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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.58 no.4 Porto Alegre Dez. 2010

 

REVISÃO REVIEW

 

As representações sociais como instrumento de informação para a saúde bucal coletiva

 

Social representations as an instrument of information for the public's oral health

 

 

Cristina Berger Fadel*; Nemre Adas Saliba

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Odontologia, Departamento de Odontologia Infantil e Social. Rua José Bonifácio, 1193, 16015-050, Araçatuba, SP, Brasil

 

 


RESUMO

A Epidemiologia tem buscado, além do entendimento da distribuição do processo saúde-doença nas populações, o estudo da causalidade a ele relacionada, desenvolvida pela humanidade ao longo do tempo e a interpretação da historicidade desse campo do saber. A proposta deste estudo é, por meio de criterioso exame na literatura, apontar a importância da utilização do conhecimento popular como estratégia de investigação qualitativa em saúde e desmistificar o uso das representações sociais para o campo da Odontologia. Com o início do delineamento de um novo paradigma para o entendimento do processo saúde-doença bucal, o qual privilegia a ideia de que o mesmo é também resultado de uma produção sócio-cultural, o conhecimento das circunstâncias e do contexto em que o mesmo está inserido, torna-se peça fundamental para as ações avaliativas em saúde. Apesar de a Odontologia científica ter avançado no conhecimento de suas doenças, a comunicação com o saber popular deixa muito a desejar, uma vez que grande parte dos profissionais encontra-se presos em um modelo fragmentado de atenção. Reconstruir a lógica pela qual as representações de saúde e doença bucal foram produzidas e socializadas ao longo do tempo pode ser considerada uma relevante e producente finalidade das representações para o âmbito odontológico.

Termos de indexação: Análise qualitativa. Epidemiologia. Saúde bucal. Saúde coletiva.


ABSTRACT

In addition to understanding the distribution of the populations' health-disease process, epidemiology has sought to study the causality associated with this process, which humanity developed over time, and to interpret the narrative of this field of knowledge. A solid review of the literature was done to emphasize the importance of using popular knowledge as a qualitative health-related investigation strategy and to demystify the use of social representations in the field of dentistry. By initiating the design of a new paradigm for understanding the oral health-disease process, which favors the idea that it is also the result of a sociocultural production, knowledge of the circumstances and context in which it is inserted becomes critical for health assessment actions. Although scientific dentistry has advanced the understanding of oral diseases, communication with popular knowledge leaves much to be desired, since most professionals find themselves trapped in a fragmented model of care. Reconstruction of the logic by which the representations of oral health were produced and socialized over time can be considered a relevant and productive purpose of the representations in the dental area.

Indexing terms: Qualitative analysis. Epidemiology. Public health. Oral health.


 

 

INTRODUÇÃO

Desde muito cedo o homem preocupou-se em buscar explicações sobre os processos de cura e adoecer. Os questionamentos a respeito de corpos sãos e corpos doentes instigaram o desenvolvimento de inúmeras teorias ou concepções, à procura de um significado para a saúde dos sujeitos e para a ocorrência de doenças ou enfermidades a eles apresentadas.

Cada época da história da humanidade carrega um conceito diferente para a explicação do processo saúde-doença1, sofrendo variações impostas principalmente pela inserção sócio-cultural de cada povo, seu nível de desenvolvimento e organização social. Como esta compreensão se modifica de uma cultura para outra e de um momento histórico para outro, as noções de saúde e de doença também sofrem alterações e a conceituação do processo saúde-doença condiciona-se pela capacidade intelectiva do homem em cada contexto histórico e pelas condições concretas de sua existência2.

Esta ação investigativa do significado dos equilíbrios e desequilíbrios em saúde é, em parte, viabilizada pelas representações sociais ou coletivas3-10. Para a sinonímia de "representação", caberiam aqui palavras como "interpretação", "concepção" ou "entendimento", produzidas social, histórica e culturalmente. Igualmente designada como saber comum, ou ainda, saber ingênuo ou natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico11.

A questão das representações sociais é bastante complexa e seu uso é diversificado, uma vez que ela permeia o campo das ciências sociais sob múltiplas e diferentes óticas. Contudo, quando o interesse constitui-se em pesquisas acerca das significações atribuídas pelo homem ao binômio saúde-doença, vale uma reflexão crítica a respeito de sua utilização, enquanto referencial teórico metodológico no campo da saúde coletiva.

A proposta deste estudo é, por meio de criterioso exame na literatura, apontar a importância da utilização do conhecimento popular (senso comum), como estratégia de investigação qualitativa em saúde e desmistificar o uso das representações sociais para o campo da Odontologia.

A diversidade das concepções de saúde e de doença revelada através dos diferentes caminhos percorridos pelo homem

As divisões históricas clássicas remetem as condições de saúde e de doença à Medicina Primitiva ou Era Religiosa, Era Hipocrática, Medicina Moderna, Era Bacteriológica e Medicina Social1,12. Modernamente, alguns autores13 propõem a divisão das concepções estudadas ao longo da humanidade em quatro grandes vertentes, o Modelo Cosmocêntrico, o Modelo Teocêntrico, o Modelo Antropocêntrico e o Modelo Sistêmico e apontam questionamentos sobre a extensão da incorporação do saber da população brasileira, frente à concepção do processo saúde-doença bucal.

A Era Religiosa caracterizou-se pela época em que não havia a escrita e o homem vivia em tribos, estando à doença relacionada a um poder maior, capaz de dominar a pessoa enferma. Este conceito primitivo de doença pertencia a uma época na qual a religião e a medicina mantinham-se fortemente ligadas e as doenças eram consequências de desarmonias em relação à ordem cósmica (Modelo Cosmocêntrico). Apesar de este parecer um padrão encravado teoricamente numa história longínqua, o Brasil de hoje ainda apresenta pesquisas cujos resultados remetem à conservação deste modelo14-18.

Com o desenvolvimento da sociedade, novas concepções para a história da saúde e da doença foram alcançadas pelo homem. A época agora era a da vida nas cidades, do aparecimento do comércio, do desenvolvimento da escrita e das artes, da arquitetura, da escultura, da pintura e dos grandes pensadores. Este período de efervescência cultural é o chamado período grego da civilização humana, no qual se destaca uma tentativa de compreensão da sociedade e de seus problemas, afora as explicações mágicas e mitológicas dominantes até então1,2,19. Neste momento, no qual o homem assume um espírito crítico e um papel ativo no processo do adoecimento, com perda substancial do então dominante caráter mágico e religioso, ganha força a conceituação de que a saúde resulta do equilíbrio dinâmico entre os quatro elementos do universo, também chamados de humores - terra, água, ar e fogo. A doença, por sua vez, seria o desequilíbrio entre estes elementos, decorrente da ação de fatores externos2,19-20. Assim como o universo, também o corpo do homem compunha-se de quatro elementos ou humores - o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra. Tecendo uma linha paralela entre os elementos do corpo com os do universo, o sangue era quente e úmido como o ar, a fleuma era fria e úmida como a água, a bílis amarela era quente e seca como o fogo e a bílis negra era fria e seca como a terra1.

Seguindo ainda esse raciocínio dos humores corporais e do universo, foram desenvolvidas ações terapêuticas para muitas doenças do organismo humano. Data deste período a Teoria dos Opostos de Hipócrates, a qual se valia da utilização de substâncias frias e secas para o combate de doenças consideradas quentes e úmidas e vice-versa. Neste sentido, a Odontologia utiliza-se até hoje deste conhecimento, quando, após uma extração dentária sugere a associação de substâncias frias (água gelada, gelo) em busca do reequilíbrio (estancamento) da substância quente perdida (sangue). Essa teoria, segundo a qual saúde relaciona-se com um estado de isonomia entre influências ambientais e modos de vida humanos, foi defendida por Hipócrates caracterizando a Era Hipocrática. Assim, novamente as interpretações humanas sobre o mundo e sua dinâmica alimentaram a evolução dos conceitos de saúde e de doença, revelando agora uma visão epidemiológica da questão, uma vez que tais interpretações não se limitavam ao indivíduo, estendendo-se também ao seu ambiente.

Caminhando um pouco mais pela história da humanidade, depara-se com poucos avanços na causalidade da saúde e da doença. Uma época, de um lado revestida pelo pensamento científico, embasado no conhecimento da anatomia humana (Medicina Moderna) e de outro, revestida de caráter religioso, onde há a necessidade da interferência divina para os processos de cura e adoecer. Estudos relatam a influência do Modelo Teocêntrico13 sobre a saúde bucal, mostrando associações de concepções populares entre a fé e a oração com o sofrimento, dor e ritual de cura dental15,18,21.

A busca incessante por explicações consistentes torna-se mais concreta com as descobertas da bacteriologia (Era Bacteriológica) na metade do século XIX e consolida-se a crença no modelo da racionalidade científica como único caminho para obtenção da verdade22. Os avanços na causalidade das doenças relacionam-se então à chamada revolução científica, com a descoberta dos microorganismos, ao papel ativo do homem no processo de cura e adoecer e à noção de multicausalidade, caracterizando o Modelo Antropocêntrico13.

Por fim, continuando esse análogo entre a evolução da humanidade e as concepções de saúde e doença, tem-se a Medicina Social. Esta fase enaltece a Revolução Industrial enquanto produtora de profundo impacto sobre as condições de vida das populações. É neste período da história que se iniciam as investigações a respeito da influência da inserção do indivíduo na sociedade sobre a saúde, como a condição de trabalho, a moradia, a alimentação, o acesso aos bens e serviços de saúde, o lazer e a participação política, vista como principal estratégia de transformação da realidade em saúde23-24. Passando do campo político, novamente para o campo da causalidade, visualiza-se agora a saúde como um fenômeno plural, que envolve aspectos físico, psicológico e social, todos interdependentes.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980 as evidências da associação entre condições de vida e saúde se acumularam, ajustando-se o modelo de multicausalidade aos novos problemas de saúde, visto que, para muitas doenças, ainda faltavam os agentes etiológicos específicos. Assim, a saúde passou a ser compreendida não apenas como mera ausência de doenças, mas como resultante de um conjunto de fatores individuais e coletivos, históricos, sociais, econômicos, étnicos, religiosos, culturais, psicológicos, laborais, biológicos e ambientais, entre outros22.

Enfim, evidencia-se que a diversidade dos conceitos de saúde e de doença tem, até hoje, revelado os diversos caminhos percorridos pelo homem na sua relação entre si e com o meio em que vive, expondo claramente as relações de cunho político, econômico e social vigentes em uma sociedade.

As representações sociais como objeto de reflexão e como referencial teórico-metodológico para o campo da saúde bucal coletiva

Atualmente, com o início do delineamento de um novo paradigma para o entendimento do processo saúde-doença bucal, o qual privilegia a ideia de que o mesmo é também resultado de uma produção sócio-cultural, o conhecimento das circunstâncias e do contexto em que o mesmo está inserido torna-se peça fundamental para as ações avaliativas em saúde.

Considerando-se ainda o caráter etiológico complexo das doenças bucais, uma abordagem ampliada, que inclua, além das questões biológicas, os "comos" e os "porquês" desse processo deve ser permanentemente considerada.

Desde a abertura do campo teórico para o estudo das representações sociais3, seus palcos de pesquisa e aplicação vêm se multiplicando. Inúmeros pesquisadores têm se dedicado ao estudo desta teoria, seja em busca do conhecimento de novas representações, seja no desenvolvimento teórico-metodológico do próprio campo.

Como as representações sociais buscam uma compreensão particular daquilo que estuda, o foco de sua atenção é centrado no específico, no peculiar, buscando mais a compreensão do que a explicação dos fenômenos estudados25-26. Esta reorientação do cuidado em saúde, na perspectiva do respeito à autonomia e à cultura humana, em uma interação do cuidar e do ser cuidado27, em muito consegue ser contemplada com a utilização de abordagens qualitativas. Ainda segundo os autores, três são os aspectos que permitem a caracterização destas abordagens. O primeiro é de caráter epistemológico e se relaciona à visão de mundo implícita na pesquisa, isto é, o pesquisador que se propõe a realizar uma pesquisa qualitativa busca uma compreensão subjetiva da experiência humana. O segundo aspecto se relaciona ao tipo de informação que se objetiva coletar, ou seja, dados ricos em descrições de pessoas, situações, acontecimentos, vivências. E o terceiro relaciona-se ao método de análise, o qual na pesquisa qualitativa busca compreensão e significado e não evidências. Em suma, os pesquisadores qualitativistas ocupam-se com os processos e desejam saber como os fenômenos ocorrem naturalmente e como as relações entre estes fenômenos se estabelecem.

Este tipo de análise está baseado em processos de categorização, adotando principalmente técnicas capazes de organizar as condutas e as comunicações sociais14,28 e de intervir na difusão e na assimilação dos conhecimentos.

Fundamentar a investigação na produção de um pensamento sobre a experiência vivida significa centrá-la nas representações dos sujeitos, o que, de um lado constitui a opção de se estudar uma realidade social e coletiva por meio de narrativas individuais e vividos singulares29 e de outro, pretende verificar não apenas o que estes sujeitos percebem de diferentes modos de produção das doenças (bucais), mas a própria existência objetiva destes modos. Trata-se ainda, de acordo com a autora, da escolha de uma modalidade de pesquisa capaz de percorrer a dimensão social, mas simultaneamente, trata-se da capacidade de visualizar a dimensão subjetiva das práticas e a concreta constituição dos sujeitos nas ações.

As práticas educativas pautadas na perspectiva conteudista, normativa e cientificista mostram uma não-correspondência, frequente, entre saber instituído e mudança de práticas e comportamentos9. Este fato, voltado àOdontologia, evidencia a urgência da integração de valores, costumes, modelos e símbolos sociais (trazidos, em parte, pelas representações sociais) também à atenção educativa, de condutas e práticas em saúde bucal.

Apesar de a Odontologia científica ter avançado no conhecimento de suas doenças, a comunicação com o saber popular deixa muito a desejar, uma vez que grande parte dos cirurgiões-dentistas encontra-se preso somente ao Modelo Antropocêntrico13,30. A opção pela introdução de uma visão sistêmica da saúde não se trata de uma negação absoluta dos modelos anteriores, advertem os autores; ao contrário, todos os modelos contribuíram para a compreensão dessa visão pluralista, como se cada um reunisse em si um fragmento do todo, que durante o processo histórico manteve-se ligado a um fio que a ciência moderna resgatou.

Para a Odontologia, na esperança de romper definitivamente com o fragmentado monopólio cartesiano, no que se refere às ações do fazer e do pensar em saúde bucal, passa a ser vital o encontro com uma forma de acesso ao conhecimento implícito dos indivíduos e da população. Reconstruir, nas origens, a lógica pela qual as representações de saúde e doença bucal foram produzidas e socializadas ao longo do tempo, percorrendo o "caminho de volta" para uma melhor compreensão dos antecedentes dos modelos atuais, pode ser considerada uma relevante e producente finalidade das representações para o âmbito odontológico.

Uma vez ciente das limitações dos métodos normativos utilizados para as pesquisas em saúde bucal31, enraizados na epidemiologia clássica, a Odontologia depara-se com alguns importantes desafios. O primeiro deles perpassa pelo reconhecer da necessidade da incorporação de métodos diagnósticos mais abrangentes. Em seguida, a necessidade de considerar a história social e cultural arraigada às populações, a fim de identificar as percepções, os significados e as crenças que influenciam na adoção de condutas e agregam a diversidade de suas práticas. Sob este aspecto, os fenômenos decorrentes do processo saúde-doença bucal somente podem ser entendidos partindo-se da contextualização destes aspectos sócio-histórico-culturais, uma vez que os produzem32, buscando uma aproximação real ao universo de vida dos sujeitos envolvidos, sobretudo, com as questões relativas às doenças bucais.

Cabe então relembrar que quando a doença surge, seja ela de origem bucal ou não, há um forte envolvimento de todas as esferas sócio-culturais dos sujeitos. No estudo das representações concentra-se grande parte do entendimento da doença e de como ela se agrega no cotidiano das pessoas33. Para os autores, a doença age como fator de ruptura de um fluxo cotidiano, fazendo com que o indivíduo afetado e os que o circundam necessitem de nova reorganização de suas atividades diárias.

Esta mudança de perspectiva quanto ao papel disciplinador das teorias da prática e do conhecimento, de um lado legitimando o saber não consubstanciado cientificamente e, de outro, colocando na berlinda o selo de garantia epistemológica, teve um papel fundamental na elaboração do conceito das representações sociais e em suas implicações4. Teve, antes de tudo, o efeito de liberar o poder de criação dos conhecimentos práticos, ou das teorias do senso comum, tão frequentemente aprisionados nos chavões de reprodução e de (re) apresentação. Ou seja, as representações sociais puderam dar vida, reabilitar o senso comum enquanto forma válida de conhecimento e utilizá-lo para efetivamente modificar uma realidade social.

É esta, possivelmente, a contribuição mais valiosa das representações sociais para o campo da Odontologia; a ênfase no processo de elaboração de suas práticas a partir das práticas sociais que as definem e que são por elas definidas, bem como a abertura da possibilidade de se trabalhar outro campo, no qual se entrecruzam as representações e as práticas, a subjetividade e a objetividade, o pensamento e a ação.

Desta forma, evidencia-se que as práticas odontológicas devem partir de uma necessária articulação entre as representações sociais e a experiência da doença para o diagnóstico e o planejamento de suas ações. Assim, qualquer direcionamento em saúde bucal deveria ser amplamente contemplado, também com indicadores internos aos sujeitos, pensando-se primeiramente na transversalidade das representações sociais, uma vez que se situam na interface dos fenômenos individual e coletivo.

Cabe ainda salientar, que apesar da utilização das representações sociais na pesquisa social em saúde que esta sendo evidenciada, acredita-se que seu conceito e utilização devam ser constantemente problematizados. Herzlich34 e Bourdieu35 observam em suas análises avaliativas, outros aspectos a serem considerados (além das representações sociais), apontando o alto grau de generalidade do nível de análise que ela constitui como principal mote.

Em síntese, a integração das Representações Sociais com o campo da saúde bucal coletiva, ainda que recente, tem buscado superar a dicotomia histórica entre indivíduo e sociedade, tentando visualizar o indivíduo e suas produções mentais como produtos de sua socialização.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao exposto, sustenta-se a ideia que a Odontologia não pode mais agir com completa autonomia perante a sociedade; mas encarada, ela própria, como sendo determinada e condicionada, em grande parte, por sua estrutura econômica, cultural e social.

As determinações extrabiológicas da saúde e da doença devem ser incessantemente analisadas, considerando-se os homens - afetados ou não por doenças bucais - não apenas como corpos biológicos, mas, sobretudo como corpos sociais, inseridos em determinadas sociedades, membros de determinadas classes e participantes de relações sociais específicas. É claro que o tratamento de uma doença, agora também entendida como produto social, e não somente biológico, consiste na eliminação e no controle de seus fatores predisponentes, produtores ou mantenedores. Entretanto, desta vez, não somente a utilização de recursos curativo-assistenciais deve ser privilegiada, mas o profundo entendimento de toda a sua estrutura social.

Neste contexto, surge à necessidade da utilização de novas estratégias de investigação para se avaliar o processo saúde-doença em grupos populacionais, uma vez que o referencial teórico da epidemiologia clássica, até então isoladamente utilizado, cresce em suas fragilidades e limitações.

O estudo das representações sociais na Odontologia, portanto, afirma a sua relevância em termos de sua capacidade de adaptação aos novos contextos e consequentemente, o vislumbramento de novos caminhos para o enfrentamento das doenças bucais.

As evidências empíricas obtidas em uma sociedade contemporânea (no caso, a brasileira), demonstram claramente as desarticulações e contradições não resolvidas a respeito das formas como são direcionadas as demandas sociais, a oferta de políticas e serviços (em saúde) pelo Estado e a percepção dos usuários quanto a esses fatos.

A partir destas reflexões, reitera-se a afirmação de um novo campo teórico-metodológico para a Odontologia, renovado, múltiplo, dinâmico e constituído a partir de uma produção ateórica de saberes humano. Torna-se então necessário o conhecimento das representações sociais em toda a sua dinâmica e variabilidade, uma vez que esta apropriação pode inferir em um caminho para a definição de novos direcionamentos e de desdobramentos inéditos no campo da saúde coletiva.

Trata-se também da ampliação do olhar, de modo a visualizar o senso comum não mais como informação de baixa relevância, mas como conhecimento legítimo e motor das transformações em saúde, no contexto social.

Deste modo, o planejamento das ações em saúde bucal deveria estar pautado na multiplicidade de instrumentos metodológicos avaliativos, visto que a saúde coletiva só se consolida na integração do campo científico e do âmbito das práticas ao assumir, com clareza, a dimensão cultural e social de seu caráter.

Por fim, torna-se necessário um esclarecimento sobre a não-negação da relevância de avaliações clássicas; mas sim, o interesse pela utilização e efetividade de estratégias plurimetodológicas, uma vez que o delineamento dos métodos tradicionais de pesquisa, quando fundamentado em instrumentos avaliativos isolados, apresentou, até o momento, sérias limitações e questionamentos.

 

Colaboradores

CB FADEL delineou a metodologia, realizou a revisão da literatura e confeccionou a redação do artigo. NA SALIBA orientou a sua elaboração em todas as etapas. Todos os autores participaram da revisão do trabalho.

 

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Recebido em: 14/6/2008
Versão final reapresentada em: 15/9/2008
Aprovado em: 31/10/2008

 

 

* Correspondência para / Correspondence to: CB FADEL. E-mail: <cfadel@itelefonica.com.br>