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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

versão On-line ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.61  supl.1 Porto Alegre Jul./Dez. 2013

 

REVISÃO / REVIEW

 

Recuperação do espaço biológico: uma discussão das medidas utilizadas nas cirurgias de aumento de coroa clínica com osteotomia

 

Biologic width recovery: a discussion of the measurements utilized on crown lengthening procedures with osteotomy

 

 

Clébio Derocy FERREIRA JUNIOR I; Marília Marta Guerra da Costa REIS I; Eliane dos Santos Porto BARBOZA II

 

I Universidade Federal Fluminense, Centro de Ciências Médicas, Programa de Pós-Graduação em Odontologia. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
II Universidade Federal Fluminense, Centro de Ciências Médicas, Programa de Pós-Graduação em Odontologia

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Os aspectos fisiológicos dos tecidos gengivais supracrestais, que compreendem sulco gengival, epitélio juncional e inserção conjuntiva, bem como suas medidas biológicas, têm sido amplamente estudados em Periodontia, principalmente relacionados às cirurgias de aumento de coroa clínica com osteotomia. Quando há invasão do espaço biológico faz-se necessário sua recuperação. A osteotomia visa restabelecer as distâncias anatômicas dos tecidos gengivais supracrestais, de modo a torná-los saudáveis. Há diversos trabalhos científicos sobre a suposta distância ideal na recuperação dos tecidos gengivais supracrestais, com medidas que variam de 3,0 a 5,25. Recentes estudos têm demonstrado alto grau de equivalência entre as distâncias dos tecidos gengivais supracrestais de dentes contralaterais, em um mesmo indivíduo. Estes fatos ratificam a necessidade de que o parâmetro fixo de 3,0 mm pré-estabelecido nos procedimentos cirúrgicos de aumento de coroa clínica com osteotomia seja revisto. O presente trabalho propõe discutir, baseado na literatura pertinente, as diferentes medidas utilizadas na recuperação da distância dos tecidos gengivais supracrestais..

Termos de indexação: Cirurgia bucal. Osteotomia. Periodontia. Periodonto.


 

ABSTRACT

The physiological aspects of the supracrestal gingival tissues, which include gingival sulcus, junctional epithelium and connective tissue attachment have been widely studied in Periodontology, mainly related to crown lengthening procedures with osteotomy. If the biologic width is violated, it is necessary to be recovered. The osteotomy aims to restore the anatomical dimensions of the supracrestal gingival tissues. There are several scientific studies about the optimal distance in the supracrestal gingival tissues recovery, with measures ranging from 3.0 to 5.25. Recent studies have showed a high similarity between the supracrestal gingival tissues of contralateral teeth in the same individual. These facts corroborate the need to review the parameter of 3.0 mm utilized on crown lengthening procedures with osteotomy. This paper aims to discuss, based on the literature, the different measures used on the supracrestal gingival tissues recovery.

Indexing terms: Oral surgery. Osteotomy. Periodontics. Periodontium.


 

 

INTRODUÇÃO

Os princípios fisiológicos do espaço biológico periodontal, mais recentemente chamado de tecidos gengivais supracrestais (TGS), têm sido amplamente discutidos na literatura.

Em um estudo realizado através de microscopia em 287 dentes (325 superfícies) de 30 maxilares de cadáveres humanos, Gargiulo et al.1 mensuraram as distâncias ocupadas pelo sulco gengival, epitélio juncional e inserção conjuntiva.

Como resultado, foi obtida uma média de 0,69 mm de profundidade de sulco gengival (0 a 2,79 mm); 0,97 mm de epitélio juncional (0,71 a 1,35 mm) e 1,07 mm de inserção conjuntiva (0,44 a 1,56 mm), perfazendo uma distância de 2,73 mm da crista óssea alveolar à margem gengival.

O termo "espaço biológico" foi pioneiramente descrito em 1962 e refere-se à distância compreendida entre a base do sulco gengival e o topo da crista óssea alveolar, sem a inclusão do sulco gengival nestas medidas2.

No entanto, Nevins & Skurow3, enfatizaram que o sulco gengival não é menor que 1,0 mm e deveria fazer parte do então chamado "espaço biológico". Os autores também relataram que a crista óssea alveolar é recoberta por fibras de Sharpey que ocupam coronariamente uma distância aproximada de 1,0 mm.

A integridade do "espaço biológico" é de suma importância para a manutenção da saúde gengival, uma vez que sua existência é fundamental para a aderência do epitélio juncional e da inserção conjuntiva à estrutura dentária2,4-6.

Fraturas radiculares, reabsorções dentárias, perfurações radiculares, preparos protéticos iatrogênicos e cáries são as causas mais comuns de invasão do espaço dos TGS. Diante de quadros como estes, a recuperação desta distância se faz necessária, seja por meio de cirurgia de aumento de coroa clínica com osteotomia ou tracionamento ortodôntico. Tais condutas devem ser realizadas previamente aos procedimentos restauradores7.

Para que haja a manutenção das bases biológicas, a prática cirúrgica de aumento de coroa clínica deve respeitar alguns princípios tais como: sempre que possível o término do preparo deve ser finalizado antes do ato cirúrgico; quantidade suficiente de osso alveolar deve ser removida para que se obtenha a distância correta, principalmente nos casos onde o término do preparo ainda não foi concluído; medidas transulculares em áreas sadias e / ou contralaterais devem ser feitas, já que se estima que essas distâncias sejam compatíveis; a arquitetura óssea deve ser observada, pois juntamente com a superfície anatômica do dente, ditam a forma gengival; o perfil de emergência da prótese não pode causar danos aos tecidos gengivais supracrestais; o término protético deve estar sempre paralelo à margem gengival, nunca ultrapassando 0,5mm intrasulcularmente; quando possível o término do preparo deve ser supragengival8.

A sondagem transulcular tem se mostrado um método auxiliar de grande importância na determinação da dimensão dos tecidos gengivais supracrestais9-10.

Elementos dentários com periodonto clinicamente saudável foram submetidos a sondagem transulcular nas faces vestibular, lingual, mesial e distal e suas medidas comparadas aos sítios com indicação de cirurgia a retalho. A distância da margem gengival até o topo da crista óssea foi obtida através de uma sonda periodontal evidenciando a eficácia do método empregado9.

Por meio de sondagem transulcular, os tecidos gengivais supracrestais de indivíduos com periodonto clinicamente normal foram também mensurados e comparados contra lateralmente. Como resultado, foi constatado um alto grau de equivalência entre os tecidos gengivais supracrestais dos elementos dentários homólogos estudados11.

A resposta cicatricial de 84 dentes submetidos à cirurgia de aumento de coroa clínica, através de retalho reposicionado apicalmente com osteotomia, foi avaliada por um período de um a doze meses. Os tecidos gengivais marginais apresentaram uma tendência de crescimento coronal em comparação ao nível estabelecido na cirurgia12.

No entanto, em um estudo com dezenove indivíduos submetidos à cirurgia de aumento de coroa clínica com osteotomia, foi verificado que seis meses após o ato cirúrgico houve uma redução de 0,51 a 0,61 mm dos tecidos gengivais supracrestais, comparados com a mensuração pré-cirúrgica10.

O presente artigo propõe discutir os diferentes parâmetros utilizados nas cirurgias de aumento de coroa clínica com osteotomia.

 

DISCUSSÃO

Diferentes nomenclaturas têm sido utilizadas na literatura referindo-se ao espaço biológico2 tais como distância biológica, largura biológica ou tecidos gengivais supracrestais8,11.

Outro assunto controverso com relação aos tecidos gengivais supracrestais, refere-se à inclusão ou não do sulco gengival em suas medidas. Grande parte dos autores, baseada em Nevins & Skurow3, inclui o sulco gengival como componente fundamental dos TGS4-5,7,13-17. Entretanto, alguns autores não consideram o sulco gengival como integrante dos tecidos gengivais supracrestais2,18-19.

O estudo realizado por Gargiulo et al.1 preconizou um valor médio de 3,0 mm para a recuperação dos tecidos gengivais supracrestais. A maioria dos autores permanece adotando esta medida entre o término do preparo protético e o topo da crista óssea alveolar, nas cirurgias de aumento de coroa clínica com osteotomia3-5,7,13-17,20. No entanto, o estudo evidenciou variações de medidas de dente para dente e em diferentes faces de um mesmo dente. Outros indicadores que tornam questionáveis este padrão de 3,0 mm utilizados para o restabelecimento das medidas biológicas são a falta de individualização dos dados como sexo e idade dos espécimes e a execução das medições em cadáveres humanos11.

Alguns autores adotaram, empiricamente, durante os procedimentos de recuperação dos TGS, diferentes parâmetros para osteotomia. Rosenberg et al.18 concluíram que são necessários de 3,5 a 4,0 mm de estrutura dentária sadia coronária à crista óssea alveolar. Outras recomendações como 3,0 a 4,0 mm21; 4,0 mm22 e 5,0 a 5,25 mm6 supra-ósseos foram preconizadas com o intuito de abrigar os tecidos gengivais supracrestais.

Dentre os métodos de mensuração dos tecidos gengivais supracrestais, a sondagem transulcular tem se mostrado fidedigna quando comparada aos métodos trans-operatórios de medição direta do nível ósseo9-10.

A sondagem transulcular de um dente contralateral como parâmetro nas cirurgias de aumento de coroa clínica foi proposta para a recuperação das distâncias dos tecidos gengivais supracrestais por osteotomia8,11. Através deste recurso, os TGS de cem indivíduos (1600 sítios) foram mensurados e suas distâncias variaram de 1,0 a 6,0 mm (3,3 mm ± 0,8). Houve uma similaridade contralateral média de 71,8% chegando, em alguns sítios, a 92%. Portanto, a individualização dos dados permite que a quantidade exata de tecido ósseo seja removida para o abrigo dos TGS. A sondagem transulcular do sítio mésiobucal de segundos pré-molares superiores esquerdos de homens evidenciou, como média, 4,2 mm. Deste modo, os clássicos 3,0 mm preconizados para o restabelecimento dos tecidos gengivais supracrestais seriam insuficientes. Porém, medições realizadas na região centro-bucal de primeiros molares inferiores direito de mulheres revelaram uma média de 2,2mm. Assim sendo, o valor pré-estabelecido de 3,0 mm de ressecção óssea seria excessivo. Os autores concluíram que estas distâncias são pré-determinadas geneticamente, devendo ser levadas em consideração quando na cirurgia de aumento de coroa clínica com osteotomia, por sua grande similaridade contralateral11.

A literatura tem mostrado resultados contraditórios com relação ao padrão de cicatrização dos tecidos gengivais supracrestais quando submetidos a procedimentos cirúrgicos de recuperação de suas distâncias biológicas o que parece ter relação com a técnica cirúrgica empregada, com variações individuais da resposta cicatricial e com o biótipo periodontal do paciente. Em um estudo prospectivo de doze meses foi verificada a regeneração dos tecidos gengivais supracrestais em sentido coronal12. A reformação coronal se mostrou mais acentuada em pacientes com biótipo periodontal do tipo "espesso", não havendo relação com idade e sexo dos indivíduos estudados12. Por outro lado, uma redução dos TGS de 0,51 a 0,61 mm foi verificada seis meses após cirurgia de aumento de coroa clínica, em comparação ao estabelecido no ato cirúrgico10.

Há uma carência de dados na literatura que possam validar os procedimentos de recuperação dos tecidos gengivais supracrestais. Estudos mais amplos devem ser realizados a fim de que as bases biológicas que guiam os tecidos gengivais supracrestais sejam compreendidas e ajustadas aos procedimentos cirúrgicos de aumento de coroa clínica com osteotomia, para que se obtenha maior previsibilidade na recuperação das distâncias dos tecidos gengivais supracrestais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A manutenção das distâncias biológicas dos tecidos gengivais supracrestais é de suma importância para a saúde periodontal.

Os procedimentos cirúrgicos de aumento de coroa clínica com osteotomia, ainda hoje, são realizados tendo como base o parâmetro fixo de 3 mm proposto em 1961 por Gargiulo et al.1

Sabendo que existe uma grande similaridade, de ordem genética, entre as distâncias dos tecidos gengivais supracrestais em dentes contralaterais de um mesmo indivíduo é prudente utilizar estes dados para que a quantidade exata de tecido ósseo seja removida durante os procedimentos de aumento de coroa clínica com osteotomia envolvida.

O comportamento dos tecidos gengivais supracrestais, pós-cirurgicamente, tem apresentado variações, o que requer maiores investigações para o estabelecimento de parâmetros confiáveis na recuperação desses tecidos.

 

Colaboradores

CD FERREIRA JUNIOR, MMGC REIS participaram da pesquisa bibliográfica, e redação do artigo. ESP BARBOZA orientou a pesquisa e participou da redação do artigo.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
ESP BARBOZA
e-mail:
barbozae@uol.com.br