SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.59 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59 no.3 Porto Alegre Jul./Set. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Estudo prospectivo da incidência de infecção em cirurgias de terceiros molares retidos: o papel da profilaxia antibiótica

 

Prospective study of the incidence of infection in impacted third molar surgery: the role of antibiotic prophylaxis

 

Alcides MOREIRAI; Eduardo Dias de ANDRADEII

ICentro Universitário da Grande Dourados, Faculdade de Odontologia
IIUniversidade Estadual de Campinas, Faculdade de Odontologia

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo
Investigar a prevalência de infecção pós-operatória em cirurgias de terceiros molares retidos e discutir os prováveis fatores etiológicos relacionados com este tipo de complicação, bem como os princípios e indicações da profilaxia antibiótica cirúrgica.

Métodos
Foram avaliados 177 prontuários clínicos de voluntários submetidos a 434 exodontias de terceiros molares retidos, em 199 sessões de atendimento, sendo obedecido ao protocolo farmacológico constituído por dexametasona (4mg) uma hora antes da intervenção, bochecho pós-operatório com digluconato clorexidina 0,12%, dipirona sódica (500mg) apenas se necessário e amoxicilina, clindamicina e metronidazol em caso de infecção, não sendo preconizada a profilaxia antibiótica cirúrgica como rotina.

Resultados
Foram constatados 10 casos de infecção pós-operatória (5%), todos eles ocorrendo após a remoção de terceiros molares mandibulares e exclusivamente em mulheres (p=0,0158). Também foi observada uma maior incidência de infecção pós-operatória nas cirurgias cujo tempo de duração excedeu 60 minutos (p=0,0165).

Conclusão
Com base nesses dados, concluiu-se que as cirurgias de terceiros molares retidos apresentam um baixo risco de infecção pós-operatória, sugerindo que em pacientes imunocompetentes a profilaxia antibiótica cirúrgica só deva ser realizada se valendo da relação entre riscos e benefícios, e não de maneira rotineira ou empírica. Por outro lado, o maior tempo de duração do procedimento cirúrgico, especialmente no caso da remoção de terceiros molares mandibulares, pode ser considerado como um fator de risco para o aumento da incidência de infecção pós-operatória neste tipo de intervenção.

Termos de indexação:Antibioticoprofilaxia. Cirurgia bucal. Infecção.


 

ABSTRACT

Purpose
Investigate the prevalence of incidence of postoperative infection in impacted third molar surgeries and, based on these results, to discuss the probable etiologic factors related to this type of complication as well as the principles and indications of surgical antibiotic prophylaxis.

Methods
Were evaluated 177 clinical charts of subjects, submitted to 434 impacted third molar extractions in 199 sessions of attendance, following the pharmacological protocol consisting of dexamethasone (4mg) one hour before the intervention, post-operative mouthwash with chlorhexidine digluconate 0,12%, dipyrone sodium (500mg) only if necessary and amoxicillin, clindamycin and metronidazole in cases of infection, not adopting surgical antibiotic prophylaxis as routine.

Results
As a result, 10 cases of postoperative infection (5%) were observed in 9 volunteers of the sample. All the cases of infection occurred after the removal of the lower third molar and only in female volunteers (p=0,0158). The surgeries that exceeded 60 minutes in duration had a greater incidence of postoperative infection (p=0,0165).

Conclusion
Based on these data, it could be concluded that surgeries of impacted third molars present a low risk of postoperative infection. This leads us to believe that in non-compromised patients surgical antibiotic prophylaxis should only be done based in the relationship between risks and benefits, and not as a routine or like a empiric therapy. On the other hand, the longer duration of the surgical procedure, especially in the case of the removal of lower third molars, can be considered a factor of risk for the increase of the incidence of postoperative infection, in this type of intervention.

Indexing terms: Antibiotic Prophylaxis. Surgery oral. Infection.


 

 

Introdução

A exodontia de terceiros molares retidos é um procedimento rotineiro realizado por cirurgiões-dentistas, em especial os buco-maxilo-faciais, por meio de técnicas bem consolidadas. Porém, quando se discute o protocolo farmacológico para este tipo de intervenção, principalmente no que se refere à profilaxia antibiótica, o assunto ainda gera muita discussão, pelo empirismo de certas condutas.

A profilaxia antibiótica consiste na administração de antibióticos a pacientes que não apresentam evidências de infecção, com o intuito de se prevenir a colonização de bactérias, bem como suas complicações, no período pós-operatório1. Esta conduta pode ser instituída com duas finalidades: a primeira, com o objetivo de prevenir infecções na própria região operada, denominada profilaxia cirúrgica; a segunda para se prevenir infecções a distância, como é o caso da endocardite infecciosa.

A profilaxia cirúrgica tem se mostrado efetiva em duas instâncias: cirurgias limpas e cirurgias limpocontaminadas. As cirurgias limpas são procedimentos nas quais não há a presença de micro-organismos no sítio cirúrgico e o risco de infecção é remoto, mas com consequências potencialmente graves, como por exemplo, em cirurgias cardíacas e em transplante de órgãos. As cirurgias limpo-contaminadas são procedimentos onde há a presença da microbiota habitual no sítio cirúrgico, quando há um maior risco de infecção, sendo raramente fatal, como é o caso de algumas cirurgias intestinais, geniturinárias e até mesmo as odontológicas2-3.

A boca é um ambiente naturalmente contaminado com possibilidades de propagar os micro-organismos à distância. Sendo assim, as infecções odontológicas decorrentes das cirurgias de terceiros molares, mesmo tendo uma baixa incidência, podem desenvolver quadros de extrema gravidade e potencialmente fatais, como por exemplo, a angina de Ludwing, mediastinite, abscessos cerebrais4, fascite necrosante, entre outros, mesmo em indivíduos sadios e imunocompetentes. Quando ocorrem essas situações podem requerer hospitalização e antibioticoterapia por tempo indeterminado muitas vezes associado a procedimentos cirúrgicos e o prognóstico é sombrio5. Entretanto, na ocorrência de infecções graves e que ameaçam a vida, não se pode afirmar que os antibióticos no pré-operatório poderiam, seguramente, evitá-las. Diante da gravidade e dos riscos de uma infecção de face, o profissional deve estar consciente de que uma vez instalada e disseminada, torna-se difícil o manejo medicamentoso e, por vezes, assumida por outros profissionais pelo fato de fugir da área de competência do dentista. Além disso, vale ressaltar que o agir com diligência do profissional é a conduta esperada pelo paciente.

Muito se discute a respeito da profilaxia antibiótica em cirurgias de terceiros molares, contudo o fato é que não existe um consenso sobre a eficácia dessa medida. Enquanto alguns autores são a favor desta conduta3,6-8, outros são da opinião de que nem todos os casos se beneficiam com essa medida9-14. Embora alguns estudos recentes, controlados por placebo10-11,14, demonstrem que a profilaxia antibiótica não deve ser realizada como rotina em cirurgias de terceiros molares, mais da metade dos cirurgiões dos Estados Unidos aplicam essa medida como parte do protocolo farmacológico rotineiramente12.

Moore et al.15 avaliaram a prática de prescrições farmacológicas de 563 cirurgiões buco-maxilo-faciais dos Estados Unidos da América. Ao responderem à questão: você sempre prescreve antibióticos para prevenir infecções bucais após a exodontia de terceiros molares?, 17,7% afirmaram que nunca utilizam, 15,9% que raramente os prescrevem, sendo que 30,0% dos entrevistados responderam que quase sempre empregam antibióticos com a finalidade de evitar complicações infecciosas decorrentes da exodontia de terceiros molares.

Apesar dos antibióticos beta lactâmicos serem altamente tóxicos para a bactéria e inerte para as células humanas, o seu uso não está isento de riscos e deve-se valer da relação entre risco e benefício, baseando-se nos conceitos da utilização racional de antimicrobianos. Dentre os riscos da utilização indiscriminada de antibióticos, pode-se destacar as super-infecções, hipersensibilidade e a possível seleção de cepas resistentes, fato esse uma preocupação mundial.

Como regra, em todo procedimento cirúrgico deve-se observar a evolução do quadro clínico e a utilização de antibióticos não exime o dentista desta responsabilidade. Vários são os fatores que podem contribuir para a ocorrência de infecções pós-cirúrgica, tais como quebra da cadeia asséptica, tempo e grau de dificuldade do procedimento e características individuais do paciente (histórico médico, estado geral de saúde, cooperação nos cuidados pós-operatórios, entre outros). Portanto, utilizar ou não o antibiótico é apenas uma parte do tratamento cirúrgico.

Para se instituir a profilaxia antibiótica, o risco de infecção deve ser significante, não só na severidade, mas também na incidência, fato que não é comumente observado nas cirurgias de terceiros molares retidos9-12,16.

Acredita-se que o uso profilático de antibióticos não deve ser radicalizado, visto que empregá-los de forma rotineira pode ser tão incoerente quanto nunca usá-los. Talvez a conduta mais coerente seja que o cirurgião-dentista analise as particularidades de cada caso, como o grau de complexidade da cirurgia e o perfil do paciente, entre outros fatores, para que possa avaliar o risco/benefício e custo/benefício da profilaxia cirúrgica.

Assim, propôs-se investigar a prevalência de infecção local em cirurgias de terceiros molares retidos, no Serviço de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual de Campinas, por meio de um estudo prospectivo. Com base nos resultados, discutir as possíveis variáveis envolvidas neste tipo de complicação, bem como o papel da profilaxia antibiótica cirúrgica.

 

MÉTODOS

Foram avaliados 177 prontuários clínicos de voluntários, submetidos a exodontias de um ou mais terceiros molares retidos, no período de outubro de 2004 a novembro de 2005. Procurou-se incluir na amostra todos os prontuários de pacientes submetidos à intervenção, no período determinado para o estudo, independentemente do sexo, idade, hábitos, condição sistêmica (desde que devidamente controlados - ASA I e II) e da utilização ou não de profilaxia antibiótica, a fim de se estabelecer, no caso de infecção pós-operatória, o perfil do paciente e as possíveis variáveis que contribuíram (ou não) para tal. Foram excluídos da pesquisa os prontuários dos pacientes que fizeram uso pré-operatório de antibióticos, bem como aqueles que não compareceram à consulta de retorno, impossibilitando a constatação ou não de infecção local. No caso dos pacientes que apresentaram alguma alteração sistêmica de maior morbidade (ASA III ou IV), a cirurgia não foi realizada, encaminhou-se ou paciente para o atendimento médico especializado e por fim, os mesmos foram excluídos da pesquisa.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual de Campinas, sob o protocolo 136/2004. Os voluntários foram informados sobre o objetivo do estudo, autorizando por escrito sua participação (ou os responsáveis, no caso de menores de 18 anos), por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com pleno conhecimento da natureza dos procedimentos a que iriam se submeter, seus riscos e benefícios, obedecendo às normas de pesquisa em Saúde regulamentadas pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, de 10/10/1996.

As cirurgias foram realizadas por profissionais, alunos dos Cursos de Extensão em Cirurgia e do Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica - área de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual de Campinas, com graus diferentes de experiência neste tipo de intervenção. Na sua execução, os operadores adotaram o protocolo cirúrgico e farmacológico estabelecidos pela área referida, podendo ser assim descrito:

Protocolo Farmacológico

Na anestesia local, foi empregada a solução de lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000, (Alphacaíne, DFL Química e Farmacêutica Ltda., Jacarepagua, Brasil), por meio de bloqueio regional e/ou infiltração, em função da região operada (maxila ou mandíbula).

Com o objetivo de se prevenir a dor e controlar o edema de caráter inflamatório, foram administrados 4mg de dexametasona (Decadron® comprimidos 4mg - Prodome Química e Farmacêutica Ltda., São Paulo, Brasil) por via oral, em dose única, uma hora antes do início da intervenção. O protocolo farmacológico adotado pela área não recomenda a profilaxia antibiótica cirúrgica como rotina. A antissepsia intrabucal foi feita por meio de um bochecho vigoroso, durante um minuto, com uma solução aquosa de digluconato de clorexidina a 0,2%. Para a antisepsia extrabucal, foi empregada uma solução alcoólica de polivinilpirrolidona-iodada (PVP-I) a 10%, ou solução aquosa de digluconato de clorexidina a 2% (Proderma Farmácia de Manipulação Ltda., Piracicaba, Brasil), nos pacientes com história de alergia ao iodo. Além disso, foram seguidos todos os outros cuidados de rotina para a manutenção da cadeia asséptica.

Após a cirurgia, em ambiente domiciliar, foi recomendada a higienização bucal por meio de escovação cuidadosa, seguida do uso de uma solução aquosa de digluconato de clorexidina 0,12% (Proderma Farmácia de Manipulação Ltda., Piracicaba, Brasil), mantida em contato com a ferida cirúrgica, por 1 minuto, a cada 12 horas, nas primeiras 24 horas pós-operatórias, para prevenir a formação de biofilme na região da ferida cirúrgica. No dia seguinte à intervenção, os voluntários foram orientados a bochechar com 15ml da mesma solução, por 7 dias, quando foi agendada a consulta de retorno para remoção da sutura.

Como medicação analgésica de suporte, prescreveu-se dipirona sódica 500 mg (medicamento genérico) - 1 comprimido a cada 4 horas, se necessário, pelo período de 24 horas. Nos pacientes submetidos a dois ou mais atos cirúrgicos, foi respeitado o intervalo mínimo de 21 dias entre as intervenções17.

Critérios de avaliação da infecção

A incidência de infecção da ferida cirúrgica foi investigada por meio das informações contidas nos prontuários clínicos (no campo onde foi descrita a evolução pós-operatória da intervenção) e por meio de contato direto do pesquisador com os cirurgiões, os quais eram indagados quanto às possíveis variáveis que poderiam ter influenciado para o desenvolvimento do processo infeccioso. Os cirurgiões se basearam nos seguintes sinais e sintomas para caracterizar a infecção: exsudação purulenta da loja cirúrgica (espontânea ou provocada), presença de fístula, celulite ou febre.

A presença de infecção pós-operatória foi analisada em função das seguintes variáveis, também extraídas do prontuário clínico: a) grau de experiência do cirurgião; b) tempo de duração da cirurgia e número de exodontias por sessão; c) sexo, cor e idade dos voluntários; d) hábitos, como tabagismo e etilismo; e) história de doenças sistêmicas e, no caso das mulheres, uso de contraceptivos orais.

Os dados foram tratados estatisticamente por meio do teste do qui-quadrado, com nível de significância de 5%.

Tratamento do processo infeccioso

Caracterizada a infecção da região operada, os voluntários foram tratados por meio de procedimentos de descontaminação local (curetagem cuidadosa, seguida da irrigação com soro fisiológico e solução de digluconato de clorexidina 0,12%), complementados pelo uso sistêmico de amoxicilina 500mg a cada 8 horas (iniciando com dose de ataque de 1g). Na falta de resposta clínica à monoterapia com amoxicilina, foi associado o metronidazol 250mg (1 comprimido a cada 8 horas). No caso dos pacientes com história de alergia às penicilinas ou que apresentaram falha da resposta clínica à associação de amoxicilina e metronidazol, foi prescrito clindamicina 300mg a cada 6 horas (dose de ataque de 600mg). O tratamento antimicrobiano foi mantido até a remissão dos sinais ou sintomas da infecção.

 

RESULTADOS

No período relativo ao estudo foram realizadas 199 cirurgias (n=199), em 177 pacientes, totalizando 434 exodontias de terceiros molares retidos, em diversas posições e graus de dificuldade. A distribuição demográfica da amostra é apresentada de modo pormenorizado na Tabela 1.

Dos 199 procedimentos cirúrgicos realizados, foram constatados 10 casos de infecção da ferida cirúrgica (5% das sessões) em 9 voluntários (5% da amostra), todos eles por ocasião da remoção de terceiros molares mandibulares, somente em mulheres, sendo que uma das voluntárias desenvolveu infecção pós-operatória em ambas as sessões cirúrgicas.

O tempo de duração das cirurgias variou bastante, sendo que a maioria foi realizada no período de 30 a 60 minutos (n = 110). A quantidade de dentes extraídos por sessão não foi uma variável que influenciou significantemente no tempo de duração do procedimento. De fato, das cirurgias com duração maior que 60 minutos, 13 eram exodontias de apenas um terceiro molar e 14 eram dos quatro terceiros molares.

Em duas das 199 intervenções, o operador decidiu pela prescrição de antibiótico no período pós-operatório, uma delas em virtude da quebra da cadeia asséptica (não sendo observada infecção pós-operatória); outra, pelo fato da voluntária ter apresentado uma complicação infecciosa na cirurgia anterior. Entretanto, apesar desta medida, foi constatada a presença de infecção local no período pós-operatório.

Nos 10 casos em que foi diagnosticado o quadro de infecção pós-operatória, a amoxicilina foi o antibiótico empregado para o tratamento, como monoterapia, sendo que em apenas um caso a amoxicilina foi associada ao uso do metronidazol. Porém, a voluntária não apresentou melhora do quadro, sendo esta associação interrompida e substituída pela clindamicina. Em todas as ocasiões foi observada uma adequada resposta clínica ao tratamento instituído. Os casos de infecção e as possíveis variáveis relacionadas são apresentados na Tabela 2.

 

 

 

 

 

Empregando-se o teste do qui-quadrado, pode-se afirmar que com relação à incidência de infecção, houve diferença estatisticamente significante entre os sexos (p=0,0158), o mesmo não ocorrendo no caso das mulheres que usavam ou não contraceptivos orais (p=0,2213). O tempo de duração da intervenção parece ter sido uma variável importante no índice de infecção da ferida cirúrgica, pois houve diferença na incidência de infecção nas cirurgias que tiveram tempo de duração “maior que 60 minutos” (p=0,0165), mas não entre “até 30 minutos” e “de 30 a 60 minutos” (p=0,5172).

Não houve diferença estatística quando foi comparado o número de exodontias realizadas por sessão (p=0,7215), graus de experiência do operador (p=0,0881) e faixas etárias dos voluntários (p=0,4261).

Outro dado que não está diretamente associado ao objetivo desta pesquisa, mas que pode ser destacado, é que também não houve diferença entre o tempo de duração para a realização da(s) exodontia(s) e o grau de experiência do operador (p=0,2788).

 

DISCUSSÃO

Já se encontra bem estabelecido que os procedimentos cirúrgicos que envolvem a manipulação de tecidos, em ambientes contaminados, como por exemplo, a cavidade oral, causam bacteremias transitórias e expõem o organismo a patógenos potenciais1,2,18. As cirurgias de terceiros molares retidos podem promover bacteremia transitória em 85 a 88% dos casos. No entanto, graças ao sistema imunológico, as bactérias são removidas da circulação e o sangue torna-se novamente estéril em menos de 30 minutos após o término da cirurgia, não gerando morbidez ao paciente sadio1.

Com a finalidade de se evitar possíveis consequências da bacteremia transitória, tem-se lançado mão da profilaxia antibiótica. Entretanto, com base nos princípios de profilaxia cirúrgica, para que se justifique tal conduta, o risco de infecção pós-operatória deve ser significante, seja com relação a sua gravidade ou incidência, o que parece não ser o caso das exodontias de terceiros molares mandibulares inclusos16.

De fato, no presente estudo foi encontrado uma incidência de infecção pós-operatória de 5%, dentro da mesma faixa de incidência (1 a 6%)10-12,14,16,19-20.

O uso de antibióticos, de forma profilática ou terapêutica, não deve ser feito de forma indiscriminada, sem antes avaliar a relação entre risco e benefício e custo e benefício para o paciente. Estima-se que 6% a 7% dos pacientes tratados com antibióticos experimentam algum tipo de reação adversa21. Essas reações incluem distúrbios gastrintestinais, cefaleias, episódios de superinfecção e reações alérgicas, incluindo reações potencialmente fatais como o choque anafilático10,19. Além disso, se for analisado de forma mais abrangente, o uso indiscriminado de antibióticos tem contribuído cada vez mais para a seleção de cepas bacterianas resistentes, que por sua vez obrigam a síntese de drogas cada vez mais potentes, aumentando os custos do tratamento em decorrência dos vultosos investimentos financeiros por parte dos laboratórios e instituições de pesquisa.

O bom senso indica que se por um lado os antibióticos não devem ser utilizados de forma rotineira em cirurgias de terceiros molares retidos, por outro seria temerário afirmar que nunca se deve empregá-los. No presente trabalho, optou-se pela utilização de antibióticos no período pós-operatório em duas sessões de atendimento. Na primeira ocasião, houve quebra da cadeia asséptica, fato que comprovadamente aumenta a incidência de infecção. No outro caso, optou-se pelo uso pós-operatório de antibióticos pelo fato da voluntária ter apresentado uma complicação infecciosa na cirurgia anterior e a cirurgia exceder 1 hora. Entretanto, apesar desta medida, foi constatada a presença de infecção local no período pós-operatório sendo tratada com amoxicilina 500mg, em doses terapêuticas (iniciando com dose de ataque, 1g e mantendo 500mg a cada 8 horas).

Recentemente, Ren & Malmstrom22 realizaram uma meta-análise avaliando a efetividade da profilaxia antibiótica em cirurgias de terceiros molares. Os autores concluíram que os antibióticos podem reduzir a incidência de alveolite e infecção da ferida cirúrgica, porém somente quando a primeira dose for administrada previamente à intervenção. Halpern et al.7 e Mônaco et al.8 defendem que a profilaxia antibiótica em cirurgias de terceiros molares além de diminuir a incidência de infecção, ainda diminuem as complicações inflamatórias no período pós-operatório (como o trismo, por exemplo, que pode ocorrer em até 56% dos pacientes23), diminuindo até mesmo o consumo de analgésicos8 .

Está comprovado que alguns grupos restritos de pacientes podem se beneficiar da profilaxia antibiótica cirúrgica, como aqueles que apresentam história de infecção prévia da região operada (pericoronarite, por exemplo). Também podem ser incluídos aqui os pacientes que apresentam maior suscetibilidade às infecções, como os diabéticos não compensados ou portadores de insuficiência renal crônica, pelas deficiências no controle metabólico24; os portadores de outras patologias que interferem no sistema de defesa, tais como a neutropenia e a agamaglobulinemia e os que fazem uso de drogas imunossupressoras16.

É razoável dizer que quanto maior a duração do procedimento cirúrgico, maior é a chance de quebra da cadeia asséptica, aumentando o risco de contaminação do sítio operado. No presente trabalho constatou-se que o tempo de cirurgia foi uma variável significativa na prevalência de infecção, visto que 7 dos 10 casos observados ocorreram quando as intervenções excederam 60 minutos de duração, como também foi observado por Lacasa et al.6, que fizeram uma associação direta entre aumento dos casos de infecção e duração do tempo cirúrgico.

Pode-se especular que, em geral, as infecções pós-operatórias em cirurgias de terceiros molares, em pacientes assintomáticos e imunocompetentes, estão associadas à maior dificuldade e duração do ato cirúrgico, o que acarreta traumatismos teciduais mais intensos, exigindo maior tempo de reparo do que o habitual, aumentando assim os riscos de infecção da ferida cirúrgica.

Na maioria dos casos onde é necessária a internação hospitalar para o tratamento de infecções de origem dental, há o envolvimento do terceiro molar inferior5, sendo que este, quando incluso, encontrase inclinado na maioria das vezes em posição mésioangular, segundo a classificação de Winter25. Parece ser consensual que as exodontias de terceiros molares mandibulares apresentam maiores complicações pós-operatórias do que os dentes maxilares3,6,10,14. Isto parece ter sido comprovado no presente estudo, visto que todos os casos de infecção foram observados após a remoção de terceiros molares mandibulares. Este achado pode ser explicado pelo fato da mandíbula apresentar menor irrigação sanguínea, se comparado à maxila, além do que, na maioria das vezes, as cirurgias dos terceiros molares mandibulares apresentam maior dificuldade operatória, demandando maior tempo cirúrgico e manipulação tecidual.

Alguns autores sugerem que as mulheres podem apresentar maiores índices de complicações pós-operatórias26-27. Embora não tenha sido encontrado suporte na literatura quanto à relação direta entre sexo e a prevalência de infecção, os resultados deste trabalho mostraram que as mulheres foram mais suscetíveis às infecções pós-operatórias nas cirurgias de terceiros molares. Entretanto, outros estudos prospectivos com um maior número de voluntários, poderiam confirmar (ou não) esta assertiva.

Dados de outros pesquisadores mostram que o uso de contraceptivos orais pode aumentar a incidência de complicações pós-operatórias, principalmente no que se refere à alveolite28. Apesar do pequeno número de voluntárias da amostra que empregavam este tipo de medicação, os resultados do presente trabalho não mostraram que o uso de contraceptivos orais contribui para aumentar os índices de infecção.

O tabagismo talvez possa ser considerado um importante fator para o aumento das complicações pós-operatórias em cirurgias bucais29. Contudo, apesar do pequeno número de tabagistas na amostra, os dados aqui encontrados não demonstraram que este hábito se constituiu numa variável importante quanto à incidência de infecção pós-cirúrgica.

Parece estar bem estabelecido que os antibióticos são auxiliares importantes no tratamento das infecções bacterianas bucais que apresentam sinais locais de disseminação, como complemento das medidas de descontaminação local. Por outro lado, em pacientes que não apresentam sinais de infecção e com o sistema imune atuante, o uso profilático rotineiro de antibióticos em cirurgias bucais, como a exodontia de terceiros molares retidos, ainda pode ser considerado como empírico.

O que parece ter sido demonstrado na presente pesquisa, e que está de acordo com os conceitos de vários autores9-11,14, é que o índice de infecção pósoperatória é baixo, mesmo quando não se empregam os antibióticos de forma sistêmica, bastando que as medidas de assepsia e antissepsia sejam seguidas à risca.

Quando a profilaxia antibiótica for requerida, o consenso é de que devem ser empregados os antibióticos mais efetivos contra as bactérias geralmente envolvidas com a infecção que se quer prevenir. Além disso, no momento de maior bacteremia transitória, a concentração sanguínea do antibiótico deve ser alta, daí a justificativa de se empregar uma dose maciça pelo menor tempo possível.

Quanto ao tempo de duração da profilaxia, a literatura mostra que o uso prolongado de antibióticos não confere uma proteção adicional ao paciente e pode aumentar a frequência de reações adversas30.

O uso rotineiro de antibióticos em cirurgias de terceiros molares retidos ainda é um assunto controverso. Contudo, pelo fato da incidência de infecção em cirurgias de terceiros molares ser baixa (em torno de 5%), em especial nos pacientes imunocompetentes, essa medida é inconsistente com os princípios de profilaxia antibiótica cirúrgica e não deve ser estimulado como rotina. Entretanto, no caso de procedimentos nos quais o cirurgião espera maior traumatismo tecidual (osteotomia, por exemplo) e, por consequência, tempo operatório acima do habitual, nada impede de se fazer a profilaxia antibiótica sistêmica, pois estas variáveis talvez sejam fatores de risco de infecção pósoperatória, merecendo uma melhor investigação em futuros trabalhos.

Acredita-se que um protocolo de profilaxia cirúrgica deva ser constituído de uma série de medidas preventivas, sendo que atribuir esta responsabilidade exclusivamente aos antibióticos (ou mesmo à clorexidina) significa superestimar a eficácia destes fármacos.

Nesta direção, os resultados desta pesquisa podem ter contribuído para mostrar que o protocolo cirúrgico e farmacológico adotado pela área de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual de Campinas se constitui numa conduta apropriada para se prevenir as infecções pós-operatórias em cirurgias de terceiros molares retidos, e que talvez possa ser extrapolado para outros tipos de procedimentos cirúrgicos bucais.

Fica a expectativa de que este trabalho possa servir de subsídio para futuras pesquisas que tratem de protocolos farmacológicos direcionados às cirurgias de terceiros molares retidos, com o objetivo de proporcionar maior segurança ao profissional e benefício ao paciente.

 

REFERÊNCIAS

1. Pallasch TJ, Slots J. Antibiotic prophylaxis and the medically compromised patient. Periodontol 2000. 1996;10:107-38.         [ Links ]

2. Stone HH. Basic principles in the use of prophylactic antibiotics. J Antimicrob Chemother. 1984;14(suppl B):33-7.

3. Piecuch JF, Arzadon J, Lieblich SE. Prophylactic antibiotics for third molar surgery: a supportive opinion. J Oral Maxilofac Surg. 1995;53(1):53-60.

4. Revol P, Gleizal A, Kraft T, Breton P, Freidel M, Bouletreau P. Brain abscess and diffuse cervico-facial cellulitis: complication after mandibular third molar extraction. Rev Stomatol Chir Maxillofac. 2003;104(5):285-9.

5. Kunkel M, Kleis W, Morbach T, Wagner W. Severe third molar complications including death-lessons from 100 cases requiring hospitalization. J Oral Maxillofac Surg. 2007;65(9):1700-6.

6. Lacasa JM, Jiménez JA, Ferrás V, Bossom M, Sóla-Morales O, García-Rey C, et al. Prophylaxis versus pre-emptive treatment for infective and inflammatory complications of surgical third molar removal: a randomized, double-blind, placebo-controlled, clinical trial with sustained release amoxicillin/clavulanic acid (1000/62.5 mg). Int J Oral Maxillofac Surg. 2007;36(4):321-7.

7. Halpern LR, Dodson TB. Does prophylactic administration of systemic antibiotics prevent postoperative inflammatory complications after third molar surgery? J Oral Maxillofac Surg. 2007;65(2):177-85.

8. Monaco G, Tavernese L, Agostini R, Marchetti C. Evaluation of antibiotic prophylaxis in reducing postoperative infection after mandibular third molar extraction in young patients. J Oral Maxillofac Surg. 2009;67(7):1467-72.

9. Tong DC, Rothwell BR. Antibiotic prophylaxis in dentistry: a review and practice recommendations. J Am Dent Assoc. 2000;131:366-74.

10. Poeschl PW, Eckel D, Poeschl E. Postoperative prophylatic antibiotic treatment in third molar surgery: a necessity? J Oral Maxillofac Surg. 2004;62(1):3-8.

11. Ataoğlu H, Oz GY, Candirli C, Kiziloğlu D. Routine antibiotic prophylaxis is not necessary during operations to remove third molars. Br J Oral Maxillofac Surg. 2008;46(2):133-5.

12. Lindeboom JA. The controversy continues!. Int J Oral Maxillofac Surg. 2008;37(2):199-200.

13. Arteagoitia I, Diez A, Barbier L, Santamaría G, Santamaría J. Efficacy of amoxicillin/clavulanic acid in preventing infectious and inflammatory complications following impacted mandibular third molar extraction. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2005;100(1):e11-8.

14. Sekhar CH, Narayanan V, Baig MF. Role of antimicrobials in third molar surgery: prospective randomized, placebo-controlled clinical study. Br J Oral Maxillofac Surg. 2001;39(2):134-7.

15. Moore PA, Nahouraii HS, Zovko JG, Wisniewski SR. Dental therapeutic practice patterns in the U.S. II. Analgesics, corticosteroids, and antibiotics. Gen Dent. 2006;54(3):201-7.

16. Peterson LJ. Antibiotics prophylaxis against wound infections in oral and maxilofacial surgery. J Oral Maxilofac Surg. 1990; 48: 617-620.

17. van Gool AV, Ten Bosch JJ, Boering G. Clinical consequences of complaints and complications after removal of the mandibular third molar. Int J Oral Surg. 1977; 6(1):29-37.

18. Titsas A, Ferguson MM. Concepts for the prophylaxis of infective endocarditis in dentistry. Aust Dent J. 2001; 46(3):220-5.

19. Zeitler DL. Prophylatic antibiotics for third molar surgery: a dissenting opinion. J Oral Maxillofac Surg. 1995;53(1):61-4.

20. Tiwana PS, Foy SP, Shugars DA, Marciani RD, Conrad SM, Phillips C, et al. The impact of intravenous corticosteroids with third molar surgery in patients at high risk for delayed healthrelated quality of life and clinical recovery. J Oral Maxillofac Surg. 2005;63(1):55-62.

21. Alanis A, Weintein AJ. Adverse reactions associated with the use of oral penicillins and cephalosporins. Med Clin North Am. 1983;67(1):113-29.

22. Ren YF, Malmstrom HS. Effectiveness of antibiotic prophylaxis in third molar surgery: a meta-analysis of randomized controlled clinical trials. J Oral Maxillofac Surg. 2007;65(10):1909-21.

23. Flores JA, Machado E, Machado P, Flores FW, Mezomo MB. Avaliação da prevalência de trismo em pacientes submetidos à exodontia de terceiros molares. RGO - Rev Gaúcha Odontol. 2007;55(1):17-22.

24. Andrade ED. Terapêutica medicamentosa em odontologia, 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2006.

25. Santos Junior PV, Marson JO, Toyama RV, Santos JRC. Terceiros molares inclusos mandibulares: incidência de suas inclinações, segundo classificação de Winter: levantamento radiográfico de 700 casos. RGO - Rev Gaúcha Odontol. 2007; 55(2):143-7.

26. Larsen PE. Alveolar osteitis after surgical removal of impacted mandibular third molars. Identification of the patient at risk. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1992; 73(4):393-7.

27. Benediktsdottir IS, Wenzel A, Petersen JK, Hintze H. Mandibular third molar removal: risk indicators for extended operation time, postoperative pain, and complications. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2004;97(4):438-46.

28. Garcia AG, Grana PM, Sampedro FG, Diago MP, Rey JMG. Does oral contraceptive use affect the incidence of complications after extraction of a mandibular third molar? Br Dent J. 2003;194(8):453-5.

29. Meechan JG, Macgregor ID, Rogers SN, Hobson RS, Bate JP, Dennison M. The effect of smoking on immediate postextraction socket filling with blood and on the incidence of painful socket. Br J Oral Maxillofac Surg. 1988;26(5):402-9.

30. Classen DC, Evans RS, Pestotnik SL. The timing of prophylactic administration of antibiotics and the risk of surgical-wound infection. N Engl J Med. 1992;326(5):281-6.

 

 

Endereço para correspondência:
A MOREIRA
Centro Universitário da Grande Dourados,
Faculdade de Odontologia.
Rua Balbina de Matos, 2121, Bloco 3, 79824-900,
Dourados, MS, Brasil.

e-mail:
alcidesmoreira@unigran.br

Recebido: 28/4/2009
Aceito: 16/8/2010