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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

On-line version ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59 n.1 Porto Alegre Jan./Mar. 2011

 

CLÍNICO CLINICAL

 

Tratamento não-cirúrgico de microssomia hemifacial por meio da ortopedia funcional dos maxilares

 

Nonsurgical treatment of hemifacial microsomia with an orthopedic functional appliance

 

 

Fernando Augusto Vaz RibeiroI; Brena Correa de ToledoII; Milton Santamaria JuniorII; Sílvia Amélia Scudeler VedovelloII,*; Heloísa Cristina ValdrighiII

IFundação Hermínio Ometto, Faculdade de Odontologia, Programa de Pós-Graduação em Ortodontia. Araras, SP, Brasil
IIFundação Hermínio Ometto, Faculdade de Odontologia. Av. Maximiliano Baruto, 500, Jardim Universitário, 13607-339, Araras, SP, Brasil

 

 


RESUMO

A microssomia hemifacial pode ser de origem genética, ambiental ou mista, entretanto, a maioria destas doenças ocorre por herança multifatorial. Dentre os fatores genéticos estão os distúrbios de desenvolvimento, as alterações gênica e as alterações cromossômicas. A microssomia hemifacial é uma alteração morfológica caracterizada por apresentar deformidades faciais derivadas do desenvolvimento anormal dos primeiros e segundos arcos branquiais. Suas características clínicas mais marcantes são hipoplasia mandibular unilateral, agenesia ou má formação do pavilhão auricular, agenesia ou má formação do globo ocular. O objetivo deste trabalho foi apresentar um caso clínico de agenesia de côndilo tratado com aparelhos ortopédicos funcionais sem cirurgia. O tratamento teve a duração de cinco anos e os resultados mostraram melhora significativa da assimetria facial, correção da mordida cruzada, correção do desvio de linha média e crescimento mandibular no lado da microssomia hemifacial. A utilização precoce de ortopedia funcional mostrou-se efetiva na correção da assimetria facial e esquelética no tratamento da microssomia hemifacial e da agenesia de côndilo.

Termos de indexação: Aparelhos ortopédicos. Assimetria facial. Ortodontia.


ABSTRACT

Hemifacial microsomia can be genetic, environmental, or mixed, yet most cases result from multifactorial inheritance. Genetic factors include developmental disorders, genetic changes and chromosomal abnormalities. Hemifacial microsomia is a morphological change caused by an abnormal development of the first and second branchial arches. The most important clinical signs are unilateral mandibular hypoplasia, agenesis or malformation of the pinna and agenesis or malformation of the eye. This study presents a case of condylar agenesis treated nonsurgically with an orthopedic functional appliance. The treatment lasted 5 years and significantly reduced facial asymmetry and corrected the crossbite, midline deviation and mandibular growth in the affected side. Early use of functional orthopedics proved to be effective in correcting the facial and skeletal asymmetries resulting from hemifacial microsomia and condylar agenesis.

Indexing terms: Orthotic devices. Facial asymmetry. Orthodontics.


 

 

INTRODUÇÃO

A microssomia hemifacial se caracteriza por apresentar deformidades morfológicas faciais derivadas do desenvolvimento anormal dos 1º e 2º arcos branquiais e o grau de comprometimento apresentado vai desde um pequeno afetamento do osso temporal ou da cabeça da mandíbula até uma fissura orbital nos casos mais graves. É a segunda anomalia congênita facial mais comum (1 em cada 5.600 nascidos-vivos), depois da fissura labial e palatina. Esta alteração congênita geralmente é unilateral1-2 e causa uma deformidade facial caracterizada por diminuição do corpo da mandíbula e desvio do mento para o lado afetado. Do lado contralateral, tem-se um alongamento da mandíbula e a face é achatada3.

A agenesia de côndilo tem sido descrita na literatura como um fator associado a outros tipos de problemas, geralmente as síndromes, nas quais se encontram afetados o desenvolvimento dos 1º e 2º arcos branquiais. A denominação que mais se associa ao problema é a Microssomia craniofacial, proposta por Gorlin e Pindborg em 19641,4. Acredita-se que a síndrome de Goldenhar faça parte de um quadro clínico mais complexo de anomalias de 1º e 2º arcos branquiais. Os portadores dessa síndrome apresentam anomalias bucais, músculo-esqueléticas, auriculares e oculares, alterações cardíacas, genitais, renais, pulmonares e de sistema nervoso central5.

É importante destacar que uma de suas características é a extrema variabilidade de expressão dos indivíduos afetados. Alguns apresentam uma ampla variedade de anomalias, outros, só se observa uma anomalia discreta, como uma orelha moderadamente displásica. Cerca de 10% dos pacientes apresentam retardamento mental. Em 40% a 60% se observa anomalias ósseas, em especial a coluna vertebral5.

Com relação à oclusão, é comum encontrar mordida cruzada do lado afetado devido ao desvio da mandíbula para este lado. Cria-se então, uma maxila assimétrica com o processo alveolar pouco desenvolvido do lado cruzado e, consequentemente, estará presente um desvio de linha média considerável para o lado afetado e, possivelmente, uma sobremordida profunda devido a ações musculares6.

A maioria destas doenças ocorre devido à estreita inter-relação de fatores genéticos e ambientais, sendo, portanto, conhecidas como herança multifatorial1,7. Dentre os fatores genéticos estão os distúrbios de desenvolvimento, as alterações gênica e as alterações cromossômicas (translocações, deslocações e alterações numéricas). Outra hipótese é a de certos indivíduos apresentarem suscetibilidades para desenvolverem algumas malformações, baseada na ocorrência de mutações em genes receptores de folato, que podem aumentar o risco de aparecimento de deformidades congênitas mandibulofaciais1.

As técnicas recomendadas para tratamento da agenesia do côndilo giram ao redor das alternativas cirúrgicas precoce a partir dos três anos de idade, constando da retirada de tecido esternoclavicular e enxertado, posteriormente, e fixado com miniplacas de titânio na mandíbula, sendo os objetivos: restabelecer um centro de crescimento condilar que facilite o normal desenvolvimento ósseo facial, restabelecer a simetria facial e reparar as deformidades faciais1. É instituído tratamento cirúrgico com aumento do lado hipoplásico seguido de tratamento ortodôntico, para estabelecer uma oclusão dentária normal3. Pacientes com deformidades severas indica-se intervenção cirúrgica precoce com transplante autógeno costocondral ou, posteriormente, cirurgia ortognática combinada de maxila e mandíbula8.

Em fases precoces há a possibilidade de terapia ortopédica2. Com a estimulação do aparelho funcional é possível obter algum desenvolvimento de tecidos moles ou, pelo menos, estender tais tecidos; desta maneira a cirurgia também terá mais sucesso. Além disso, na maioria dos casos necessita-se estimular o crescimento transversal da maxila para a correção da mordida cruzada posterior.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de tratamento não-cirúrgico da agenesia do côndilo por meio da utilização de aparelhos ortopédicos funcionais.

 

CASO CLÍNICO

A ausência congênita do côndilo é pouco frequente, geralmente está associada a casos de microssomia hemifacial. O caso clínico apresentado é de uma criança de quatro anos e nove meses de idade com ausência congênita do côndilo esquerdo, sem a presença de alteração em outro familiar.

A paciente AMN procurou tratamento ortodôntico com o diagnóstico dado por um dentista, o qual propôs tratamento cirúrgico, na qual seriam feitas algumas cirurgias de enxerto ósseo ao longo de alguns anos.

Inicialmente, foram avaliadas as radiografias e telerradiografia de cabeça tomada em norma lateral (Figura 1) e observou-se uma agenesia do côndilo do lado esquerdo assim como uma retrusão mandibular acentuada e uma notável assimetria mandibular.

 

 

Avaliaram-se as fotografias intrabucais (Figura 2) e extrabucais (Figura 3) e observou-se uma mordida cruzada posterior do lado esquerdo, uma relação molar de classe II do lado esquerdo e uma sobremordida profunda. Na face, foi observada uma assimetria facial considerável, um perfil convexo caracterizado pela retrusão mandibular e um desvio acentuado da mandíbula no movimento de abertura máxima. Foram avaliados também os modelos de gesso e observou-se uma assimetria da arcada superior, sendo que a hemi-maxila do lado esquerdo (cruzado) encontrava-se pouco desenvolvida e a arcada inferior mostrou-se girada.

 

 

 

 

Após o diagnóstico buscou-se uma alternativa diferente da recomendada, devido a pouca idade da paciente, aos riscos da cirurgia e ao prognóstico duvidoso deste tratamento. Inicialmente foi planejado um aparelho ortopédico funcional, o Pista Indireta Planas Composta (PIPC), pois este facilitaria os movimentos de lateralidade e confere a este aparelho as características necessárias para o tratamento adequado neste caso (Figura 4).

 

 

Foi recomendado o uso deste aparelho 18 horas por dia. Após descruzar a mordida e reposicionar a mandíbula anteriormente, foi então planejado um segundo aparelho, Pista Indireta Planas Simples (PIPS), com a função de corrigir o plano oclusal e manutenção da oclusão alcançada pelo uso do 1º aparelho. Observou-se, uma melhora no perfil facial devido ao avanço mandibular, melhora na assimetria facial e melhora na oclusão dentária ocorrendo descruzamento dentário, correção de linha mediana inferior e correção da classe II dentária do lado esquerdo.

Ao avaliar o progresso do tratamento foi observada uma diminuição significativa na assimetria facial e uma correção da oclusão dentária no sentido transversal e anteroposterior.

A partir desse momento, a paciente estava com sete anos e quatro meses de idade, foi recomendado o uso do aparelho somente durante a noite e devido ao resultado satisfatório no tratamento, foi dispensado o uso do aparelho por um período de 6 meses. O tratamento foi retomado com o uso de um aparelho do tipo PIPS a fim de continuar o processo de estímulo de desenvolvimento ósseo-muscular do côndilo esquerdo e manutenção da oclusão correta (Figura 5).

 

 

Radiograficamente foi observado um crescimento do côndilo esquerdo e a recuperação da altura do ramo mandibular afetado (Figura 6).

 

 

Aos 10 anos de idade a paciente passou a utilizar um aparelho do tipo PIPS de uso noturno, com funções adequadas de todas as estruturas do sistema estomatognático, ou seja, mastigação bilateral e fisiológica, deglutição normal, respiração nasal, fala normal e harmonia na estética facial.

 

DISCUSSÃO

A microssomia hemifacial pode ser de origem genética, ambiental ou mista, entretanto, a maioria destas doenças ocorre por herança multifatorial1,7. A agenesia condilar causa uma deformidade facial caracterizada por diminuição do corpo da mandíbula e desvio do mento para o lado afetado. Do lado contralateral temos um alongamento da mandíbula e a face é achatada3.

Em casos de assimetrias severas a cirurgia precoce, a partir dos três anos de idade, está indicada a retirada de tecido esternoclavicular e enxertado, posteriormente, e fixado com miniplacas de titânio na mandíbula, objetivando restabelecer um centro de crescimento condilar que facilite o normal desenvolvimento ósseo facial, restabelecer simetria facial e reparar as deformidades faciais1.

Para Simões2, porém, a terapia ortopédica em fase precoce mostra-se efetiva, já que na microssomia hemifacial o problema não é somente esqueletal, mas também muscular e outros elementos de tecido mole possivelmente estão alterados. Com a estimulação do aparelho funcional é possível obter algum desenvolvimento de tecidos moles e, desta maneira, melhorar o desenvolvimento facial e o prognóstico em caso de necessidade de uma correção cirúrgica.

A ausência congênita do côndilo está associada a casos de microssomia hemifacial. Neste trabalho foi apresentado o caso clínico de uma criança de quatro anos e nove meses de idade com ausência congênita do côndilo esquerdo. Inicialmente, foi utilizado um aparelho ortopédico funcional (PIPC). Após descruzar a mordida e reposicionar a mandíbula anteriormente foi utilizado um segundo aparelho (PIPS), com a função de corrigir o plano oclusal e manutenção da oclusão alcançada. Observou-se então, uma melhora no perfil facial devido ao avanço mandibular, melhora na assimetria facial e melhora na oclusão dentária ocorrendo descruzamento dentário, correção de linha mediana inferior e correção da Classe II dentária do lado esquerdo.

Após a correção facial satisfatória, a paciente utiliza a noite o aparelho funcional (PIPS), apresentando funções adequadas de todas as estruturas do sistema estomatognático, ou seja, mastigação bilateral e fisiológica, deglutição normal, respiração nasal, fala normal e, uma harmonia na estética facial.

Radiograficamente foi observado um crescimento do côndilo esquerdo confirmando a melhora da estética facial.

 

CONCLUSÃO

A utilização precoce de ortopedia funcional mostrou-se efetiva na correção da assimetria facial e esquelética no tratamento da microssomia hemifacial e da agenesia de côndilo.

Colaboradores

FAV RIBEIRO foi responsável pela execução do trabalho. BC TOLEDO pela pesquisa bibliográfica. M SANTAMARIA JUNIOR confeccionou o artigo e co-orientou. SAS VEDOVELLO e HC VALDRIGHI co-orientaram o artigo.

 

REFERÊNCIAS

1. Quirós O, Saturno LE. Agenesia del cóndilo, crecimiento de côndilo suplementario em paciente tratado com ortopedia funcional de los maxilares, sin cirugía. Rev Latinoam Ortod Odontop [periódico na Internet]. 2003. Disponível em: http://www.ortodoncia.ws/publicaciones/2003/pdf/agenesia_condilo_suplementario_ortopedia_funcional.pdf.         [ Links ]

2. Simões WA. Ortopedia funcional dos maxilares vista através da reabilitação neuro-oclusal. 3ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2003.         [ Links ]

3. Bueno DF. Estudo das alterações clínicas e radiográficas da microssomia hemifacial [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2002.         [ Links ]

4. Preston CB, Losken HW, Evans WG. Restitution of facial form in a patient with hemifacial microsomia. Angle Orthod. 1985;55(3):197-205.         [ Links ]

5. Silva RCL, Alves FFS, Netto SSG, Silva CM. As alterações fonoaudiológicas na síndrome de Goldenhar: relato de caso. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):290-5.         [ Links ]

6. Kaplan RG. Induced condylar growth in a patient with hemifacial microsomia. Angle Orthod. 1989;59(2):85-90.         [ Links ]

7. Marques C, Rio F. Microssomia hemifacial: case report - Espectro Imaginológico. Acta Med Port. 2009;22(2):155.         [ Links ]

8. Yamashi T, Yamamoto TT, Takade K. Case report: dentofacial orthopedic and surgical orthodontic treatment in hemifacial microsomia. Angle Orthod. 1997;67(6):463-6.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 16/7/2010
Aprovado em: 13/9/2010

 

 

* Correspondência para / Correspondence to: SAS VEDOVELLO. E-mail: <vedovelloorto@terra.com.br>.