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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59  supl.1 Porto Alegre Jan./Jun. 2011

 

ARTIGO REVISÃO / REVIEW ARTICLE

 

Prescrição medicamentosa no tratamento odontológico de grávidas e lactantes

 

Drug prescription in the dentistry treatment of pregnant and lactating women

 

 

Susana Ungaro AMADEII; Elaine Dias do CARMOII;Andresa Costa PEREIRAIII;Vanessa Ávila Sarmento SILVEIRAI;Rosilene Fernandes da ROCHAIV

IFaculdade de Pindamonhangaba, Curso de Odontologia, Departamento de Odontologia
IIUniversidade Bandeirante de São Paulo, Curso de Odontologia, Instituto da Saúde. São Paulo, SP, Brasil
IIIUniversidade Federal de Campina Grande, Curso de Odontologia, Departamento de Ciências Biológicas. Campina Grande, PB, Brasil
IVUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Odontologia, Departamento de Biociências e Diagnóstico Bucal. São José dos Campos, SP, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A terapêutica medicamentosa durante a gravidez deve ser cuidadosa, pois alguns fármacos podem causar sérios efeitos adversos à mãe e ao feto. É imprescindível que a terapêutica cautelosa estenda-se pelo período de amamentação, pois a maioria dos fármacos administrados às mulheres durante a lactação pode ser detectada no leite materno. A prescrição para tais pacientes deve ser realizada de forma racional e cuidadosa, evitando-se desta forma, os efeitos colaterais e as reações adversas. É de extrema importância que o cirurgião-dentista, como profissional da saúde, avalie a necessidade, a eficácia e a relação risco/beneficio dos medicamentos que podem ser prescritos para tais pacientes, além das alterações corpóreas e bucais decorrentes desta fase. Para tanto, a proposta deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica com o objetivo de esclarecer o profissional, no que se refere à prescrição de medicamentos no atendimento odontológico a pacientes gestantes e lactantes.

Termos de indexação: Aleitamento materno. Gestantes. Prescrição de medicamentos.


 

ABSTRACT

Objetivo
The drug prescription during the pregnancy must be carefully conducted, since some drugs can cause serious adverse reaction to both mother and fetus. Moreover, that such careful prescription must be conducted during the whole breastfeeding time, because a lot of drugs, which are prescript to women during the breastfeeding time, can be found in breast milk. The drug prescription for these patients must be done in a rational and careful way, avoiding the adverse effects. It is extremely important that the dentist, as a health professional, evaluate the need, the efficacy, the benefits and the risks of the drugs which can be prescribed for such patients, besides knowing the body and oral alterations resulting from this phase. Therefore, the proposal of this paper was to conduct a literature review aiming to inform dentists about drug prescription in the dentistry treatment of pregnant and lactating patients.

Indexing terms: Breast feeding. Pregnant women. Drug prescriptions.


 

 

INTRODUÇÃO

A gestação, por suas peculiaridades biológicas, torna a mulher e seu concepto particularmente expostos a riscos, entre os quais se destacam aqueles decorrentes do consumo de medicamentos1.

O crescimento da indústria farmacêutica, nas últimas seis décadas, fez com que os medicamentos passassem a ocupar lugar de destaque e hegemônico como alternativos para a cura das doenças e alívio dos sintomas2. Não há como negar que a prescrição de medicamen-tos é parte integrante do processo de assistência à saúde3-4. Contudo, o uso indiscriminado acarreta consequências negativas importantes, como o aumento de efeitos colaterais ou reações adversas, por vezes, bastante graves2.

A população de gestantes estaria melhor assistida na parte odontológica se o médico ginecologista-obstetra as orientasse e encaminhasse para a prevenção e o tratamento odontológico durante a gestação, cumprindo assim seu papel como promotor de saúde5. E é por acreditar que a saúde começa pela boca e por saber que a gravidez provoca alterações no organismo da mulher, inclusive na cavidade bucal, se acredita que toda mulher ao engravidar deveria ter o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, com a presença do cirurgião-dentista no grupo6.

Dessa maneira, ter acesso aos medicamentos não implica necessariamente em melhores condições de saúde ou qualidade de vida, principalmente entre mulheres grávidas e lactantes, pois os maus hábitos prescritivos, as falhas na dispensação, a automedicação inadequada podem levar a tratamentos ineficazes e pouco seguros7. Com o objetivo de orientar o prescritor na escolha terapêutica mais adequada para a gestante, a agência americana Food and Drug Administration (FDA) classificou os fármacos quanto aos efeitos na gestação em categorias de risco A, B, C, D e X8.

Na categoria A, foram incluídos os medicamentos que, em estudos controlados em gestantes, não demonstram risco para o feto durante a gravidez; na categoria B, aqueles em que as pesquisas em animais não demonstraram risco fetal, mas também não existem estudos controlados em mulheres grávidas, ou aqueles cujos estudos em animais mostraram risco, não confirmado em pesquisas controladas em gestantes. Na categoria C, aqueles em que não foram realizados em animais ou mulheres grávidas; ou então, os estudos em animais demonstram risco fetal, mas não existem em mulheres grávidas. Na categoria D, aqueles com evidências positivas de risco fetal humano, porém os benefícios potenciais para a mulher grávida podem, eventualmente, justificar seu risco; e na categoria X, aqueles com evidências positivas de anormalidades fetais, em animais e humanos, sendo contraindicados em mulheres que estão grávidas ou poderão engravidar8.

Além disso, para uma cuidadosa prescrição medicamentosa, o cirurgião-dentista pode seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com a OMS, após selecionar o tratamento medicamentoso e escrever a receita, o prescritor deve informar o paciente sobre: a) os objetivos a curto ou longo prazo do tratamento instituído; b) como, quando e por quanto tempo deve tomar o medicamento; c) seus benefícios e riscos (reações adversas, intoxicações); d) procedimentos a seguir se surgirem alguns efeitos adversos; e) como guardar os medicamentos; f) o que fazer com as sobras9.

Deste modo, o cirurgião-dentista só obterá êxito na administração de medicamentos se agir de forma racional e responsável, principalmente quando prescrever para aqueles pacientes que necessitam de cuidados especiais, como por exemplo o paciente idoso, criança, gestante e lactante10.

A avaliação da necessidade, eficácia, relação risco/benefício e do custo, etapas do processo de seleção, são os passos a serem seguidos para que se tenha uma racionalidade no uso de medicamentos4.

A maior preocupação da administração medicamentosa em gestantes e lactantes é a passagem do fármaco pela barreira placentária e pelo leite materno podendo causar efeitos nocivos ao feto e ao bebê11. O estudo dos medicamentos na gestação tomou grande importância nas décadas de 1950 e 1960, quando foi relatado o aumento da incidência de focomelia (imperfeição dos membros) em filhos de mães que usaram durante a gestação a talidomida como antiemético12-13.

Este trabalho tem como objetivo informar o cirurgião-dentista sobre as principais alterações que ocorrem no metabolismo da gestante com consequências na cavidade bucal, bem como quais medicamentos podem ou não ser utilizados na gestação e durante a amamentação, seus riscos e benefícios.

A gestante e o feto

O atendimento odontológico durante a gravidez é bastante comum, pois as grávidas podem apresentar diversas alterações na cavidade bucal, sendo as principais a hiperplasia e o sangramento gengival, decorrentes de oscilações hormonais, que podem ocorrer a partir do segundo mês de gravidez e usualmente desaparecem após o parto14-15.

A gestação é uma fase da vida com grandes alterações corpóreas, trazendo consequências orgânicas e psicológicas. O estudo de medicamentos na gestação tomou grande importância com as lamentáveis ocorrências verificadas pelo efeito da talidomida, a qual produziu anomalias em fetos11.

Quando a talidomida foi lançada como um sedativo-hipnótico, a sua principal vantagem seria a ausência dos efeitos indesejáveis dos barbitúricos. Contudo, este medicamento supostamente seguro foi responsável por uma "epidemia iatrogênica" que vitimou os filhos de mães que o haviam utilizado na gestação16. Estas ocorrências tiveram grande repercussão mundial, chamando a atenção dos estudiosos, sobre o problema dos efeitos adversos de determinados medicamentos no feto17.

Evita-se o consumo de medicamentos no período gestacional, contudo, nem sempre este procedimento é possível. E em razão disso, deve-se estar atento para as consequências advindas do tratamento medicamentoso1.

Durante o atendimento odontológico às grávidas e lactantes, o cirurgião-dentista defronta-se com a difícil tarefa de decidir sobre as condutas a serem seguidas no que se refere à terapêutica medicamentosa, já que o cuidado com estas pacientes deve ser redobrado. Desta maneira, visando sempre à melhor conduta, o profissional deve conhecer os medicamentos que podem ser prescritos para tais pacientes, além de sua eficácia e segurança14.

O princípio que norteia a escolha da terapêutica a ser utilizada para gestantes é baseado nos riscos-benefícios para o feto e a mãe. Na realidade, o ato de medicar qualquer mulher jovem, em idade fértil, deve sempre levar em conta o risco de uma possível gravidez, já que o período de maior vulnerabilidade fetal aos fármacos é, justamente, o início gestacional, quando ainda não foi constatada a gestação18.

Ao longo dos últimos anos, a terapêutica medicamentosa durante a gravidez tem sido objetivo de numerosas publicações que forneceram dados que possibilitam estimar a relação risco/benefício de farmacoterapias para a gestante e para o feto. O amplo conhecimento acumulado sobre esse tema possibilitou a classificação dos medicamentos em categorias de risco para uso na gestação, orientando o clínico acerca de quais medicamentos prescrever e, especialmente, os quais não prescrever durante a gravidez19.

Devido ao fato das gestantes constituírem um grupo especial de pacientes, elas requerem cuidados específicos com relação aos medicamentos, e o cirurgião-dentista deve lembrar que no atendimento à gestante existem dois indivíduos na cadeira odontológica20.

É de extrema importância avaliar os possíveis riscos e benefícios da indicação de qualquer substância terapêutica na gravidez, principalmente durante os três primeiros meses (18º ao 60º dia) de gestação, pois neste período ocorre a organogênese. Nesta fase, os órgãos do feto estão em desenvolvimento, sendo considerado um período crítico para a suscetibilidade teratogênica13,21. Já no período fetal (60º dia até o final da gestação), período de crescimento e aperfeiçoamento das funções, alguns medicamentos também podem determinar alterações funcionais em certos órgãos21.

De acordo com Katsung22, a maioria dos fármacos administrados às mulheres grávidas atravessa a barreira placentária e expõe o feto a seus efeitos farmacológicos e teratogênicos pelo fato da gestação determinar diversas alterações fisiológicas. Dentre as principais alterações, destacam-se o aumento da volemia e do fluxo plasmático renal, além da diminuição relativa de proteínas plasmáticas, que modificam várias características farmacocinéticas, tais como a ligação fármaco-proteína, velocidade de distribuição e depuração renal do fármaco administrado.

Infelizmente, a placenta não é uma barreira efetiva para a maioria dos medicamentos e, uma vez que estes a tenham atravessado, seus efeitos dependerão da habilidade dos tecidos fetais em metabolizar a substância, bem como da suscetibilidade desses tecidos à agressão17. Desta maneira, a maior preocupação da administração medicamentosa em gestantes é a possível passagem do fármaco pela barreira placentária, consequentemente, atingindo o feto e causando efeitos nocivos11.

Knuppel & Drukker11 consideraram a herança multifatorial responsável por 30% das anomalias congênitas, dentre estas a mendeliana e os distúrbios cromossômicos respondem por 20%, as drogas e agentes ambientais por 8% e os 42% restantes são de etiologia desconhecida. Apesar da proporção de anomalias congênitas resultantes de distúrbios genéticos ou cromossômicos serem muito maior do que a causada por medicamentos, esta última deve ser considerada pelo profissional quando da administração de fármacos, pois embora o risco seja menor, existe a possibilidade de indução de anomalias congênitas.

Segundo Fuchs et al.14, a literatura enfoca principalmente os riscos de teratogenia, porém esses não são os únicos efeitos indesejáveis dos fármacos na gravidez. Na gestante, a farmacocinética difere da que ocorre em mulheres não-grávidas. A gestante apresenta alterações fisiológicas que podem predispor ao aparecimento de doenças oro-dentário e outras alterações que podem modificar a absorção, distribuição e eliminação dos fármacos, podendo condicionar reajustes em esquema de administração (doses e intervalos).

Outro grande problema é o uso indiscriminado de medicamentos receitados ou não por um profissional de saúde durante a gestação. Alguns estudos têm mostrado que o acesso das gestantes e lactantes aos medicamentos em serviços de saúde, tanto públicos quanto privados, é bastante fácil, sem padronização e sem indicação adequada, levando desta maneira, a um aumento do risco de efeitos adversos às gestantes e aos fetos19,23-24.

Mengue et al.23 entrevistaram 5.564 gestantes, entre a 21ª e a 28ª semana de gravidez, atendidas nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) em algumas cidades brasileiras. Observaram grandes variações quanto ao uso de medicamentos, principalmente entre os antianêmicos e vitaminas associadas aos antianêmicos, mostrando a ausência de um padrão nacional quanto ao uso dos medicamentos utilizados pelas gestantes.

No estudo realizado por Gomes et al.24 foi avaliada a prevalência do uso de medicamento durante a gravidez, os grupos farmacológicos mais utilizados e a fonte de indicação, em 1.620 mulheres que deram à luz em cinco hospitais de atendimento público, privado ou conveniado, da cidade de São Paulo. Verificaram que as medicações mais usadas, excluindo-se as vitaminas, sais minerais e vacinas, foram os analgésicos, antiácidos, antieméticos e antiespasmódicos. Além disso, foi verificado que a assistência médica desempenhou papel facilitador no acesso ao uso de medicamentos durante o período gestacional.

Fonseca et al.19realizaram um estudo retrospectivo sobre o padrão do uso de medicamentos durante a gravidez em um hospital-escola de Campinas (SP). Os autores concluíram que o conhecimento dos medicamentos utilizados na gravidez pode ajudar a planejar programas de educação continuada para os profissionais de saúde e de esclarecimento para as gestantes.

A lactante e o bebê

Assim como na gestação, o princípio fundamental da prescrição de medicamentos para mães em lactação baseia-se no conceito de risco e benefício. Desta maneira, conhecer as características farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos medicamentos e sua difusão pelo corpo pode ser útil na identificação do risco e benefício de seu uso durante a amamentaçã25.

A maioria dos fármacos administrados a mulheres durante a lactação pode ser detectada no leite materno. Felizmente, a concentração de fármacos obtida no leite é habitualmente baixa. Contudo, durante a lactação, o melhor é evitar o uso de medicamentos que não possuem dados disponíveis sobre sua segurança22.

Os fármacos durante a lactação devem ser administrados de modo conservador e o cirurgião-dentista deve conhecer os medicamentos potencialmente perigosos para a lactante e para o bebê. A quantidade total do medicamento que o lactente deve receber por dia através do leite materno, deve ser menor do que a que seria considerada como dose terapêutica. Deve ser administrado de 30 a 60 minutos após amamentação ou de 3 a 4 horas antes da próxima mamada. Este intervalo de tempo permite a depuração de muitos fármacos do sangue materno, de modo que as concentrações presentes no leite serão relativamente baixas22,25.

Lamounier et al.26 entrevistaram 2.161mulheres por meio de questionários aplicados em 4 hospitais da cidade de Belo Horizonte (MG) para avaliar o uso de medicamentos em puérpuras. Os autores observaram que os fármacos mais utilizados pelas mães foram os anti-inflamatórios (77,8%), seguidos pelos analgésicos (75,5%) e antibióticos (17,8%), sendo que mais de um medicamento foi prescrito simultaneamente. De acordo com os autores para o uso racional do uso de medicamentos durante o aleitamento materno deve-se: a) avaliar a real necessidade da terapia medicamentosa; b) se for realmente necessária, optar por um medicamento sabidamente seguro para a criança; c) se possível, preferir a terapia tópica ou local do que a sistêmica; d) programar o horário de administração do fármaco à mãe, evitando o pico do medicamento no leite materno durante a amamentação; e) orientar a mãe sobre possíveis efeitos colaterais no lactante, como agitação, alteração do tônus muscular e do padrão alimentar, distúrbios gastrintestinais; f) evitar medicamentos de ação prolongada pela maior dificuldade de serem excretadas pelo lactente.

Anestésicos locais

A gravidez parece aumentar a suscetibilidade aos anestésicos locais, de modo que as doses necessárias para bloqueio nervoso e para produzir toxicidade são reduzidas, não se sabendo ao certo se esse efeito é devido aos níveis elevados de estrogênio, à elevação de progesterona ou a algum outro fator22.

Em geral, os anestésicos locais são considerados seguros para uso durante todo o período gestacional e estudos retrospectivos de mulheres que receberam anestesia local para procedimentos de emergência no primeiro trimestre confirmaram tal ponto de vista27.

A primeira opção em solução anestésica é a lidocaína 2% com epinefrina (1:100.000). A lidocaína, há mais de 50 anos, é o anestésico local mais empregado em todo o mundo, sendo o anestésico padrão de comparação para todos os anestésicos locais. Apresenta um início de ação (tempo de latência) rápido, em torno de 2 a 3 minutos. Entretanto, devido a sua ação vasodilatadora, a duração da anestesia pulpar é limitada a 5 a 10 minutos. Por este motivo, praticamente não há indicação de lidocaína 2% sem vasoconstritor em Odontologia20.

De acordo com Armonia & Tortamano17, não se deve utilizar a benzocaína (Americaine®, Gingicaine®, Hurricaine®, Topicale®) e a procaína (Novocain®) como anestésicos locais durante a gestação, pois estes fármacos dificultam a circulação placentária, além de provocar metemoglobinemia.

A metemoglobinemia é uma doença grave que pode levar o indivíduo à morte se não houver um suporte imediato. Ocorre devido ao aumento de tipo de hemoglobina que não consegue carrear o oxigênio adequadamente, e é produzida a partir da oxidação da hemoglobina em seu estado ferroso (Fe2+) para seu estado férrico (Fe3+)28.

Os mecanismos para que essa doença ocorra são a deficiência da enzima metemoglobina redutase, a presença aumentada da hemoglobina M congênita ou adquirida por exposição do paciente a certos agentes químicos como a benzocaína e a procaína28.

Armonia & Tortamano17 também não recomendam o uso do Novocol®, pois o seu vasoconstritor (fenilefrina) tem efeito ocitotóxico, diminui a circulação placentária e dificulta a fixação do óvulo no útero.

Analgésicos e anti-inflamatórios não-esteroidais

É consenso geral que o cirurgião-dentista prescreve pouco e o seu arsenal de medicamentos é restrito. Contudo, tem-se observado que o arsenal antimicrobiano, analgésico e anti-inflamatório pode ser menor do que aquele utilizado pelos médicos, mas possui uma diversidade considerável29.

Muitas vezes, a falta de conhecimentos e a informação imprecisa ou equivocada acerca das propriedades e do uso de medicamentos determinam decisões errôneas no momento da prescrição medicamentosa3.

Diante disso, é dever do cirurgião-dentista conhecer os aspectos farmacológicos dos medicamentos que prescreve29, principalmente em se tratando de gestantes e lactantes, em que qualquer erro na prescrição pode causar efeitos irreversíveis no feto ou bebê.

O analgésico mais amplamente prescrito pelo cirurgião-dentista é sem dúvida o paracetamol (Dôrico®, Tylenol®), podendo ser prescrito também a pacientes gestantes e lactantes14,17.

A dipirona sódica (Novalgina®) é o analgésico de segunda escolha, pois pode provocar agranulocitose17, ou seja, a redução do número de granulócitos no sangue periférico (neutropenia), podendo predispor o indivíduo às infecções30.

Os anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES) são representados por um grande número de fármacos, dentre estes, o ácido acetilsalicílico, diclofenaco, ibuprofeno, naproxeno, indometacina, rofecoxib, que são prescritos com frequência pelo cirurgião-dentista.

Contudo, em geral, não se recomenda o uso de qualquer AINE às gestantes. Se for necessária, a utilização de um desses fármacos durante a gravidez, o ácido acetilsalicílico em pequenas doses é provavelmente o mais seguro. De qualquer modo, o ácido acetilsalecílico e outros AINES devem ser interrompidos antes da época prevista do parto, a fim de evitar complicações como prolongamento do trabalho de parto, maior risco de hemorragia pós-parto e fechamento intra-uterino do canal arterial31.

Desta maneira, o ácido acetilsalicílico, como por exemplo, a Aspirina® deve ser usada com cautela, pois além do risco de prolongar o trabalho de parto, ao inibir síntese das prostaglandinas envolvidas na iniciação das contrações uterinas, há também algumas evidências de que, em doses muito elevadas, pode causar efeitos teratogênicos27. De acordo com Fuchs et al.14, estudos demonstraram que as gestantes que utilizaram tal medicamento em grande proporção durante os primeiros 56 dias da gravidez deram à luz a crianças com diversas malformações.

De acordo com Armonia & Tortamano17 devese evitar a prescrição de AINES às mães que estão amamentando. Contudo, para Fuchs et al.14, os AINES apresentam-se em pouca ou nenhuma quantidade no leite, podendo ser utilizados pela lactante. Em relação ao ácido acetilsalicílico, o lactente poderá ser afetado quando houver uma excessiva ingestão materna (mais de 8g/dia). Segundo Gusi et al.12, os corticosteróides devem ser usados com muita cautela, pois em doses elevadas pode causar anormalidade na curva glicêmica da gestante, insuficiência das supra-renais e a síndrome de Cushing. Esta síndrome também chamada de hipercortisolismo ou hiperadrenocorticismo é uma desordem endócrina que pode ocorrer devido aos níveis elevados de cortisol no sangue induzidos pela administração do medicamento.

Antibióticos

O clínico deve considerar cuidadosamente a relação entre benefício e risco, quando indica o uso de antibióticos para gestante. A estreptomicina tem sido associada à lesão do oitavo par craniano e defeitos esqueléticos no feto. As tetraciclinas, quando administradas até a segunda metade da gravidez causam hipoplasia dos dentes e dos ossos do feto e foram associadas à ocorrência de cataratas congênitas27.

Em casos de real necessidade, pode ser utilizada a amoxicilina (Amoxil®), benzilpenicilina benzatina (Benzetacil®), eritromicina (Pantomicina®), fenoximetilpenicilina potássica (Pen-Ve-Oral®)17.

A maioria dos antibióticos administrados a mulheres durante a lactação pode ser detectada no leite materno. As concentrações de tetraciclina no leite materno correspondem a cerca de 70% das concentrações séricas maternas, assim, o uso de altas doses, por tempo prolongado, pode impregnar os dentes e inibir o crescimento ósseo do lactente. Durante as primeiras semanas do pós-parto, ainda pode induzir icterícia ou anemia hemolítica14,22.

As penicilinas, cefalosporinas e eritromicina apresentam-se em pouca ou nenhuma quantidade no leite, podendo ser utilizados com segurança durante a lactação. O metronidazol (Flagyl®), outro antibiótico amplamente prescrito pelo cirurgião-dentista não deve ser administrado durante a gestação e lactação, pois é tido como potencialmente teratogênico para seres humanos14.

Outros medicamentos

Os ansiolíticos como o bromazepam (Lexotan®), lorazepam (Lorax®), diazepam (Dienpax®), Valium®) estão contra-indicados durante a gravidez, pois se suspeita que estes medicamentos tenham um poder teratogênico razoável17.

A maior parte dos sedativos e dos hipnóticos atinge concentrações no leite materno que são suficientes para produzir efeito farmacológico em lactentes. O diazepam pode exercer efeito sedativo sobre o lactente, além disso, apresenta meia-vida prolongada, que pode resultar em acúmulo significativo do fármaco22.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se concluir que a terapêutica medicamentosa em gestantes e lactantes requer sempre uma avaliação cuidadosa dos riscos potencialmente envolvidos nesta prática. Desta maneira, o cirurgião-dentista deve prescrever de forma racional e responsável, com o intuito de evitar os efeitos indesejáveis que podem ser causados pelo uso dos medicamentos. É de suma importância, a atualização constante do profissional, através da busca por recentes informações em referências atualizadas ou em centros especializados, sobre os fármacos e seus possíveis efeitos nocivos à mãe e à criança.

 

Colaboradores

SU AMADEI, ED CARMO, AC PEREIRA e VAS SILVEIRA foram responsáveis por todas as etapas da elaboração do artigo. RF ROCHA orientou o desenvolvimento do trabalho.

 

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Endereço para correspondência:
SU AMADEI
Faculdade de Pindamonhangaba,
Curso de Odontologia,
Departamento de Odontologia.
Rod. Presidente Dutra, Km 99,
Pindamonhangaba, SP, Brasil.

e-mail:
suamadei@yahoo.com.br

Recebido: 26/9/2008
Aceito: 26/8/2009