dentes supranumerários e formação de odontomas36. A influencia da ativação da via da β-catenina também já foi avaliada em outros vertebrados, como as aves, por exemplo. Até nestes animais - que sabidamente deixaram de produzir dentes durante a sua evolução natural - foi possível observar que, quando a via da β-catenina foi artificialmente superativada, ocorreu a formação de dentes37.

    Especula-se que, à medida que forem aprofundados os estudos a respeito dos mecanismos de desenvolvimento dental, alguns fatores-chave poderiam ser isolados/sintetizados em laboratório e injetados no local onde se quer produzir um dente. Essa ideia, apesar de interessante, ainda está longe de ser aplicada clinicamente haja vista a complexidade e a quantidade de sinalizadores biomoleculares envolvidos nos processos de cito e morfodiferenciação durante a odontogênese38-39.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Os avanços nas pesquisas com células-tronco e engenharia de tecidos aproximam cada vez mais o desenvolvimento de biodentes à prática odontológica clínica.

    Apesar das excelentes perspectivas, nenhum ensaio clínico em humanos foi realizado até o momento. As técnicas de construção dental de novo e de indução da terceira dentição, apesar de atrativas, ainda são apenas especulações científicas uma vez que nenhum trabalho conseguiu construir um biodente por completo utilizando-as.

    A confecção de biodentes sob moldes biocompatíveis e biodegradáveis pode parecer vantajosa se pensado na facilidade para o futuro transplante dessas estruturas nos maxilares - tal qual se faz hoje com os implantes metálicos - mas quando levado em conta o alto custo da técnica, a escassez de fontes celulares viáveis em um organismo humano adulto, o não controle sobre a forma dental e o pouco domínio sobre a qualidade dos tecidos formados, conclui-se que ainda está distante de realidade prática.

    A técnica de recombinação tecidual também avança em passos largos, mas ainda encontra problemas no controle da forma dental e esbarra na dificuldade de se obter células epiteliais, em um organismo humano adulto, passíveis de indução odontogênica. Em contrapartida, acredita-se que com os avanços das pesquisas com células-tronco e com o aprimoramento de técnicas de manipulação gênica, possa-se achar, em um futuro próximo, fontes celulares alternativas às de tecidos embrionários e uma maneira de controlar a forma do germe dental super ou hipo-expressando determinados genes.

    Em suma, o conhecimento sobre a biologia das células que envolvem a formação de um dente e seus tecidos de suporte bem como as interações que existem entre célula-célula e célula-tecido ainda precisa ser mais bem elucidado, entretanto, o que a ciência foi capaz de desenvolver até o presente momento é, no mínimo, um indicativo de que o desenvolvimento da terceira dentição sinaliza para o futuro da odontologia.

     

    Colaboradores

    FP DALTOÉ e L MIGUITA foram responsáveis pela revisão da literatura e redação. A MANTESSO foi à coordenadora do trabalho, estabelecendo as diretrizes a serem abordadas, orientando na confecção do texto e realizando a correção do mesmo sempre que necessário.

     

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    Recebido em: 8/3/2009
    Aprovado em: 2/12/2009

     

     

    * Correspondência para / Correspondence to: A MANTESSO. E-mail: <andrea.1.mantesso@kcl.ac.uk>.