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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59 no.2 Porto Alegre Abr./Jun. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Assistência cirúrgico-odontológica a pacientes com história de infarto do miocárdio

 

Surgical-odontologic assessment to patients with myocardial infarction history

 

 

Jônatas Caldeira ESTEVES I; Fabiana Bonato SIMÃO I; Camila Benez RICIERI I; Cristiane Mara Ruiz de Souza FATTAH I; Paulo Sérgio da Silva SANTOS II; Alessandra Marcondes ARANEGA I

I Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Odontologia, Departamento de Cirurgia e Clínica Integrada
II Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Setor de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO


A execução de um plano de tratamento cirúrgico-odontológico adequado em pacientes com história de Infarto do Miocárdio tem sido baseada em protocolos estabelecidos desde as décadas de 1960 e 1970, que estipulavam um período de espera mínimo de seis meses para a execução de cirurgia não-cardíaca. Atualmente, os recentes avanços na avaliação médica do risco cirúrgico com base na análise individual de cada caso, bem como a disponibilidade de novos recursos terapêuticos tanto no que se refere ao tratamento médico quanto odontológico, permitem que novas posturas sejam adotadas na execução de um cirurgia odontológica segura nestes pacientes. Neste trabalho, a partir da revisão de literatura, procurou-se abordar as tendências atuais do tratamento de pacientes com história de infarto agudo do miocárdio, no que se refere aos cuidados específicos durante o pré, trans e pós-operatório, tendo em vista a avaliação laboratorial e terapêutica medicamentosa; bem como na possibilidade de tratamento cirúrgico-odontológico prévio aos seis meses pós-infarto.

Termos de indexação: Assistência odontológica. Cirurgia bucal. Infarto do miocárdio.


 

ABSTRACT


The execution of a appropriate odontological surgical treatment for patients with Myocardial Infarction has been based in established protocols for important works in world wide literature during the sixty's and seventy's decade, established with a minimum of six months before the noncardiac surgery. The recent advancements in the medical assessment of surgical risk based on the individual analysis of each case with availability of new therapeutic tools in reference to medical or dental treatment, allowing for new procedures that can be used in the execution of safer odontological surgery for each patients. This review of the literature shows the actual tendencies of the treatment of patients with Myocardial Infarction concerning specific care before, during and after surgery based on laboratory evaluation and drug therapy as well as the possibility of surgical treatment before six months post-infarction.

Indexing terms: Dental care. Oral surgery. Myocardial infarction.


 

 

INTRODUÇÃO

As cardiopatias isquêmicas são um grupo de doenças estreitamente relacionadas entre si e resultantes da isquemia do miocárdio. Caracterizam-se pelo desequilíbrio entre o suprimento sanguíneo para as células do músculo cardíaco e a demanda do sangue oxigenado exigida pelo coração. Além da insuficiência de oxigênio, ocorre também a redução da disponibilidade de substratos e nutrientes, bem como a remoção inadequada de metabólitos1.

O infarto do miocárdio ou ataque cardíaco é consi-derado a forma mais importante de cardiopatia isquêmica sendo responsável pelo maior número de morte nos Estados Unidos1. No Brasil, segundo fontes do DATASUS registraram--se no ano de 2007, 71.997 óbitos por infarto agudo do miocárdio2. Cerca de 10% dos infartos do miocárdio ocorrem em indivíduos com idade inferior a 40 anos, enquanto 45% são observados em pessoas com menos de 65 anos. Os homens apresentam maior risco que as mulheres, contudo, essa diferença diminui conforme o avanço da idade e declínio da produção de estrogênio nas mulheres1.

Com base na quantidade significativa de vítimas de infarto do miocárdio e nos recentes avanços das avaliações cardíacas de risco cirúrgico, procurou-se, neste trabalho, discutir condutas pré, trans e pós-operatórias que deverão ser adotadas pelos cirurgiões-dentistas responsáveis pela assistência cirúrgico-odontológica dos pacientes com história de infarto do miocárdio.

Infarto do miocárdio

O Infarto do Miocárdio (IM) é uma cardiopatia isquêmica em que uma ou mais artérias ou ramos coronários sofrem obstrução, resultando em isquemia prolongada e necrose da região do músculo cardíaco irrigada pelo vaso obstruído. A obstrução parcial ou total da luz deste vaso se dá, em mais de 90% dos casos, por placas ateroscleróticas que se aderem às paredes internas das artérias coronárias, comprometendo gravemente a perfusão cardíaca. Com menor frequência, estas placas podem soltar-se das paredes dos vasos formando trombos que migram pela corrente sanguínea, provocando a completa oclusão da luz de um vaso em outra região. Além disso, o aumento da demanda do miocárdio (por hipertrofia, taquicardia ou aumento de esforço físico) ou o comprometimento hemodinâmico como queda de pressão arterial ou vasoconstrição diminuem ainda mais o fluxo de sangue para o coração, podendo agravar a isquemia1,3.

Os sinais e sintomas do infarto do miocárdio caracterizam-se por pulso rápido e fraco, e frequentemente sudorese. A dispnéia, ocasionada pelo comprometimento da contratilidade do miocárdio isquêmico é comum, podendo ser acompanhada de congestão e edema pulmonares. A dor é intensa e semelhante a um aperto ou pressão na região subesternal, que pode irradiar-se para o ombro e braço esquerdos, bem como para a região mandibular, podendo vir associada à falta de ar, palpitações, náuseas e vômito3-4. Cerca de 10% a 15% dos infartos têm início totalmente assintomático e a doença só é detectada mais tarde através de alterações no eletrocardiograma. Estes infartos silenciosos são particularmente comuns em pacientes diabéticos e idosos4.

O diagnóstico médico é feito com base na história clínica e exames complementares como eletrocardiograma, cintilografia de perfusão, cateterismo e métodos bioquímicos, como a determinação dos níveis de creatinase-MB e troponina4.

Uma das grandes controvérsias sobre o assunto desde a década de 1960 a 1970 é o momento correto para execução de cirurgias eletivas em infartados. Parâmetros tradicionais recomendam um período de espera de 6 meses após o infarto para execução de qualquer tratamento dental eletivo5-7. Parâmetros estes fundamentados no tempo necessário para ocorrer fibrose da área necrótica infartada e desenvolvimento de circulação colateral para o miocárdio, bem como nos altos índices de reinfarto verificados quando da execução de cirurgias ou anestesia geral ao longo deste período8.

Segundo Alexander et al.9, durante a metade da década de 1970, os riscos de recidiva eram de 27% se a cirurgia fosse realizada nos três primeiros meses após o infarto, 11% entre 3 e 6 meses e 4 a 5% após o 6º mês. Desta forma, o histórico do infarto do miocárdio com tempo inferior a seis meses e a presença da insuficiência cardíaca e congestiva como complicação decorrente do infarto, eram considerados como fatores determinantes para o risco cirúrgico destes pacientes10-12.

Apesar de alguns autores ainda preconizarem o protocolo de seis meses de espera para a execução de cirurgias eletivas não cardíacas4,13, atualmente a tendência da literatura é de adotar um período de quatro a seis semanas após um infarto do miocárdio sem complicações para execução de cirurgias eletivas8,14-15. Os métodos atuais de avaliação de risco cirúrgico baseiam-se, principalmente, em testes de exercícios físicos entre o 4º e 6º dia após o infarto; se estas provas de esforço são bem toleradas, o risco é baixo e as cirurgias odontológicas são certamente executadas sem maiores complicações16-18. Desta forma, a história clínica associada ao exame físico para determinar os sintomas da angina e tolerância a exercícios tem sido a forma mais efetiva de determinar o risco cardíaco destes pacientes.

Com base no tratamento médico, no risco cirúrgico e manejo dos pacientes com infarto do miocárdio, alguns protocolos de atendimento odontológico têm sido propostos4,8,14,17, sem, contudo haver um consenso entre eles.

Pré-operatório

A anamnese deve ser detalhada e é importante em se obter, particularmente nestes casos, o tempo decorrido desde o infarto, a presença de algum tipo de cardiopatia, seja prévia ou posterior ao infarto, sintomas como dor no peito, cansaço excessivo durante esforço físico, taquipneia, presença e frequência de crises de angina pectoris e a frequência de acompanhamento médico. Segundo Schoen1 quase três quartos dos pacientes infartados apresentam uma ou mais complicações decorrentes do infarto, sendo as arritmias, distúrbios de condução e insuficiência cardíaca congestiva as mais frequentes. Desta forma, estes pacientes podem ser portadores e estar sob tratamento médico de algumas destas condições, o que implica em cuidados específicos durante o atendimento odontológico. A avaliação de pressão arterial e frequência cardíaca são imprescindíveis já no primeiro atendimento.

É comum em pacientes com história prévia de infarto do miocárdio, trombose ou Acidente Vascular Cerebral (AVC) o uso crônico de Ácido Acetilsalisílico (AAS - Aspirina®, Bayer Heath Care, São Paulo, Brasil) ou Varfarina (Marevan®, Farmoquímica, Rio de Janeiro, Brasil). Este fato deve ser cuidadosamente analisado, uma vez que tais medicamentos alteram os mecanismos hemostáticos, retardando o processo de coagulação e consequentemente aumentando o nível de sangramento cirúrgico19. Tradicionalmente, tem-se sugerido a descontinuação do uso do Ácido Acetilsalisílico por 7 a 10 dias ou da Varfarina por 2 a 3 dias previamente à realização das cirurgias odontológicas para se prevenir a ocorrência de hemorragias4,20. Contudo, a literatura tem- -se posicionado, recentemente, contrária à suspensão destes medicamentos, uma vez que o risco de formação de trombos e desenvolvimento de novo infarto ou AVC nestes pacientes, pode suplantar o risco oferecido por uma possível hemorragia. Wahl21 demonstrou que a incidência de complicações trombo-embólicas quando da interrupção do uso da Varfarina, foi três vezes maior que as complicações decorrentes de sangramento durante cirurgias odontológicas.

Diante disso, na tentativa de se evitar a suspensão dos anti-coagulantes, a literatura tem definido que na maioria dos casos21-23, o uso de métodos hemostáticos locais são suficientes para o controle da hemorragia (Quadro 1), entretanto, é evidente que a comprovação laboratorial a partir das provas de coagulação são essenciais para que se possa adotar esta postura21-23. Sabe-se que a terapia com Ácido Acetilsalisílico é controlada pelos valores do Tempo de Sangramento (1 a 6 minutos), assim como a Varfarina é regulada pelos valores do Tempo de Pró-trombina (11 a 15 segundos) e Índice Internacional de Normatização (1 a 2). Doses terapêuticas de Varfarina mantêm o Índice Internacional de Normatização entre 2 e 3,522.

Carter et al.22 sugerem que cirurgias odontológicas podem ser realizadas em pacientes com Índice Internacional de Normatização até 4 utilizando-se os métodos de controle local de hemostasia. Valores acima disso seriam contra-indicados para cirurgias eletivas, havendo necessidade de redução do valor de Índice Internacional de Normatização pelo médico responsável.

Segundo Freymiller & Aghaloo24 é aconselhável, para as sessões de atendimento, que se evitem as primeiras horas da manhã, horário de maior incidência de ataques cardíacos, assim como as últimas horas da tarde, quando o cansaço é maior.

O planejamento também deve incluir sessões curtas, com no máximo 30 minutos de duração e na necessidade de exodontias múltiplas, estas devem ser divididas em várias sessões, evitando procedimentos longos4,25.

O fator estresse ou ansiedade influenciam diretamente na instabilidade do sistema cardiovascular, de forma que no tratamento odontológico, o procedimento de anestesia, exodontia, raspagem periodontal e a expectativa pelo atendimento são apontadas como os principais geradores de estresse26. Diante disso, a tranquilidade do paciente deve ser garantida desde o pré-operatório. Findler et al.14sugerem a administração de Diazepam (Valium®, Roche, São Paulo, Brasil) 5 ou 10mg na noite anterior ao procedimento assim como 1 hora antes da cirurgia. O uso deste medicamento é particularmente vantajoso em pacientes com infarto do miocárdio, uma vez que garante um efeito ansiolítico que se estende por várias horas no pós-operatório.

Muitos autores sugerem o uso de óxido nitroso inalatório a 40% ou 50% durante o procedimento, que garante a atividade ansiolítica associada à administração constante de oxigênio, o que pode servir de sedação alternativa à de via oral pré-cirúrgica como acima sugerido5,8,14-27.

A sedação endovenosa com Midazolan (Dormonid, Roche, São Paulo, Brasil) 0,1mg/Kg14 também pode ser utilizada, entretanto, tal procedimento é de competência médica, devendo ser realizado em ambiente com suporte para emergências cárdio-respiratórias.

Para garantir a vasodilatação das artérias coronárias durante o procedimento odontológico, Andrade20 preconiza o uso profilático de nitroglicerina por via sublingual (Dinitrato de Isossorbida - Isordil®, Sigma Pharma, Hortolândia, Brasil, 2,5 ou 5mg) 1 ou 2 minutos antes da cirurgia, o que consequentemente diminui a possibilidade de isquemia cardíaca. Entretanto, a prescrição deste medicamento depende de um comum acordo entre o cirurgião-dentista e o médico do paciente.

Trans-operatório

Desde a chegada do paciente ao consultório odontológico deve-se aferir sua pressão arterial e frequência cardíaca, que deverão, preferencialmente, serem monitoradas durante todo o trans-operatório8,14,25. Da mesma forma, é também recomendável o uso de um oxímetro para medir a saturação de oxigênio das hemácias que estarão, por consequência, suprindo a necessidade aeróbia das células cardíacas8,14. A anestesia deverá ser altamente eficaz e indolor, garantindo a total ausência de dor durante todo procedimento. É muito importante que seja verificada a aspiração negativa durante a aplicação da solução anestésica14,19-20.

Há grande polêmica quanto ao uso de vasoconstritores adrenérgicos em cardiopatas, entretanto, trabalhos recentes têm demonstrado a segurança do uso de adrenalina 1:100.000 em tais pacientes, desde que respeitado o limite de 2 tubetes anestésicos por sessão19-20,25,28. No estudo de Conrado et al.28, exodontias realizadas sob anestesia com mepivacaína 2% com adrenalina 1:100000 em pacientes com doença cardíaca coronariana não resultou em risco adicional de isquemia, arritmia ou dor no peito; respeitados os princípios de boa técnica anestésica e manutenção do tratamento farmacológico prescrito pelo cardiologista.

Apesar da possibilidade do uso de adrenalina, a literatura ressalta a contra-indicação deste vasoconstritor a pacientes que fazem uso de β-bloqueadores não seletivos como o propanolol, nadolol, timol, pindolol, alprenolol, eabetalol, oxiprenolol e sotalol. Tais medicamentos são empregados no tratamento de hipertensão arterial sistêmica, arritmias cardíacas, cardiopatia isquêmica e enxaqueca, e sua administração concomitante à de vasoconstritores adrenérgicos pode desencadear hipertensão grave com bradicardia reflexa. Esses efeitos não ocorrem com bloqueadores β-adrenérgicos seletivos (β1), como o atenolol e metoprolol19.

A felipressina, um análogo sintético da vasopressina, é um vasoconstritor considerado seguro, quando usado em cardiopatas. Em doses terapêuticas é destituído de efeitos antidiuréticos e vasoconstritor coronariano, já que não age sobre receptores α e β adrenérgicos, determinando, desta forma, apenas vasoconstrição local sem produzir alterações na pressão arterial. A literatura considera seguro o uso de lidocaína 2% com adrenalina 1:100.000 e Prilocaína 3% com Felipressina 0,03 UI/ml, desde que respeitada a dose de dois tubetes por sessão e com aspiração prévia negativa durante a aplicação. Caso haja a necessidade de complementação anestésica indicase a mepivacaína 3% sem vasoconstritor4,19-20,25.

Se durante a cirurgia odontológica o paciente queixar-se de forte dor toráxica, associado a sudorese, dispnéia e/ou taquicardia, deve-se imediatamente interromper o procedimento. O paciente é então colocado numa posição em que se sinta mais confortável (geralmente em posição semi-reclinada). Em seguida deve-se administrar um vasodilatador coronariano (Isordil®, Sigma Pharma, Hortolândia, Brasil 5mg) sublingual juntamente com oxigênio. Se após 10 a 15 minutos ainda houver persistência de dor, o Isordil® (Sigma Pharma, Hortolândia, Brasil) deve ser repetido. Se a dor desaparecer deve-se encaminhar o paciente para avaliação médica. Caso os sintomas ainda persistam após estas manobras, deve- -se solicitar um serviço médico de urgência. Enquanto se aguarda o socorro, os sinais vitais devem ser continuamente monitorados26,29.

Pós-operatório

Finalizados os procedimentos cirúrgicos, o ideal é que o paciente permaneça sob observação profissional durante os primeiros 30 minutos, como preconizado por Findler et al.14, ou até que se perceba sua recuperação física e emocional, sempre com monitoração dos sinais vitais. Nesta fase, deve-se prescrever analgésico para evitar a possibilidade de dor pós-operatório e anti-inflamatório, de acordo com a indicação do procedimento.

As recomendações pós-operatórias devem detalhar todos os cuidados necessários com a ferida cirúrgica como também o uso criterioso dos medicamentos prescritos, com especial atenção para o controle da dor. Deve-se ainda enfatizar a necessidade de um repouso livre de estresse, principalmente esforço físico8,20,27. O Quadro 2 apresenta uma sinopse dos cuidados durante a execução de cirurgias em pacientes com infarto do miocárdio.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os estudos mais recentes são unânimes em apontar que o fato de se retardar alguns tratamentos odontológicos pode resultar em dor, estresse e sofrimento para o paciente. Mediante esta circunstância, como resposta fisiológica, o organismo tende a liberar catecolaminas para a corrente circulatória, aumentando, consequentemente, a demanda de oxigênio para o miocárdio, o que agrava a situação da doença isquêmica4,8,14-15,20. Desta forma, deve-se revisar o conceito de tratamento odontológico de urgência para pacientes com isquemia cardíaca, uma vez que qualquer problema bucal que cause desconforto ou estresse, mesmo que protelável aos olhos clínicos pode tornar iminente o risco de novo episódio de infarto. Adicionalmente, alguns trabalhos têm associado uma maior ocorrência de aterosclerose e cardiopatias isquêmicas em pacientes apresentando doença periodontal30-32. Niwa et al.8, em seu estudo com 63 pacientes com história de infarto do miocárdio recentes (média de 40 dias pós-infarto) e angina pectoris instável não observaram anormalidades durante o tratamento dental que consistiu basicamente em exodontia e pulpectomia. No pós-operatório, dos oito pacientes que se queixaram de dor torácica, apenas cinco foram associadas ao procedimento odontológico. Os demais casos foram associados, segundo os autores, à prática indevida de atividades estressantes pelo paciente, o que provavelmente influenciou diretamente no desencadeamento da dor. Para estes pacientes, obteve-se facilmente o alívio da dor através da administração de nitroglicerina sublingual. Niwa et al.8 consideraram, portanto, segura a realização de procedimentos odontológicos eletivos considerados invasivos neste tipo de paciente. Uma correlação importante encontrada foi que a incidência de complicações pós- -operatórias demonstrou-se mais alta em pacientes com história de dor torácica duas semanas antes do tratamento dental, o que pode ser pesado como fator de risco cirúrgico em classificações futuras8.

Findler et al.14 relataram que nenhuma complicação foi causada por tratamento de dor de origem dental em 26 pacientes com Angina Pectoris instável e infarto do miocárdio recente (24 horas a três meses da crise aguda). A sugestão é que, nos procedimentos cirúrgicos invasivos, deve-se avaliar o potencial de impacto sobre o sistema cardiovascular do paciente, pois nem todos os procedimentos envolvem o mesmo risco15. As avaliações do cirurgião-dentista associadas a uma cuidadosa avaliação do cardiologista complementam-se para garantir a segurança do tratamento cirúrgico-odontológico a estes pacientes em qualquer época. Portanto, se o paciente pós- -infarto tem sido acompanhado por uma avaliação médica e está fora de risco de uma isquemia continuada, sugere- -se que o tratamento odontológico possa ser considerado entre a 4ª e 6ª semana após um infarto sem complicações, desde que sejam observados cuidados pré, trans e pós- -operatórios15-18,29.

A interrupção da terapia anticoagulante em pacientes com risco de trombose tem sido um ponto muito discutido atualmente. Recentes diretrizes apresentadas pela American Dental Association, juntamente com o American College of Cardiology, desaconselham a interrupção de uso de tienopiridiNa, ticlopidina e AAS (antiplaquetários) em pacientes submetidos a implantação de Stent coronário33. De semelhante forma, Carter et al.22 e Kamien23 desaconselham a interrupção da varfarina na execução de cirurgias odontológicas. Valerin et al.34, em um estudo prospectivo avaliando sangramento pós- -operatório em pacientes anticoagulados (que fazem uso de anticoagulantes) com aspirina, não encontrou diferença estatisticamente significante na ocorrência de sangramento pós-operatório em relação ao grupo controle (não anticoagulado) (que não utilizam anticoagulantes) em exodontias de um único elemento. Em suma, os estudos corroboram-se no sentido de que a descontinuação de uso do anticoagulante deve ser evitada sempre que os parâmetros clínicos e laboratoriais indicarem a possibilidade de execução do procedimento sem a suspensão do medicamento. No entanto, nos casos onde a avaliação indica a interrupção do anticoagulante, o cardiologista do paciente deve ser acionado a fim de suspender ou substituir a medicação.

Tendo em vista a necessidade de monitoramento das condições fisiológicas durante a cirurgia, o tratamento em ambiente hospitalar deve ser considerado, especialmente nos casos onde o risco cirúrgico é maior.

A adoção de medidas como execução de procedimentos de curta duração, posicionamento adequado do paciente durante a cirurgia, monitoração dos sinais vitais, controle da ansiedade e uso racional de solução anestésica tornam o procedimento adequado e seguro tanto a pacientes com infarto do miocárdio quanto àqueles portadores de arritmias, insuficiência cardíaca congestiva e angina pectoris, desde que medicamente controlados4.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual realidade de opções de tratamento tanto sob o ponto de vista médico como odontológico a pacientes com problemas sistêmicos difere das opções disponíveis no passado. Com relação a pacientes infartados, a principal mudança nos protocolos de atendimento propostos pela literatura refere-se à possibilidade de intervenções odontológicas num período pós-infarto mais precoce (anterior) aos seis meses preconizados anteriormente, e às novas recomendações para execução de cirurgias sem a suspensão de anticoagulantes, o que fornece segurança adicional quanto à prevenção de novas lesões isquêmicas secundárias à formação de trombos. É importante ressaltar que tais condutas só devem ser adotadas mediante minuciosa avaliação cardiológica prévia e avaliação clínico- -laboratorial da hemostasia do paciente. A comunicação estreita entre o cardiologista e o cirurgião-dentista é fundamental para o planejamento do caso, e a execução de cirurgias orais em ambiente hospitalar deve ser pesada para os casos que ofereçam maior risco.

 

Colaboradores

JC ESTEVES, FB SIMÃO e CB RICIERI foram responsáveis pelo levantamento bibliográfico e pela redação do texto. CMRS FATTAH e AM ARANEGA orientaram o levantamento bibliográfico, a redação do artigo. PSS SANTOS foi responsável pelo delineamento do trabalho e pela revisão final e redação do artigo.

 

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Endereço para correspondência:
JC ESTEVES
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Odontologia,
Departamento de Cirurgia e Clínica Integrada.
Rua José Bonifácio, 1193, Vila Mendonça, 16015-050, Araçatuba, SP, Brasil.

e-mail:
jonatasce@hotmail.com

Recebido: 7/5/2009
Aceito: 26/11/2009