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    RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

      ISSN 1981-8637

    RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.58 no.3 Porto Alegre jul./sep. 2010

     

    CLÍNICO CLINICAL

     

    Tratamento cirúrgico da queilose actínica

     

    Surgical treatment of actinic cheilitis

     

     

    Paulo César Rodrigues VéoI,*; Rogério Estevam FariasII; Raquel Simões Silva StehlingIII; Eduardo Stehling UrbanoIII

    IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Departamento de Odontologia. Av. Dom José Gaspar, 500, Coração Eucarístico, 30535-901, Belo Horizonte, MG, Brasil
    IIUniversidade Federal de Juiz de Fora, Centro de Biologia da Reprodução, Laboratório de Imunopatologia e Patologia Experimental. Juiz de Fora, MG, Brasil
    IIIUniversidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Odontologia. Juiz de Fora, MG, Brasil

     

     


    RESUMO

    A queilite actínica é uma alteração dos lábios causada pela exposição crônica aos raios solares ultravioleta. É comum em indivíduos idosos de pele clara e que mantêm hábitos ocupacionais ou de lazer ao ar livre, expondo-se à radiação actínica. Este trabalho comenta as características clínicas e a relação com os achados microscópicos, assim como o diagnóstico e formas de tratamento da queilose actínica. É ressaltada a importância de sua detecção precoce, da instituição de medidas preventivas e do controle clínico dos pacientes visando evitar o desenvolvimento do câncer de lábio inferior. O presente estudo buscou demonstrar um caso clínico de queilose actínica no qual serão observadas fotos de todo o tratamento, desde sua detecção clínica (observação da lesão difusa, em placa, com bordos levemente eritematosos e pequenos pontos de solução de continuidade), comprovação histopatológica através de biópsia incisional, etapas cirúrgicas até o pós-operatório de 3 meses, observando-se cicatrização total e ausência da lesão pré-existente. Logo, torna-se de grande importância o conhecimento deste tipo de lesão já que seu alto potencial de malignização para carcinoma de células escamosas apresenta grande risco à saúde geral do paciente, levando-o a posteriores mutilações ou até mesmo ao óbito por metástase, caso haja a instalação e progressão do carcinoma epidermóide.

    Termos de indexação: cirurgia geral; diagnóstico; queilite.


    ABSTRACT

    Actinic cheilitis is a change in the lips caused by chronic exposure to ultraviolet sun rays. It is common in older, fair skin individuals who work outdoors or have outdoor leisure activities and are constantly exposed to actinic radiation. This work discusses the clinical characteristics and their relationship with the microscopic findings, as well as diagnosis and treatment options for actinic cheilitis. The importance of early detection, implementation of preventive measures and clinical control of the patients to avoid lower lip cancer is emphasized. The present study presents a clinical case of actinic cheilitis with pictures taken during the entire treatment, including clinical detection (diffuse lesion, in plaque, with slightly erythematous borders and some loss of the sharp border between lip and skin), histopathological confirmation by incisional biopsy, surgical stages and 3 months after surgery, showing complete healing and absence of the preexisting lesion. This, knowledge of this type of lesion is critical because of its potential to develop into squamous cell carcinoma, which would represent a great risk for the general health of the patient who would later need to be mutilated or even die due to metastases if carcinoma develops and progresses.

    Indexing terms: general surgery; diagnosis; cheilitis.


     

     

    INTRODUÇÃO

    A queilite actínica é uma alteração pré-maligna do vermelhão do lábio inferior1. Resulta da exposição excessiva ou por longo período ao componente ultravioleta da radiação solar2. É um problema limitado com predominância em pessoas de pele clara com tendência a se bronzear facilmente3. A queilose actínica é semelhante à ceratose actínica da pele em seu comportamento biológico e fisiopatológico4-5. Muitos estudos demonstram associação entre queilite actínica e carcinoma de células escamosas6-10. A queilite actínica apresenta grande predileção pelo lábio inferior e pode ser visualizada de três maneiras como lesões brancas em forma de placa não ulceradas, erosões ou úlceras no lábio ou uma forma mista de lesão branca e ulcerada10.

    O objetivo deste trabalho foi demonstrar um caso de queilite actínica desde seu diagnóstico clínico e histopatológico até a remoção total da lesão pela técnica cirúrgica conhecida como vermelhonectomia.

     

    CASO CLÍNICO

    Paciente do sexo masculino, caucasiano, 61 anos, trabalhador rural há três décadas e tabagista por mais de 40 anos (cigarro de palha) apresentou-se em ambulatório com queixa de ardência na região de todo o lábio inferior sendo esta intensificada com exposição aos raios solares. Paciente relatou estar usando uma "pomada" por iniciativa própria sobre a região há mais de dois anos. Afirmou ainda que pequenos fragmentos superficiais da lesão destacam-se rotineiramente causando-lhe leves ferimentos. Durante o primeiro exame observou-se lesão difusa, em placa, com bordos levemente eritematosos e pequenos pontos de solução de continuidade sugerindo diagnóstico clínico de queilite actínica (Figura 1). A biópsia incisional foi realizada e encaminhou-se o espécime para avaliação histopatológica. O corte histológico evidenciou hiperplasia, hiperceratose e discretas atipias em camadas inferiores da epiderme (Figura 5). A derme evidenciava degeneração basofilica do colágeno e epiderme hiperplasiada com discretas atipias e hiperceratose (Figura 6). Após o laudo histopatológico de queilite actínica e lesão apresentando grande extensão, optou-se por realizar o ato cirúrgico conhecido como "vermelhonectomia" (remoção total do vermelhão do lábio inferior).

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    A cirurgia foi realizada em um centro cirúrgico, com o paciente sob sedação e anestesia local com solução de lidocaína a 2% com adrenalina 1:100.000. Após incisão linear envolvendo toda a lesão e o vermelhão do lábio inferior, realizou-se a divulsão, separando-se a epiderme (contendo a lesão) da lâmina própria subjacente. Destacou-se um retalho filiforme de pele medindo 4,8 x 1,0 x 0,3cm, apresentando, na superfície epidérmica, áreas esbranquiçadas elevadas e irregulares (Figura 2). A região cruenta remanescente foi recoberta por tecido divulsionado do vestíbulo labial, o qual foi tracionado até recobrir toda a região e suturado por primeira intenção (Figura 3). Removeu-se a sutura 15 dias após a cirurgia e em 3 meses houve cicatrização total com ausência da lesão pré-existente (Figura 4).

     

    DISCUSSÃO

    Dentre as lesões cancerizáveis mais comuns que podem ocorrer na mucosa bucal, destacando-se a leucoplasia, eritroplasia, liquen plano, nevus pigmentado e o xeroderma pigmentoso11, a queilite actínica é a principal lesão pré-neoplásica do lábio12. O desconhecimento dos meios de proteção contra a radiação ultravioleta de trabalhadores rurais é um dado importante que condiciona ao aparecimento de lesões provenientes da exposição solar crônica nessa população13. Assim como foi fator determinante nesse trabalho, a exposição crônica ao sol é apontada como o principal agente etiológico, tanto para a queilite actínica como para o carcinoma epidermóide do lábio4,14-15, afetando mais indivíduos do sexo masculino e de pele clara5. A exposição excessiva ao sol pode causar queimaduras, envelhecimento precoce da pele, catarata, imunossupressão além do câncer de pele16.

    O carcinoma epidermóide é a neoplasia maligna mais frequente na cavidade bucal, sendo o lábio a área de maior incidência e a modalidade terapêutica mais empregada é a cirurgia17. Recentemente, pesquisas têm auxiliado no entendimento da etiopatogenia relacionada ao carcinoma de células escamosas sendo a radiação ultra-violeta o agente etiológico predominante4. A queilose actiníca representa um estágio clínico inicial de lesões que podem evoluir para carcinoma de células escamosas, apresentando o maior potencial de malignização entre todas as lesões pré-cancerígenas com valores variando de 6% a 10% dos casos relatados pelos centros médicos3. Clinicamente a presença de áreas leucoplásicas e o tempo de evolução da lesão actínica superior a 5 anos estão diretamente relacionados aos casos de atipias epiteliais mais graves18. O hábito de beber e fumar parece contribuir para a progressão da lesão e provável cancerização18-19. Histologicamente, a queilite actínica é normalmente caracterizada por um epitélio escamoso estratificado atrófico, frequentemente apresentando acentuada produção de ceratina, alteração basofílica no tecido conjuntivo conhecida como elastose solar (actínica) causada por ação dos raios ultra-violetas, além de infiltrado inflamatório perivascular10 sendo tais características evidenciadas neste trabalho. Contudo, nem sempre a biópsia é capaz de demonstrar as áreas de maior gravidade histológica já que as alterações epiteliais não ocorrem uniformemente ao longo da lesão20. Muitas das alterações associadas à queilite actínica são provavelmente irreversíveis, mas os pacientes devem ser encorajados para a prevenção contra a exposição excessiva ao sol e a adequada utilização de filtros solares que representam importantes cuidados que devem ser observados como forma de reduzir os riscos de desenvolvimento do câncer de pele21.

    Pacientes com queilite actínica podem ser tratados através de diferentes técnicas, dentre elas, a ablação com laser de CO2 (terapia fotodinâmica) além da técnica apresentada neste estudo, a vermelhonectomia (remoção cirúrgica do vermelhão do lábio inferior)22-23. A terapia tópica com gel de diclofenaco a 3% também tem sido proposta como alternativa de se evitar um tratamento cirúrgico mais agressivo24. Medidas preventivas que visam atenuar exposições solares futuras como o uso de protetores labiais com bloqueadores de raios ultravioletas, uso de bonés e diminuição no tempo de exposição ao sol em horários críticos (10h às 16h) devem ser seguidas após a realização de qualquer procedimento terapêutico utilizado para tratar a queiite actínica. Sendo assim, é de grande importância sua detecção precoce, a instituição de medidas preventivas e o controle clínico dos pacientes, visando evitar o desenvolvimento de câncer de lábio7,25.

    As lesões cancerizáveis podem manter-se estáveis, regredir ou sofrer transformações neoplásicas26. Dentre as formas de tratamento, classicamente estabelecidas, repousa um elevado grau de subjetividade, logo, torna-se de suma importância o estudo de todos os aspectos clínicos e histopatológicos para um correto diagnóstico e posterior intervenção cirúrgica ou não, além de se excluir outras patologias sem potencial de cancerização. A queilite actínica por suas manifestações clínicas, frequência e potencial de malignização, tem maior relevância tanto para o clínico geral quanto para os especialistas que lidam diretamente com lesões da mucosa oral, como os dermatologistas, otorrinolaringologistas, cirurgiões de cabeça e pescoço, estomatologistas, entre outros27.

     

    CONCLUSÃO

    No presente estudo relatou-se um caso clínico de queilite actínica no qual foi possível observar a maior parte dos principais sinais clínicos e histopatológicos pertinentes ao diagnóstico conclusivo da doença em questão. Embora a biópsia seja um passo essencial para a confirmação da queilite actínica, nem sempre esta é capaz de demonstrar a associação com carcinoma epidermóide, pois o aspecto difuso de uma mesma lesão pode mostrar diferentes tipos histopatológicos em regiões distintas. Logo, torna-se imprescindível a atenção dos profissionais correlacionados com a região de cabeça e pescoço no diagnóstico precoce, prevenção e tratamento de lesões como a queilite actínica.

     

    Colaboradores

    PCR VÉO e EE URBANO foram responsáveis pela parte clínica, pela orientação e pela montagem do caso. RE FARIAS auxiliou na avaliação anátomo-patológica e na redação do artigo. RSS STEHLING auxiliou na revisão bibliográfica.

     

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    Recebido em: 10/7/2008
    Aprovado em: 5/12/2008

     

     

    * Correspondência para / Correspondence to: PCR VÉO. E-mail: <pauloveo@yahoo.com.br>.