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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59 no.2 Porto Alegre Abr./Jun. 2011

 

ARTIGO CLÍNICO / CLINICAL ARTICLE

 

Tratamento em incisivos centrais superiores após traumatismo dental

 

Treatment of upper central incisors after trauma

 

 

Irene Pina VAZ I; Rita NOITES I;João Cardoso FERREIRA I; Patrícia PIRES I; Joana BARROS I; Manuel Fontes CARVALHO I

I Universidade do Porto, Faculdade de Medicina Dentário

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO


Os traumatismos dentários constituem, na atualidade, uma das principais causas da procura pelo cirurgião-dentista. O objetivo deste artigo é apresentar um caso clínico de traumatismo dental, abordando as diferentes reações pulpares dos dentes afetados e uma proposta de tratamento. Foram identificados dois tipos distintos de respostas pulpares ocorridas em dentes que foram sujeitos a um mesmo traumatismo (dente 21 e 11). Após o exame clínico e radiográfico, foi feito o diagnóstico diferencial entre lesão periapical no dente 21 e a imagem radiolúcida do orifício do nervo nasopalatino. Foi diagnosticado necrose pulpar no dente 21, sem lesão periapical e polpa viva no dente 11, apresentando este reabsorção interna e externa da raiz. Foi realizado o planejamento com indicação de tratamento de canal dos dentes 21 e 11, bem como a restauração estética dos mesmos com recurso de técnicas de clareamento interno e externo. O tratamento seleccionado mostrou um ótimo resultado estético com um custo relativamente baixo. O follow-up de dois anos permitiu confirmar o êxito e a longevidade do tratamento proposto.

Termos de indexação: Clareamento dental. Peróxido de hidrogênio. Reabsorção da raiz. Tratamento do canal radicular. Traumatismo dentário.


 

ABSTRACT


Presently, dental trauma is one of the main causes for seeking a dental surgeon. The present paper presents a case report of dental trauma, addressing the different pulp reactions of the affected teeth and a treatment plan. The authors identified two distinct types of pulp reactions in teeth (tooth 21 and 11) subject to the same trauma. After clinical and radiographic examination, the differential diagnosis between periapical lesion on tooth 21 and radiolucency of the nasopalatine foramen was performed. Pulpal necrosis, without periapical lesion, was diagnosed in tooth 21, and live pulp in tooth 11, with internal and external root resorption. A treatment plan was designed, which included root canal treatment of teeth 21 and 11, as well as aesthetical restoration of both using internal and external bleaching techniques. This treatment resulted in optimal aesthetic outcome with relatively low cost. The 2-year follow-up confirmed the success and longevity of the treatment.

Indexing terms: Tooth bleaching. Hydrogen peroxide. Root resorption. Root canal treatment. Tooth injuries.


 

 

INTRODUÇÃO

Os traumatismos dentais nem sempre apresentam consequências clínicas e/ou radiograficamente detectáveis. Neste artigo, o ligeiro escurecimento de um dos dentes cerca de 10 anos após o traumatismo, foi o único sinal que despertou a procura pelo tratamento médico.

Uma das complicações das lesões traumáticas dos dentes é a reabsorção dos seus tecidos duros. Os tecidos mineralizados dos dentes permanentes estão protegidos, no canal radicular, pela pré-dentina e odontoblastos e, na superfície radicular, pelo pré-cemento e cementoblastos. Se a pré-dentina ou o pré-cemento se tornam mineralizados ou, no caso do pré-cemento, este é danificado, células do tipo dos osteoclastos irão colonizar as superfícies mineralizadas ou desnudadas e a reabsorção iniciar-se-á1.

Designa-se por reabsorção radicular o processo de re-novação do cemento e/ou dentina através de uma atividade fisiológica ou patológica das células que reabsorvem o tecido dentário, denominadas dentinoclastos1. A reabsorção radicular fisiológica está associada ao processo de exfoliação da dentição decídua com a posterior erupção da dentição permanente. Na dentição permanente, a reabsorção radicular é geralmente patológica. Uma lacuna de reabsorção interna, quando visível ao exame radiográfico, é, devido ao seu carácter progressivo, uma indicação definitiva de tratamento de canal1-3. Em relação às lesões de reabsorção externa, nomeadamente ao nível apical, embora estejam, por vezes, associadas ao tratamento ortodôntico ou as doenças sistêmicas são, muitas vezes, de etiologia desconhecida não havendo qualquer tratamento para estas situações4.

A reabsorção radicular patológica está geralmente associada a fatores tais como: traumatismo1, reimplantação dentária1, movimentos ortodônticos5, lesões periapicais6-8, pulpites crônicas persistentes5, doenças sistêmicas4, podendo ainda ser idiopáticas4,9.

Outra das reações conhecidas da polpa dentária em face de um traumatismo é a produção acelerada de dentina levando, por vezes, à calcificação quase total do dente, podendo dificultar ou mesmo inviabilizar o tratamento endodôntico1. Por este motivo, também nestes casos, quando a calcificação é notada, deve fazer-se logo que possível o tratamento do canal. A reação de calcificação, bem como a de reabsorção interna só para quando ocorre a necrose da polpa ou após um tratamento endodôntico bem sucedido1.

A terapia endodontica é, assim, a forma de tratamento mais conservador, suspendendo o processo de reabsorção interna bem como, no caso de polpa necrosada e/ou infetada, através da remoção do conteúdo necrótico e obturação do sistema de canais radiculares, impedindo o desenvolvimento da infecção. Também em termos de tratamento estético, sendo o tecido pulpar necrosado a principal causa para a descoloração dentária, a sua remoção é fundamental para que resultem, nestes casos, os procedimentos atuais de clareamento.

Sendo a cor dos dentes fundamental para a estética do sorriso, uma alteração desta, mesmo sem outros sintomas, é, em muitos casos, motivo de consulta no médico dentista. O uso das diversas técnicas de clareamento está cada vez mais generalizado devido aos excelentes resultados obtidos, ao tempo do tratamento reduzido e à progressiva diminuição do seu custo10. As suas vantagens também estão associadas ao fato do clareamento ser uma técnica potencialmente não invasiva, permitindo a conservação de estrutura dentária, ao contrário de outras técnicas de reabilitação alternativas, como as coroas totais ou as facetas as quais, pelo contrário, implicam maior perda dessa estrutura dentária.

Nas últimas décadas, a procura dos tratamentos estéticos aumentou consideravelmente11. No entanto, às vezes trata-se de situações em que este tratamento resolve por si só o problema estético, outras há em que é necessário tratar a causa do escurecimento e só então conciliar o clareamento com os tratamentos restauradores12. Nesse âmbito, a dentística tenta melhorar a estética do sorriso preservando a maior quantidade de estrutura dentária possível13.

 

CASO CLÍNICO

Uma paciente de 22 anos de idade, do sexo feminino e caucasiana, apresentou-se à consulta da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, em maio de 2008, salientando o escurecimento do dente 21. Relatou que sofreu um traumatismo nos dentes anteriores há cerca de 10 anos. Entretanto, nos últimos dois anos, notou que o dente 21 escureceu, tendo já feito tratamentos de clareamento externo, contudo, sem obter qualquer melhoria.

Ao exame clínico, notou-se um leve escurecimento do dente 21 em relação ao dente 11 (Figura 1). Sem qualquer tipo de sintomatologia à palpação, na zona apical, ou à percussão em nenhum dos dois dentes e sem bolsas periodontais ou mobilidade anormal. A resposta aos testes térmicos de vitalidade pulpar foi negativa em ambos os dentes. A oclusão da paciente foi também examinada, não se tendo observado contatos prematuros ou facetas de desgaste, não tendo a paciente história de bruxismo.

No exame radiográfico o dente 21 apresentou um canal radicular amplo, com a região periapical aparentemente normal. Numa observação mais atenta, contudo, pôde verificar-se uma imagem radiolúcida, na região apical lateral. No dente 11, pelo contrário, observou- -se uma calcificação quase total da sua cavidade pulpar e uma lesão compatível com o diagnóstico de reabsorção interna ao nível do terço médio da raiz, bem como uma reabsorção externa apical.

Foi feito o diagnóstico diferencial entre lesão periapical no dente 21 e a imagem radiolúcida do nervo nasopalatino. Para isso fizeram-se radiografias apicais com diferentes incidências (mesializada e distalizada) no dente 21 (Figura 2), tendo-se atribuído a imagem radiolúcida, a qual se deslocava à medida que a incidência do Raios-X variava, à projecção do orifício incisivo, no maxilar superior, por onde emerge o nervo nasopalatino. Sendo os testes de vitalidade térmicos negativos realizou-se o teste de cavidade, resultando negativo no dente 21 e positivo no dente 11.

Assim, com base na história, exame clínico e avaliação radiográfica, diagnosticou-se uma necrose pulpar do dente 21, sem lesão periapical, e polpa viva no dente 11, com uma lacuna compatível com lesão de reabsorção interna bem como uma ligeira reabsorção externa apical.

Como plano de tratamento, indicou-se a terapia endodontica dos dentes 21 e 11 com posterior clareamento interno (peróxido hidrogênio 35% - Opalescense Endo®, Ultradent Products Inc., South Jordan, Utah, USA) e externo (peróxido de hidrogênio 38% - Opalescense Xtra- Boost® Ultradent Products Inc., South Jordan, Utah, USA) e peróxido de hidrogênio 35% - Buttler Whitening Pro®, Sunstar Pharmadent, Levallois Perret, France) dos mesmos dentes.

No dente 21, feito o isolamento absoluto, realizouse a cavidade de acesso seguindo-se uma irrigação com hipoclorito de sódio a 3%. À medida que se foi fazendo o esvaziamento do canal deparou-se com uma polpa necrosada na porção coronal e média do canal e tecido vital no terço apical, com sangramento e sensibilidade. Procedeu-se, então, à aplicação de anestesia infiltrativa para prosseguir com a odontometria e preparação biomecânica. O tratamento endodôntico de dente 21 foi realizado em duas sessões tendo-se, na primeira sessão, preparado o canal até à lima 35K (Zipperer®, VDW, Munique, Alemanha) com a técnica manual (irrigação hipoclorito de sódio a 3%) e colocada pasta de hidróxido de cálcio (Pulpdent Paste Kit ®, Pulpdent Corporation, Watertown, USA). Na segunda sessão, após registar um bom pós-operatório, continuou- -se a preparação biomecânica até a lima 50K (Zipperer®, VDW, Munique, Alemanha) tendo-se obturado o canal com cones de guta-percha e cimento a base de óxido de zinco e eugenol, pela técnica de condensação lateral.

No dente 11, após isolamento absoluto e realização da cavidade de acesso, houve sensibilidade ao tentar introduzir a lima no canal pelo que se anestesiou e prosseguiu a preparação biomecânica (irrigação hipoclorito de sódio a 3%) recorrendo-se ao sistema Profile 04® (Dentsply, Baillagues, Suíça) e obturando-se, posteriormente, com Thermafil® (Dentsply, Baillagues, Suíça) na mesma sessão (Figura 3).

Um mês após os tratamentos endodônticos dos dentes 11 e 21, como planejado, efetuou-se o clareamento dentário dos incisivos centrais maxilares. Realizaram-se tartaretomia e polimento prévios, registro da cor inicial dos dentes em causa (A3 da escala Vitapan Clássical®, Vita Zahnfabrik. H. Rauter GmbH & Co, Bäd Sackingen, Alemanha) bem como registro fotográfico (Figura 4a). Recorreu-se a uma técnica combinada de clareamento interno (walking-bleach) e externo (in office), após tamponamento prévio da região cervical com pó de hidróxido de cálcio e cemento de ionómero de vidro modificado com resina (Vitremer®, 3M ESPE, Dental Products, Seefeld, Alemanha) a fim de evitar reabsorções radiculares.

Após o tamponamento cervical, aplicou-se peróxido de hidrogênio a 38% (Opalescense Xtra-Boost®, Ultradent Products, Inc., South Jordan, Utah, USA) na câmara pulpar e superfície vestibular do dente 21 durante 15 minutos (Figura 4b,c). Após a remoção deste e lavagem, foi aplicado no interior da câmara pulpar peróxido de hidrogênio a 35% (Opalescense Endo®, Ultradent Products Inc., South Jordan, Utah, USA) - tendo sido feito o selamento da cavidade com cimento de ionômero de vidro (Ionofil® - Voco, Cuxhaven, Alemanha). O peróxido de hidrogênio a 35% foi mudado semanalmente, durante três semanas, bem como se efetuaram registros fotográficos e da evolução da cor do dente. Quando se obteve uma cor A1 da escala Vitapan Clássical® (Vita Zahnfabrik. H. Rauter GmbH & Co, Bäd Sackingen, Alemanha) parou-se o clareamento, uma vez que o grau de satisfação da paciente era elevado. Foi então colocada uma pasta de hidróxido de cálcio na câmara pulpar durante uma semana e, por fim, após estabilização da cor do dente, efectuada a restauração palatina em resina composta (Synergy® D6 WB, Colténe Whaledent, Altstätten, Suíça) associada ao adesivo totaletch de 5ª geração Prime&Bond NT® (Dentsply, DeTrey, Konstanz, Alemanha) para fechar a cavidade de acesso.

Todo o protocolo descrito, anteriormente, foi utilizado para o dente 11, com exceção para o produto utilizado no clareamento efetuado no consultório (in office), tendo-se utilizado o peróxido de hidrogênio a 35% (Buttler Whitening Pro®, Sunstar Pharmadent, Levallois Perret, France) em vez do peróxido de hidrogênio a 38% (Opalescense Xtra-Boost®, Ultradent Products, Inc., South Jordan, Utah, USA). Mais uma vez, após três semanas de clareamento interno (walking-bleach) com peróxido de hidrogênio a 35% (Opalescense Endo®, Ultradent Products, Inc., South Jordan, Utah, USA), a paciente demonstrou o seu agrado pelo resultado (cor A1 da escala Vitapan Classical), pelo que se decidiu parar o clareamento, tendo sido a cavidade de acesso também restaurada com a mesma resina composta (Synergy® D6 WB, Colténe Whaledent, Altstätten, Suíça) após o uso de uma pasta de hidróxido de cálcio e estabilização da cor (Figura 5). Em termos comparativos, não existiram diferenças dignas de registro quando observado o resultado obtido com o peróxido de hidrogênio a 38% em relação ao mesmo composto com uma concentração de 35% utilizados para o clareamento externo. No final, foi ainda proposto (à paciente) branquear os dentes restantes com peróxido de carbamida a 10% em casa (home-bleach) para homogenizar a cor A1 por toda a arcada, bem como efetuar a restauração estética do bordo incisal (fraturado) do dente 21 para melhorar a aparência do sorriso; no entanto, ambos os tratamentos foram declinados pela paciente, que já se encontrava perfeitamente satisfeitos com o resultado final.

Um raios-X de controle bem como o registro fotográfico foram efetuados dois anos após os tratamentos realizados, mostrando estabilização do processo de reabsorção (Figura 6a,b).

Após esclarecimento quanto à doença em causa e tratamentos possíveis, o plano de tratamento proposto foi aceite pela paciente, a qual assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

No presente clínico, é sugerido que a calcificação e reabsorção radicular interna e externa do dente 11 e a necrose pulpar do dente 21 tiveram origem no traumatismo ocorrido. Estas lesões apresentam-se, geralmente, sem qualquer sintoma, sendo a sua deteção frequentemente feita num exame radiográfico. Foi o que ocorreu, neste caso, sendo, o escurecimento do dente 21, o único motivo da consulta.

Após exame radiográfico, foi verificada uma imagem radiolúcida perto do ápice do dente 21 tendo suscitado a necessidade de se fazer o diagnóstico diferencial entre lesão periapical e a projeção do orifício de saída do nervo nasopalatino. Isto era importante para o diagnóstico, pois as respostas aos testes térmicos de vitalidade foram negativas em ambos os dentes. No caso de ser diagnosticada uma lesão periapical no dente 21, poderia valorizar-se o leve escurecimento, considerando-o indicativo de necrose pulpar. Tendo-se concluído, após radiografias com incidências variadas, que se tratava do forame incisivo, foi descartada a hipótese de lesão periapical, levantando-se dúvidas quanto ao diagnóstico pulpar. Contudo, o canal radicular amplo, fazia suspeitar de um dente com polpa necrosada, pois nestes casos a produção de dentina cessa e o canal permanece mais amplo.

O teste de cavidade veio evidenciar a necrose da polpa do 21 e assim indicação de endodontia. O fato de se verificar alguma sensibilidade no 1/3 apical do dente 21 pode indicar que a necrose, sendo progressiva, não tinha ainda ocorrido em toda a polpa radicular. O teste de vitalidade negativo resultou da presença de tecido pulpar necrosado na porção coronária e média do canal.

No caso do dente 11, estava também indicada a endodontia, apesar de este se encontrar assintomático e com uma zona periapical radiograficamente normal. O prognóstico do tratamento de dentes com reabsorção interna depende, primariamente, do tamanho das lesões3. Lesões extensas podem levar à redução da resistência do dente e, até, fraturas. Assim, é imperativo iniciar o tratamento endodôntico, logo que possível, para impedir a progressão do processo de reabsorção e prevenir a fratura da coroa ou raiz. Ou como sugerem Keinan et al.2, avaliar, frequentemente, o comportamento dos dentes envolvidos em traumatismos para uma detecção precoce destas lesões. As lesões de reabsorção interna podem ser difíceis de detetar pelos métodos radiográficos convencionais, só o sendo quando já apresentam uma certa dimensão14. Por isso, é sugerida a aplicação de outros métodos, nomeadamente, o da imagem de subtração, para monitorização da progressão das lesões14.

No presente caso, a lesão de reabsorção interna no dente 11, embora já detetável pelos métodos radiográficos convencionais, não se mostrou relevante na dificuldade do tratamento nem no seu sucesso. Paralelamente, a calcificação progressiva deste dente podia tornar difícil a pesquisa do canal, se não fosse tratado rapidamente.

Para obter êxito no tratamento de canais calcificados é necessário ultrapassar as dificuldades inerentes à sua deteção. Uma vez obtida a permeabilização, o tratamento apresenta níveis de sucesso elevados, semelhantes aos demais casos15-16 .

Impunha-se, em complemento, executar a reabilitação estética de ambos os dentes.

Poderiam ter-se realizado facetas estéticas ou coroas totais de revestimento mas, por motivos econômicos da paciente, optou-se pelo tratamento restaurador com resina composta, posterior ao clareamento dental.

O mecanismo de ação dos produtos de clareamento é atualmente bem conhecido e com resultados previsíveis,10,17,18. O objetivo era reduzir a cor inicial A3 para A1. Foi utilizada a técnica combinada (inoffice+ walking bleach) pela sua eficácia no clareamento de dentes com polpa necrosada19-21. Nesta técnica, o uso de hidróxido de cálcio em contato direto com o material de obturação do canal, visa manter o meio alcalino durante e após o clareamento, o qual, associado ao isolamento mecânico com o ionômero de vidro, tem como objetivo isolar o agente clareador da região cervical evitando o risco de reabsorção19-20. Antes de proceder à restauração dos dentes com resina composta, foi colocada pasta de hidróxido de cálcio na câmara pulpar, durante uma semana, a fim de neutralizar a queda do pH resultante da degradação do peróxido de hidrogénio a qual, segundo Keinan et al.2 , pode diminuir a adesão de resina, particularmente de adesivos á base de acetona (como é o caso do Prime&Bond NT® (Dentsply, DeTrey, Konstanz, Alemanha). Em ambos os casos o sucesso do clareamento foi conseguido.

A integridade prévia dos dentes e uma reduzida perda de estrutura dentária durante o tratamento endodôntico22 não contra indicava a restauração com resina composta não se justificando um maior desgaste para outros tratamentos protéticos, uma vez que, com os métodos de clareamento e dentística atuais, a estética é geralmente bem conseguida.

 

CONCLUSÃO

A dificuldade em estabelecer o correto diagnóstico, pelos dúbios sinais apresentados e pelos sintomas pouco esclarecedores foi, certamente, causa de insucesso dos primeiros clareamentos externos referidos pela paciente, tendo motivado nova consulta.

A ponderação da história clínica e execução de outros exames complementares permitiu ultrapassar essas dificuldades, estabelecer um diagnóstico correto e um planejamento adequado para a obtenção do sucesso.

O tratamento proposto, após follow-up de dois anos, apresenta-se clínica e radiograficamente estável com plena satisfação da paciente.

 

Colaboradores

IP VAZ foi responsável pela execução do caso clínico (endodontia), pela redação e pela revisão final do artigo. JC FERREIRA foi responsável pela execução do caso clínico (tratamento restaurador e clareamento) e redação do artigo. R NOITES, P PIRES e J BARROS foram responsáveis pela coleta clínica do caso, registro e tratamento informático das imagens e participação na concepção da pesquisa do artigo e sua redação. MF CARVALHO orientou na execução do caso clínico e participou da redação do artigo.

 

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Endereço para correspondência:
RG TEIXEIRA
Universidade do Porto,
Faculdade de Medicina Dentário.
Rua Dr. Manuel Pereira da Silva,
4200-393, Porto, Portugal.

e-mail:
igapv@sapo.pt

Recebido: :18/7/2010
Aceito: 13/11/2010